quinta-feira, 1 de abril de 2010

Reflexão do dia – José Serra

Nós governamos para o povo e não para partidos.

Estou convencido de que o governo, assim como as pessoas, tem que ter honra. E assim falo não só porque aqui não se cultiva escândalos, malfeitos, roubalheira, mas também porque nunca incentivamos o silêncio da cumplicidade e da conivência com o malfeito.
Quando criamos o PSDB, éramos oposição por todos os lados. Mas, de um lado ou de outro, nunca me dei à frivolidade das bravatas. Nunca investi no quando pior, melhor (...) Jamais mobilizei falanges do ódio. Jamais dei meu apoio a uma proposta, uma ação política, porque elas seriam prejudiciais aos meus oponentes.

Não sou assim, não ajo assim. Não entendo assim o debate político. E nisso não vou mudar, ainda que venha a ser alvo dessas mesmas falanges. Ao eventual ódio, eu reajo com serenidade de quem tem São Paulo e o Brasil no coração.

Vamos juntos. O Brasil pode mais. A etapa seguinte nos espera. Vou entrar nela com disposição, confiança, fé, serenidade e muito trabalho. "


(José Serra, ontem, em discurso de despedida do governo de S. Paulo)

Pressão contra o Irã:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Não é apenas a Petrobras que pode ser passível de sanções econômicas devido à relação comercial com o governo do Irã. Também o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é citado por funcionários israelenses como possível fonte de financiamento indireto do governo do Irã, caso venha a apoiar a ação de empresas brasileiras naquele país, assim como alguns bancos brasileiros que têm negócios por lá.

Antecedendo a viagem do presidente Lula a Teerã, em maio, uma missão com 80 empresários irá ao Egito, ao Líbano e ao Irã, em abril, sob a coordenação do ministro Miguel Jorge, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

A busca de mercado para a atuação de empresas brasileiras pode esbarrar nas sanções econômicas que os Estados Unidos estão empenhados em aprovar o mais rápido possível no Conselho de Segurança da ONU.

A paranoia com o programa nuclear iraniano é tamanha que setores como casa e construção, máquinas e equipamentos, produtos siderúrgicos, metalúrgicos, equipamentos médico-hospitalares e para exploração mineral, construção e de infraestrutura são colocados sob suspeita.

Mesmo que o governo brasileiro queira fazer um acordo com o Irã para pesquisas médicas com base na energia nuclear, estará sujeito a embargos políticos por parte dos Estados Unidos, enquanto o Irã não abrir seus laboratórios de pesquisas nucleares aos investigadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Um dos principais alvos da inquietação de Israel são as grandes empreiteiras brasileiras, caso venham a fazer parte de algum acordo para obras no Irã.

Isso porquê, de acordo com documentos do governo israelense que foram debatidos recentemente por enviados especiais da diplomacia israelense em contatos com autoridades brasileiras, parlamentares e formadores de opinião, o braço econômico da Guarda Revolucionária Islâmica é uma empresa de construção chamada Khatam al-Anbiya, que executa a maior parte dos projetos de infraestrutura e tem “ligação sugestiva” com o programa nuclear iraniano.

Quando a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, disse em palestra em uma universidade no Catar, em fevereiro deste ano, que o governo dos Estados Unidos acredita que o Irã está se tornando uma ditadura militar, ela chamou a atenção para o papel da Guarda Revolucionária no Irã, que, para as autoridades israelenses e americanas, estaria conquistando tanto poder que, na prática, teria suplantado o governo.

Segundo a análise do setor de inteligência do Ministério das Relações Exteriores de Israel, a Guarda Revolucionária tem tido um papel crescente na economia iraniana, especialmente depois da subida ao poder de Mahmoud Ahmadinejad em 2005.

Seriam mais de 100 empresas ligadas direta ou indiretamente à Guarda Revolucionária, que controlaria, segundo os documentos, um gigantesco consórcio de construção envolvido em inúmeros projetos de infraestrutura e em exploração de petróleo, na produção de mísseis, no setor de telecomunicações e produtos eletrônicos.

