domingo, 20 de setembro de 2009

Constituição de 1946: o social passa a ter vez

Paulo Augusto
MEMÓRIA POLÍTICA
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Completados 63 anos de sua promulgação, Carta Magna que sucedeu à do Estado Novo é lembrada pelo único de seus constitucionalistas ainda vivo: o pernambucano Jarbas Maranhão, de 93 anos

A fase de estabilidade política que o Brasil vive atualmente é uma das mais duradouras de sua história republicana. A prova disto é a atual Constituição, a segunda mais duradoura da República com quase 21 anos em vigor – a mais longeva é a primeira, promulgada em 1891 (menos de dois anos após a queda do Império), que durou 43 anos. Um dos aspectos fundamentais da Carta atual é o fato dela suceder a promulgada durante uma ditadura – a de 1967, quando estava em vigor o regime militar. Tal “privilégio” também se deu na Constituição de 1946, substituta da outorgada por Getúlio Vargas durante o Estado Novo (1937-1945), e que sexta-feira (18) completou 63 anos.

Elaborada no início de 1946, a Assembleia Constituinte contou com a participação de uma série de “notáveis” como o escritor Barbosa Lima Sobrinho e o sociólogo Gilberto Freyre – ambos pernambucanos –, além do historiador e ex-governador da Bahia Luís Viana Filho, só para citar alguns exemplos. Com apenas 30 anos à época, outro parlamentar pernambucano foi membro da Assembleia que elaborou aquela Carta Magna: Jarbas Maranhão, o único ainda vivo, hoje com 93 anos – outro constitucionalista de 1946, este falecido há três meses, foi o jurista Goffredo da Silva Teles Júnior.

Radicado no Rio de Janeiro e com uma lucidez espantosa, “doutor” Jarbas fala com orgulho do período em que fez parte da Assembleia Constituinte. “Elaboramos uma Constituição moderna, que fugia dos modelos clássicos, puramente políticos, que cuidavam mais do Estado e seus poderes”, analisa Maranhão, que ao longo de sua trajetória, ocupou inúmeros cargos – foi secretário de Estado, duas vezes deputado federal, senador, presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco, professor de Direito Constitucional, além de ser membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Ciências Morais e Políticas, esta sediada no Rio de Janeiro.

Na visão do ex-político pernambucano, a Constituição de 1946 ampliou as inovações trazidas na Carta promulgada em 1934, “que trouxe os direitos sociais, de família, dos funcionários públicos”.
“Mas a de 46 foi ainda mais ampla. Ela ampliou o conteúdo das sociedades e regulou questões envolvendo as massas populares, como o sindicalismo”, destaca. Outro ponto que Maranhão considera muito importante é o fato do texto ter sido o primeiro a substituir no País um regime de exceção, “num período de várias crises, sobretudo ideológicas”.

DIREITO CONCRETO

À época o mais jovem entre os constituintes, Jarbas Maranhão ressalta que a Carta de 1946 partiu para instituir os “direitos concretos” do cidadão brasileiro, em detrimento daqueles considerados “abstratos”. “A partir da Constituição de 1946, levou-se em conta o direito de vestir, de comer, de morar, e não apenas os de pensar e de ter uma religião, também fundamentais, mas que não são nada sem outros que permitam ao homem viver com dignidade”, enfatiza.

Surgida após um período de oito anos de regime ditatorial – e após seis anos de conflitos na Segunda Guerra Mundial –, a Constituição de 46 é resultado de uma evolução constitucional.

“O texto teve a participação de mais de 380 constituintes, grande homens públicos, estadistas, intelectuais. Eu nunca vi uma Constituição tão rica de valores. E é o reflexo de uma democracia que se ampliou e incluiu princípios como os de justiça social. Levou em conta as necessidades do espaço brasileiro e as nobres aspirações da época, ou seja, uma combinação dos ideais de liberdade e solidariedade social”, contextualiza o ex-deputado Jarbas Maranhão, que completa:
“A luta pela liberdade é muito difícil e continua ainda hoje”.

Celebrando Bobbio no seu centenário

Celso Lafer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O próximo mês de outubro assinala o centenário de nascimento de Norberto Bobbio, o grande pensador italiano falecido em 2004, cuja obra há muito tempo vem sendo discutida e apreciada em seu país e em tantos quadrantes culturais do mundo. No Brasil, que visitou em 1983 e onde deu conferências e participou de debates na Universidade de Brasília e na Faculdade de Direito da USP, ele se tornou uma referência, não só para um diversificado espectro do campo político brasileiro que vai da esquerda ao centro liberal, como também para os estudiosos das áreas do conhecimento a que se dedicou ao longo de uma vida voltada para o ensino e a pesquisa.

O rigor e a profundidade dos conhecimentos, o espírito público, a inteireza do caráter, a altiva independência, o empenho no diálogo, o combate ao arbítrio e aos fanatismos, a dedicação à preservação da liberdade e a permanente preocupação com a igualdade são características do percurso de Norberto Bobbio e do seu "socialismo liberal". Foram, no correr da sua vida, explicitadas e articuladas como professor e intelectual que militou no espaço público da palavra e da ação e são componentes substantivos do seu magistério.

O que singulariza o magistério de Bobbio é a clareza. San Tiago Dantas observou que "a tarefa da inteligência humana é tirar o valor das coisas da obscuridade para a luz". A essa tarefa da inteligência humana Bobbio se dedicou com resultados exemplares. Por isso, foi considerado o grande clarificador dos problemas e desafios da teoria jurídica e da teoria política, da paz e da guerra, da tutela dos direitos humanos, da relação entre os intelectuais e o poder, das especificidades da cultura italiana e europeia e de seus autores clássicos, para mencionar grandes e significativos blocos da sua notável obra - da qual grande parte dos títulos mais conhecidos está disponível em edições brasileiras. Bobbio esclarece os seus leitores graças às virtudes do seu estilo de pensamento - e estilo, como a cor para o pintor, é uma qualidade da visão, como dizia Proust.

O estilo de Bobbio é de índole analítica. Analisar significa dividir, distinguir, decompor, que é o que ele faz no trato dos conceitos. Nas suas análises opera com uma multiplicidade de dicotomias voltadas para apontar diferenças e semelhanças e, dessa maneira, lidar com uma realidade complexa e desordenada. Levando em conta a "lição dos clássicos" e os seus temas recorrentes, reaglutina os conceitos, numa arte combinatória de grande originalidade, na qual a linguagem ilumina o entendimento dos contextos e das situações. É isso que faz dele um raro caso de pensador analítico com agudo senso da História. Daí a qualidade e pertinência dos seus juízos.

O ponto de partida de Bobbio, como diz em Política e Cultura, é o da "inquietação da pesquisa, o aguilhão da dúvida, a vontade do diálogo, o espírito crítico, a medida no julgar, o escrúpulo filológico, o senso de complexidade das coisas". O pano de fundo da sua obra, como a de Isaiah Berlin, Raymond Aron, Hannah Arendt - o centenário destes também celebrei nesta página -, é uma resposta às rupturas e descontinuidades do século 20, cujas vicissitudes enfrentaram com a sensibilidade comum que, independentemente das posições, caracteriza uma geração, como salienta Ortega y Gasset.

Bobbio viveu os seus anos de formação no período fascista, regime político que é parte integrante da dinâmica da "era dos extremos", que historicamente moldou o século 20. O fascismo, como ele observou, "trazia a violência no corpo. A violência era a sua ideologia". Caracterizou-se pela exaltação da guerra e a estatolatria e o seu ímpeto motivador foi o combate à democracia.

