sábado, 4 de julho de 2009

Nota sobre os clássicos agraristas

Raimundo Santos
Fonte: Gramsci e o Brasil

Quando relemos os clássicos agraristas, advertimos que o tradicional agrorreformismo pecebista (do qual Alberto Passos Guimarães é o principal artífice) e a idéia de revolução agrária não camponesa de Caio Prado Jr. desestimulavam os campesinismos associados às ações armadas dos últimos anos da década de 1960.

A releitura de Guimarães e Prado resulta proveitosa por trazer dois temas ainda hoje cruciais. O primeiro é o do sentido cada vez mais abrangente do nosso agrorreformismo, inclusive o mais contemporâneo, o da chamada “reforma agrária ampliada” (em relação à questão fundiária). Recorde-se que Ignacio Rangel, em 1962, defendia medidas reformistas relativas a “aspectos não propriamente agrários” e José Graziano da Silva propôs, em 1996, uma “reforma agrária não essencialmente agrícola”. O próprio José de Souza Martins acaba de publicar o texto “A reforma agrária bifocal”, no qual divisa um novo espaço de emancipação dos desvalidos rurais: o agronegócio “alternativo e popular”, certamente estruturado por redes sociais e outras mediações não produtivistas.

O segundo tema diz respeito à forma do conflito agrário, que deveria ser dirigido por via não violenta. Para os dois clássicos, da forma pacífica (a única capaz de se generalizar no país) dependeria o êxito do processo reformista do mundo rural. Hoje tema pouco acentuado, no pré-64 essa questão da forma do conflito agrário era ponto estratégico para Passos Guimarães, Caio Prado e o “sindicalismo camponês” (organizar sindicatos para mobilizar camponeses) praticado pelo velho PCB, do qual resultou — não por acaso — a criação da rede sindical ao largo do nosso território (a Contag).

Raimundo Santos é autor, entre outros, de O caminho nacional da UFRRJ (2008). Esta nota foi desenvolvida na reunião da Latin American Association Studies, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 2009.

Sonho improvável

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Bastou voltar a respirar os ares da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, para o ex-ministro Mangabeira Unger voltar a ter os delírios personalistas que o fazem, na definição de Caetano Veloso, ser um "aventureiro do bem", mas que pode ser confundido com um puro arrivismo político em busca de espaço para suas experimentações pessoais. O que não impede que alguns de seus diagnósticos sejam corretos.

Ele saiu do Ministério com "uma visão da mediocridade da vida pública nacional, políticos que não merecem a confiança do povo brasileiro, o Estado que pouco funciona, a política misturada com dinheiro, o discurso político inconsequente", mas convencido de que, "apesar de tudo isso, o Brasil já é um país de primeira ordem".

Além de continuar a colaborar com o presidente Lula na formulação de um Projeto do Futuro, com o qual ele "coroaria o seu governo como uma ponte na transição do cargo", ele pretende levar adiante seu engajamento com o Brasil: "É a coisa mais importante para mim".

Longe de uma coerência partidária, em busca de mais espaço para sua atuação, ele diz que pretende "avaliar o melhor instrumento político para continuar". E é assim, como instrumentos para colocar em prática seus projetos, que ele analisa os principais contendores na sucessão de Lula:

"Conheço a Dilma Rousseff há quase 30 anos, ela era do PDT, ligada a meu amigo Brizola, foi ela quem me procurou há muitos anos e realizou vários debates programáticos meus. Sinto que a intuição dela, a inteligência dela, caminha nesse sentido. Tenho grande afeição por ela".

Diz que conhece José Serra menos - "porém respeito também" - e continua tendo "uma relação muito próxima com o Ciro Gomes", e por isso vai considerar todas as opções.

Mangabeira pretende também "reavaliar" a permanência no PRB, partido do bispo Macedo, da Igreja Universal, partido criado por uma manobra do presidente Lula para se aproximar dos evangélicos através do vice José Alencar, e que um dia Mangabeira definiu como "uma conspiração de dentro do sistema para derrubá-lo através do próprio vice, que seria o candidato à Presidência do novo partido, contra Lula e sua política econômica".

Não passava de uma alucinação política, que acabou levando Mangabeira ao governo do homem que um dia considerou "o mais corrupto da nossa história nacional".

A experiência que viveu nestes dois anos ele considera "como um sonho", onde foi tudo improvável: "Improvável que o presidente me convidaria, a mim, que fui um crítico contundente do primeiro governo dele, improvável no desdobramento, a minha pasta não tinha recursos orçamentários, eu não tinha o que oferecer".

Ele agora está "determinado a não cometer o erro do filósofo em política, que é procurar um outro para fazer o serviço". "O que não quer dizer que pretenda ser candidato, mas que pretendo atuar na minha própria voz, e não atuar apenas como assessor ou conselheiro".

Segundo ele, a experiência básica "foi incrivelmente energizante" e ele confirmou a impressão de que "nossa vida pública é de terceira ordem, não presta para o povo brasileiro, mas o Brasil já é um país de primeira ordem".

Nas suas viagens, ele diz que sentiu que o Brasil é "um caldeirão de energia, tem toda a vitalidade dos Estados Unidos sem os antagonismos e intolerâncias que maculam a vida americana, e tem tudo para desempenhar um papel singular na história da Humanidade".

Nosso grande problema, no seu diagnóstico, é que "não nos organizamos para instrumentalizar essa energia toda". Ele diz que "muita coisa já deu certo e podemos aproveitar, como a inventividade tecnológica popular e o empreendedorismo emergente, as duas forças constitutivas do Nordeste".

Uma constatação empírica é que "o acontecimento social mais importante no Brasil no último meio século é o surgimento, ao lado da classe média tradicional, de uma segunda classe média, que é composta por milhões de pessoas que lutam para abrir pequenos negócios, que estudam à noite, que também se filiam a novos clubes e a novas igrejas".

Mas o mais importante, diz ele, é que vigora no país "uma cultura de auto-ajuda e de iniciativa que já domina o imaginário popular". Segundo sua visão, Getulio Vargas promoveu uma revolução no século passado aliando o Estado aos setores organizados da sociedade e da economia.

Hoje, a revolução brasileira seria o Estado usar seus recursos "para permitir à maioria seguir o caminho da nova vanguarda de batalhadores e emergentes, mas para isso não basta fazer obras, não basta realocar recursos, é preciso renovar nossas instituições".

Mangabeira diz que é preciso "reinventar de forma contemporânea a ideia de um projeto nacional e a prática do planejamento de longo prazo, sem nenhum laivo de autoritarismo e guiado por um espírito experimentalista, como convém ao povo brasileiro".

Afirma que sai do governo "inconformado com essa tragédia de o país ter tanta energia e tão pouco ser dado ao povo brasileiro". "Eu me sinto oprimido pela sensação das mazelas da nossa vida pública imprestável para este objetivo".

Fora do Sudeste, ele constatou que "o Brasil começa a fervilhar". O que ele não gostaria é de que ocorresse "o embate entre gente que proponha administrar o Estado de forma mais eficiente e gente que propõe fazer obras", numa crítica indireta tanto a Dilma como a Serra. Como se se colocasse como alternativa, mesmo que improvável.

Acabou-se o que era doce

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PT e o governo usam um bom argumento para defender o presidente do Senado. José Sarney, de fato, não é o único culpado - não obstante seja o maior responsável, até por força do cargo - pelos desmandos que tampouco serão sanados por obra e graça de uma simples renúncia.

Fosse só essa a história, seus defensores teriam razão. Mas, como insistem em se apegar a uma parte e ignorar da missa a outra metade, sofismam e se escoram numa meia-verdade.

Há a crise do Senado. Mas há também a crise José Sarney, materializada no acúmulo de acusações, fatos e suspeições que pesam contra o presidente da Casa.

A última descoberta dos repórteres de o Estado dá conta da omissão de uma casa avaliada em R$ 4 milhões da declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral quando do registro da candidatura de senador em 1998 e 2006.

Lembra o ato que provocou, no início do ano, a demissão do diretor-geral do Senado Agaciel Maia, por ocultação da Receita Federal de uma casa no valor de R$ 5 milhões.

A penúltima revelação do jornal mostrou que a empresa de um neto de Sarney atuava na intermediação de operações de crédito consignado para funcionários do Senado. Esquema sob investigação de Polícia Federal, no qual operava também uma empresa do ex-diretor de Recursos Humanos do Senado João Carlos Zoghbi.

Anteriormente haviam sido descobertas diversas contratações de parentes e agregados de Sarney em gabinetes de senadores amigos. Paralelamente às informações sobre nepotismo - cruzado ou linear -, apareceu o pagamento de um auxílio-moradia ao senador. Irregular, pois, além de possuir imóvel em Brasília (aquela casa de R$ 4 milhões), como presidente Sarney tinha direito à moradia oficial.

Todas as acusações foram negadas. A omissão do patrimônio, o presidente do Senado atribui a um erro do contador. Desmentido, reformulou a versão, numa prova da fragilidade da explicação.

As atividades do neto, segundo ele, nada têm a ver com o avô influente.

O auxílio, em princípio, Sarney disse desconhecer. Mas, diante da comprovação material, pediu desculpas, alegou de novo total falta de ciência sobre a existência daqueles R$ 3.800 todo mês na conta bancária, e parcelou a devolução.

