Primeiro Mundo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Um estudo que a consultoria Macroplan Prospectiva, Estratégia & Gestão está preparando, coordenado pelos economistas Claudio Porto e Rodrigo Ventura, traça os cenários para o Brasil nos próximos 20 anos e mostra o que deveria ser feito para que atinjamos um nível de Primeiro Mundo nesse período de tempo. E também o que pode acontecer de retrocesso para o país se os problemas hoje existentes não forem enfrentados.

O cenário que mostra o Brasil dando “um salto para o Primeiro Mundo” depende de que sejam enfrentados os gargalos estruturais que emperram nosso desenvolvimento, especialmente nos setores de educação e de inovação tecnológica, em um contexto mundial que seria de “variadas oportunidades” para os países emergentes.

A premissa deste cenário otimista é que o Estado, a sociedade e o setor privado passem a ter como objetivo estratégico a eliminação de tais entraves, possibilitando à economia brasileira entrar, definitivamente, em uma trajetória de crescimento sustentado, mantendo taxa de expansão média do PIB entre 4% e 6% ao ano.

Isso acontecendo, na década 2011-2020 o Brasil se tornaria “um imenso e variado canteiro de obras”.

Um ambiente próspero e favorável ao desenvolvimento dos negócios e à atração de investimentos estrangeiros seria viabilizado, com a participação brasileira no fluxo global de capitais passando a ser de 7,5% em 2030, contra apenas 1,9% em 2008.

O revigoramento das instituições e a adoção de novas formas de gestão pública tornariam possível uma contínua melhora da qualidade do gasto e dos serviços públicos, em especial nas áreas de saúde, educação e segurança, preveem os economistas autores do trabalho prospectivo.

O parque produtivo brasileiro passaria por um intenso processo de inovação tecnológica, o que permitiria ao Brasil “inserir-se de forma competitiva na economia global”.

Na esfera ambiental, os avanços no campo da gestão e novos estímulos econômicos alavancariam negócios relacionados à “economia limpa”, de modo que a questão ambiental deixaria de ser vista como entrave ao desenvolvimento econômico.

Neste cenário, o estudo prevê que, em 2030, o PIB per capita do país alcançaria os US$ 25 mil em poder de paridade de compra (PPC), equivalente ao da Itália em 2008.

Um cenário menos otimista, mas ainda positivo, foi chamado de “Um emergente retardatário”. O Brasil continuaria correndo atrás de suas possibilidades, embora desperdiçando a maior parte das oportunidades que o contexto mundial voltaria a oferecer, após a recuperação da grave crise econômica que marcou a virada da primeira década do século XXI.

As análises indicam que, à exceção da educação, que experimentaria saltos de qualidade, a ausência de um amplo pacto em favor de reformas estruturais modernizadoras da economia contribuiria para a manutenção de graves entraves ao desenvolvimento nacional.

A economia brasileira perderia competitividade frente a outros grandes emergentes, em especial China e Índia, que trilham trajetória semelhante à empreendida pela Coreia do Sul nos últimos 30 anos do século XX.

O Brasil, em 2030, seria um país dual, tendo de um lado um setor privado dinâmico, inovador e empreendedor, e regiões altamente competitivas, que contribuiriam para que o crescimento econômico do país se estabilizasse em patamar mediano, entre 3% e 4% ao ano até 2030.

Em contrapartida, um setor público pesado e ineficiente e regiões mais atrasadas impediriam ou dificultariam melhorias substanciais no ambiente de negócios e nos indicadores sociais, que experimentariam evolução apenas moderada.

Neste cenário, em 2030 as grandes regiões metropolitanas continuariam a conviver com graves problemas, sobretudo nas áreas de infraestrutura, segurança e emprego, e o Brasil ainda acumularia passivos ambientais de peso. O PIB per capita do país alcançaria os US$ 17 mil (em PPC), próximo ao de Porto Rico em 2008.

Entre os dois cenários, o estudo da Macroplan vê a possibilidade de acontecer uma “mudança de patamar”, que nos colocaria “bem perto do Primeiro Mundo” Neste cenário, enfrentaríamos um “moderado dinamismo” mundial e crises cíclicas, mas no plano interno o enfrentamento continuado dos principais gargalos estruturais do desenvolvimento possibilitaria à economia brasileira experimentar uma mudança de patamar.

Após registrar taxa média de variação do PIB moderada nos primeiros dez anos, de 2010 a 2020, entre 2,5% e 4% ao ano, o Brasil consolidaria a trajetória de crescimento sustentado após 2020, com crescimento acima de 5% ao ano.

A educação daria saltos de qualidade, e haveria uma contínua melhora da qualidade do gasto e dos serviços públicos, impactando positivamente os índices de qualidade de vida e de desenvolvimento regional.

O parque produtivo brasileiro passaria por um processo de inovação tecnológica, e os avanços no campo da gestão ambiental fariam progredir a “economia limpa” que multiplicaria oportunidades de negócios e de geração de renda e trabalho.

Neste cenário, em 2030 o PIB per capita do país alcança os US$ 18,5 mil (em PPC), equivalente ao da Coreia do Sul em 2008.

O cenário mais pessimista é o do “crescimento inercial”, no qual a persistência de graves entraves ao desenvolvimento nacional abortaria a trajetória de aceleração do crescimento econômico registrada nos primeiros anos do século XXI, até a eclosão da crise mundial.