Essas empresas seriam favorecidas por contratos sem licitação, especialmente nas áreas de petróleo e gás natural, na construção de oleodutos e em desenvolvimento de infraestrutura em larga escala.

Seria uma maneira de cooptar a Guarda Revolucionária e, ao mesmo tempo, utilizar algumas dessas empresas nos trabalhos clandestinos de construção de laboratórios secretos onde estaria sendo desenvolvido o programa nuclear paralelo.

A acusação é que caminhões das empreiteiras seriam utilizados para camuflar o transporte de mísseis, e outras atividades clandestinas seriam mascaradas pelas obras civis.

Entre os muitos exemplos, o relatório do serviço de inteligência de Israel cita uma empresa chamada Ghorb Nooh, que seria a responsável pelas contratações da Khatam al-Anbiya nos campos de gás de South Pars.

Uma subsidiária da Ghorb Nooh comprou maquinário de perfuração de túneis da empresa alemã Wirth e da italiana Seli, oficialmente para um sistema de fornecimento de água em Isfaham.

Esses mesmos equipamentos seriam fundamentais para o programa nuclear clandestino do Irã, segundo relatórios do setor de inteligência, que vêm sendo revelados desde 2008.

O poder econômico da Guarda Revolucionária estaria também baseado em uma ampla atividade de contrabando, com a operação de docas e portos clandestinos.

Um dos maiores complexos portuários do país, o de Martyr Rajai, na província de Hormuzgan, seria utilizado para contrabandear petróleo, que é altamente subsidiado no Irã.

O contrabando também seria feito através do controle pela Guarda Revolucionária dos aeroportos de Teerã e de Payam.

A preocupação das autoridades dos Estados Unidos e de Israel é que o governo brasileiro dê fôlego ao governo autocrático do Irã com acordos comerciais, quando a ideia da maioria dos membros do Conselho de Segurança da ONU é forçar o governo de Ahmadinejad a abrir seu programa nuclear através das sanções econômicas.

Caso aconteça essa confrontação de interesses, as empresas brasileiras que mantiverem negócios com o Irã apesar da decisão da ONU, inclusive a Petrobras, poderão sofrer sanções por parte de órgãos americanos, e certamente terão prejuízos em suas operações internacionais.

Esse foi o recado dado nos últimos dias por autoridades do governo de Israel e pela própria secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, quando esteve recentemente no Brasil.

Combate eleitoral:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Luiz Inácio da Silva e a ministra Dilma Rousseff rodaram o País à vontade por dois anos inteiros sem ser importunados por militantes de partidos da oposição ou por manifestações organizadas com o objetivo de impedir que nadassem "de braçada" nos comícios disfarçados em solenidades oficiais durante dois anos.

E não por falta de quem preferisse na época adequada votar na candidatura oposicionista conforme o registrado pelas pesquisas de opinião durante todo esse período, a despeito da estupenda aprovação do governo Lula.

Houve até quem criticasse a oposição por não levar "o povo às ruas" para não deixar que o governo fizesse política sem contraditório. É um jeito de fazer as coisas. Ou até falta de jeito. Ou carência de base social, identificação popular, o que for.

Muito bem. Partido com militância forte conta como vantagem. É legítimo e é do jogo.

O que foge à regra da civilidade é a violência, a falta de respeito com o cotidiano de uma cidade, o uso de estruturas coletivas para embates partidários e o cerceamento à movimentação de candidatos, cerco de milícias organizadas em defesa da manutenção de empregos, de transferências de recursos, de uma situação de poder que nada tem a ver com a disputa entre candidatos mais bem qualificados para presidir o Brasil.

Os dois principais candidatos à Presidência da República fizeram suas festividades para marcar a despedida de Dilma Rousseff e de José Serra, respectivamente da Casa Civil da Presidência da República e do governo de São Paulo.