A contratação dos parentes José Sarney considera "questão menor", embora não a defenda, conforme defendeu o uso de quatro agentes de segurança do Senado na vigilância de suas propriedades em São Luís do Maranhão, para ele uma "função normal" a serviço de "qualquer senador".

Um amontoado de explicações que, apenas pela necessidade de serem reformuladas, já não seriam dignas de crédito absoluto. Se as informações são passíveis de verificação, tal análise não pode ocorrer sob a subordinação hierárquica do principal acusado.

É um pressuposto básico.

Tão evidente que Sarney e seus aliados dificilmente encontrarão argumentos convincentes para se opor à imposição da realidade. Ainda assim, a tendência é a da insistência na argumentação falsa.

Uma opção boa para quem não tem nada a perder. Por exemplo, o senador Renan Calheiros, que manipulou a vaidade e as necessidades familiares de Sarney para reconquistar o poder.

Perdidos o prestígio e a reputação no escândalo do uso de um lobista para pagamento de despesas pessoais, no curso do qual também apresentou provas falsas de inocência ao Senado, Calheiros fez de Sarney seu cavalo de troia.

A bordo dele, pinta e borda nos bastidores. Blefa, dizendo que do apoio do PT depende o apoio do PMDB à candidatura de Dilma Rousseff, e se vale da indiferença do presidente Lula por outro tema que não seja eleição, para alimentar a versão de que a estabilidade institucional do Brasil está na mão do partido.

Acredita quem quiser se iludir. O que, até por experiência, não deveria ter sido de Sarney antes de perder tudo: da reputação refeita nos últimos anos à chance de produzir uma saída mais ou menos honrosa.

Quando desconheceu o momento certo de sair de cena, Sarney deixou aberto o espaço para ser afastado dela.

Última instância

Não reside no patriotismo, nem na possibilidade de abalo nos negócios da empresa, a maior preocupação do governo com a CPI da Petrobrás.

Esses são argumentos para mobilizar os batalhões de ataque à CPI. De um lado, os movimentos sociais e os sindicatos; de outro, o empresariado que financia campanhas eleitorais e tem contratos com a estatal.

O receio de fato é com os eventuais efeitos sobre a figura da ministra Dilma Rousseff, presidente do Conselho de Administração da Petrobrás.

Nessa condição, seria uma séria candidata a sentar no banco dos convocados a dar explicações na CPI, o que nunca é tarefa das mais confortáveis. Muito menos ainda na eventualidade de o PMDB do Senado - onde foi criada a comissão - se sentir desobrigado da função de anjo da guarda.

O país do futuro

Melchiades Filho
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A disputa no Senado, do atoleiro de Sarney ao cabo-de-guerra em torno da instalação de CPIs, não deve ser analisada à margem da corrida presidencial. Tanto o governo federal como seus adversários sabem que Dilma Rousseff, ainda que tenha razões para martelar a comparação dos oito anos de Lula com os oito anos de FHC, não poderá fazer uma campanha somente retrospectiva.

A satisfação do brasileiro detectada pelas pesquisas de opinião não significa uma descarga automática de votos na candidata da situação. Nada impede que o eleitor considere um nome da oposição mais capacitado para preservar o que deu certo e realizar novos sonhos. É por isso que, de um lado, Aécio Neves fala no pós-Lula e José Serra evita afrontar o Planalto e, de outro, o presidente insiste em programas que ultrapassam o calendário de seu mandato (PAC, Minha Casa).

De certo modo, eles já travam a disputa desse futuro continuísta. Para sobressair numa eleição sem vocação para o contraste e atender as expectativas do eleitorado (otimista até na crise econômica), Dilma terá, portanto, de jogar pra frente e lançar o que colegas de Planalto chamam de "mito novo". O fato de a ministra ser desconhecida é ao mesmo tempo um trunfo e um transtorno. Dá aos marqueteiros liberdade para corrigir a imagem e inventar o discurso, mas torna mais difícil conferir credibilidade ao pacote final. Que "mito" pode prometer uma candidata que não tem retrospecto de promessas?

O pré-sal é a chave. A fabulosa receita estimada da exploração dos novos poços autoriza planos grandiosos. Dilma, que cuidou de energia no governo Lula, tem autoridade para anunciar a "revolução do bem-estar" bancada pelo petróleo. Uma CPI da Petrobras permitiria à oposição atrapalhar a construção desse "mito novo"; a sobrevivência e a agonia de Sarney no Senado ajudam o governo a evitar a CPI.

A crise acabou sem solução

Coisas da Política :: Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O velho adágio fora de moda ajusta-se, como a luva nos dedos das madames, à atuação do presidente Lula, tentando botar ordem na crise do Senado e preservando os alinhavos para a sucessão presidencial.

Não se pode garantir que Lula tenha solucionado a crise com uma conversa na mesa de jantar com a bancada rebelada do PT, previamente amaciada pelos conselhos sensatos do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e de outros bombeiros improvisados, que afinal entenderam o que estava exposto com iluminação abundante: sem o apoio e os votos do PMDB, o esquema tático esboçado para a campanha eleitoral irá para o beleléu, levando na enxurrada a candidatura da ministra Dilma Rousseff, da escolha do presidente Lula e que algumas áreas do partido custaram a assimilar.

Mas a crise pode ser dividida em duas etapas: a do Senado, que ainda deve entrar pelo recesso parlamentar, pelas CPIs paralisadas pela maioria; e a da campanha, quando o bloco estiver na rua. Uma coisa engata na outra. As alianças partidárias para valer começam a ser desenhadas a partir da montagem das chapas, com os candidatos a presidente e a vice. Se os desacertos entre o PT, o PMDB e o DEM, além de outros partidos menores, não forem contornados agora, enquanto é tempo, cada um procurará o caminho da aliança possível.

Antes da chegada do ilustre viajante internacional, que passou três dias em Brasília, a pressão das lideranças oposicionistas para a renúncia ou o afastamento por pedido de licença do senador Sarney da presidência do Senado já tinha disparado para a implosão das alianças. O DEM exige a renúncia e admite a licença, os tucanos sobem o morro da radicalização, e o senador Sarney emitiu sinais de quem estava disposto à renúncia.

Espanta a facilidade com que Lula emenda viagens. Mal desembarcou, no dia 1º, da Líbia, viajou ontem à noite para Paris, onde receberá o prêmio da Unesco pela colaboração pela paz e passará o fim de semana com a esposa, Dona Marisa Letícia, e os netos. Em seguida viajará para Roma, para reuniões com grupos econômicos internacionais. Na quarta-feira Lula estará em Áquila, cidade da Itália atingida por terremoto em abril. Lula participará da reunião do G-5 - formado por Brasil, México, África do Sul, China e Índia, preparatória da cúpula do G-8, para discutir a crise econômica e as suas soluções. Só estará de regresso na noite de sexta-feira da semana que vem.

Até lá, cada qual cuidará de si. Lula viajou antes de fechar o acordo. E quando voltar, se não antecipar o retorno, poderá encontrar a casa incendiada. Mas esta súbita cobrança ética, a fúria nas denúncias dão para desconfiar. Afinal, a crise arrebenta quando a sujeira acumulada no porão invade o plenário, os gabinetes e emporcalha os ocupantes.

O Senado, tal como a Câmara, nunca quis extirpar o mal pela raiz. Se agora passou da conta é porque os parlamentares, com as exceções de praxe, aderiram ao padrão moral do baixo clero.

A crise começa, como tantas vezes tento explicar, com a mudança da capital do Rio para Brasília inacabada. E com os engabelos das mordomias, das dobradinhas, das quatro passagens aéreas mensais para que os privilegiados eleitos pelo povo desfrutem a boa vida de milionários com os saques aos cofres da Viúva.

Reforma política a sério, faxina de verdade terão que começar com o corte de todas as trampas para transferir verbas para a conta dos parlamentares. Nada justifica nenhum dos privilégios. Alguns de um descaro de meliantes. Como a verba para a compra de jornais e revistas. Ou, ainda, a verba de gabinete para contratar sem concurso assessores de coisa nenhuma, simples cabos eleitorais ou empregados de senadores e deputados.

Se esta furiosa, tardia e mal dirigida indignação tem alguma seriedade deve começar por estabelecer a semana útil de segunda-feira a sábado e acabar com as facilidades para que senadores e deputados morem na cidade onde trabalham e são muito bem pagos.

O mais é jogo de véspera de campanha, a caça ao voto, a mágica para enganar o eleitor e a indignação que sempre impressiona, como recurso cênico que distingue os grandes atores, os donos dos palcos, os artistas que mexem com a emoção e nunca pedem o nosso voto.

Se a santa indignação for para valer, vai faltar quorum para a Câmara e o Senado abrirem sessão.

O conto da governabilidade

EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente do Senado, José Sarney, acabamos de saber, tem mais uma inconveniência em comum com o ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia, a quem nomeou em 1995, na primeira das suas três passagens pelo posto, e a quem pediu que se demitisse em março último. Agaciel teve de sair do cargo em que se comportou como um czar da burocracia do Senado depois que o jornal Folha de S.Paulo revelou que ele tinha ocultado do Fisco a propriedade de uma mansão em Brasília, avaliada em R$ 5 milhões. Pois ontem o Estado revelou que Sarney deixou de incluir nas suas declarações de bens enviadas à Justiça Eleitoral em 1998 e 2006, como candidato a senador pelo Amapá, a casa de 700 metros quadrados em que reside na Península dos Ministros, no Lago Sul da capital. O imóvel, comprado em 1997 do banqueiro Joseph Safra, é avaliado em R$ 4 milhões. Sarney mandou dizer que a omissão foi "um erro do técnico" que providenciou a documentação e que a propriedade consta da sua declaração de renda, cópia da qual está no Tribunal de Contas da União (TCU). À parte a reincidência no "erro", apenas o patrimônio informado ao tribunal eleitoral é de conhecimento público - para isso, aliás, que é exigido.