Como resultado, o crescimento econômico brasileiro até 2030 voltaria a cair, situandose entre 1% e 3% anuais. O Brasil voltaria a ser percebido como uma “baleia encalhada”, e repetiria o mesmo padrão de crescimento do PIB observado nas décadas de 1980 e 1990.

Neste cenário, em 2030, o PIB per capita do país alcançaria apenas US$ 13 mil (em PPC), equivalente ao do Chile em 2008.

Até que a urna os separe

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Alianças partidárias não são renováveis automaticamente, não têm validade eterna e seus signatários podem perfeitamente desfazer a parceria sem que isso signifique traição ou insidiosa quebra de compromisso. Afinal, união não é fusão.

São essas basicamente as linhas gerais do discurso do PMDB para o caso de o partido não poder ou não querer apoiar a candidatura patrocinada pelo presidente Luiz Inácio da Silva à sua sucessão numa coligação formal.

Isso, no entanto, não quer dizer que esteja no horizonte do PMDB - ao menos por enquanto - a possibilidade de a legenda vir a se juntar oficialmente a uma chapa de oposição a Lula. Para isso o partido precisaria tomar essa decisão desde já, saindo do governo, coisa que está fora de cogitação para os pemedebistas.

Há três hipóteses postas na mesa: aliança formal com Lula, candidatura própria e liberação geral, cabendo a cada seção regional decidir o que fazer.

A primeira depende primordialmente de Lula dar ao PMDB a vaga de vice na chapa de sua candidata (ou candidato). Sem a vice, a cúpula não vê como convencer o partido a aprovar a aliança que careceria, assim, de justificativa.

Esse é um argumento. Outro, de mais peso, é o seguinte: fora da chapa, o partido ficaria refém das pressões do PT durante a campanha pelo apoio do presidente Lula nos Estados. Como parceiro formal, o PMDB teria muito mais força e influência. Inclusive como uma ameaça permanente de se tornar uma fonte de crise na chapa caso o PT lhe crie problemas.

Além disso, a aliança formal daria visibilidade à "marca do partido".

A segunda hipótese é a candidatura própria, cujos obstáculos são os de sempre: falta de nomes e ausência de ousadia partidária para bancar um projeto solo, ainda que para fortalecer a legenda participando no primeiro turno e depois negociando apoio com um dos finalistas.

Ainda assim, o partido contratou uma pesquisa ao Ibope para, entre outras coisas, saber das chances de lideranças como o ministro Hélio Costa, o presidente da Câmara, Michel Temer, e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. É uma carta, no momento vista como de difícil entrada no jogo.

A terceira possibilidade, a da liberação geral, é tida hoje como a pior. O partido perderia a chance de fazer uso do substancioso tempo de televisão que seria distribuído entre os outros candidatos e reforçaria a imagem de agremiação desfrutável.

Como não faz parte do cardápio a coligação oficial com o PSDB, os pemedebistas estão atentos ao ambiente na seara do presidente Lula. Se a candidatura "pegar" e for oferecida a vaga de vice, embarcam.

Se a situação se complicar, política e eleitoralmente falando, e o PT insistir em apresentar candidatos ao governo em todos os Estados, o partido decretará findo o compromisso. Mas, de maneira engenhosa, esperando que Lula forneça o pretexto ideal quando, e se, tiver de optar entre os palanques do PT e do PMDB nos Estados.

Arrasa-quarteirões

A candidatura do deputado Ciro Gomes à Presidência da República não é vista apenas como prejudicial aos planos do presidente Lula para 2010. É tida como potencialmente devastadora.

Porque, em tese, Ciro avançaria sobre o eleitorado do Nordeste, a base de Lula para equilibrar a vantagem da oposição em São Paulo e Minas Gerais.

Em contrapartida, o tucanato recebe dados de pesquisas indicando que a candidatura da senadora Marina Silva pode ter um efeito muito mais danoso para a candidatura do PSDB do que para o PT.

A ex-ministra do Meio Ambiente roubaria votos do eleitorado mais informado, que votou e não vota mais no PT, mas tem uma memória de aversão ao governo Fernando Henrique Cardoso. Esse pessoal em princípio ficaria com José Serra, mas boa parte dele por falta de opção, o que a entrada de Marina na disputa poderia vir a resolver.

Nuvem passageira

É meramente cenográfica a "movimentação" do Palácio do Planalto em prol da volta da CPMF, sob nova denominação (CSS). Da mesma forma que entrou em pauta - pelas mãos do ministro da Saúde, José Gomes Temporão -, o tema sairá da agenda. Por inércia.

O governo continuará dizendo que o assunto é da alçada do Congresso e o Congresso simplesmente não fará coisa alguma. Nem passa pela cabeça dos partidos governistas aprovar a volta de um imposto cuja cobrança seria iniciada em ano eleitoral.

A oposição bem que gostaria, mas não ganhará de presente o engajamento do presidente Lula nessa causa (perdida).

Fim da linha

Avaliação corrente na cúpula do PMDB: o caso Sarney morreu. Sob todos os aspectos. Está enterrada a possibilidade de retomada da ofensiva em favor do afastamento do presidente do Senado.

Em compensação, está sepultado também o poder de influência do senador. Dentro e fora do partido.

Mataram o Velhinho!