Mobilizaram recursos em boa medida públicos ? senão em toda ?, mostraram cada um a sua força. Mas no caso de São Paulo os sindicatos ligados à CUT acharam por bem atrapalhar a festa do adversário e atazanar a vida do paulistano com greves, passeatas, interrupções de avenidas, congestionamentos, ameaças, hostilidades de toda sorte. Não se pode imaginar que tenha sido a mando da candidata que apoiam.

Nem acreditar por antecipação que o adversário não vá, em reação, recorrer ao mesmo tipo de expediente. Mas em última análise são eles sim ? os candidatos ? os responsáveis por evitar que as campanhas descambem para a selvageria.

As coisas começaram mal quando o presidente Lula começou a imprimir o padrão da popularidade inimputável que a todos os joelhos dobra, a todas as espinhas quebra.

No Brasil não funciona assim. Há uma imensa massa manobrável. Mas há outra imensidão resistente a exorbitâncias. Por cima dela não passa boi, não passa boiada, não passa controle "social" da informação, não passa terceiro mandato nem tampouco tentativas de dividir o País em nome de ambições hegemônicas de gente que não aceita a regra igualitária da competição e tem ojeriza ao da alternância de poder.

Cá pra nós. Essa história de Henrique Meirelles pedir tempo a Lula para pensar não existe.

Ambos querem a vaga de vice na chapa de Dilma Rousseff e ponto final. Não há nada a ser pensado, só a chance de isso vir a acontecer ou não.

Há cerca de 15 dias quando chegou a circular a notícia de que estava decidido a concorrer ao Senado por Goiás ? num período em que o presidente Lula queria agradar ao PMDB ?, Meirelles telefonou a um amigo avisando da decisão.

Minutos depois ligou de novo acrescentando que não era bem assim: o nome dele ainda estava na parada para vice.

Nesse meio tempo, o presidente do PMDB e candidato do partido a vice, Michel Temer, praticamente vetou Meirelles em público. E mais: a pesquisa Datafolha com Serra 9 pontos à frente de Dilma reforçou a posição do PMDB, vale dizer, de Temer, na chapa.

Qualquer que seja, ou tenha sido ontem, a decisão ? ficar ou sair do governo ?, quem dá as ordens é Lula.

Que, aliás, não tem se entendido bem com sua bússola no que tange ao rumo do PMDB.

Inconsoláveis. Tem petista que não se conforma com a decisão do DEM de proibir alianças com o PT em todo o País. Promete lutar, ir ao Supremo se preciso for.

Herança deixada para os mais pobres:: Maria Inês Nassif

DEU EM VALOR ECONÔMICO

A história é um processo, mas em alguns períodos os sobreviventes de um tempo conseguem perceber quase na pele que vivem um momento em que uma página é virada e outra se inicia. Nessas ocasiões, a impressão é a de que cada um de um vasto número de incógnitos atores sociais conseguiu imprimir a sua assinatura num capítulo da história e que os dias, meses e anos passaram a andar porque foram movidos por uma vontade coletiva. São momentos de explosão social de emoção indescritível e, quando eles acontecem, os consensos formados no tecido social têm conteúdo positivo - a construção do novo. Embora sejam situações que exijam a coragem coletiva da mudança, e isso sujeita a sofrimentos, elas trazem junto a alegria da superação. Não apenas uma superação pessoal, mas coletiva.

O golpe de 1964 completou 46 anos ontem. Há 25 anos, o país passou por um momento histórico de superação. O país, que vivera a quebra da ordem institucional com relativa indiferença, do ponto de vista da maioria não engajada partidariamente; que assistira a um início de resistência de massa nos movimentos populares de 68; que caíra novamente na letargia no período do milagre econômico e de feroz repressão do governo Médici; que lutou com dificuldade no governo Geisel, aquele presidente que manobrou maiorias parlamentares, aumentou a lista de desaparecidos políticos e interviu no Judiciário - esse país chegou ao governo Figueiredo tecendo consensos. A redemocratização foi um consenso; a anistia foi uma convicção coletiva; a luta pelas eleições diretas ganhou as ruas. O primeiro presidente civil não foi eleito pelo voto direto, mas certamente assumiu porque o fim do regime militar tornou-se uma explosão de consenso: se Tancredo Neves foi o escolhido pelo Colégio Eleitoral numa transição negociada com os militares, ele também foi ungido pelo consenso das ruas.