Na véspera da divulgação da notícia, depois que o presidente Lula aplastou a bancada petista por ter aderido à iniciativa do DEM, PSDB e PDT de pedir a Sarney que se licenciasse da presidência até o fim das investigações dos escândalos da Casa, só se ouvia em Brasília que Sarney havia superado o pior momento de suas atribulações, recompusera o pacto de poder no Senado entre o PMDB e o PT e podia arquivar a conversa da renúncia de que se valera para assegurar o arrimo de Lula - a menos que uma nova denúncia o atingisse. (A mais recente foi a de que um neto seu intermediava empréstimos bancários a servidores da Casa.) A situação de Sarney, portanto, voltou a ficar incerta, e o presidente que o protege terá de insistir no mesmo comportamento escabroso de impor ao PT a primeira lei da máfia - Il capo ha sempre ragione - e, mais grave ainda do ponto de vista institucional, interferir descaradamente nos rumos de outro dos Poderes da República. Antes mesmo de vir à tona o caso do imóvel que Sarney omitira das declarações de bens, Lula embarcara no mais puro terrorismo político para manter o partido dobrado às suas ordens.

Segundo relatos do jantar para o qual convocou os 12 senadores petistas, no Palácio da Alvorada, e que terminou no começo da madrugada de ontem, Lula teria dito que a eventual renúncia de Sarney desencadearia uma crise cujo desfecho seria imprevisível. "Tudo pode acontecer", alarmou, em tom apocalíptico. Não para o País, decerto, mas para a blindagem que a permanência do senador proporciona ao seu governo e o decantado apoio do PMDB à candidatura Dilma Rousseff em 2010. É o conto da governabilidade. Lula não se dá por achado pelo fato de ser mais do que óbvia a patranha que passou a impingir a torto e a direito e que os seus submissos companheiros se apressaram a papaguear depois de chamados à ordem pelo chefe.

(Registre-se, a propósito, a sabuja proclamação do líder petista Aloizio Mercadante:

"Minha combatividade está a serviço do presidente Lula.") Por menos que se devam subestimar as proporções do embrulho no Senado, ele não paralisará a capacidade do Executivo de governar. Nem isso tira o sono de Lula. O que ele teme é que, sem Sarney e com o PMDB desarvorado, finalmente saia do ponto morto a CPI da Petrobrás, seguida de outra, sobre os nebulosos negócios no setor de Transportes. E que a sigla se divida na sucessão presidencial.

Além da embromação da governabilidade, o lulismo falseia as razões do desmanche do Senado. Este não nasceu do confronto entre governo e oposição. Sarney foi eleito por uma aliança entre o PMDB e o DEM, cuja simbiose o maranhense encarna melhor do que ninguém, contra um candidato do PT apoiado pelo PSDB. O rebatizado PFL só se dissociou do último dos oligarcas que prosperaram no partido e voltou a somar com a bancada tucana depois que, em desespero de causa, Sarney atribuiu a sua ruína a "uma campanha midiática" em razão do seu apoio ao presidente. Ao retribuir de forma "incondicional", como chegou a dizer, Lula imaginava baixar a febre da crise. Agora corre o risco de fazê-la subir.

PT na parede

EDITORIAL
DEU EM O GLOBO

O presidente Lula, de volta da Líbia, reconfortado com a recepção de torcedor aos campeões do Corinthians, enquadrou o PT, debelando qualquer tentativa de apoio ao licenciamento do presidente do Senado, José Sarney, defendido da tribuna por Eduardo Suplicy e admitido por Aloizio Mercadante, líder do partido. Este teve de recuar. Já Suplicy se manterá na mesma trajetória errante dentro do partido. A palavra-chave usada por Lula para vergar resistências - não bastasse seu poder - foi "governabilidade". Na visão planaltina, concordar com o afastamento, mesmo temporário, de Sarney, para facilitar as investigações das denúncias sobre os desmandos administrativos, levaria ao risco de desestabilização do governo. Estranha interpretação, pois existem ritos regimentais para esses casos, seguidos sem que a República seja abalada.

É preciso, portanto, interpretar o que Lula entende por "governabilidade". Uma coisa são os problemas de governabilidade do PT, os objetivos de Lula para 2010, algo que diz respeito ao Palácio, a seus projetos de poder; outra, a crise grave de moralidade que atinge a administração do Senado. Esta importa esclarecer em nome da sociedade, situada acima do varejo político. Propor a licença de José Sarney visa a abrir espaço para jogar luz sobre o que precisa ser iluminado, independentemente de quem está no Planalto. Planos de Lula para 2010 não são questão do Estado brasileiro. São assunto da agenda específica do presidente. A governabilidade não depende do apoio do PMDB à candidatura Dilma Rousseff. Depende do cumprimento da Carta, da defesa do estado de direito.

Tudo isso é um atentado à história do PT dos tempos de oposição - como seria à do PSDB ou de qualquer outro partido -, forçado a ser guarda-costas da banda mais fisiológica do PMDB. Mancha a biografia do próprio presidente Lula defender, em nome da aliança com o PMDB em 2010, um desfecho para a crise cujo resultado será facilitar o acobertamento de delinquentes de colarinho branco instalados em QGs no Senado.

Não que a permanência de Sarney signifique proteger a corrupção. Mantê-lo, porém, facilita manipulações que interpretam de maneira sibilina qualquer investigação séria no Senado como manobras contra o PT, o Palácio e a candidatura Dilma. A falta de ética e a corrupção passam a contar com uma trincheira privilegiada. Repete-se o truque que levou Lula a trabalhar contra a investigação do escândalo do mensalão, no primeiro mandato. E agora o faz sabotar o funcionamento da CPI da Petrobras e a trabalhar, mesmo que involuntariamente, para evitar o saneamento da burocracia do Senado.

Lula recebe Sarney, e Dilma defende aliado

Luiza Damé e Isabel Braga
DEU EM GLOBO


O CONGRESSO MOSTRA SUAS ENTRANHAS: Presidente do PSDB classifica interferência de Lula como "vergonha nacional"

Ministra afirma que presidente do Senado não pode ser "jogado aos leões" e cobra responsabilidade do DEM na crise

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), conversaram ontem por quase duas horas, sozinhos, mas coube à ministra Dilma Rousseff, chefe da casa Civil, fazer uma defesa enfática do presidente do Senado, principal entusiasta do apoio do PMDB à sua candidatura em 2010. Dilma entrou para valer na guerra pela permanência de Sarney no cargo.

A ministra disse que o senador não pode ser demonizado e apontado como o único responsável por atos cometidos nos últimos 14 anos. E cobrou também a responsabilização do DEM, partido que ocupa a 1ª secretaria da Mesa há vários mandatos, por irregularidades nos contratos do Senado.

- Tem uma prática no Brasil que não está correta, que é achar que sempre que você pega uma pessoa e joga ela aos leões, e está no caminho de solucionar as questões éticas. Como gestora, quem são os responsáveis pelos contratos? Soube eu que é a 1ª secretaria (responsável pela gestão dos contratos). Soube eu que os integrantes sempre foram do DEM. E, estranhamente, o DEM pede o afastamento do presidente Sarney - argumentou Dilma. - Não é plausível, me desculpem, que, pelo tamanho da crise, pelo prazo da crise e pela quantidade de atos, que era possível ter sido praticada por uma só pessoa. Então não concordo em demonizar o presidente Sarney.

Ministra diz que governo quer apuração, e não "pizza"

Dilma acrescentou, várias vezes, que o governo defende a apuração de todos os fatos e que nada deve ser ocultado. E refutou a ideia de que o governo quer patrocinar uma "pizza" no Senado, ao pregar a permanência de Sarney no comando da Casa.

- Tem um modelo no Brasil que dá pizza: esconder a questão debaixo do tapete. É assim: pega a pessoa, liquida ela (sic), torna ela (sic) responsável por tudo e, aí, o que que se faz? Se esconde todos os malfeitos - argumentou Dilma.

A ministra citou o Portal da Transparência do Executivo e insinuou que os demais poderes - Legislativo e Judiciário - deveriam seguir o exemplo e dar visibilidade a seus gastos, seguindo a lei brasileira que é "bastante evoluída", segundo Dilma.

A oposição apontou uma falha na defesa que Dilma fez de Sarney: afirma que não são apenas os atos secretos irregulares que o enfraquecem, mas as várias denúncias pessoais contra o senador, evidenciando que Sarney e a família exercitam, com desenvoltura, o patrimonialismo - contratam parentes; usam dinheiro do Senado para pagar empregados particulares. Um de seus netos tem contratos para empréstimos consignados a servidores da Casa.

O líder do DEM no Senado, José Agripino Maia (RN), reagiu à fala da ministra, acusando-a de tentar desviar o foco das investigações ao cobrar que os senadores do DEM que comandaram a 1ª secretaria do Senado também sejam investigados.