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHANegrito DE S. PAULO / ILUSTRADA

Vi que a calçada estava ocupada por soldados do Exército, com fuzis e farda de campanha

DUAS SEMANAS atrás, fez 55 anos que o presidente Getúlio Vargas deu um tiro no peito. Eu morava perto do palácio do Catete, ali na rua Buarque de Macedo, 56, na pensão de dona Hortência.

Na verdade, morava numa vaga de um quarto da pensão, em companhia de dois amigos: Oliveira Bastos e José Carlos Oliveira. Dos três, o único que tinha emprego fixo era eu, na revista do Instituto de Aposentadoria dos Comerciários (IAPC). Bastos e Carlinhos viviam de biscates, escrevendo uma matéria aqui outra ali para algum jornal ou revista, de modo que, com frequência, quem arcava com o aluguel era eu.

A política não ocupava o centro de nossas preocupações, voltadas para a literatura e a arte. Eu andava para cima e para baixo com a "Histoire du Surréalisme", de Maurice Nadeau, que lia e anotava, fosse num banco da Cinelândia ou num bonde que me levava a passeio pela praia do Flamengo. Às vezes íamos à casa de Mário Pedrosa, em Ipanema, filar o almoço ou o jantar e jogar conversa fora.

Mário, sim, preocupava-se com questões políticas, especialmente naquele momento quando a crise institucional parecia caminhar para o desfecho. A tensão crescera definitivamente, quando, num atentado contra Carlos Lacerda, em frente a seu edifício, na rua Toneleros, morreu um oficial da Aeronáutica, que lhe servia de guarda-costas.

Esse atentado justificou a reação de oficiais da Aeronáutica que, por conta própria, instalaram, na base aérea do Galeão, um órgão investigatório e policial para apurar e prender os responsáveis. Esse órgão ficaria conhecido como a "República do Galeão", já que, de fato, tornara-se um poder paralelo ao poder legal do governo Vargas.A campanha contra ele começara no dia mesmo em que se apresentou candidato à presidência da República, nas eleições de 1950, depois dos anos que passara em sua fazenda em Itu, no Rio Grande do Sul, após ser deposto em 1945. Lacerda, na "Tribuna da Imprensa", jornal que havia sido criado para combater o getulismo, chegou a escrever: "O senhor Getúlio Vargas não pode ser candidato; se candidato, não pode ser eleito; se eleito, faremos uma revolução para derrubá-lo".

De fato, Getúlio candidatou-se, elegeu-se e tomou posse na Presidência do país. Lacerda, por sua vez, não desistiu das ameaças que fizera e desencadeou contra ele uma guerra sem tréguas, com acusações de toda ordem. Foi essa campanha difamatória que levou o chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, a aliciar, por conta própria, alguns pistoleiros para dar cabo do jornalista. Essa iniciativa desastrada, tendo partido de dentro do palácio presidencial, pôs Getúlio em situação indefensável.

Na noite do dia 24 de agosto de 1954, no auge da crise, ele se reuniu com seu ministério, na tentativa de buscar uma saída, mas percebeu, pela atitude da quase totalidade dos ministros, que a sua queda era então inevitável.

Nosso quarto na Buarque de Macedo dava para a rua. Lá pelas quatro da madrugada, acordei com uns barulhos inusitados e, chegando à janela, vi que a calçada estava ocupada por soldados do Exército, com fuzis e farda de campanha. Só então me dei conta de que algo de muito grave estava para acontecer. Vesti-me às pressas e me dirigi para o palácio do Catete, a umas poucas quadras dali. À frente do palácio, havia soldados armados, que impediam a aproximação de pessoas. Carros oficiais chegavam, trazendo políticos e altas patentes militares. Ninguém sabia de fato o que se passava dentro do palácio, mas que a situação era grave, não havia dúvida.

Eu, como muitas outras pessoas, amanheci em frente ao palácio. Logo cedo um bar, que ficava quase em frente, abriu as portas e, assim, pude matar a fome, com uma média e pão com manteiga. O assunto era naturalmente a crise política e todos que ali estavam mostravam-se a favor da deposição do presidente. Eu também, o que era natural, uma vez que a campanha de Lacerda surtira efeito: de minha sogra, que era católica, gaúcha e getulista, ao partido comunista, todos estavam contra Vargas.

Às 8h20 da manhã, pelo rádio do bar, o Repórter Esso, que se dizia testemunha ocular da história, noticiou: "O presidente Getúlio Vargas acaba de suicidar-se com um tiro no coração". Fez-se silêncio até que um sujeito gritou: "Mataram o Velhinho!". Subitamente revoltados, todos passaram a bradar contra o golpista Lacerda.

Essa virada parece ter ocorrido por todo o país, pois logo a multidão tomou as ruas, indignada com a morte de um presidente que, de fato, não roubara nem enriquecera.

Jogo embaralhado

José Arthur Giannotti
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / MAIS!


Como Collor e Jânio Quadros, Marina Silva encarna figura salvadora em um cenário político degradado, mas sua "doce" presença terá efeitos mais promissores, defende José Arthur Giannotti

A senadora Marina Silva abandona o PT, inscreve-se no Partido Verde e se prepara para lançar-se como candidata à Presidência da República. De repente, todo o jogo político anterior, que tendia a se polarizar entre dois candidatos, se embaralha e se torna mais imprevisível. O que está acontecendo?