A obra de Bobbio, em função da sua vivência e da sua oposição ao fascismo, a isso se contrapôs. Por isso, como observa Pier Paolo Portinaro, tem como um dos seus elementos constitutivos a contestação à fúria dos extremos, voltada para a destruição da razão, que caracterizou o contexto político italiano e europeu, com irradiação mundial antes, mas também depois da 2ª Guerra Mundial. É, assim, um percurso intelectual muito voltado para a pesquisa e a análise de alternativas medularmente distintas daquelas que o fascismo, como regime de vocação totalitária, emblematizou, em especial a destruição da democracia e a glorificação do belicismo e do papel salvador do "Duce".

É nessa moldura que se configuraram temas recorrentes e interligados da reflexão de Bobbio. Entre eles, o da domesticação do poder pelo Estado de Direito, a defesa da perspectiva dos governados pela abrangente tutela das várias gerações de direitos humanos, a razão de ser da democracia e das suas regras, que "conta cabeças e não corta cabeças". É nesse contexto, voltado para eliminar ou limitar, da melhor maneira possível, a violência como meio para resolver conflitos, que se insere a sua análise das relações internacionais e o seu empenho em prol da paz, direcionado para conter o caso mais clamoroso da violência coletiva, que é a guerra entre os Estados que, na era nuclear, tem o potencial de destruição da própria humanidade.

A violência, que se caracteriza pela desproporção entre meios e objetivos e pela falta de medida, destrói, exaure e não cria. Permeia este século 21, que continua carregando no seu bojo a herança da "era dos extremos" que moldou o século passado. A atualidade e a autoridade do legado de Bobbio residem na lúcida busca que, com o realismo de um olhar hobbesiano e a dimensão ética de um coração kantiano, empreende de caminhos jurídicos e políticos alternativos à violência no labirinto da convivência coletiva. Tem como lastro a conjetura de que o único possível e plausível salto qualitativo na História é o da passagem do reino da violência para o da não-violência.

Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC

O futuro de Meirelles

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, está hoje no centro das especulações políticas e econômicas, fruto de uma atuação exitosa inédita nos últimos anos. Sua permanência ou não à frente do Banco Central ganhou relevância, e uma eventual substituição, que parece inevitável, pode causar mais turbulências na economia do que a troca até mesmo do ministro da Fazenda.


O economista Carlos Langoni, ele próprio ex-presidente do Banco Central, avalia que o presidente Lula teve o mérito de ampliar a autonomia operacional do BC, permitindo que, na prática, a "Autoridade Monetária" passasse a "estabelecer vínculos mais relevantes com a Presidência da República do que com o Ministério da Fazenda".

Langoni diz que "esse organograma inédito na história econômica brasileira" construiu uma espécie de couraça "que protegeu o Banco Central das pressões políticas do próprio governo (o famoso fogo amigo), de sindicatos e organizações empresariais".

Em 2002, recém-chegado do exterior, Henrique Meirelles pensou em iniciar uma vida política pelo governo de Goiás, seu estado natal, mas teve que se contentar com uma vaga de deputado federal.

Acabou transformando-se em uma solução para o governo petista recém-eleito transmitir para o mercado financeiro um sinal de que não mudaria as bases da política econômica.

Eleito pelo PSDB, abriu mão de um mandato de deputado federal para assumir o Banco Central, para choque de muitos petistas, e mesmo tucanos de boa cepa como o governador José Serra, que não veem até hoje com bons olhos a atuação do ex-presidente do Banco de Boston.

Oito anos depois, as dificuldades políticas que encontrou estão plenamente superadas e ele teria hoje amplas condições de disputar e vencer uma eleição para governador, com o apoio do principal cabo eleitoral do país, o próprio presidente Lula. Mas aí começam as incertezas de Meirelles.

Ao mesmo tempo em que já o lançou informalmente em recente viagem ao estado, o presidente Lula deu uma declaração ao jornal "Valor" que poderia ser uma ducha de água fria nas suas pretensões políticas: "O Meirelles não deveria pensar em ser candidato a governador coisa nenhuma", disse o presidente, embora tenha declarado que entendia "a comichão" de fazer política.

Em pouco mais de duas semanas o presidente do Banco Central terá que escolher um partido para se filiar, e é provável que o faça até o final do mês, pois quando o prazo se esgota, a 2 de outubro, ele estará em Copenhague defendendo a candidatura do Rio às Olimpíadas de 2016.

Se optasse pelo PMDB, entraria imediatamente na lista dos possíveis vices em uma chapa oficial encabeçada pela ministra Dilma Roussef. Mas ele parece que reluta em ficar subordinado a Iris Rezende, o candidato natural do partido ao governo de Goiás e, sobretudo, a sua mulher, a deputada Iris, que é a presidente em exercício do PMDB nacional.

Uma outra legenda da base do governo o levará provavelmente a rachar essa base, criando mais um problema para o governo com o PMDB. Além das questões políticas, há a questão mais sensível para o governo, que é a substituição de Meirelles.

Langoni ressalta que o caráter "absolutamente informal" da autonomia do Banco Central introduz "um elemento de grande fragilidade, especialmente na transição política do próximo ano".

Apesar das pressões que sofreu durante esses anos à frente do Banco Central, Meirelles teve sempre o apoio do presidente Lula, que descobriu cedo que o controle da inflação é elemento chave para o sucesso da política econômica e, em consequência, da manutenção de sua popularidade.

Mesmo que, como analisa Carlos Langoni, seja "razoável" esperar que nenhum candidato "ousará modificar radicalmente a atual arquitetura macroeconômica, em especial o regime de metas de inflação", a credibilidade conquistada poderá, entretanto, ser "seriamente abalada", dependendo do perfil do novo presidente da instituição e o seu relacionamento com o governo.

No caso brasileiro, lembra Langoni, não existe a opção utilizada inteligentemente pelos Estados Unidos, que antecipou a permanência de Ben Bernanke como governador do Fed, minimizando incertezas.

Na sucessão de Fernando Henrique, houve quem defendesse a permanência do então presidente do Banco Central Armínio Fraga para mandar esse sinal de que nada mudaria, mas a solução nova e radical de colocar um banqueiro internacional eleito pelo PSDB foi a maneira preferida por Lula para dar um choque de credibilidade às ações de seu governo.

Hoje, segundo Langoni, o temor é que na campanha eleitoral a provável contestação da política de juros alimente dúvidas de como será, de fato, implementado o regime de metas no próximo governo.

Por isso, o presidente Lula gostaria que Henrique Meirelles continuasse à frente do Banco Central até o fim de seu governo e muito provavelmente pudesse ser reconfirmado no cargo em caso de uma vitória da candidata oficial. Mas esse não é, aparentemente, o plano de voo de Meirelles, que está em busca de uma maior autonomia política como governador ou até mesmo como senador.

Para Carlos Langoni, a independência do Banco Central é "a mãe de todas as reformas", e deveria ser a de mais fácil aprovação pelo Congresso. Os benefícios econômicos e sociais de uma inflação baixa e previsível são hoje evidentes, ressalta, viabilizando, inclusive, a expansão da classe média, apesar da crise econômica.

"Essas conquistas poderão ser revertidas com o enfraquecimento do BC e a volta do populismo monetário". Langoni considera esse um "risco institucional" que pode afetar negativamente decisões de investimento, "exatamente quando a economia brasileira decola, deixando o ciclo recessivo".

Cabo de guerra

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Não é por falta de assunto, nem tampouco por acaso que o presidente da Câmara, Michel Temer, resolveu cobrar publicamente do PT uma definição rápida sobre a aliança com o PMDB na eleição presidencial.

De seu posto de observação, Temer certamente tem uma visão privilegiada dos acontecimentos que, no caso do partido do qual é presidente licenciado, andam frenéticos desde que o ex-governador Orestes Quércia resolveu rodar o País atrás de apoio para tentar impedir o PMDB de se aliar oficialmente ao PT.

Temer quer ser vice de Dilma Rousseff, mas Quércia - de compromisso firmado com o governador de São Paulo, José Serra - não quer. Saiu a campo, o Palácio do Planalto percebeu o movimento e mandou que o PT ficasse esperto a fim de não ficar no prejuízo.