- A ministra, espertamente, tangenciou, passou ao lado disso (das denúncias de patrimonialismo que pesam contra Sarney) e está querendo desviar o foco das investigações, que é o de investigar quem é acusado. Que conversa é essa? Não tem ninguém do DEM acusado. Se vier a ter, será investigado - rebateu Agripino.

O líder do DEM afirmou ainda que Dilma, antes de falar sobre o tema, deveria conhecer como é o funcionamento do Senado:

- A decisão sobre contratos passa por um colegiado, eles são homologados pela Mesa Diretora. A nomeação do diretor-geral é o presidente quem faz. Se o PT faz restrição, por que quando Tião Viana presidiu a Casa não demitiu Agaciel Maia (ex-diretor-geral)?

"PT quer é acolher seus interesses político-eleitorais"

Para Agripino Maia, o PT e o presidente Lula não querem ver apurados os desvios e as denúncias que pesam sobre Sarney, e pensam apenas em seus interesses políticos-eleitorais. O líder ironizou o fato de a bancada do PT ter mudado de posição depois de conversar com o presidente Lula.

- O PT não quer contribuir para que a investigação ocorra, quer é acolher seus interesses político-eleitorais. Os senadores querem a instituição recuperada; a bancada do PT pensava assim, mas agora segue Lula - criticou.

O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), classificou de "interferência escandalosa" as intervenções do presidente Lula nos problemas internos do Senado.

- O que move o presidente Lula não é a recuperação do Senado. Mas, sim, garantir uma base de apoio para a candidata dele no próximo ano. Essa é uma interferência escandalosa. Por isso, vamos remeter essa crise para Lula. Essa interferência é uma vergonha nacional - condenou.

'Pode contar comigo'

DEU EM O GLOBO

Lula a Sarney: "O apoio do PT eu garanto"

BRASÍLIA. Na conversa de quase duas horas, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o presidente Lula trocaram compromissos: Sarney disse que sua disposição é a de enfrentar a crise e não de renunciar ao cargo, mas precisaria, para isso, do apoio do PMDB e do PT; Lula, por sua vez, assegurou a Sarney que terá seu apoio incondicional e que garantiria também o apoio do PT.

Na noite anterior, Lula tentara enquadrar os senadores petistas, argumentando que a permanência de Sarney no cargo era fundamental para a governabilidade de seu mandato e para o projeto do PT de eleger a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República em 2010. A expectativa agora é que, na próxima terça-feira, quando a bancada do PT voltará a se reunir, as resistências à permanência de Sarney no cargo tenham sido superadas.

- Vou resistir a esse momento, vou enfrentar tudo. Mas preciso do senhor e do seu partido - disse Sarney, segundo fontes ligados aos dois presidentes.

- Pode contar comigo. O apoio é incondicional. Não tenha dúvida que o apoio do PT eu garanto, fique tranquilo - respondeu Lula, segundo esses relatos.

Sarney disse que contava com o apoio integral do PMDB e que, agora, era preciso a mesma conduta dos senadores do PT, que ainda ontem insistiam na licença temporária do presidente do Senado. Tanto Sarney como Lula consideraram a licença um grande risco, pois poderia não ter volta, além de deixar o comando do Senado, no período do afastamento, nas mãos do PSDB, já que o vice-presidente é o tucano goiano Marconi Perillo. Lula admitiu que o PT enfrentava um dilema, mas que não colocaria em risco a governabilidade. E que isso teria ficado muito claro no jantar que tivera com a bancada na véspera.

O presidente do Senado fez longo relato das providências tomadas em relação às denúncias que surgiram desde que assumiu o comando da Casa, e os dois concordaram que este era um problema político. Foi quando Lula disse que era preciso barrar o movimento da oposição, que, segundo ele, tenta se aproveitar da crise para desestabilizar o governo. A interlocutores, Sarney disse que o resultado da conversa foi "excelente".

Em entrevista à Rádio do Moreno, no site do GLOBO, Sarney disse que o presidente é sempre solidário e agradável, mas que não poderia revelar o conteúdo porque "conversa com presidente pertence ao presidente". Perguntado se classificaria como "muito boa", respondeu:

- O presidente (Lula) é sempre muito agradável e solidário comigo.

Satisfeito com o resultado do encontro, Sarney seguiu direto para a casa da filha e governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Ela confirmou a disposição do pai de ficar no comando do Senado, mas ressalvou:

- Meu pai está muito tranquilo. O presidente disse que está ao lado dele. Mas ele não tem apego ao cargo e nem vai pagar uma conta que deve ser dividida com todos os senadores. Ele vai esperar o resultado das próximas reuniões e analisar com calma se vale a pena ficar.

O clima de tensão na família Sarney parece ter diminuído. Tanto que Roseana pretendia embarcar hoje de volta para o Maranhão, para reassumir o governo do estado.

O líder do PMDB, senador Renan Calheiros (AL), foi outro que respirou aliviado ontem.

Sua avaliação é que o apoio firme de Lula e da ministra Dilma Rousseff respalda a permanência de Sarney no cargo.

- Está cada vez mais claro o apoio consistente que Sarney tem para permanecer no cargo, que hoje se reflete na postura de pelo menos 54 senadores - ressaltou Renan.

(Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos)

Programa de aceleração do currículo

DEU EM O GLOBO

O currículo acadêmico da ministra Dilma Rousseff, no site da Casa Civil, foi inflado com títulos que ela não possui. O site informava que Dilma é “mestre em teoria econômica na Unicamp e doutoranda em economia monetária e financeira pela mesma universidade.” A Unicamp confirmou que ela começou o doutorado, mas não concluiu, e que não há registro de que tenha cursado mestrado na instituição. Após a revista “Piauí” ter publicado reportagem sobre essas invenções no currículo da ministra, a Casa Civil mudou os dados no site. Primeiro, informou que ela “cursou mestrado e doutorado” na Unicamp. Depois, disse que ela “foi aluna” desses cursos na universidade. O site do CNPq ainda traz a informação de que ela tem mestrado na Unicamp.

Dilma, ministra que foi mestra sem nunca ter sido

Site da Presidência teve de corrigir, duas vezes, informação errada de que chefe da Casa Civil tem mestrado e faz doutorado

SÃO PAULO e BRASÍLIA. Apesar de a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, não ter concluído nem mestrado nem doutorado, o site oficial da Casa Civil informava que ela é "mestre em teoria econômica pela Universidade de Campinas (Unicamp) e doutoranda em economia monetária e financeira pela mesma universidade", segundo reportagem da revista "Piauí" deste mês. Com a revelação, a Casa Civil foi obrigada a mudar o texto ontem duas vezes.

Na Plataforma Lattes, base de dados de currículos e instituições, Dilma se identifica como mestra em ciência econômica, pela Unicamp, com título obtido em 1979, e informa que começou, em 1998, doutorado em ciências sociais aplicadas.

O diretor de registro acadêmico Antônio Faggiani disse, porém, que Dilma "nunca se matriculou em nenhum curso de mestrado na Unicamp". A pedido da "Piauí", foi verificado também o arquivo morto da universidade, e Faggiani confirmou: "O que existe, oficialmente, é a matrícula no curso de doutorado, em 1998, abandonado em 2004, quando acabou o prazo para a integralização dos créditos".

A assessoria de imprensa da Casa Civil admitiu ontem que o site da Presidência da República informava erradamente que Dilma tem mestrado e é doutoranda. A informação foi corrigida ao longo do dia. Primeiro, o texto foi trocado para "cursou mestrado e doutorado pela Unicamp". Mais tarde, nova mudança no site: "Foi aluna de mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp, onde concluiu os respectivos créditos".

Segundo a Casa Civil, Dilma foi aluna do curso de pós-graduação (nível mestrado) em ciências econômicas da Unicamp entre março de 1978 e julho de 1983. A ministra afirma que cumpriu os créditos exigidos pelo programa, mas diz que não defendeu a dissertação porque assumiu a Secretaria Municipal de Fazenda de Porto Alegre.

Universidade: matrícula abandonada no doutorado

Em 1998, ela ingressou no doutorado na Unicamp. Mas, novamente, não defendeu a dissertação, porque foi novamente assumir cargo político. Ela foi secretária de Minas, Energia e Comunicações do Rio Grande do Sul, de 1999 a 2002, e em seguida assumiu o Ministério de Minas e Energia (2003).

Segundo a Diretoria Acadêmica da Unicamp, Dilma começou o doutorado em 1998, mas o curso ficou inconcluso. Ela não se matriculou para o primeiro período letivo de 2000, e teve a matrícula cancelada. A Unicamp, ontem, também não confirmou que a ministra tenha feito o mestrado na instituição. "O documento apresentado para matrícula no doutorado foi o diploma de bacharelado em ciências econômicas, obtido na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O mestrado não é pré-requisito para o doutorado", informou em nota.

Não é só no site da Casa Civil que o currículo de Dilma tem informações erradas.

Também o site da Petrobras informava, até a noite de ontem, que Dilma, presidente do Conselho de Administração da estatal, é "mestre em teoria econômica (1979) e atualmente é doutoranda em economia monetária e financeira pela Universidade Estadual de Campinas", embora a ministra não tenha o primeiro título nem esteja cursando o doutorado.

América Latina 2009!