Antes explico meu vocabulário. Em geral não uso o conceito de sistema político porque me parece muito abstrato, pois capta antes de tudo a estrutura das regras de um processo mais rico. Prefiro aquele de jogo, não no sentido da teoria dos jogos porque, assim fazendo, cairia nas mesmas armadilhas armadas pelo conceito de sistema. Mas tomo "jogo" para descrever um processo real, como se fosse uma partida de futebol. O sistema demarca as regras; a partida, o curso das interações sociais; os times e partidos, os grupos socializados.

Posso então dizer que o jogo político brasileiro endoideceu, deixando de cumprir as tarefas que lhe correspondem em uma sociedade moderna: representar interesses dos vários grupos sociais, encená-los em um palco a ser visto e corrigido pela opinião pública, sempre com o intuito de reforçar e projetar um ideal de nação.

Note-se que a implosão do jogo pode muito bem não corresponder à destruição do sistema. Desse último ponto de vista, as regras da política democrática continuam sendo seguidas e os partidos têm mantido os desempenhos esperados. Mas cada partida é um desastre, os atores comem bola, revelam-se fantoches a mando de caciques debochados. Qual é a qualidade de nossa democracia?
Seria longo demais fazer a análise e a história desse derretimento. Mas me parece evidente que uma das causas foi a vinda do PT para o centro político e o pragmatismo cada vez mais descarado do lulo-petismo. De modo nenhum estou isentando as oposições da responsabilidade pelo desastre, apenas lembro que a ponta de lança da confusão se formou quando o PT de Lula, nas pistas do PSDB, aderiu a uma social-democracia de cunho "neoliberal", bebeu até a última gota do cálice das alianças envenenadas -se a política é essa sujeira, então não há como não aderir a ela, dizem eles- e se entregou a tal ponto às práticas tradicionais que ressuscita os velhos coronéis da política brasileira.

Luta política

É de esperar que, numa situação de anomia, surja uma força nova, capaz de refazer o sentido das jogadas. A disputa eleitoral já está nas ruas e caminhava para um duelo entre situação e oposição, cada parte fazendo todo o possível para aparentar o que de fato não é.

De repente surge "santa" Marina. O que isso significa? Costuma-se dizer que o poder corrompe. Isso tem muito de verdade, pois reside na essência da ação política. Se no início esta é quase sempre estimulada por ideais moralmente impecáveis, ela se degrada ao longo de seu exercício. Isso sobretudo porque se faz por meio de alianças que tanto aglutinam vários atores em vista de certos ideais como estabelecem uma divisão entre aliados e adversários.

Pouco importa se ambas as partes formulam esses ideais pelas mesmas palavras, as práticas emprestam a elas sentidos diferentes, à medida que ações, manipulando os fundos públicos e orientando o exercício da violência legítima, constroem forças coletivas que sempre encobrem uma diferença larvar.

Procurando conciliar, a ação política separa aliados e adversários. A decisão por maioria apenas posterga, ou transfere para outro plano, diferenças que se mantêm conforme vão sendo reformuladas. A luta pelo poder junta e divide.

Ora, nos últimos tempos, essa luta tanto se embaralhou que as ações e os próprios atores políticos estão progressivamente perdendo suas identidades. O termômetro é o presidente Lula, cujas falas e práticas contraditórias se espalham por todas as direções.

Renovação possível

Nessa situação de derretimento das ações instituintes, se espera que se levante um novo ideário. Já tenho idade para ter assistido a várias dessas irrupções salvadoras e moralizadoras: Jânio, Collor... Qual seria o conselheiro da vez? Temia um novo ator truculento, feroz demagogo querendo nos curar a ferro e a fogo.

Mas veio a doce Marina Silva. Sua presença já promete uma renovação possível, pode tornar mais higiênico nosso jogo político. Não me parece, até agora, que possa vencer a eleição para a Presidência, mas simplesmente sua atuação mobiliza novos atores, eleva o debate político, tende a reduzir os golpes baixos e a demarcar regras e personagens.

Se fizer uma campanha de alto nível e inovadora, coloca de vez a problemática do desenvolvimento sustentável na agenda de qualquer governo que resulte da próxima eleição.

E pode levantar a pergunta básica: que desenvolvimento queremos ter? Mas que ela não caia no abismo que a espreita: uma campanha altamente centrada nos problemas da moralidade pública desemboca, como já sabemos, na politicalha da sujeira.

José Arthur Giannotti é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais! .

As novas minibolhas

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O que deveria preocupar as autoridades econômicas não é a inflação, mas a possível formação de novas bolhas

A IMENSA rede de socorro, sem precedentes na história, lançada pelos governos de todo o mundo sobre o sistema financeiro, evitou seu colapso total. Da mesma forma, a rápida reação deles, injetando recursos fiscais para sustentar a demanda agregada, evitou a Depressão. Mais rapidamente do que todos esperavam, as economias já começam a esboçar uma reação.

Ainda assim, as desenvolvidas deverão sofrer, neste ano, contração de mais de 4% nos seus PIBs. Em 2010, os países da zona do euro, agora mais otimistas, esperam crescimento pífio de 0,2%; e o desemprego deverá continuar aumentando. Ninguém espera resultados muito melhores para os EUA. O que não sabemos ainda é se a recuperação terá formato de U, com base achatada e prolongada, ou W ou WWW, como ocorreu com o Japão depois da crise financeira que explodiu no final de 1989. Tudo dependerá se os governos serão capazes de enfrentar alguns desafios que já se colocam.