Esses momentos, todavia, são o limiar de um tempo. Embora tragam uma intenção construtiva, são capazes exclusivamente de operar a mudança da página. Não trazem, em si, a energia da superação que transforma. As letras que carregam das páginas da história passada apenas são efetivamente reescritas no momento em que, já virada a folha, se opera a reflexão, letra por letra, das páginas anteriores. É a única forma de conseguir que as folhas seguintes se livrem da sombra do passado.

Os governos pós-ditadura, na revisão do passado, andaram um tanto que impede acusá-los de não andar nada, mas andaram tão pouco que deixaram por escrever as páginas anteriores, que permanecem nas sombras. A Comissão da Memória e da Verdade, que tanto assombra os militares, é um exemplo. Não consegue sair do papel; como não sai, não reescreve o passado; como não reescreve o passado, não vira a página para o futuro. A reivindicação de decortinar as circunstâncias da morte e desaparecimento político dos adversários do regime militar e apontar os torturadores que operaram a máquina repressiva da ditadura não é um mórbido desejo de sobreviventes e familiares de recontar sofrimentos. É coragem de expor feridas para que outras não sejam abertas.

A recusa em mexer no lixo da repressão da ditadura cobra seu preço. A conta está nas delegacias de polícia, nos presídios e nos centros de detenção de menores. Está nas favelas, onde o crime incorporou a prática como punição, amedrontamento e técnica de interrogatório. Segundo relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados oferecido como subsídio à missão oficial da ONU, em 2001, a tortura é "o principal mecanismo de investigação policial" no Brasil; "é largamente aplicada como meio de pressão e imposição de disciplina em presídios e em centros de cumprimento de medidas socioeducativas para adolescentes". O relatório de 2005 traz uma análise de casos de tortura e crimes correlatos no banco de dados do SOS Tortura. De 1.863 dos casos coletados entre 31 de outubro de 2001 até 31 de janeiro de 2004 (que estão longe de representar a totalidade dos casos ocorridos no período), São Paulo foi responsável por 306 deles; Minas, por 283; Pará, por 168; Bahia, por 145; Rio de Janeiro, por 96; Distrito Federal; por 82; Maranhão, por 74, entre outros. Segundo a pesquisa, 40% desses casos aconteceram em delegacias de polícia e 21% em unidades prisionais. Segundo as vítimas, 38% dos casos de torturas foram operados como castigos e 33% para obtenção de informações.

A seccional da OAB do Estado do Maranhão acaba de entregar às autoridades uma lista com 43 pessoas mortas em presídios e delegacias do Maranhão desde 2008 e denúncias de torturas contra presos. O Espírito Santo foi denunciado na 13ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU pelas violações que ocorrem em seu sistema prisional.

Hoje, as principais vítimas de torturas e de violações de direitos dentro do aparelho policial e no sistema prisional são pessoas pobres; sofrerão mais abusos, tanto no sistema como fora dele, impostas pelo representante do Estado ou por aqueles que "substituem" sua autoridade pela força nas comunidades carentes, quanto mais pobres forem, e serão mais atingidos, entre os pobres, os negros.

A ditadura acabou; a tortura, não. Ela está impregnada no aparelho policial porque a história de superação da ditadura não a superou: protegeu-a sob o manto de um pseudo-esquecimento. Esse legado da ditadura a sociedade brasileira transferiu para as classes mais pobres, que estão pagando a conta.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

A ponte vermelha e o kabuletê:: Plínio Fraga

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - "E eu não posso deixar o meu governo sem inaugurar a ponte do quilombo de Ivaporunduva!", discursou Lula ontem, na solenidade em que uma dezena de ministros saiu do cargo para disputar a eleição de outubro.