Cesar Maia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

AGRUPEMOS os países da América Latina por previsibilidade política e estabilidade institucional. Um primeiro bloco de países, institucional e politicamente estáveis e previsíveis, reúne Chile, Costa Rica, Uruguai e República Dominicana. Um segundo bloco de países institucionalmente estáveis e politicamente menos previsíveis é formado por Brasil, Panamá, El Salvador, Peru, Colômbia e México. Peru responde às provocações de Venezuela e Bolívia, suavizando os atritos. México enfrenta os poderosos cartéis de drogas e é provável que o PRI, que o governou por décadas, se fortaleça nas eleições regionais.

Colômbia aguarda o desfecho do terceiro mandato de Uribe, que pela desmontagem das milícias e das Farc, teria eleição garantida. Mas seria outro perigoso precedente, legitimador dos "golpes constitucionais" chavistas. Um terceiro bloco é o dos países institucional e politicamente instáveis: Honduras e Guatemala (corredor de cocaína).

Honduras enfrenta um impasse. Seu presidente eleito pela direita, tempos depois, aderiu ao chavismo. Quis fazer na marra um plebiscito para sua reeleição. O Congresso não aprovou. "TSE" e "STF" declararam inconstitucional. Chávez enviou urnas e cédulas por avião. O Congresso o destituiu. Não seria o primeiro caso de solução constitucional, como no Brasil, no Equador e na Bolívia. Mas o Exército se precipitou e criou o pretexto golpista. Finalmente um bloco homogêneo, populista-autoritário, institucionalmente instável e imprevisível : Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Equador e Paraguai. Cuba se agrupa a eles, mas sua instabilidade é apenas uma previsão a longo prazo.

A Argentina seria incluída neste bloco. No entanto, os desdobramentos pós-eleições parlamentares começam a sinalizar um retorno político ao Cone Sul. Essa diversidade levou as relações dos EUA e da União Europeia com a América Latina passarem a ser bilaterais país a país, o que debilita o continente, econômica e politicamente. A crise econômica e os processos eleitorais, em 2009, mexeram pouco com a arquitetura latino-americana. Os populismos plebiscitários foram afirmados.

El Salvador, com economia associada aos EUA, mudou politicamente de lado, mas a moderação do novo presidente aponta para a estabilidade. No Panamá, o novo presidente ajustou-se à direita, sem turbulências. Na Argentina, a renúncia de Kirchner à presidência do PJ e a fumaça branca emitida pela presidente desestressam seu quadro. Afinal, um dos dois blocos de oposição é também peronista. Até o final do ano virão eleições no Uruguai e no Chile. A proximidade das eleições em Honduras em novembro, pode ajudar uma saída para o impasse.

Honduras rechaça ultimato dado pela OEA

Fabiano Maisonnave
Enviado especial a Tegucigalpa (Honduras)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Secretário de organismo diz que "não encontrou disposição" de autoridades hondurenhas para volta do presidente deposto

Com isso, entidade deve decidir hoje, em reunião em Washington, pela suspensão do país centro-americano, na sanção mais dura desde 62

Em visita a Honduras, o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), José Miguel Insulza, disse ontem que não encontrou "disposição" para a volta do presidente deposto, Manuel Zelaya.

"Lamento dizer que, nas minhas gestões, não se viu disposição para reverter essa situação", afirmou Insulza, pouco antes de deixar o país. "Ao contrário, recebi uma quantidade de documentos demonstrando que forma haveria acusações contra o presidente e que justificariam a medida".

No encontro mais importante, Insulza ouviu da Corte Suprema de Justiça que Zelaya será preso e processado caso volte ao país.

Insulza também se reuniu com os dois principais candidatos à Presidência para as eleições de 29 de novembro. Um deles é o ex-vice-presidente de Zelaya, Elvin Santos, que rompeu politicamente com o seu companheiro de chapa e ganhou as primárias do Partido Liberal (centro-direita).

Com a irredutibilidade das autoridades hondurenhas, a OEA deve cumprir, em reunião hoje em Washington, o ultimato que deu há 3 dias e que previa a suspensão do país do organismo caso Zelaya não voltasse ao poder até hoje.

O fracasso da missão de Insulza deixa mais remotas as possibilidades de retorno de Zelaya, que tem prometido regressar amanhã ao país, acompanhado dos presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e Rafael Correa (Equador).

A dificuldade de um acordo entre as partes ficou exposta desde a chegada de Insulza, que viajou num avião Legacy da FAB (Força Aérea Brasileira). Ao saber que o novo chanceler do país, Enrique Ortez, lhe esperava na pista com honras militares, o secretário-geral mandou avisar que não se encontraria com ninguém do governo interino de Roberto Micheletti.

O impasse foi resolvido quando Ortez deixou a base aérea de Tegucigalpa pouco antes da chegada de Insulza.

Micheletti organizou uma grande concentração diante da Casa Presidencial na mesma hora em que Insulza desembarcava. Falando a milhares de simpatizantes vestidos de branco, o presidente puxou o coro de "fora, Mel", como Zelaya é conhecido no país, e voltou a afirmar que não houve um golpe de Estado no último domingo (veja os argumentos do governo em quadro nesta página). Na entrevista coletiva de ontem à noite, Insulza voltou a qualificar o que houve no país de "golpe militar".

Distante poucas quadras da manifestação pró-Micheletti, simpatizantes de Zelaya caminharam até a representação local da OEA para agradecer o "apoio" da organização e exigir a volta do presidente deposto.

Histórico

Confirmada a suspensão de Honduras, será a decisão mais dura tomada pela OEA desde que Cuba sofreu uma punição semelhante, em 1962, três anos depois da revolução liderada por Fidel Castro que implantou uma ditadura no país.

Se suspensa, Honduras perderá o direito de participar das sessões da Assembleia Geral e de qualquer outro corpo ou atividade da OEA. A medida, no entanto, não inclui nenhum tipo de sanção econômica contra o país. Os EUA, parceiro crucial de Honduras, prometeram no entanto reavaliar a ajuda financeira ao país após a decisão do organismo.

A deposição de Zelaya também foi condenada pela ONU e por diversos líderes mundiais, como os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Barack Obama e Hugo Chávez, este um aliado do ex-presidente e considerado por muitos no país como o pivô da crise.

Por outro lado, a substituição de Zelaya por Micheletti, até domingo presidente do Congresso, contou com respaldo de todos os Poderes hondurenhos, da cúpula das Forças Armadas, da maior parte dos empresários e da maioria do Partido Liberal.

Os opositores de Zelaya o acusam de tentar modificar a Constituição para permitir a sua reeleição, como ocorreu na Venezuela de Chávez. O presidente deposto afirma que deixaria o poder em janeiro, ao final de seu mandato.

Não há disposição para volta de Zelaya, admite chefe da OEA

Gustavo Chacra
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Insulza chega a Tegucigalpa e ouve da Corte Suprema que situação é irreversível; entidade pode suspender país

A Suprema Corte hondurenha rejeitou ontem o ultimato da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que o governo deposto no domingo retorne ao poder. O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza, disse ontem que não há disposição em Honduras para restituir o poder ao presidente deposto, Manuel Zelaya, que decidirá se voltará ao país em tais circunstâncias. Ontem, Zelaya havia adiado para amanhã seu retorno a Honduras, inicialmente agendado para hoje.

Insulza anunciou que "a OEA continua reconhecendo Zelaya como legítimo presidente de Honduras, onde se cometeu uma ruptura grave da ordem constitucional". Ele acrescentou que a OEA decidirá hoje se suspende ou não Honduras da organização.

"Lamentavelmente, em Honduras não há condições para o retorno de Zelaya", declarou Insulza.

O presidente da Suprema Corte de Honduras, Jorge Rivera, disse pessoalmente ao secretário-geral da OEA que a "saída de Zelaya do poder é irreversível" e lembrou que há uma ordem de prisão contra ele.

Insulza chegou a Tegucigalpa ontem em um avião cedido pela Força Aérea Brasileira para entregar à Suprema Corte e ao Congresso a resolução da OEA. Não estava previsto um encontro com o presidente de facto, Roberto Micheletti.

Nas ruas, os hondurenhos continuavam divididos. Manifestantes que apoiam o governo de facto se postaram diante da residência presidencial. Vestiam azul e branco (as cores da bandeira hondurenha) e gritavam slogans contra o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Micheletti liderou o coro em alguns momentos. "Eles dizem que estamos com medo, mas aqui está a prova de que o povo não está com medo. Pedimos aos hondurenhos que se comuniquem com seus parentes ao redor do mundo para dizer que não há um golpe ocorrendo aqui", afirmou.

A poucos metros dali, aliados de Zelaya reuniram-se para marchar em defesa do retorno do presidente deposto. O Exército e a polícia reforçaram a segurança e não ocorreram choques entre os dois lados. A chuva que caiu durante a tarde ajudou a reduzir a tensão. Mas, no interior, há informações não confirmadas de violência.

Simpatizantes de Zelaya e do governo de facto organizam grandes marchas ao aeroporto para receber o presidente deposto. Partidários de Zelaya querem recebê-lo com festa. Simpatizantes de Micheletti defendem a prisão de Zelaya, que deve chegar acompanhado dos presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e Rafael Correa (Equador).

Zelaya foi deposto no domingo e enviado para a Costa Rica. O governo de facto, com apoio do Congresso, das Forças Armadas e da Corte Suprema, acusa Zelaya de desrespeitar a Constituição por querer convocar uma consulta popular.