O principal desafio será a nova regulação e controles que deverão ser impostos sobre o sistema financeiro. Bolhas e crises só prosperam se houver expansão excessiva de crédito. Na atual crise, a expansão excessiva de crédito não veio do sistema bancário tradicional -instituições que captam depósitos e fazem empréstimos limitados e sob controle dos bancos centrais. Essas instituições perderam espaço nas últimas décadas: enquanto em 1980 respondiam por cerca de 55% do total de ativos do sistema, em 2005 sua participação havia caído para 24%.

A forte e descontrolada expansão de liquidez e crédito veio de novos instrumentos e novas instituições introduzidas exatamente para contornar a regulação adotada depois da crise de 1930. Operações de mercado com a securitização financiadas no mercado de moeda tiveram um papel preponderante. Diversos tipos de fundo, as corretoras e as distribuidoras desenvolveram capacidade ilimitada de gerar crédito através de operações puramente especulativas. Os próprios bancos tradicionais desenvolveram operações não registradas nos seus balanços, endividando-se no curtíssimo prazo para financiar compras de ativos mais rentáveis de longo prazo, inclusive os títulos lastreados em hipotecas "subprime". Esse imenso "sistema bancário paralelo" é que deverá ser um dos focos da nova regulação.

Enquanto isso, esse "sistema bancário paralelo" continua com suas operações especulativas e tudo indica que já criou novas minibolhas que poderão trazer novas instabilidades financeiras. Como explicar o boom das Bolsas de alguns países emergentes, o petróleo a mais de US$ 70 o barril e a recuperação do preço de algumas outras commodities em plena recessão mundial? A operação de salvamento do sistema financeiro levou os bancos centrais a injetar trilhões de dólares, a uma taxa de juros próxima a zero, portanto municiando esse sistema com recursos a custos próximos de zero para especular, inflando os preços de alguns ativos. O que deveria preocupar as autoridades, devido à excessiva expansão monetária em resposta à crise, não é a inflação, mas a formação de novas bolhas -portanto de novas crises dentro da crise.

Yoshiaki Nakano , 65, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

A difícil paz

Fernando Henrique Cardoso
DEU EM O GLOBO


Como manter a esperança na solução do conflito entre Israel e Palestina?

Estive em Israel e na Palestina, na última semana de agosto, em missão de um grupo criado por Nelson Mandela (os Elders) para atuar em defesa da democracia, da paz e dos direitos humanos. Fazem parte dele pessoas que não estão ligadas a governos, embora muitas delas tenham ocupado posições políticas relevantes no passado. Entre outros, o arcebispo Desmond Tutu, que presidiu a Comissão de Reconciliação da África do Sul; Gro Brutland, ex-primeira-ministra da Noruega; Mary Robinson, expresidente da Irlanda; Jimmy Carter, que dispensa apresentações; e Kofi Anan, ex-secretário-geral da ONU. Com exceção deste último, todos os mencionados fizeram parte da missão ao Oriente Médio, a qual eu liderei.

As esperanças de um acordo de paz na região reapareceram graças à ação internacional e especialmente ao empenho do presidente Obama. O presidente americano tem dito reiteradamente que os Estados Unidos querem um acordo baseado na existência de dois estados soberanos, ambos sediados em Jerusalém, com a aceitação das fronteiras existentes antes da guerra de 1967. Naquele ano, Israel tomou territórios ao Egito (Faixa de Gaza) e à Jordânia (Cisjordânia), considerados territórios árabe-palestinos.

A solução pacífica, entretanto, não é simples. E as condições para viabilizá-la são hoje mais complexas do que eram uma década e meia atrás, quando se firmaram os Acordos de Oslo, que previram a solução dos “dois Estados” e estabeleceram as bases legais da Autoridade Palestina, embrião do futuro Estado palestino.

Atualmente, cerca de 50% dos territórios palestinos na Cisjordânia estão ocupados por assentamentos de colonos israelenses. A Faixa de Gaza, de onde até recentemente os palestinos disparavam foguetes contra Israel, está submetida a um cerrado bloqueio. Mesmo o ingresso de alimentos depende da boa vontade do governo israelense. A alternativa são os túneis por onde passa o contrabando, não só de comida, mas também de armamento, que os israelenses dizem não estar diminuindo.

Na Cisjordânia, nos últimos anos, sob a justificativa de proteger os seus colonos de ataques terroristas, Israel vem construindo muros altíssimos ou eletrificados e inúmeras barreiras de vigilância. Os transtornos causados produzem um permanente estado de angústia e ódio nas populações palestinas. Para complicar, a política de colonização está sendo levada para dentro das cidades, como há pouco em Jerusalém, com a desocupação de casas habitadas por famílias árabes.

O governo de Israel justifica a política de ocupação alegando razões de segurança. Não apenas do Estado, mas dos cidadãos israelenses, ainda atemorizados com atentados de homens-bomba, patrocinados pelo Hamas, em anos passados.

A ascensão do Hamas, além de aumentar a percepção de risco à segurança de Israel e dos israelenses, produziu dois interlocutores do lado palestino, que se antagonizam internamente e não falam a mesma linguagem nas suas relações externas, em geral, e com Israel, em particular. O Fatah, herdeiro de Yasser Arafat, tem autoridade sobre os territórios não ocupados na Cisjordânia, reconhece o Estado de Israel e repudia práticas terroristas, que adotou no passado . O Hamas controla Gaza, não reconhece estatutariamente Israel e vê resistência onde os israelenses enxergam terrorismo.