Ponte do quilombo de Ivaporunduva? Lula não fez a reforma eleitoral, nem a tributária, está prestes a ver sua base no Congresso votar a favor da legalização dos bingos e das trapaceiras máquinas de caça-níquel, não concluiu metade do PAC que ele mesmo criou. E vem falar da ponte de Ivaporunduva?

Na pré-campanha eleitoral de 1993, Lula conheceu Ivaporunduva, no Vale do Ribeira, uma das mais antigas comunidades remanescente de quilombos de São Paulo, cujo nome, em tupi, significa "rio de muitos frutos". Lá vivem menos de 300 pessoas, numa área de 3.100 hectares, produzindo banana orgânica em sistema de colheita coletiva e com comercialização no atacado.
Pretendem construir uma fábrica para processar a produção e agregar valor ao produto.
Ridicularizando, é quase um laboratório tropical da ilha socialista ideal preconizada por Thomas Morus em "Utopia".

Em 2003, com Lula no poder, Ivaporunduva viu a chance de viabilizar uma ponte de 128 metros que a ligaria aos municípios vizinhos de Eldorado e Iporanga. O acesso hoje é feito por canoas e balsas.

A ponte está pronta, mas falta a desapropriação de área de 400 metros para permitir a chegada ao quilombo. Fizeram a ponte, mas se esqueceram do terreno que dá acesso a ela.

Oito anos de Lula no poder não foram suficientes para que o Estado tornasse usável uma ponte de 128 metros. Ou seja, o "socialismo" de Ivaporunduva foi apresentado à eficiência da máquina pública, numa alquimia perfeita que ligará o quilombo utópico à tonga da mironga do kabuletê estatal.

O Brasil pode mais” é mote de campanha de Serra a presidente:: Jose Roberto de Toledo

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

José Serra (PSDB) se despediu do governo de São Paulo nesta quarta com um discurso no Palácio dos Bandeirantes. A frase final, tudo indica, é o mote de sua campanha presidencial: “Vamos juntos. O Brasil pode mais”. Há uma semelhança notável com o “Yes, we can” de Barack Obama, em 2008, nos EUA.

Foi, antes de mais nada, um discurso de balanço. Como era esperado, “São Paulo” foi uma das expressões mais citadas (46 vezes), na maioria das vezes no final das frases, e associada a “governo” (49 citações) e a “estado” (30). Em comparação a “Brasil” (17), “São Paulo” recebeu praticamente três vezes mais menções. O que mostra que Serra, nesse discurso, estava mais preocupado com o que acabara de fazer como governador do que com o que virá a fazer como candidato.

A “política” não ficou fora do discurso. Explicitamente, citou a palavra apenas 3 vezes, e negativamente, como em “política do ódio”. Mas, implicitamente, a política esteve presente na maioria das vezes que Serra usou a expressão “pública(o)” (26 vezes), como em “vida pública”. E foi aí que ele encaixou uma “indireta” para o presidente Lula ao dizer que “nós governamos para o povo e não para partidos”.

Além do institucional, o discurso de Serra teve uma parte pessoal. A palavra “vida”, seja no sentido de “minha vida”, de “vida pública” ou de “ao longo da vida” foi citada 36 vezes. Em muitos casos, Serra associou-a a “pessoas” (”vida das pessoas”), outra campeã de citações (23 vezes) e mais um sinal da preocupação do tucano de “humanizar” seu discurso.

O discurso foi construído para que o final apontasse para o futuro e, obviamente, para suas pretensões presidenciais, sem, contudo, explicitar isso. Serra não mencionou as palavras “eleição” nem “candidato”. Mas terminou com uma expressão que tem todo o jeito de ser seu mote de campanha:

“Até 1932, nosso Estado, em seu brasão, ostentava aquela frase em latim “não sou conduzido, conduz”. Esse era o lema de São Paulo, até a Revolução Constitucionalista de 32. Mas, desde então, a divisa mudou. A divisa passou a ser: “Pelo Brasil, façam se as grandes coisas”. É o papel, é o destino de São Paulo, construído por brasileiros de todas as partes do Brasil. E esta é também a nossa missão. Vamos juntos, o Brasil pode mais!”