Golpe em Honduras? Que golpe?

Octavio Sánchez*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Às vezes, o mundo todo prefere uma mentira à verdade. A Casa Branca, a ONU, a Organização dos Estados Americanos (OEA), e grande parte da mídia condenaram a deposição do presidente hondurenho Manuel Zelaya, no domingo, como um golpe de Estado.

Isso é um absurdo. Na realidade, o que aconteceu aqui é simplesmente o triunfo da lei.

Para compreender os acontecimentos recentes, é preciso conhecer um pouco a história constitucional de Honduras. Em 1982, meu país adotou uma nova Constituição que permitiu nosso retorno à democracia após anos de governo militar. Depois de mais de uma dezena de Constituições anteriores, a atual, em vigor há 27 anos, é a que mais está resistindo.

E resiste porque responde e se adapta à mudança das condições políticas. Dos seus 379 artigos originais, 7 foram completa ou parcialmente revogados, 18 foram interpretados e 121 modificados.

Ela inclui também sete artigos que não podem ser revogados ou emendados, pois tratam de questões cruciais para nós. Os artigos que não podem ser alterados incluem a forma de governo, a extensão de nossas fronteiras, a duração do mandato presidencial, duas proibições - uma com relação à reeleição dos presidentes, a outra referente à elegibilidade para a função presidencial -, e um artigo que pune a tentativa de alterar a Constituição.

Nestes 27 anos, Honduras resolveu seus problemas ao amparo da lei.

Todos os países democráticos bem-sucedidos viveram períodos semelhantes de tentativa e erro até elaborar arcabouços jurídicos que se adaptassem à sua realidade. A França redigiu mais de dez constituições entre 1789 e a adoção da atual, em 1958. A Constituição americana foi emendada 27 vezes, desde 1789.

Segundo nossa Constituição, o que aconteceu em Honduras no domingo? Os soldados prenderam e mandaram para fora do país um cidadão hondurenho que, no dia anterior, por seus próprios atos perdera a presidência.

Estes são os fatos: no dia 26, o presidente Zelaya emitiu um decreto ordenando que todos os funcionários públicos participassem da "pesquisa de opinião sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte".

Ao fazer isto, Zelaya desencadeou um dispositivo constitucional que automaticamente o tirou do cargo.

As assembleias constitucionais são convocadas para a redação de novas constituições. Quando Zelaya publicou o decreto para dar início a uma pesquisa de opinião sobre a possibilidade de convocar uma assembleia nacional, infringiu os artigos da Constituição que não são passíveis de alteração, relativos à proibição da reeleição de um presidente e à prorrogação de seu mandato. Seus atos mostraram o seu intento.

Nossa Constituição leva a sério este intento. Segundo o Artigo 239: "Nenhum cidadão que já tenha ocupado o cargo de chefe do Executivo poderá ser presidente ou vice-presidente. Quem violar esta lei ou propuser sua reforma, bem como quem apoiar direta ou indiretamente tal violação, cessará imediatamente de desempenhar suas funções e estará impossibilitado de ocupar qualquer cargo público por um período de dez anos."

Observe-se que o artigo fala em intento e também diz "imediatamente" - ou "no mesmo instante", ou "sem necessidade de abertura de processo", ou de "impeachment".

Continuísmo - a tendência dos chefes de Estado de estenderem seu governo indefinidamente - tem sido a característica fundamental da tradição autoritária latino-americana. O dispositivo da Constituição que prevê uma sanção instantânea pode parecer draconiano, mas todo democrata latino-americano sabe a ameaça para nossas frágeis democracias que o continuísmo representa.

a América Latina, os chefes de Estado mostraram-se frequentemente acima da lei. A sanção instantânea da lei suprema impediu com sucesso a possibilidade de um novo continuísmo hondurenho. A Suprema Corte e o ministro da Justiça ordenaram a prisão de Zelaya, pois ele desobedeceu a várias ordens do tribunal, obrigando-o a obedecer à Constituição. Foi preso e levado para a Costa Rica. Por quê? O Congresso precisava de tempo para reunir-se e tirá-lo da presidência.

Com ele no país, isto teria sido impossível. A decisão foi tomada por 123 (dos 128) membros do Congresso presentes naquele dia.

Não acreditem no mito do golpe. Os militares hondurenhos agiram inteiramente dentro da Constituição. Eles nada ganharam, senão o respeito da nação por seus atos.

Estou extremamente orgulhoso de meus compatriotas. Finalmente, decidimos nos levantar e nos tornar um país de leis, e não de homens. A partir deste momento, aqui em Honduras, ninguém estará acima da lei.

*Octavio Sánchez é advogado e ex-assessor do governo hondurenho

Os sem-crise

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Eles não demitiram, não perderam receita, estão ampliando negócios e mantendo investimentos. Alguns estão aumentando o número de funcionários. São o que se pode chamar de os sem-crise: setores que ainda não foram atingidos pela recessão ou que, por motivos diversos, estão se saindo melhor nessa difícil conjuntura. Não é fácil agrupá-los. Cada um tem um motivo para estar protegido da tempestade.

A rede Centauro, de material esportivo, planeja inaugurar mais 40 lojas este ano. A Avon, especializada em vendas diretas de artigos de cosméticos e beleza, teve crescimento de 12% na receita do primeiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano anterior. O número de revendedores cresceu 6%. O grupo Brookfield Gestão de Empreendimentos, que comanda 15 shoppings na região Sudeste, entre eles, o Rio Sul, disse que, dos seis segmentos dos shoppings, apenas o de lojas âncoras sofreu, pela restrição do crédito. No segmento recreação e lazer houve crescimento acima da média.

A rede Livraria Cultura teve alta de 18% na receita do primeiro semestre, na comparação com 2008. Mais uma superloja será inaugurada este ano e para 2010 a projeção é de abertura de mais duas. A Ambev teve alta de 32% no lucro líquido; de 10,7% na receita; e de 5,1% no volume de vendas no primeiro trimestre. A Coca-Cola garante que vai investir 16,6% a mais em 2009. No 1º trimestre, o volume de vendas da empresa aumentou 4%. A rede Boticário inaugurou 50 novos pontos de venda e diz que o objetivo é chegar a 100 até o final do ano. As vendas cresceram de 7% a 10%.

- Nossas vendas não dependem de crédito e temos produtos de várias faixas de preço - explicou o presidente do Boticário, Artur Grynbaum.

O que explica o bom desempenho numa crise? Primeiro, o varejo ficou mais protegido. Os mais pessimistas acham que ele pode ser atingido depois. Passou melhor quem não vende a crédito. Setor de cosméticos, produtos de beleza, material esportivo, produtos diet/light têm sempre vendido mais que a média.

Alguns foram beneficiados com efeitos colaterais da turbulência. É o caso do segmento recreação e lazer dos shoppings, de acordo com o diretor executivo do grupo Brookfield, Filipe Vasconcelos:

- Duas justificativas têm relação com a crise: menos gente viajando e queda no consumo de artigos mais caros, como eletrodomésticos. Mais gente ficou na própria cidade e acabou gastando fora de casa o dinheiro que seria usado em uma compra financiada.

A venda de livros também foi favorecida por isso, de acordo com o diretor comercial da Livraria Cultura, Fábio Herz. Livro tem baixo preço - se comparado a outros artigos - , é lazer e também ajuda em tempos de crise. Ele explica que, com um gasto de R$30 em um livro, a pessoa consegue ter lazer e entretenimento em casa por uma semana.

Além disso, em momentos de turbulência financeira, há aumento na preocupação com a formação profissional e qualificação, coisas que se conseguem nos livros.

O desemprego fez aumentar a oferta de pessoas disponíveis para venda porta em porta. Aumentou o número de revendedores da Avon.

- Passei a ter mais gente se dedicando às vendas e isso foi importante para o resultado. Todos os nossos investimentos para 2009 foram mantidos, inclusive nos gastos com marketing e publicidade - explicou o presidente da empresa no Brasil, Luis Felipe Miranda.

Os números da Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABVD) comprovam. No primeiro trimestre houve aumento de 18,1% no volume de vendas e de 13,8% no número de revendedores.

- Parte de nossas vendas é baseada nas redes de relacionamento dos próprios vendedores. Em tempos de crise, eles acabam sendo beneficiados porque recebem mais ajuda dessa rede, que geralmente incluem amigos e familiares - explicou o presidente da ABVD, Lírio Cipriani.

Os alimentos tiveram queda de preço com a crise internacional e por isso o varejo vendeu mais. Com mais renda disponível pela queda dos alimentos, o consumidor também comprou mais bebidas. Prova desse efeito, segundo o vice-presidente de Comunicação e Sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, Marco Simões, é que o auge do crescimento da economia mundial, no segundo trimestre de 2008, foi justamente o menor período de crescimento da empresa no país.

- Estamos crescendo a 22 trimestres seguidos. O de menor crescimento foi o segundo do ano passado, quando as commodities agrícolas estavam em alta e a inflação dos alimentos também. Agora, estamos vendo um efeito contrário, a inflação de alimentos está em queda e isso beneficia o nosso setor - afirmou.

Alexandre Loures, gerente de comunicação corporativa da AmBev, explica também que a antecipação do aumento do salário mínimo, de maio para março, acabou garantindo o consumo das famílias de baixa renda. Além disso, a empresa investiu na diversificação de produtos e embalagens, com preços que poderiam se adaptar melhor à realidade de crise.