Shimon Peres, a quem conheço e admiro há muitos anos, ex-primeiro ministro e hoje presidente de Israel, aponta essa cisão interna como um dos grandes obstáculos à paz , tanto maior pelo apoio que Irã e Síria emprestam ao Hamas. Peres refuta a acusação de que haja um cerco israelense à Gaza. Afirma haver fornecimento regular de comida, o que é referendado pelo presidente da Autoridade Palestina, Abu Abbas, ligado ao Fatah. E diz serem frequentes o atendimento de habitantes de Gaza em serviços de saúde de Israel.

Para Abbas e o primeiro ministro palestino, Salom Fayyad, com quem estivemos em Ramallah, o fortalecimento da Autoridade Palestina passa pelas eleições marcadas para janeiro de 2010. O próprio pleito, porém, é motivo de controvérsia, a julgar pela conversa telefônica que tive com Ismael Haniyeh, dirigente máximo em Gaza, e pelo encontro com Abdul Dweik, ex-presidente da Assembleia palestina, e dois colegas seus, todos recém saídos de prisões palestinas controladas pelo Fatah. O Hamas exige que centenas de líderes seus sejam libertados a tempo de dedicar-se à campanha eleitoral. Mais ainda, querem garantias de que a comunidade internacional respeitará os resultados, quaisquer que sejam.

Nesse contexto, como manter as esperanças na solução do conflito? Há dois elementos que podem mudar o quadro em favor da paz. O primeiro é a pressão internacional, capitaneada pelos Estados Unidos, se for suficientemente forte para levar os contendores à mesa de negociação.

A ação resoluta do enviado especial de Obama, senador George Mitchell, tem mostrado a disposição americana de não ceder frente aos “falcões” do governo israelense.

Por outro lado, há indicações de que a solução dos “dois Estados” poderia ser aceita pelo Hamas.

O segundo e principal elemento é a reação das pessoas comuns, movidas por um misto de ceticismo, pelas inúmeras tentativas fracassadas, e necessidade de crer que algo deve ser feito para recriar um horizonte de esperanças. Conversamos, sem exagero, com centenas de cidadãos palestinos e israelenses.

Vimos, em Bil”in, a resistência pacífica dos palestinos em cujas terras passaria um muro. Mas vimos , também , um exemplo de cooperação em nível local, entre Wadi Fukin, aldeia palestina, e Tzur Hadassah, aldeia israelense vizinha, ambas abeberando-se das mesmas fontes de água. E ouvimos vozes jovens, ora vítimas dos foguetes palestinos, ora das coerções israelenses, com a firme disposição para um “basta!”. Conhecemos empresários israelenses que investem e estão dispostos a investir mais na Cisjordânia. Em suma, há elementos subjetivos e objetivos que tornam a paz um sonho possível.

Oxalá, ou como dizem por lá, Inch´ Allah! Mekavé!

PSDB paulista já testa televisão na rede

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No plano nacional, sigla diz esperar regulamentação para traçar estratégia

Decidido a se colocar como alternativa ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, o PSDB tende a aproveitar na esfera nacional parte da experiência desenvolvida por seu diretório estadual em São Paulo, que lançou recentemente o portal tucano.org. Focado na interatividade, o site já prevê um modelo de televisão pela internet, a TV Tucana. Ainda assim, dirigentes do partido dizem aguardar a regulamentação do uso eleitoral da internet para definir ao certo o rumo que darão a sua estratégia nacional nesse segmento.

Enquanto decide quem vai lançar para o Palácio do Planalto no ano que vem - o governador paulista José Serra ou o mineiro Aécio Neves -, o PSDB ensaia algumas ações pontuais para testar seu potencial na rede.Tucanos desenvolveram, por exemplo, um blog para falar especificamente da atuação da sigla na CPI da Petrobrás. Outro endereço tem como foco a ação da bancada no Congresso. Mais uma iniciativa, de acordo com o tesoureiro do partido, Eduardo Graeff, pretende fazer um "trabalho de guerrilha" na rede. Trata-se do blog "Gente que mente", recheado de críticas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo Graeff, o PSDB já trabalha com a previsão de aumentar seu quadro de funcionários para explorar a internet na eleição do ano que vem. "Mas, por enquanto, estamos em um compasso de espera. Não queremos tomar nenhuma decisão que, depois, seja frustrada por estar em desacordo com a legislação eleitoral", afirma o tesoureiro tucano.

Já o PV, que se prepara para lançar a senadora Marina Silva (AC) ao Palácio do Planalto, terá um grupo específico para desenvolver sua estratégia online. Com a filiação da senadora no último dia 30 - numa cerimônia com direito a transmissão ao vivo pela rede -, o partido montou uma coordenação nacional composta por 21 membros. Dentro dessa estrutura, será criada uma coordenadoria de informática e web. "Vamos de fato colocar na nossa estrutura organizacional um conjunto de ações e um espaço de desenvolvimento voltado a essa área", explica o cientista político Carlos Novaes, recém-filiado ao PV e indicado por Marina para compor a nova coordenação nacional da sigla.