O problema é que a aliança com o PMDB não é uma ideia aceita com tranquilidade no PT, muito menos se o preço for a renúncia a candidaturas próprias para o governo de Estados importantes.

E já que o mais importante dos que estão em jogo é Minas Gerais - em São Paulo a guerra é dada por perdida e no Rio, as forças ainda se estranham - , Quércia tratou logo de desembarcar dia desses em Belo Horizonte especialmente para dizer ao governador Aécio Neves que o apoiará ser for ele o candidato do PSDB a presidente.

Claro que Serra estava sabendo, Quércia não trabalha com a hipótese de o mineiro ser o escolhido e muito provavelmente Aécio sabia onde o paulista queria chegar: contar com o apoio do governador para o candidato do PMDB, o ministro das Comunicações, Hélio Costa.

Em tese, Costa seria um aliado de Dilma, já que é ministro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas só em tese. Na prática, o PMDB nem sonha com a hipótese de o PT vir a abrir mão de um candidato e, portanto, já trata de montar seu palanque.

Na concepção do grupo que ficará com a oposição, dentro da lógica, válida para o Brasil todo: onde o PT tiver candidato, Lula não terá como negar-lhe apoio. Quem não puder se acomodar sob esse guarda-chuva precisará de um abrigo tão poderoso quanto. E aí entra a oferta do palanque de Serra.

Tudo com muito jeito. Primeiro, para não melindrar o governador de Minas, oficialmente ainda na disputa pela legenda do PSDB. E, depois, para seguir a determinação de Serra de não assumir a candidatura com todos os efes e erres antes de março de 2010.

Até lá, José Serra quer ficar fora da cena onde, imagina, seria um alvo fácil e constante, para cuidar da preparação dos palanques estaduais. Tal como Lula anda fazendo. A diferença entre os dois é que o presidente, com candidatura publicamente já exposta, faz isso de forma mais aberta.

O governador, em função dos cuidados que impôs a si e ao entorno, conversa discretamente, mas conversa. Já tem, inclusive, interlocutores em cada Estado (não necessariamente gente conhecida) com os quais atualiza a situação constantemente.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a última informação é a de que há a possibilidade de a governadora Yeda Crusius ser candidata à reeleição sem que o PSDB nacional faça esforço para demovê-la da ideia.

Parece estranho - já que os tucanos querem mesmo é apoiar a candidatura do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, do PMDB -, mas é mesmo maldosamente ardiloso: como Yeda está mal de popularidade, enfrentando até processo de impeachment, o PMDB adoraria prescindir do apoio dela. O que, no caso de sair candidata, ficaria resolvido. É a política.

Na Bahia, a ideia é fechar o apoio do DEM e do PSDB locais ao ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, acreditando que, assim, ele "não teria como" deixar de apoiar Serra, uma vez que Lula terá de ficar com a reeleição do governador Jaques Wagner, do PT.

Como bem já percebeu o leitor, já são dois os ministros citados na lista da oposição.

Esse é outro dos motivos pelos quais o provável candidato Serra só pretende oficializar as coisas em março do ano que vem. Em abril, os ocupantes de cargos executivos federais que forem se candidatar terão de deixar os cargos por força de lei.

Com isso, fica mais fácil a mudança de posição de quem se dispuser a trocar de lado. Ou, conforme já se ouve no PMDB, dar por encerrada a aliança com Lula e buscar novo rumo para o futuro.

Talvez por isso mesmo o presidente da Câmara, Michel Temer, esteja tão aflito para que o PT decida logo se vai ou não oficializar a aliança, o que significa dizer, dar a vaga de vice na chapa de Dilma ao PMDB.

Recebendo essa garantia, Temer tentaria aprovar a coalizão ainda este ano, em encontro nacional, a fim de aproveitar o momento de Lula ainda poderoso.

Os adversários da tese dentro do partido - Quércia à frente - trabalham no sentido contrário: votação da aliança só em junho, na convenção. Com Lula já a poucos meses de deixar o governo, as pesquisas registrando intenções mais próximas da realidade das urnas e os inúmeros cargos que ocupa o PMDB quase com validade vencida.

Os esgares do autoritarismo

Luiz Gonzaga Belluzo
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


As objeções de procuradores à indicação de Toffoli ao STF revelam o corporativismo das burocracias não eleitas

OS CIDADÃOS brasileiros -suponho ainda detentores da soberania do voto- deveriam colocar as barbas de molho diante das objeções lançadas por procuradores federais contra a indicação do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli. Escolhido pelo presidente Lula para ocupar uma vaga no STF, Toffoli foi exprobrado pelos rapazes e senhoras do parquet com argumentos que não disfarçam o corporativismo típico das burocracias não eleitas.

Incumbe constitucionalmente ao Senado avaliar as virtudes e as insuficiências do candidato apontado pelo chefe do Executivo. Por isso, não é conveniente entrar na parolagem, um tanto canhestra, sobre as qualificações de Toffoli. Digo canhestra porque os procuradores ou seus porta-vozes questionam, na aparência, a formação e o saber jurídico do candidato, mas, no fundo, se insurgem contra a posição do indicado a respeito do poder de investigação do Ministério Público. Penso que coarctar a iniciativa do MP, em matéria penal, assim como em outras de interesse coletivo, representa uma perigosa deformação da ordem jurídica e, consequentemente, uma ameaça séria ao desenvolvimento das práticas democráticas. Mas nem todos concordam comigo.

Há controvérsias em relação a essas e a outras questões. Nos meios jurídicos, opiniões de respeito sustentam, por exemplo, que frequentemente as burocracias encarregadas de acusar, punir, prender e cobrar impostos escapam aos controles democráticos e confundem independência e autonomia com soberania, na pretensão de iludir as sanções de responsabilização que deveriam ser cominadas aos funcionários do Estado em suas escaramuças de abuso do poder.

Têm sido frequentes as manifestações em prol da usurpação de prerrogativas que pertencem exclusivamente aos escolhidos pelo voto popular. Entre elas, está a nomeação dos chefes das burocracias de Estado não eleitas, aí incluídas as encarregadas de vigiar, acusar, julgar e punir. A pretensão de excluir o presidente da República ou o Congresso da escolha do procurador-geral, dos membros do STF ou do secretário da Receita Federal revela tenebrosa inclinação a ignorar completamente os debates relevantes sobre os impasses e as contradições da democracia moderna. Há riscos de que, sob a casca da virtude, esteja vicejando o ovo da serpente. Senão vejamos. Não ocorre aos impetuosos funcionários do Estado que escolher entre seus pares, no interior de suas confrarias, os chefes das chamadas "carreiras de Estado" serve ao que Luigi Ferrajoli chamou de "poderes selvagens". Selvagens são aqueles poderes que crescem no interior da sociedade (in)civil mediante a acumulação de "instrumentos" de vários tipos, sem nenhum freio ou limite constitucional e que tendem a controlar o poder legal.

Quando partiam para esses métodos, as ditaduras tinham pelo menos o mérito da sinceridade.

Violavam às claras os direitos dos cidadãos e não se escondiam atrás de uma aparência de legalidade. Seria bom ler Michel Foucault.

Luiz Gonzaga Belluzzo , 66, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

De Vargas a Lula

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


De Getúlio Vargas a Lula o Brasil viveu cinco períodos históricos distintos em que ora o Estado, ora a economia privada ou os dois juntos atuaram como agentes do desenvolvimento, produzindo efeitos - uns benéficos, outros nem tanto - para o progresso econômico e para os brasileiros. O período Vargas, de um Estado provedor, pai de todos, deixou marcas fortes duradouras, mas tem hoje sua conveniência e sua eficácia questionadas - seja pela lentidão de ações, seja pela interferência política indevida (e com frequência corrupta) na gestão do aparato público, de custo cada vez mais elevado para a população que paga impostos.