“O Brasil pode mais” tenta resolver um conflito de interesses. Muitos eleitores de Serra, atuais e potenciais, avaliam bem o governo Lula. Portanto, o tucano não pode partir para o confronto direto. A ideia implícita no mote é de mudança, mas uma mudança que em vez de abandonar o passado pretende somar novas conquistas ao que já foi feito. É uma fórmula engenhosa, mas não original.

Outras campanhas já usaram fórmulas semelhantes. A de Barack Obama, em 2008, propunha “mudança” de modo também implícito com o seu “yes, we can” (sim, nós podemos). Na de Serra, em vez de “podemos”, “o Brasil pode”.

Outra coincidência é com o nome da chapa de oposição na última eleição da diretoria do Santos Futebol Clube, batizada de “O Santos pode mais”. O candidato a presidente a ser batido, Marcelo Teixeira, havia conquistado vários títulos em sua longa gestão. O mote funcionou e a chapa oposicionista venceu. Os marqueteiros de Serra conhecem a história de perto.

Serra sai e condena 'roubalheira'

DEU EM O GLOBO

Ao se despedir para disputar Planalto, tucano tenta marcar diferenças com petistas, sem citá-los

Flávio Freire, Leila Suwwan, Sérgio Roxo e Gilberto Scofield

SÃO PAULO. Com um discurso recheado de críticas veladas ao governo federal, embora sem citar nomes ou se referir diretamente às eleições deste ano, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), de 68 anos, fez ontem um balanço de sua gestão que, segundo ele, não cultivou escândalos nem roubalheiras. Cercado de todo o secretariado, deputados, senadores, parentes e prefeitos de partidos aliados, Serra — que amanhã deixa o cargo para se candidatar à Presidência da República — afirmou que não adotou em seu governo o “silêncio da cumplicidade”. E repudiou a “espetacularização que alimenta mitologias”, frisando que governos, assim como pessoas, precisam ser honrados.

— Estou convencido de que o governo, assim como as pessoas, tem que ter honra. E assim falo não só porque aqui não se cultiva escândalos, malfeitos, roubalheira, mas também porque nunca incentivamos o silêncio da cumplicidade e da conivência com o malfeito — disse Serra, que, no entanto, não citou os casos de corrupção que marcaram a política nos últimos anos, como o mensalão.

Em cerimônia para 6 mil pessoas no Palácio dos Bandeirantes, Serra repetiu, em seu discurso de despedida, palavras como caráter, ao definir como se deve governar.

— Acho que os governos, como as pessoas, têm que ter caráter. Caráter e índole. E este caráter se expressa na maneira de ser e na maneira de agir. Este é um governo de caráter, que manteve sua coerência, não cedeu à demagogia, a soluções fáceis e erradas para problemas difíceis.

Nem se deixou pautar por particularismos e mesquinharias — disse.

‘Sério, mas não sisudo’

O discurso de Serra não foi ancorado no balanço de suas ações, mas na personificação de seu estilo de governar.

Usando sempre a frase “acho que os governos, como as pessoas”, atribuiu à sua gestão as seguintes características: caráter, índole, honra, personalidade, brio profissional, alma, sensibilidade, solidariedade e compromisso.

— Procuro ser sério, mas não sou sisudo. Quem me conhece sabe disso.

Realista, mas não sou pessimista. Calmo, mas não omisso. Otimista, mas não leviano. Monitor, não centralizador.

Aqui está todo o meu secretariado para dar o testemunho de que não sou centralizador. O pessoal de Brasília sorri ironicamente. Mas o pessoal de São Paulo acredita nisso. Os que convivem comigo acreditam que não sou centralizador. Sei que é difícil passar essa ideia, mas é a verdadeira.