Cobiçado como aliado por seu tempo na propaganda eleitoral no rádio e na televisão, o PMDB também já começou a se movimentar. Num trabalho comandado pelo deputado Eliseu Padilha (RS), a legenda já contratou novos profissionais de comunicação para reformular seu site institucional. O trabalho inclui a modernização do portal da Fundação Ulysses Guimarães que, segundo o deputado, inclui uma estrutura de ensino à distância com aproximadamente 200 mil alunos. O parlamentar afirma que o plano é usar os portais para renovar o eleitorado peemedebista e viabilizar a formação de novos líderes partidários. "Precisamos disso se quisermos pensar em um projeto nacional."

Fator Marina provoca corrida por agenda verde

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PT e PSDB devem adequar programas para se contrapor a ex-ministra, preveem ambientalistas

Não é apenas o PV que idetifica na provável candidatura da senadora Marina Silva (AC) a chance de colocar o meio ambiente no primeiro plano da campanha presidencial de 2010. No PT e no PSDB, vozes isoladas que empunham a bandeira da ecologia apostam na possibilidade de sair da sombra e influenciar a agenda de seus candidatos, diferentemente do que ocorreu na eleição passada.

"Marina vai puxar o debate sobre a questão ambiental, que sempre foi coadjuvante e superficial nas campanhas", disse Ricardo Trípoli (PSDB-SP), um dos coordenadores da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara dos Deputados. "Ela vai potencializar o debate e criar polêmica, o que é bom para todos nós", previu o deputado Pedro Wilson (PT-GO), outro coordenador do grupo. "Os candidatos não poderão tratar esse tema de forma secundária ou marginal", avaliou o petista Carlos Minc, sucessor da senadora acreana no Ministério do Meio Ambiente.

Para Eduardo Jorge (PV), secretário do Verde e do Meio Ambiente na Prefeitura de São Paulo, o rompimento de Marina com o PT não alterou apenas o cenário de 2010. "O ambiente só ganhou parte dos recursos do pré-sal quando a discussão estava nos 47 minutos do segundo tempo", observou, em referência ao fundo que o governo pretende alimentar com receitas da exploração do petróleo.

Organizações não governamentais têm avaliação semelhante. "Nenhum dos pré-candidatos tinha o meio ambiente no seu roteiro", disse Sérgio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace no Brasil. "A entrada da Marina no cenário provocou a emergência do tema. Se os presidenciáveis não adequarem seus planos de governo, não estarão à altura dos desafios do século 21."

Mas há quem veja no processo riscos de banalização do discurso ambiental. "Haverá candidato que, além de beijar criança, vai abraçar árvore", ironizou Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra. "Mas a falta de dever de casa cumprido vai gerar aquilo que já acontece com algumas empresas: maquiagem verde."

Veterano militante da causa ecológica, o deputado Fernando Gabeira (RJ), correligionário de Marina e também simpatizante da candidatura do tucano José Serra à Presidência, prevê que o chamado desenvolvimento sustentável estará presente nas campanhas de todos os candidatos. Ele admite que o termo é vago e permeável a discursos ambíguos. "Será preciso observar o conjunto do programa e a prática de cada um."

Smeraldi destacou uma mudança recente no discurso de Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT, a respeito do tema saneamento. Na última quarta-feira, ao anunciar obras em sete Estados, ela ressaltou a importância ambiental do Pantanal, da Baía de Todos os Santos, da Baía de Guanabara e dos rios do País. "Respeitar os mananciais é respeitar o meio ambiente", disse.

Dilma não demonstrava tanta sensibilidade com a questão quando Marina Silva estava no governo. A queda da então ministra do Meio Ambiente foi, em parte, atribuída a desentendimentos com a colega da Casa Civil sobre requisitos para licenciar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No confronto, Marina não teve o respaldo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nunca escondeu suas preferências no debate entre desenvolvimento e preservação. Em 2007, Lula acusou o Ibama de usar a preservação dos bagres do Rio Madeira como pretexto para não licenciar a obra da usina hidrelétrica de Jirau. Em junho passado, ele citou o episódio ao discursar no Paraná. "Quando resolvemos o problema da areia, me chega outro e diz que tinha muito bagre e que os bagrinhos não iam conseguir nadar, para represar lá nos Andes, aquele negócio todo. Eu me comprometi, quando deixar a Presidência, a comprar uma canoa, pegar os bagrinhos, colocar na canoa, levar do outro lado e trazê-los de volta."

Nem quando discursa em defesa do meio ambiente Lula deixa de lado o tom irônico em relação aos militantes da causa. Na semana passada, ao citar a importância do combate ao aquecimento global, declarou que "a questão climática não é mais uma discussão de malucos e jovens".

VOTOS

Militantes e especialistas ouvidos pelo Estado ressalvaram que o fator Marina não será o único a nortear as campanhas. Para eles, o discurso ambiental terá presença proporcional à percepção dos candidatos de que o tema encontra ressonância entre o eleitorado - em outras palavras, que rende votos.

Não há pesquisas sobre o apelo eleitoral do discurso pela sustentabilidade, segundo Márcia Cavallari, diretora executiva do Ibope. Mas outros levantamentos mostram que a agenda verde está deixando os nichos e chegando a diversos segmentos da população. "Percebemos, por exemplo, uma maior disposição de comprar produtos cuja fabricação respeita o meio ambiente."

A preservação ambiental não costuma aparecer nos rankings de preocupação do eleitorado. Segundo a especialista, a população dá prioridade a assuntos ligados à sua sobrevivência imediata. "Mas isso não quer dizer que o tema não seja considerado importante. Só o discurso ambiental não é suficiente, mas o ambiente tende a estar no discurso de todos."