O primeiro período ficou conhecido como a era Vargas - da ditadura do Estado Novo, em 1937, até sua morte, em 1954. Na época, o mundo inteiro vivia uma onda de intervenção estatal na economia. Não escapou nem o liberal Estados Unidos de Franklin Roosevelt. Vargas criou a Vale do Rio Doce, a Cia. Siderúrgica Nacional e a Petrobrás, fincando as raízes para a industrialização do País. Pragmático, combinou a vocação estatizante com acordos econômicos negociados com empresas norte-americanas.

Seu sucessor, Juscelino Kubitschek, usou o dinheiro público para construir Brasília e atraiu capital privado estrangeiro para fazer disparar a industrialização. Na época foi xingado de entreguista e, hoje, políticos - da esquerda à direita - o idolatram como um estadista de sucesso e competente empreendedor.

Os generais que assumiram o País depois do golpe de 1964 recuperaram a linha estatizante/nacionalista de Vargas, reforçada no governo Ernesto Geisel, que fez da Petrobrás um polvo de múltiplas empresas, criou estatais nas áreas de bancos, siderurgia, telefonia, energia elétrica, transportes e negociou um bilionário acordo nuclear com a Alemanha, com fracassadas pretensões militares e que só conseguiu produzir duas usinas elétricas.

Fernando Henrique Cardoso mudou o rumo do País. Derrubou a inflação e estabilizou a economia com o Plano Real. Acabou com monopólios e privatizou bancos estaduais, empresas siderúrgicas, telefônicas, distribuidoras de energia e a Rede Ferroviária Federal, estancando os déficits e prejuízos produzidos por essas empresas - consequências de gestão política e corrupta - e sempre bancados pelos contribuintes brasileiros. Preparou o Estado para regular e fiscalizar as empresas privatizadas, por meio das agências reguladoras. O Estado deixava de ser empresário para assumir a função de regulador da economia privada.

Na área social, FHC investiu em saúde e educação fundamental, mas só no final do segundo mandato criou programas sociais de transferência de renda para os mais pobres - o Bolsa-Escola, o Vale-Gás e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil.

Assustado com o fenômeno "pânico Lula", que levou o dólar a beirar R$ 4 e o risco Brasil a 3 mil pontos, o presidente Lula assumiu o governo na retranca, em 2003. Manteve a política econômica de FHC, não reviu as privatizações como prometera aos eleitores e demitiu o estatizante Carlos Lessa do BNDES. Para evitar turbulências, interessava passar a ideia de continuidade do governo anterior, embora em público o PT o chamasse de "herança maldita".

Lula atravessou a crise do mensalão equilibrando-se na corda bamba. Mas, refeito com a reeleição, deu outra linha ao governo, iniciando crescente escalada de intervenção estatal na economia. Enfraqueceu e politizou as agências reguladoras - que deveriam ser imunes a influências políticas -, recuperando poderes aos ministérios. Ampliou o tamanho do Estado, criou regras estatizantes para o petróleo do pré-sal e agora prepara novas investidas em eletricidade e mineração. O gasto público aumenta, enquanto a arrecadação tributária despenca, multiplicando a dívida pública, que vai crescer de 38,8% para 42,8% do PIB em 2009, segundo o Banco Central. Seu governo vem crescentemente assumindo a cara do governo Geisel.

Que aprendizado resulta dessas oito décadas de experimentos econômicos? A queda do Muro de Berlim, que completa 20 anos em novembro, simbolizou para a humanidade que o Estado não é um bom gestor econômico. No Brasil, a permanente interferência política, o troca-troca de favores, a corrupção daí decorrente, o dinheiro público sumindo pelo ralo e o emperramento da máquina pública são fatores que recomendam manter o Estado longe da gestão econômica direta.
Os brasileiros cansaram de sustentar bilheterias caras para ver filmes ruins e com final trágico.
Querem mudar o filme.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Bingo!

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Três fileiras de cinco números, ao primeiro que completa a cartela permite-se um grito de triunfo: acertei! Logo recomeça o sorteio. Quando a beatíssima dona Santinha (Carmela Dutra) convenceu o marido, o presidente Eurico Gaspar Dutra, a proibir os jogos de azar no País, chamava-se loto, víspora. Familiar, rigorosamente inofensiva, até recomendada para crianças com dificuldades de relacionamento, estimulava a convivência. O prêmio era em doces, no máximo uma prenda.

Manhã de 30 de abril de 1946, o ministério estava reunido no Palácio do Catete para discutir um plano de repressão ao comunismo. Embora eleito com o apoio de Getúlio Vargas, o marechal Dutra era um consumado reacionário, pró-germânico que engoliu a adesão do Brasil na luta contra o Eixo nazi-fascista. Enquanto não cassou o Partido Comunista atendia a todos os desejos do Cardeal d. Jaime Câmara.

Os vespertinos deram a notícia com letras garrafais, em algumas igrejas da antiga capital os sinos badalaram com mais entusiasmo. No dia seguinte fechavam-se os grandes e luxuosos cassinos das estâncias hidrominerais, balneárias e turísticas. Dias depois entravam em funcionamento em todo o País dezenas de cassinos clandestinos numa gangorra de complacência e repressão que se estende há mais de seis décadas. Mas os bingos beneficentes – inclusive em apoio a obras religiosas – jamais foram proibidos, tornaram-se eventos regulares nas paróquias do interior. E na falta de cassinos, prosperaram as casas de loto, agora chamadas de bingo por influência americana. Não atraíam o jogador inveterado, que aposta pesado e não sabe parar. Hoje, nos grandes cassinos de Las Vegas, as salas de bingo estão saindo de moda, restaram os bingos de máquina, tipo caça-níqueis.

A aprovação nesta quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara da reabertura das casas de bingo cria um fato político. Teve apoio ostensivo da base aliada (daí a expressiva votação de 40 a 7) e nos remete ao primeiro escândalo da Era Lula: no início de 2004, Waldomiro Diniz, então funcionário da Casa Civil da Presidência da República, homem de confiança de José Dirceu, foi flagrado negociando uma propina do empresário Carlinhos Cachoeira para promover o retorno em grande estilo da antiga loto. Primeiro escândalo, primeira grande pizza, até hoje insuficientemente esclarecida e punida.

As justificativas para a reabilitação dos bingos começam com as alegações da CUT de que servirá para combater o desemprego e chega ao pessoal da Receita Federal, ávida para aumentar a arrecadação de impostos, atingida pela “marolinha” da recessão. Envolve os teóricos da matéria, que não consideram o bingo como jogo de azar já que o apostador não joga contra um cassino ou banqueiro (que eventualmente pode trapacear). O prêmio vem das apostas dos demais frequentadores, descontadas as despesas de manutenção da casa.

O problema reside justamente nestas “despesas operacionais” que envolvem segurança (isto é, polícia) e espalham-se perigosamente por diversas áreas afins. O problema do bingo não é o jogo em si, é o formidável estimulo à corrupção que representa.

O crime organizado não teria alcançado tamanho poder no Brasil sem a ajuda da complacência universal com os pequenos delitos e a soma dos pequenos delitos produz a grande delinquência. Sem a incontrolável vocação para eufemismos e disfarces morais (onde um conceito claro como suborno converte-se em algo inofensivo como favor), não teríamos criado uma sociedade tão permissiva e degradada. O Senado é o exemplo supremo desta hipocrisia federal.

A víspora é inofensiva, fascinar-se com as cartelas não é pecado, a reabilitação das casas de loto não ameaça a República. O que precisa ser urgentemente estancada é esta avassaladora indulgência com a imoralidade. Bingo!