O governador frisou também que é fiel ao seu estilo mais discreto: — Muitos, ao longo da minha vida pública, me aconselharam, digamos assim, a ser mais atirado, a buscar mais holofotes, a ser notícia. Dizem alguns que o estilo é o homem. E o meu estilo, se me permite, é este.

Serra envia hoje à Assembleia de São Paulo sua carta de renúncia e fica no cargo até amanhã. Alberto Goldman, o vice, assume o governo oficialmente na próxima terça-feira. No dia 10, em Brasília, Serra lançará sua candidatura à Presidência da República num grande evento partidário. Ontem, Serra não poupou ataques e estocadas nos adversários, sem citar nomes.

Sob aplausos, levantou a voz quando a crítica parecia ter endereço certo: — Repudiamos sempre a espetacularização, a busca da notícia fácil, o protagonismo sem substância que alimenta mitologias. Este governo sabe que não tem nenhuma contradição entre minorar as dificuldades dos que mais sofrem e planejar o futuro.

O tucano também pareceu convocar o eleitorado para o que chamou de “etapa seguinte”, numa clara referência à corrida pela sucessão do presidente Lula, na qual terá como adversária a petista Dilma Rousseff, que ontem deixou a chefia da Casa Civil. Empolgado, subindo a voz, Serra fez um convocação aos convidados: — Vamos juntos. O Brasil pode mais — reforçou ele, aplaudido de pé pelos convidados, aos gritos de “Serra presidente” e “já ganhou”. — A etapa seguinte nos espera. Vou entrar nela com disposição, confiança, fé, serenidade e muito trabalho.

Ao discorrer sobre a política econômica de seu governo, Serra também fez críticas à condução da economia no plano nacional: — Austeridade para nós não é mesquinharia econômica, não. Austeridade é cortar desperdícios, reduzir custos, precisamente para fazer mais com aquilo que se dispõe. Não é para guardar o dinheiro numa burra e deixar longe das necessidades.

Segundo tucanos, a estratégia de Serra será a de demonstrar que reconhece os méritos de seus adversário, mas tem capacidade superior de execução governamental.

— Quando criamos o PSDB, éramos oposição por todos os lados. Mas, de um lado ou de outro, nunca me dei à frivolidade das bravatas. Nunca investi no quando pior, melhor (...) Jamais mobilizei falanges do ódio. Jamais dei meu apoio a uma proposta, uma ação política, porque elas seriam prejudiciais aos meus oponentes. Não sou assim, não ajo assim. Não entendo assim o debate político. E nisso não vou mudar, ainda que venha a ser alvo dessas mesmas falanges. Ao eventual ódio, eu reajo com serenidade de quem tem São Paulo e o Brasil no coração.

Demonstrando estar emocionado, fez questão de destacar algumas de suas iniciativas de governo: o projeto de habitação para idosos abandonados e as plataformas instaladas nas praias para que cadeirantes possam chegar ao mar. Também lembrou ter inaugurado hospitais e ambulatórios.

Disse que duplicou vagas nas escolas e faculdades técnicas, com investimentos de R$ 64 bilhões.

Discurso de despedida já embute programa de governo do tucano

DEU EM O GLOBO

Serra prega Estado austero, planejador e sem aparelhamento político

Gilberto Scofield Jr.

SÃO PAULO. Ainda que o governador José Serra se recuse a comentar sobre seu programa de governo ou ainda ache precipitado destrinchar as estratégias de sua candidatura à Presidência pelo PSDB, as entrelinhas de seu discurso de despedida, ontem, no Palácio dos Bandeirantes, mostram com clareza como o político José Serra pretende se vender — e a seu governo — ao público brasileiro nos próximos meses de campanha presidencial.

Ou, como disse o próprio governador, “seus valores e princípios”.