É o que registramos na coluna de ontem. A crise se espalha de maneira diferente. A economia brasileira é como um organismo com várias temperaturas. Estes setores, ouvidos hoje, estão quentes.

Estabilizadores automáticos, até quando?

Paulo R. Haddad
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Os estabilizadores econômicos automáticos são capazes de impedir uma recessão econômica no Brasil? Até quando serão eficazes para reduzir a volatilidade da produção e do emprego no País?

Quando terminou, no início do século 21, o ciclo de implantação das principais medidas de políticas sociais compensatórias embutidas na Constituição de 1988, ficou a impressão de que se dotara a economia brasileira de um conjunto de estabilizadores automáticos que poderiam blindá-la de eventuais recessões futuras.

Estabilizadores automáticos são mecanismos institucionais (seguro-desemprego, Previdência Social, tributação progressiva sobre rendimentos, etc.) que dão sustentação à renda nacional em conjunturas econômicas adversas. Dessa forma, estimulam a demanda agregada (particularmente o consumo das famílias), sem que os formuladores das políticas econômicas tenham de tomar decisões ad hoc que incorram em atrasos ou defasagens operacionais.

Sabe-se, por exemplo, que, para acelerar as obras do PAC, há um conjunto de óbices político-institucionais que retardam a sua eficácia como instrumento de ação anticíclica. Esses óbices vão desde processos de licitação longos e complexos até a penosa espera pela liberação de licenças ambientais. Para evitar, pois, que as políticas anticíclicas venham a depender de qualquer ação deliberada ou casuística, desde a crise de 1929 se vem buscando implantar mecanismos legais, constitucionais (seguro-desemprego, Previdência Social) ou infraconstitucionais (programas sociais compensatórios), que possam defender o nível de renda da economia, atenuando os impactos da insuficiência de demanda agregada.

Entretanto, há três grandes limites para a atuação dos estabilizadores automáticos na economia brasileira. Se a atual crise econômico-financeira mundial se prolongar e se aprofundar, há uma perda de eficácia relativa desses estabilizadores, que estão totalmente ancorados na receita federal e na sua expansão. Neste contexto, mais cedo do que se pensava, estará havendo fortes quedas na arrecadação do governo federal, por causa das mazelas da interação multiplicador-acelerador sobre as atividades econômicas.

Em segundo lugar, embora os estabilizadores sejam adequados para uma cadência inversa ao movimento de queda da renda nacional, não foram concebidos, entretanto, para uma intensidade suficientemente vigorosa, a fim de contrabalançar a crescente perda do valor da renda real domiciliar per capita. Basta ver a inexpressividade do sistema de seguro-desemprego brasileiro em face dos sistemas de países mais desenvolvidos, em relação a valores, prazo de duração e flexibilidade operacional, assim como quanto à sua sustentabilidade econômico-financeira no médio prazo.

Finalmente, uma recessão profunda e prolongada demandaria mudanças e ajustes no sistema fiscal para ampliar o emprego privado por meio de obras públicas, o que exigiria resgatar a participação dos investimentos na composição dos gastos públicos do País. Esses investimentos já atingiram quase 39% do total desses gastos antes da Constituição de 1988, caindo para 2% em anos recentes. Dados os atuais níveis inflexíveis de vinculação das receitas e os interesses políticos envolvidos em sua contrarreforma, é difícil imaginar que a expansão dos dispêndios públicos com investimentos em infraestrutura econômica possa vir a ser ampliada.

Enfim, se os estabilizadores automáticos constituem um avanço no desenho das políticas anticíclicas modernas, não se pode esperar que eles sejam igualmente eficazes para atenuar o ciclo recessivo de qualquer economia nacional, independentemente de seu contexto histórico. Essa eficácia é menor em economias com elevado grau de endividamento, com sistema fiscal politicamente enrijecido e anticrescimento, assim como com perda de qualidade e consistência na política econômica.

Caso esse cenário venha a prevalecer, não há muitos graus de liberdade para operar as políticas anticíclicas de defesa do nível de renda e do emprego.

É provável que tenha de se recorrer a medidas circunstanciais ou contingentes com seu custo político, por ter-se adiado o conjunto de reformas estruturais (fiscal, previdenciária, orçamentária, trabalhista, etc.) que, uma vez implementadas, dariam ao Estado maior leveza, rapidez e exatidão para superar o ciclo recessivo.

*Paulo R. Haddad, professor do IBMEC-MG, foi ministro do Planejamento e da Fazenda no governo Itamar Franco

Governo cria 'folga' para investir mais em período pré-eleitoral

Martha Beck e Luiza Damé
DEU EM O GLOBO


Manobra já vale para este ano e não descumpriria meta de superávit

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O governo encontrou uma maneira de reduzir na prática o superávit primário em 2009 e 2010, ampliando entre R$5 bilhões e R$6 bilhões ao ano o espaço para fazer mais gastos sem ter que alterar formalmente a meta fiscal em período pré-eleitoral. Em reunião da Junta Orçamentária, ontem, ficou acertado que todo o gasto com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) passará a fazer parte do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) - que pode ser abatido da economia do governo para o pagamento de juros da dívida pública. Com isso, o PPI subirá de 0,5% para 0,65% do Produto Interno Bruto (PIB, bens e serviços produzidos pelo país).

Caso o governo consiga executar todas as obras previstas, o superávit fiscal de 2009, cuja meta é de 2,5% do PIB, poderia ficar em 1,85%. Em 2010, o PPI poderá fazer a meta de 3,3% do PIB ficar em 2,65%. Isso significa que o governo terá cerca de R$10 bilhões a mais para gastar nos dois últimos anos de mandato do presidente Lula.

Paulo Bernardo: sem decisão sobre cortes no Orçamento

Para 2009, a meta original era de 3,8%, mas passou a 2,5% em abril, com a retirada da Petrobras do cálculo do superávit e a redução da economia a ser feita pela União. A justificativa é a necessidade de ampliação de investimentos e concessão de desonerações fiscais como política anticíclica para impulsionar a recuperação econômica.

- O PPI é 0,5% (do PIB), o PAC é aproximadamente 0,65% (do PIB). Isso dá uma diferença de 0,15% do PIB, o que dá R$5 bilhões, R$6 bilhões. Mantém o conceito de anos anteriores, apenas coincide o valor do PPI com o PAC. Se nós executarmos e se for julgado conveniente, se tivermos dificuldade de cumprir a meta, poderemos abater - disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

O PPI foi um mecanismo criado em 2005 para permitir gastos maiores do governo sem que as despesas fossem percebidas como "farra fiscal". Com a bênção do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi fechada uma lista de obras de infraestrutura (como rodovias e portos) e projetos de melhoria de gestão.

Portanto, se o governo não economizar para pagar juros num dado ano o que foi estipulado, pode usar o PPI como desculpa, e descontá-lo da meta. Até agora, esse benefício nunca foi usado. Muitas obras do PAC, plano que veio depois, integravam o PPI. Agora, todas estarão na lista especial.

Este ano, a dotação orçamentária do PAC é de R$20,5 bilhões, e o PPI tem R$15,5 bilhões em projetos. Para 2010, a primeira estimativa do PPI é de R$16,886 bilhões. Aumentado a 0,65% do PIB, vai a R$21,95 bilhões.

Segundo Paulo Bernardo, ainda não houve decisão sobre cortes no Orçamento de 2009:

- Continuamos analisando a situação e temos até o dia 20 de julho para tomar decisões.

Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, levou ao encontro a posição de que ainda não é preciso fazer novos cortes de receitas. Sua avaliação é de que queda da arrecadação está sendo compensada com aumento da atividade industrial e entrada de capital estrangeiro no país.

Paulo Bernardo disse ainda que os parâmetros para o Orçamento estão mantidos. A estimativa de crescimento do PIB para 2010 é de 4,5%.

Antes da reunião de ontem da Junta, a maior preocupação dos analistas era com as contas públicas em 2010, quando a meta de superávit primário oficial deveria voltar a 3,3% do PIB. Nos 12 últimos meses encerrados em maio, o superávit foi equivalente a 2,28%, após os 4,32% do PIB em outubro, antes do auge da crise financeira global.

- Chegamos ao patamar de 2% muito rápido. Agora, teremos de ir mais devagar com o andor - afirma o economista Raul Velloso.

Crise escondeu problema das contas públicas

Para o chefe do Centro de Crescimento Econômico da FGV, Samuel de Abreu Pessoa, o país "já perdeu a condição de voltar ao superávit fiscal na casa dos 3%". Ele diz que a crise escamoteou o problema da gestão das contas públicas, ao permitir que o governo diminuísse o controle sobre o superávit em nome da reativação da economia. E prevê para o início de 2011 um cenário de excesso de demanda, o que poderia levar o Banco Central a voltar a elevar os juros básicos.

FMI: América Latina vai encolher 2%

Felipe Frisch*
DEU EM O GLOBO

Em dia de poucos negócios, Bovespa cai 0,18%. Dólar sobe para R$1,953

VIÑA DEL MAR, Chile. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou ontem que a América Latina poderá sofrer uma forte retração econômica em 2009 por causa da crise global. A avaliação foi feita ontem por Nicolas Eyzaguirre, diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, durante uma reunião de ministros de Finanças da região, realizada no Chile.