» Alberto Dines é jornalista

Bola de cristal

Ferreira Gullar
DEU NA FOLHA DE S. PAULO / ILUSTRADA

Intuo que a ministra Dilma Rousseff dificilmente será eleita presidente da República

COMO NÃO sou senão poeta e os poetas vivem no mundo da Lua, dou-me o direito de afirmar coisas que um cientista político não afirmaria. Não diria que são certezas, já que cientista não sou; seriam talvez especulações ou, melhor, intuições que, como se sabe, carecem de comprovação.

Ou seja, não sou capaz de provar o que afirmo, mas tampouco alego repetir o que alguma voz do além me segredara. Não ouço vozes, ainda que não me mantenha de todo surdo aos cochichos do processo histórico.

E foi por ouvir uns dois ou três desses cochichos que comecei a entender que a candidatura da ministra Dilma à Presidência da República tem poucas chances de emplacar.

Sei que tal revelação parecerá aos que votarão nela nada mais que mera aspiração de um articulista, sem qualquer base real. Pode ser, admito a dificuldade de separar o que seria secreta aspiração e uma conclusão isenta, fundada em dados objetivos. Dirão, claro, que os dados podem ser objetivos, mas a interpretação deles, discutível ou mesmo falsa. De qualquer modo, seja qual for a validade de minha tese, vou expô-la e, dentro do possível, justificá-la.

Como disse há pouco, intuo que a ministra Dilma Rousseff dificilmente será eleita presidente da República, e o que me leva a pensar assim é, entre outros fatores, o resultado das recentes pesquisas de opinião, que lhe atribuem entre 17% e 19% dos votos.

Não ignoro que pesquisas de opinião são indicações conjunturais, o flagrante do momento presente, que pode mudar. Mas servem para avaliarmos o curso de determinado processo.

Minha opinião acerca de candidatura da ministra, a partir dos índices referidos, não seria a mesma se, por exemplo, ela não estivesse em plena campanha, ao lado do seu cabo eleitoral, o presidente Lula. Se depois de quase dois anos de comícios, disfarçados de atos oficiais, mas com escancarado propósito eleitoral, ela não chega a 20 pontos percentuais, enquanto o governo José Serra, sem campanha alguma e sem se definir candidato, anda pelos 36% a 40%, é lícito duvidar da candidatura da "mãe do PAC".

Esse é um dado. Há outros como, por exemplo, a doença dela. Torço para que ela se livre disso, mas, pelo que tenho ouvido de entendidos em oncologia, esse tipo de câncer é traiçoeiro e difícil de efetivamente debelar. Em face disso, penso: qualquer que seja o resultado do tratamento a que ela se submete, é difícil ao eleitor ignorar o risco implícito em entregar o governo do país a uma pessoa em tais condições de saúde. Esse pode não ser um fator decisivo, mas, para o eleitor indeciso, na hora de escolher entre uma opção com risco e outra sem risco, a tendência natural é não arriscar. É um fator que tende a reduzir ainda mais o número dos que votariam na candidata do presidente Lula.

Como se isso não bastasse, surge a candidatura de Marina Silva. Tomado de surpresa, Lula foi logo afirmando que Marina não tirará votos de Dilma. Mas tira, e por várias razões: pelo fato de ser mulher e pelo fato de ser petista, dividirá com Dilma tanto o voto feminino quanto o voto partidário, especialmente porque, ao contrário da ministra, que era do PDT, Marina é petista de primeira hora e se mantém fiel ao princípio de ética na política, que o PT de Lula e Dilma abandonou.

Por isso, a candidatura de Marina não apenas atrai o petista fiel a suas origens como também muito eleitor sem partido que se sente repugnado com o vale-tudo da política nacional. Dilma, ao contrário, candidata de Lula, tem sua candidatura vinculada às alianças espúrias, mantidas por este. O apoio explícito de certas figuras políticas, envolvidas nos últimos escândalos, compromete a candidatura da ministra. Como acreditar que Marina, a salvo de tudo isso, não lhe tirará votos?

Isso sem falar em José Serra. Dilma nunca disputou eleição alguma. Sua carreira -que começou com o equívoco da luta armada- é de uma funcionária pública, voltada para tarefas burocráticas.

E, não por acaso, já que a atuação do político requer comunicabilidade e simpatia, qualidades que lhe faltam. Já Serra tem larga história política e administrativa provada e aprovada, como deputado, ministro, prefeito e governador. O único trunfo de Dilma é o apoio de Lula que não tem surtido o efeito esperado. O índice de rejeição a ela já se aproxima dos fatais 40%, o que inviabilizaria qualquer possibilidade de candidatura.

E finalmente: como se comportará o PMDB, quando ficar evidente que a candidatura da Dilma não deslancha? Lembrem-se que o PMDB cristianizou nada menos que Ulysses Guimarães, sua principal figura.

Palanques / Ciúmes

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Palanques
Complicou-se a situação eleitoral no Rio de Janeiro para a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), onde a aliança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o governador Sérgio Cabral (PMDB) foi abalada pela mudança do marco regulatório do petróleo. Pesquisas revelam que Dilma fica atrás de José Serra (PSDB), Ciro Gomes (PSB) e Heloísa Helena (PSol) e até de Marina Silva (PV), se a ex-senadora alagoana não for candidata. Com três aliados em guerra no estado — Cabral (PMDB), Anthony Garotinho (PR) e Lindberg Faria (PT) —, Dilma não tem nenhum palanque.

Ciúmes

O presidente do PPS, Roberto Freire, transferiu o título eleitoral para São Paulo, onde pretende concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados. Sua candidatura enfrenta forte reação na bancada tucana, incomodada com o apoio que o político pernambucano vem recebendo do Palácio dos Bandeirantes. Freire e o governador José Serra (PSDB) são amigos desde os tempos de exílio no Chile.

"Anfíbios" transitam entre petistas e tucanos

Marcio Aith
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Tanto converso com Lula como janto com Serra", diz Jobim, expoente máximo de grupo que se equilibra entre as duas siglas

Aproximação se deve, na maioria dos casos, a laços antigos de amizade; em outros, a necessidades recentes dos envolvidos

Quanto mais próxima a disputa eleitoral de 2010, mais acirrada se torna a rivalidade entre petistas e tucanos pela hegemonia política do país.

No meio dessa guerra, um grupo de políticos e economistas equilibra-se entre a fidelidade ao presidente Lula e a proximidade do governador José Serra, virtual candidato tucano à Presidência.

Como anfíbios, transitam de um círculo de confiança a outro com desenvoltura, na maioria das vezes com o conhecimento dos dois líderes políticos.

Fazem parte desse grupo, entre outros, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, o deputado federal petista Antonio Palocci e o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho, além do economista Luiz Gonzaga Belluzzo e do advogado petista Sigmaringa Seixas.

Almoço e jantar

Na maioria dos casos, essa habilidade resulta de relações antigas de amizade. Em outros, de necessidades recentes.

Jobim é o expoente máximo desse grupo. Ele e Serra dividiram um apartamento em Brasília por seis anos, nos anos 80. O governador de São Paulo é seu padrinho de casamento.

As conversas entre Serra e Jobim vão da crise aérea ao modelo de exploração das reservas do pré-sal -a relação entre ambos foi determinante para que o governo desistisse de incluir no projeto sobre o tema a redistribuição geográfica dos royalties.

Consultado pela Folha, Jobim enviou a seguinte resposta: "Eu não misturo política com relações pessoais. Serra é um grande amigo. É um hábito sul-americano misturar política com relações pessoais. Pois eu tanto converso com Lula como janto com Serra".

Se Jobim é o anfíbio mais tradicional, Palocci é o mais novo integrante desse grupo. Ele se aproximou de Serra quando, ministro da Fazenda, cercou-se de pessoas mais alinhadas ao viés técnico tucano que ao instinto político petista.

Mas só ingressou mesmo no rol de confidentes de Serra no último ano, durante o esforço que fez para se livrar da acusação de orquestrar a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

Serra e Palocci conversam regularmente sobre os mais variados assuntos, do cenário eleitoral ao "excesso" de gastos públicos, passando pelo papel dos bancos públicos.