Edward Kennedy

Carlos Fuentes
DEU EM EL PAIS (ESPANHA)

Que su muerte despierte el ánimo de demócratas y republicanos libres de ideas ultraderechistas

Hace tiempo, recibí en mi casa de la ciudad de México a Edward Kennedy. Un grupo de intelectuales y políticos mexicanos le interrogó y todo procedía con fluidez hasta que un inteligente y provocador amigo mío hizo una pregunta que criticaba directamente, no a la política de Estados Unidos, sino a la nación norteamericana. En ese momento, Kennedy interrumpió la sesión y me dijo: "Vamos a cenar".

Entendí sus razones. Una cosa era criticar las políticas de Estados Unidos y otra muy distinta criticar a la nación: a lo largo de sus casi 50 años de actividad pública, Kennedy se gobernó por esta divisa. Atacó, revisó, propuso numerosas iniciativas de ley y políticas tanto exteriores como interiores pero jamás puso en duda la integridad nacional de Estados Unidos. Criticó, en cambio, actos de gobierno que le parecían contrarios a la Constitución y las leyes, considerando que éstos eran el alma del país. Nunca cometió, en otras palabras, el error de considerar que la crítica política era contraria al país, sino que le era indispensable.

Esto explica, por ejemplo, que Kennedy fuese uno de los veintitrés senadores que votaron en contra de la decisión de George W. Bush de invadir Irak. El tiempo le dio la razón. La guerra contra Irak era una guerra por el petróleo y por la hegemonía, no parte del combate a Al Qaeda, razón espuria, entre otras igualmente inválidas, de la invasión: Al Qaeda no se encontraba en Irak porque el dictador Sadam no lo permitía. Ahora, Al Qaeda sí opera en Irak.

Se opuso, también, a la venta de armas al dictador chileno Augusto Pinochet y favoreció las sanciones al régimen fascista del apartheid en África del Sur (régimen apoyado por Dick Cheney). Las iniciativas de ley del senador Kennedy se refieren a los derechos civiles, los refugiados, el derecho al voto, la educación pública, el salario mínimo, el poder judicial, la seguridad social y la capacitación laboral.

Destaco dos temas. La última vez que conversé con Kennedy fue durante los funerales de nuestro común amigo, el gran novelista William Styron, en la catedral de San Patricio en Nueva York. Estaba preocupado por el destino de la legislación protectora del trabajo migratorio, toda vez que la iniciativa más razonable, la ley Kennedy-McCain, había sido archivada por el Congreso. Pero el tema persistía y Kennedy no cejaba en buscar una solución que beneficiara tanto a la economía de Estados Unidos como al propio trabajador migratorio. La posición de Kennedy consistía en legalizar a los trabajadores mexicanos presentes ya en Estados Unidos, imponerles obligaciones a los empleadores y sujetar a los futuros solicitantes de trabajo a estrictas condiciones jurídicas de ingreso. Nada se gana, opinaba Kennedy, con penalizar a los trabajadores que ya están en Estados Unidos. Se trataba más bien de ofrecerles caminos a la legalización y, eventualmente, a la ciudadanía. Yo insistía en otra obligación: la de ofrecerles trabajo en México para que no se vean obligados a emigrar. En mi concepto, enviar trabajadores a Estados Unidos para que a su vez envíen remesas a México es una práctica explosiva cuando el trabajador no puede emigrar y no encuentra trabajo en México.

Otro importante tema destacado por Kennedy fue el de la cobertura sanitaria. Al contrario de casi todos los Estados europeos, Estados Unidos carece de protección médica universal para sus ciudadanos. Ésta, que fue preocupación central de Kennedy, es atacada por los intereses privados que, con virulencia creciente a raíz de las iniciativas del presidente Obama, hablan de "socialismo" y, a instancias de la inefable Sarah Palin, de "asesinatos de ancianos".

Todo ello oculta los grandes intereses de las aseguradoras que cancelan los seguros de enfermos de cáncer, 20.000 pólizas canceladas en California en los pasados cinco años, ahorrándoles a las compañías aseguradoras 300 millones de dólares; que aumentan de forma exorbitante el precio de las primas a compañías con un solo empleado mortalmente enfermo; o que eliminan miles de acciones sobre los beneficiarios por razones "técnicas" a fin de ahorrarse el pago de gastos médicos. Y, así, un largo etcétera.

Obama y Kennedy se han preguntado por qué motivo Estados Unidos no puede tener un sistema de seguridad sanitaria comparable a los de Francia, Alemania o Escandinavia, que para Sarah Palin son, seguramente, naciones "comunistas".

La arbitrariedad terrorista -"Obama es Hitler"-, la agitación pagada y provocada, los llamamientos al odio del lamentable líder de una derecha derrotada, el locutor Rush Limbaugh, adquieren un tinte sombrío a la luz de las iniciativas modernizantes de Obama y de la trayectoria de Kennedy.

Ojalá que la desaparición de Edward Kennedy sirva para despertar el ánimo de demócratas y republicanos libres de brujerías ultraderechistas.

Y queda en mi ánimo el recuerdo no sólo de un gran político demócrata, sino de un hombre sonriente, activo, que navegaba con una mezcla de riesgo y seguridad y que gustaba de jugar un fútbol recio y echarse de cabeza a una piscina helada, amén del disfrute de un martini, igualmente frío.

Descanse en paz.

Carlos Fuentes es escritor.