- Em média, a América Latina terá uma queda possivelmente maior que 2% - disse Eyzaguirre.

Segundo o diretor do Fundo, a economia global começou a dar sinais de que está voltando à normalidade. Porém, na avaliação de Eyzaguirre, ela está mais fraca do que o previsto para os dois primeiros trimestre do ano.

- A recuperação começou a se materializar com mais vigor, de maneira a mudar um pouco as perspectivas de queda para 2009, e melhorar os prognósticos para 2010 - Eyzaguirre.

Com feriado nos EUA, Bovespa só negocia R$1,7 bi

Eyzaguirre disse que os Estados Unidos devem se recuperar mais rapidamente do que outras economias do mundo desenvolvido, considerando as agressivas políticas fiscal e monetária adotadas pelo governo de Barack Obama para tentar conter os efeitos da crise.

- É possível que a economia dos EUA esteja em território positivo em 2010, mas Europa e Japão vão continuar um pouco atrás. Assim, o comércio internacional ficará muito lento neste ano e no próximo - acrescentou. - Isso afetará as economias abertas e as menores também, que continuarão a ter dificuldade para exportar.

Com o feriado do Dia da Independência nos Estados Unidos, comemorado em 4 de julho, adiantado para ontem, os negócios da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ficaram esvaziados. A Bolsa movimentou apenas R$1,675 bilhão no dia, contra uma média diária de R$4,565 bilhões no ano. O Índice Bovespa (Ibovespa) caiu 0,18% no dia, para 50.934 pontos, oscilando apenas 253 pontos entre a mínima e a máxima, sempre próxima de zero. Na semana, o indicador caiu 1,07% e, ontem, completou dois meses que voltou aos 50 mil pontos, sem conseguir se distanciar desse patamar. O dólar também teve um dia fraco e encerrou em leve alta, de 0,05%, a R$1,953. Na semana, a moeda americana subiu 0,72%.

Uma reprise da década de 30

Paul Krugman *
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Muito bem, o relatório de quinta-feira sobre o desemprego fecha a questão. Vamos precisar de um estímulo maior. Mas será que o presidente sabe disso? Façamos algumas contas.

Desde o início da recessão, a economia dos Estados Unidos fechou 6,5 milhões de postos de trabalho - e, como confirmado por esse desanimador relatório, os empregos continuam a se perder num ritmo acelerado. Se levarmos em conta os mais de 100 mil novos empregos mensais necessários simplesmente para acompanhar o crescimento da população, estamos afundados num buraco de cerca de 8,5 milhões de empregos.

E, conforme a profundidade do buraco aumenta, torna-se mais e mais difícil escaparmos dele. O número de desempregados não foi a única má notícia do relatório de quinta-feira, que mostrou uma estagnação nos salários e sinalizou com a possibilidade de um franco declínio nos mesmos. Trata-se de uma receita para a deflação ao estilo japonês, coisa que é muito difícil de reverter. Alguém falou em década perdida? Espere - as más notícias não terminaram: temos a crise fiscal nos Estados. Diferente do governo federal, os Estados são obrigados a se ater a orçamentos equilibrados. E diante da grande queda na arrecadação fiscal, a maioria está preparando agressivos cortes orçamentários, muitos deles aprovados à custa dos mais vulneráveis.

Além de produzir diretamente muita miséria, esses cortes vão deprimir ainda mais a economia. E o que temos em mãos para reverter estas perspectivas assustadores?

Temos o plano de estímulo de Obama, que pretende criar 3,5 milhões de empregos até o fim do ano que vem. Isso é muito melhor do que nada, mas está longe de ser suficiente. E não parece haver muito mais em andamento. Lembra-se dos planos do governo para reduzir drasticamente o número de execuções hipotecárias, ou o plano para fazer com que os bancos voltassem a emprestar removendo os ativos tóxicos dos seus balanços patrimoniais? Nem eu.

Tudo isso é de uma familiaridade deprimente para qualquer um que tenha estudado a política econômica dos anos 1930. Novamente um presidente democrata conseguiu a aprovação de medidas para criar empregos que aliviarão o declínio, mas não são suficientemente agressivas para promover uma recuperação completa. Novamente boa parte do estímulo no nível federal é anulado pelos recuos orçamentários no nível estadual e local.

Será que não fomos capazes de aprender com a história e estamos, assim, fadados a repeti-la? Não necessariamente - mas cabe ao presidente e à sua equipe de economistas garantir que as coisas sejam diferentes desta vez. O presidente Obama e seus funcionários precisam intensificar os seus esforços, começando por um plano para aumentar o estímulo.

Para que não haja dúvidas, deixo claro que sei muito bem como será difícil aprovar um plano desse tipo.

Não haverá cooperação dos líderes republicanos, que se contentaram com uma estratégia de oposição total, mantendo a naturalidade enquanto contrariam os fatos e toda lógica. De fato, esses líderes responderam aos mais recentes números do desemprego proclamando o fracasso do plano econômico de Obama. É claro que isso é absurdo. O governo alertou desde o início que levaria alguns trimestres até que os efeitos positivos do plano se fizessem sentir. Mas isso não impediu o presidente do comitê republicano de estudos de emitir uma declaração cobrando: "Onde estão os empregos?" Ainda não ficou claro se o governo vai receber apoio dos "centristas" do Senado, que evisceraram parte da versão original do plano de estímulo ao exigir cortes no auxílio aos governos estaduais e municipais, auxílio que, como vemos agora, era extremamente necessário. Gostaria de acreditar que alguns desses centristas estão arrependidos do que fizeram, mas se isso for verdade, ainda não vi provas que comprovem tal remorso.

E, enquanto economista, acrescento que muitos dos meus colegas de profissão estão desempenhando um papel destacadamente inútil.

Foi um imenso choque ver tantos economistas de boa reputação reciclando antigas falácias - como a afirmação que associava o aumento no gasto governamental a uma substituição automática de um volume idêntico de gastos privados, mesmo num contexto de desemprego em massa - e emprestando seus nomes a declarações descaradamente exageradas sobre os males dos déficits orçamentários no curto prazo.

(No momento, o risco associado a uma dívida adicional é muito menor do que o risco associado à falta de apoio adequado para a economia.) Além disso, como nos anos 1930, os opositores das medidas estão vendendo contos de terror a respeito da inflação enquanto somos ameaçados pela deflação.

Aprovar uma nova rodada de estímulo será difícil. Mas é algo essencial. Os economistas do governo Obama compreendem o que está em jogo. De fato, poucas semanas atrás, a presidente do Conselho de Assessores Econômicos, Christina Romer, publicou um artigo intitulado "As lições de 1937" - ano em que Franklin Delano Roosevelt cedeu aos falcões do déficit e da inflação, com desastrosas consequências tanto para a economia quanto para sua agenda política.

O que ainda não sei é se o governo já aceitou a inadequação daquilo que já foi feito até o momento.

Assim, eis aqui a minha mensagem para o presidente: É necessário botar imediatamente sua equipe de economistas e seus assessores políticos para trabalhar num pacote de estímulo adicional. Caso contrário, o governo logo enfrentará seu próprio 1937.

*Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia

Keynes previu 15 h de trabalho por semana

Hélio Schwartsman
Da equipe de articulistas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em 1931, John Maynard Keynes publicou um curto ensaio intitulado "Possibilidades Econômicas para Nossos Netos".

É um texto estranho, no qual o homem que salvou o capitalismo da ruína chega muito perto de advogar pelo fim do trabalho e dos juros.

O objetivo do opúsculo é combater a vaga de pessimismo com a perda de postos de trabalho provocada pela crise de 1929.

Keynes espertamente "resolve" o problema lançando-o para o futuro longínquo.

De acordo com o economista, a combinação de acúmulo de capitais com desenvolvimento científico-tecnológico, embora possa produzir numa primeira etapa o chamado desemprego estrutural, significa também "a solução para o problema econômico da humanidade".

Keynes prognostica um aumento tão acentuado da produtividade que, no prazo de cem anos, estaríamos em vias de nos livrar da necessidade de trabalhar para satisfazer as necessidades básicas. Para o autor, lá por 2030 não teríamos de trabalhar mais que 15 horas semanais e dedicaríamos o restante do tempo ao lazer e à cultura.

Com isso -e é aqui que o texto fica mais intrigante-, ocorreria uma espécie de emancipação moral do homem: a acumulação de riquezas deixaria de ser percebida como algo importante e estaríamos livres para retornar a uma ética mais tradicional que condena a avareza, a usura e o amor pelo dinheiro.

Pragmático, porém, Keynes alerta: "Este tempo ainda não chegou. Por pelo mais um século, devemos fingir para nós mesmos e para os outros que o justo é injusto, e o injusto, justo; pois o injusto é útil, e o justo, não".

Durante muito tempo, esse texto foi tratado como um simples "divertissement", uma obra menor.

Mais recentemente, entretanto, alguns economistas começaram a se perguntar por que o otimismo keynesiano não parece prestes a se materializar.

As respostas que constam do livro "Revisiting Keynes" variam bastante.

Embora o pensador britânico tenha acertado em relação ao forte crescimento econômico, ele negligenciou a questão da distribuição da riqueza. Também parece ter superestimado o desejo das pessoas de deixar de trabalhar, mesmo quando podem fazê-lo.