Dessas conversas, por exemplo, Serra tirou a impressão, relatada posteriormente a correligionários, de que Palocci não será candidato à Presidência nem ao governo de São Paulo.

Serra teria encorajado Palocci a voltar ao governo, talvez para o Ministério das Relações Institucionais, ocupado até a semana passada por José Múcio Monteiro, indicado para o Tribunal de Contas da União.

Seria uma maneira, segundo o governador, de impedir um processo de deterioração administrativa, comum a governos em final de mandato. Reticente, Palocci disse estar propenso a buscar a reeleição.

O bem maior

Ex-tucano, o petista Sigmaringa Seixas é o anfíbio mais discreto. Lula o recebe para consultas relacionadas a nomeações de tribunais e ao Ministério da Justiça. Muitas vezes, a pedido do presidente, Seixas testa a reação dos tucanos a decisões que o governo pretende tomar.

Seixas disse à Folha não ver nenhuma contradição entre ser tão próximo de Lula como de Serra, ao menos no campo da amizade, mas não da fidelidade política. "Não é motivo de preocupação. A capacidade de relacionar-me com ambos é usada para o bem do país."

Já a ligação entre Serra, Belluzzo e Coutinho data dos anos 70, quando os três foram expoentes da safra de economistas desenvolvimentistas que prosperou na Unicamp e consolidou uma das principais escolas do pensamento econômico brasileiro.

Eles são críticos da política monetária tocada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e partilham de opiniões semelhantes sobre o papel do Estado na crise.

Belluzzo tornou-se um dos mais próximos colaboradores econômicos de Lula, mas não perdeu a intimidade com Serra, com quem assiste regularmente aos jogos do Palmeiras, clube que Belluzzo hoje preside.

Em mais de uma ocasião, Belluzzo conversou com Lula ao celular estando, no estádio do Parque Antártica, a alguns metros do governador paulista.

Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da UFMG, os anfíbios não são apenas produto de amizade antiga ou de alguma tradição brasileira à conciliação permanente.

Eles refletiriam também a convicção social-democrata que une o PSDB à vertente do próprio governo Lula.

"A trajetória do governo Lula é de moderação e de realismo", disse ele. "Não há muita diferença entre isso e o compromisso fundamental do PSDB."

Michel Temer: ''Dilma precisa assumir candidatura''

Christiane Samarco
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

"A Dilma até hoje não se disse candidata. O que ela precisa é assumir." Em entrevista ao Estado, o presidente licenciado do PMDB, deputado Michel Temer (SP), mostra que o partido já vive uma tensão pré-aliança para 2010, quer uma definição do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva "até outubro" e cobra uma posição da ministra-chefe da Casa Civil como pré-candidata. Para Temer, "se não houver afirmação nacional de que há uma aliança, as coisas começam a desandar".

Apontado como provável vice na chapa governista à sucessão de Lula, Temer não hesita em afirmar que seu partido faz questão do cargo para compor uma parceria com o PT. "O PMDB tem de entrar com a mesma estatura da legenda com quem faz aliança, e não em posição subalterna", justifica. Em síntese, a vice é "indispensável".

Como está a relação do PMDB com o governo hoje?

A relação com o governo é boa e nós temos trabalhado muito com a perspectiva de definições político-eleitorais em outubro.

Mas há um incômodo muito grande no PMDB com a demora do governo e do PT na definição da aliança em 2010.

Creio que haja preocupação também de outros partidos que estão na fase das definições. Outubro é o mês das definições político-eleitorais. É natural que o PMDB queira, a esta altura, uma palavra definitiva sobre se haverá aliança. Uma aliança é fruto de duas vontades, a do PMDB e a do PT. Nosso partido quer saber como ela se dará e, sequencialmente, como será a parceria. Parceria significa presidente e vice-presidente. O PMDB nacional hoje começa a perceber que é preciso definir isso durante o mês de outubro, o que seria o ideal.

Por que o timing é outubro? Depois vai ficar difícil segurar o partido?

Se não houver afirmação nacional de que há uma aliança, as coisas começam a desandar. Também há a necessidade do partido de que haja uma definição para si próprio. Não é que queiramos encostar na parede o partido A ou B. Queremos, sob o foco político, que se defina uma posição para verificarmos qual é o nosso caminho.

A vice na chapa presidencial é fundamental para caracterizar a parceria e não uma posição subalterna?

Acho que isso é indispensável. E os dois partidos devem governar juntos. Essa é a ideia que eu recolho de todas as lideranças peemedebistas e em todo o nosso partido. O PMDB tem de entrar com a mesma estatura da legenda com quem faz aliança, e não em posição subalterna, para citar uma expressão sua.

Diante do desempenho da candidatura Dilma, que anda preocupando até o PT, não seria mais conveniente ao PMDB esperar um pouco para definir a parceria?

Não sei como o PT avalia a candidatura, mas o fato é que até hoje Dilma não se disse candidata. Quem normalmente faz isso é o presidente da República. Num dado momento, o PT vai ter de assumir, a candidata terá de assumir que é candidata e a aliança será feita. Com o PMDB, eu suponho, ou como o PT e a candidata julgarem conveniente.

O senhor acha que ainda há dúvidas sobre a candidatura Dilma?

Lançada pelo presidente Lula ela está. O que ela precisa é assumir, e o PT, igualmente. A partir de agora, o mais tardar no mês que vem, não há como negar que o candidato é A ou B. Nos outros partidos existe a hipótese de ser A ou B, mas as candidaturas estão pré-lançadas.

Em recente reunião da cúpula peemedebista, o presidente do Ibope fez projeções pessimistas sobre o desempenho da candidatura Dilma e sugeriu ao partido lançar uma candidatura própria.

A avaliação do Carlos Montenegro foi de que o PMDB deveria lançar candidato próprio, sustentando até aquele ditado popular de que "time que não disputa não ganha campeonato".

Mas essa é uma avaliação interna do PMDB, que vai verificar o que é melhor e, evidentemente, não descarta uma aliança, desde que em igualdade de condições.

O PMDB tem um plano B para o caso de Dilma não se sustentar?

Plano B não entrou na pauta de discussão. Nunca se pode negar que há sempre um sentimento patriótico do lançamento de uma candidatura própria, mas isso não significa que o partido não fará aliança. O PMDB pode caminhar para uma aliança.

O fato de o PMDB ter solicitado ao Ibope que testasse alguns nomes do partido não é indício de que há um plano em curso?

Temos de ter essa avaliação, como fazem todos os partidos de tempos em tempos. Houve um teste para saber como eleitor reage a determinados nomes e o interessante é que, embora não tenha havido um trabalho, os nomes aparecem com índices pequenos, evidentemente, mas como viáveis. Modestamente, mas viáveis.

Seu nome é sempre o primeiro lembrado no PMDB e no PT como alternativa para vice da ministra Dilma, mas o senhor também foi citado como opção de candidatura própria no levantamento feito pelo Ibope. Vice ou candidato?

Nunca falei em uma coisa nem em outra. Ouço falar sempre nesses temas, mas não existe candidatura a vice. No Brasil, o vice sempre é fruto de uma circunstância política que se desenha adequadamente no momento do lançamento do candidato ou candidata a presidente. Se serei eu ou outro, vai depender da circunstância e só o tempo vai dizer.

Hoje o senhor aceitaria um convite de Dilma para ser vice dela?

Hoje eu trabalho para que haja definições. Esse é o primeiro passo. Toda e qualquer consideração só pode vir depois desse primeiro passo. Definição se faz inicialmente de maneira informal, nas conversas entre as lideranças que farão o anúncio oficial. A partir daí os partidos terão de dialogar internamente para construir a unidade interna.

Diante dos indícios de dificuldades na candidatura Dilma e o bom desempenho de Serra nas pesquisas de intenção de voto, pelo menos por enquanto, o PMDB não poderá acabar dividido, como ficou nas eleições anteriores?

Isso vai depender muito da convenção nacional e dos diálogos que tivermos ao longo do tempo. Por isso digo que outubro, início de novembro no máximo, é o tempo ideal para saber o caminho que o PMDB vai tomar. Esse rumo vai depender muito das conversações com o PT, mas registro aqui a admiração que temos pela ministra Dilma, que é uma administradora competente.

Descarta o apoio a uma candidatura Serra, nome que o senhor já apoiou até o fim nas eleições de 2002?

Fiquei com ele até o último instante por uma razão: quando se toma essa decisão, ela tem de ser mantida até o fim, seja para perder ou vencer. Eu vou acompanhar o partido. O que o partido decidir para 2010 eu farei, e farei até o fim.

A demora na definição não colabora para deixar partido solto?

Se passarmos outubro inteiro sem definição, o partido pode caminhar para essa hipótese. Alguns sustentam que o partido deveria ficar liberado. Eu não sustento essa hipótese. Será prejudicial ao PMDB ficar como partido que não foi capaz de tomar uma decisão. Isso não é útil eleitoralmente.

O deputado Ciro Gomes (CE) é pré-candidato do PSB a presidente e trabalha para ser o plano B do PT e do presidente Lula. Se isso acontecer, o PMDB fecha com ele?
Tenho muito apreço político pelo deputado Ciro Gomes, embora não tenhamos muito contato pessoal. A única observação que faço é que ele critica com muita veemência o PMDB. Não acho que seja politicamente útil essa crítica, até porque pode criar embaraços.

As críticas do Ciro são descabidas?

Sei que ele pode responder que é necessário fazer crítica, mas também é necessário saber que o fruto dessa crítica é que não haverá aliança onde ele estiver. Afinal, ele mesmo repudiou a possibilidade dessa aliança.

Se Ciro vier a ser o candidato do Planalto, a saída pode ser a candidatura própria ou o mais provável é o "liberou geral"?

Não falo sobre hipóteses porque uma das hipóteses é que o deputado Ciro Gomes, por suas qualidades, almejaria na verdade ser vice. Talvez por isso ele bata tanto no PMDB, na suposição de que o PMDB quer a vice. Mas, se ele aspira a isso, é legítimo. Não faço nenhuma crítica.

Com Ciro na vice de Dilma, o PMDB ficará fora dessa aliança?

É preciso examinar. Mas acho que vai depender muito mais dele do que do PMDB.

Como conseguiu destravar as votações na Câmara?

Dei uma nova interpretação para o andamento das medidas provisórias, permitindo que o debate fosse adiante e que apreciássemos uma série de leis. Não fosse isso, só teríamos votado nas chamadas janelas entre uma MP e outra, que chegavam trancando a pauta. Teríamos votado 10 ou 12 projetos nestes 7 meses e votamos mais de uma centena. Agora, na negociação do pré-sal, fui ao presidente duas vezes, ele aceitou nossa proposta de calendário, negociada com os aliados e a oposição, e concordou em retirar a urgência.

A Câmara está votando, enquanto o Senado vive uma crise profunda. Fala-se até em extinguir a Casa. Isso não compromete o Congresso?

É claro que fica a impressão de que a classe política não é adequada para o País. Mas o Senado deve cumprir seu papel de representante dos Estados. Sou contra a extinção do Senado. O Senado deveria votar nas questões que envolvem a Federação. Isso não é redução de competência, mas enaltecimento de suas funções.

A crise política do Senado ocupou os senadores e permitiu que a Câmara avançasse na interlocução com o Executivo?

É possível. Nesse período a Câmara ficou sem crise, por assim dizer, o que talvez tenha ensejado uma interlocução político-institucional mais ampla. Mas foi uma interlocução político-legislativa.


Quem é: Michel Temer:

Advogado e professor de Direito Constitucional, é deputado pelo PMDB-SP. Atual presidente da Câmara, está licenciadoda presidência nacional do PMDB. Foi procurador do Estado de São Paulo e duas vezes secretário de Segurança

Aliados de Lula articulam plano B

Christiane Samarco e Marcelo de Moraes
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Líderes do PMDB, PSB, PDT e PT não escondem preocupação com fraco desempenho de Dilma nas pesquisas

Os principais aliados do sonho eleitoral do presidente Lula - de fazer da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, sua sucessora - estão com ele e até se digladiam nos bastidores pelo posto de vice na chapa presidencial. Ao mesmo tempo, líderes do PMDB, do PSB, do PDT e até do PT não escondem a preocupação com o fraco desempenho da candidata Dilma nas pesquisas de intenção de voto e já articulam um plano B.

O PMDB encomendou uma pesquisa ao Ibope, testando a aceitação dos principais líderes nacionais do partido para alçar voo próprio ao Planalto. Como o melhor desempenho foi o do ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), que ficou na faixa dos 3% na preferência do eleitorado, a ala mais simpática à candidatura do governador tucano José Serra (SP) aproveita a maré desfavorável ao PT para ganhar terreno na disputa interna em favor da oposição.

Foi na iminência de a cúpula peemedebista emplacar o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), como vice da candidata petista que o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) abriu guerra contra o PMDB.

Não satisfeito com a briga pelo status de parceiro preferencial do PT, Ciro convenceu o PSB a lançar sua pré-candidatura com o discurso de que quem só tem um nome pode acabar sem alternativa para 2010.

A boa performance registrada nas primeiras pesquisas de intenção de voto deram a Ciro e ao PSB exatamente o que precisavam para sobreviver à primeira fase da corrida presidencial. O ex-governador do Ceará já se qualificou como o melhor plano B à disposição de Lula, caso a candidatura Dilma não decole no início de 2010.

"Muitos partidos têm plano B; só quem não tem é o PT", avalia o senador Expedito Júnior (PR-RO), para quem Dilma "vai mal" porque pegou "a rebarba" da crise do Senado e ainda cometeu uma sucessão de erros que podem lhe custar a candidatura. "Eu sou da base de apoio do presidente Lula, mas sou Serra declarado", admite o senador, já de malas prontas para o PSDB.

Na prática, caso a candidatura Ciro a presidente se confirme, ele será o veterano dessa disputa sucessória, uma vez que já tentou chegar à Presidência em 1998 e em 2002. O governador José Serra só participou da disputa presidencial de 2002 e a ex-senadora Heloísa Helena, do PSOL, concorreu uma única vez, nas eleições passadas.

As pré-candidatas Dilma Rousseff e Marina Silva (PV) estão estreando na corrida ao Planalto, assim como o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, que trabalha seu nome como alternativa a Serra no PSDB.

"O quadro nacional é um quadro aberto e o PMDB corre o risco de ficar solto se o PT nacional não se empenhar pela aliança", analisa o deputado Lelo Coimbra, que preside a regional do partido no Espírito Santo. O PMDB capixaba é um dos raros casos em que a aliança com o PT está bem amarrada.

O PDT do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, avisa que compromisso do partido é com o presidente Lula e ponto final. "Não temos nenhum compromisso com a candidata Dilma. O presidente Lula nunca nos pediu isso e ela nunca nos chamou para conversar", resumiu o líder do PDT na Câmara, Dagoberto Nogueira (MS). O plano B do PDT também está em aberto. Pode ser uma candidatura presidencial ou uma composição com Marina Silva ou Ciro Gomes.

Vice argentino surge como favorito à Presidência

Janaína Figueiredo
DEU EM O GLOBO


Na curiosa posição de principal opositor do governo, Cobos é o líder com melhor imagem e já vive rotina de candidato


BUENOS AIRES. Desde que votou contra o governo da presidente Cristina Kirchner no Congresso, no ano passado, o vice-presidente e presidente do Senado, Julio Cobos, transformou-se no principal líder opositor do país. Hoje, importantes analistas políticos asseguram que Cobos é o dirigente com melhor imagem da Argentina e, portanto, com mais chances de disputar e vencer as próximas eleições presidenciais, em outubro de 2011.

Em sua sala no primeiro andar do Senado, Cobos, segundo admitiram colaboradores, vive uma típica rotina de candidato. A agenda do vice, de 54 anos, está carregada de reuniões com outros dirigentes opositores, empresários, embaixadores e representantes de setores importantes da sociedade argentina, por exemplo, Igreja e produtores rurais. Dias antes da votação do projeto de lei sobre serviços audiovisuais, Cobos, que manifestou fortes divergências com a proposta kirchnerista, convocou um encontro com outros opositores, entre eles o deputado do peronismo dissidente Francisco De Narváez (com quem conversa frequentemente por telefone), e o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri. A reunião provocou a ira da Casa Rosada e levou o chefe de gabinete, Aníbal Fernández, a pedir a renúncia do vice-presidente.

Presidente e vice não se falam há um ano

Quando o governo ataca, Cobos evita reagir. Mas desta vez, o vice, que em 2007 foi expulso da União Cívica Radical (UCR) por sua aliança com o casal K, decidiu romper o silêncio.

- O vice-presidente não pode buscar o consenso, fazer propostas. Todos têm direito de se reunir e dialogar, mas quando se trata do vice-presidente ele se transforma em conspirador - declarou Cobos.

Ele disse não "estar condenado a calar-se" e, apesar das pressões de funcionários como Fernández, confirmou sua decisão de permanecer no cargo.

- Pelo fato de não ter compartilhado um critério em julho de 2008 (quando o governo foi derrotado no Senado, na votação sobre um projeto que modificava os tributos a exportadores de grãos), alguns dirigentes e funcionários consideram que o único papel do vice-presidente, que foi marginalizado de atos de governo, da agenda política e humilhado, é se calar ou renunciar - reclamou Cobos.

Este engenheiro, que entre 2003 e 2007 foi governador da província de Mendoza, jamais imaginou que seria um dos favoritos às eleições presidenciais de 2011. Após ter aceitado a proposta de Néstor Kirchner para integrar a chapa, que obteve 45,2% dos votos em 2007, Cobos tentou participar da gestão de Cristina. A guerra entre a presidente e seu vice, que há mais de um ano não se falam, começou em meados de 2008. Segundo analistas, nunca antes um presidente havia convivido com um vice tão abertamente opositor.

- Desde a redemocratização, em 83, observamos alguns relacionamentos mais complicados que outros. Mas nunca tivemos um vice que fosse líder da oposição - contou Carlos Fara.

Para ele, Cobos "reúne os principais atributos que a sociedade demanda à classe política: moderação, defesa do diálogo e da necessidade de consenso e respeito pelas instituições".

- Cobos deverá ter muito cuidado porque ainda faltam dois anos para as eleições e sua imagem poderia sofrer um desgaste - alertou o analista.

Fantasma de De La Rúa é obstáculo para Cobos

O vice tem uma equipe reduzida de colaboradores. Um dos homens de confiança é o ex-senador radical Raúl Baglini. Outro frequentador da sala de Cobos é o deputado Oscar Aguad, também da UCR.

Nas últimas semanas, Cobos, que no ano passado criou a Fundação Consenso para o Desenvolvimento Argentino, participou de eventos com representantes da União Industrial Argentina (UIA), da Associação de Bancos da Argentina (ABA) e da Câmara Argentina de Comércio. Os homens de negócios querem saber o que pensa o homem que se atreveu a desafiar o poder do casal K e desde então se transformou no principal fenômeno político do país. Detalhe: muitos pedem que os encontros sejam mantidos em segredo, para não irritar o casal presidencial.

Cobos imagina que seu rival na disputa pela Presidência poderia ser o próprio Kirchner, que já admitiu a colaboradores a possibilidade de buscar um segundo mandato. Na visão da analista Graciela Romer, a candidatura de Kirchner dependerá, entre outros fatores, da decisão do senador eleito pelo Partido Justicialista Carlos Reutemann. O ex-piloto de Fórmula 1 acaba de vencer as eleições legislativas na província de Santa Fé e, ao contrário de Kirchner, tem amplo respaldo popular.

- Hoje Kirchner aparece como o candidato mais forte do peronismo, mas uma eventual candidatura de Reutemann poderia alterar o cenário - explicou Romer.

Apesar de ser o pré-candidato mais forte, Cobos ainda tem um longo caminho. O vice deverá negociar alianças, recompor plenamente seu relacionamento com a UCR e convencer os argentinos a elegerem presidente radical. O fantasma do dramático fracasso do ex-presidente radical Fernando de La Rúa, que abandonou o poder em dezembro de 2001 em meio à mais grave crise política, econômica e social das últimas décadas, é um dos principais obstáculos que Cobos deverá superar.

Portugal: PS ligeiramente à frente do PSD, BE em terceiro

DEU NO PÚBLICO - Portugal
Sondagem da Intercampus para a TVI, RCP e PÚBLICO

Numa das duas primeiras sondagens conhecidas nesta campanha eleitoral em que se recorreu ao sistema de simulação de voto em urna, os socialistas surgem perto dos 33 por cento, ao mesmo tempo que o PSD se aproxima da fasquia dos 30 por cento. É uma diferença menor do que a revelada por outras sondagens conhecidas esta semana, mas, no caso do trabalho da Intercampus, não é possível fazer comparações, pois trata-se do primeiro que realiza para estas eleições legislativas.

O método do voto em urna, que tem a vantagem de aproximar os potenciais eleitores da situação com que serão confrontados quando forem votar, e de escolherem em segredo o seu partido preferido, não permite fazer mais perguntas. Além do boletim de voto, a única coisa que se pergunta neste método é se o eleitor vai ou não votar, de modo a excluir os que não tencionam ir às urnas - 10,6 por cento da amostra de 1024 pessoas que foram interrogadas entre os dias 12 e 15 de Setembro.

Entre os que "votaram" neste estudo realizado para o PÚBLICO, a TVI e o Rádio Clube Português, o Bloco de Esquerda surge em terceiro lugar com uma intenção de voto que quase duplicaria o seu resultado de 2005: 12 por cento. A seguir vem o PCP, com 9,2 por cento e, por último, o CDS, que "recolheu" sete por cento dos boletins de voto depositados nas urnas simuladas. A margem de erro indicada pela Intercampus é de 3,05 por cento.

Um dado importante deste estudo foi ter-se detectado 9,2 por cento de inquiridos que indicaram a intenção de votar em branco, anularam os seus votos ou indicaram que votariam noutros partidos ou coligações que não os cinco presentes no Parlamento. Trata-se de uma percentagem relativamente elevada, se considerarmos a média em eleições legislativas, onde por regra a soma destes três grupos de eleitores se situa nos cinco por cento. Porém, se olharmos para o que se passou nas eleições europeias, verificamos que nessa corrida eleitoral a percentagem saltou para mais de 10 por cento. Na altura surpreendeu o elevado número de votos em branco e a votação num novo partido, o MEP. É provável que, desta vez, este grupo de eleitores tenha menos peso, mas este total aponta para um número bem acima do habitual em eleições para a AR, o que pode ser um sinal de algum desencanto do eleitorado.

Já sobre a abstenção potencial, a Intercampus apurou que 71,8 por cento dos inquiridos tem intenção segura de votar, já que responderam afirmativamente à pergunta: "É minha intenção ir votar de certeza". Por sua vez, 7,8 por cento dos inquiridos afirmaram que se reviam na frase:

"Em princípio tenho a intenção de ir votar, mas é possível que venha a decidir não votar". No pólo oposto só 10,6 por cento afirmaram: "Não estou a pensar ir votar", o que é uma percentagem muito inferior à abstenção que habitualmente se regista.