De cara, Serra deixa claro que defenderá a bandeira do caráter e da índole, será um obsessivo servidor público e do país e evitará “o silêncio da cumplicidade e da convivência com o mal feito”. Tratase de uma clara oposição ao cenário que circunda o governo petista, acusado, ao longo dos últimos anos, de escândalos diversos, dinheiros na cueca, dossiês mal explicados e mensalões. Apesar de o PSDB de Minas e o aliado DEM também terem tido seus mensalões.

Também em oposição ao discurso petista do Estado forte e de ampla ação social, mesmo às custas de desequilíbrios ocasionais no orçamento —, abraçado com ênfase pela ministra-candidata Dilma Rousseff — Serra prega o Estado responsável, austero, planejador e respeitador do direito de propriedade. E, de olho numa das maiores bandeiras da administração petista — o combate à desigualdade —, acena com um Estado com “sensibilidade para agir e compensar as desigualdades”.

— O nosso governo é um governo popular, que se orgulha de ampliar o bem-estar e as oportunidades dos mais pobres com seus programas sociais... Qual a essência do governo? É garantir a vida. É garantir os bens. Garantir a liberdade.

— disse, em determinado momento, para acrescentar logo depois: — Eu quero dizer que acredito piamente no planejamento. Nós organizamos as finanças do estado.

Praticamos uma rigorosa austeridade fiscal... Austeridade, para nós, não é mesquinharia econômica não, austeridade é cortar desperdícios, reduzir custos precisamente para se fazer mais com aquilo que se dispõe.

Para tanto, deixa claro que não aumentou impostos em São Paulo para realizar seu programa de investimentos, um discurso que o acompanha há anos e certamente fará parte de seu perfil de governo, que inclui a redução da carga tributária sobre os contribuintes.

— O que ele (o secretário de Fazenda, Mauro Ricardo) fez foi combater a sonegação, não aumentar imposto. Pelo contrário, diminuímos a carga tributária — afirmou.

Numa estocada no aparelhamento da máquina estatal por políticos e amigos, Serra, ao menos no discurso, promete separar o que é aliança política do que é máquina administrativa, outro ponto de críticas fortes ao PT.

— Aqui, a nossa relação com o Legislativo é transparente, em favor da população.

No lugar de nomeações e cabides de emprego, a corresponsabilidade pelo investimento em todas as cidades do estado.

No nosso governo, deputados não nomeiam, nem nomearam, diretores de empresa ou secretários.

Sobre educação — um dos maiores conflitos do governo de São Paulo, acuado por barulhentos sindicatos liderados pela oposição — Serra afirma que a avaliação do desempenho dos alunos em sala de aula continuará, o que provavelmente dará mais status aos programas de avaliação do ensino básico, médio e superior feitos pelo governo federal.

No balanço de seus 39 meses à frente do governo de São Paulo, o futuro candidato revelou seu marqueteiro-mor: o obsessivo José Serra.

Fala de tucano e 'cheiro de campanha' animam aliados

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O que mais agradou foi o fato de Serra reafirmar valores e pontuar diferença em relação ao PT sem citar adversários

Christiane Samarco, Julia Duailibi, Silvia Amorim

O aplauso farto dos líderes do PSDB e de aliados do DEM e do PPS na despedida do governador José Serra traduziram bem a satisfação geral com o discurso em que ele assumiu que é pré-candidato a presidente sem mencionar uma só vez a palavra candidatura.

"É uma largada forte na corrida presidencial, em que ele deixa claro dois valores que vão reger a campanha: gerência e decência", elogiou o líder do DEM na Câmara, Paulo Bornhausen (SC), dizendo-se feliz por conta do "cheiro de campanha" no ar. "Serra disse tudo o que precisava ser dito, com sutileza e educação", emendou o presidente do PPS, Roberto Freire.

Sorridente, Tasso Jereissati (PSDB-CE) parecia distante do senador angustiado que semanas atrás era um dos maiores críticos da demora de Serra em assumir a pré-candidatura. Bornhausen avaliou que já há um reconhecimento de que Serra está no "timing certo". "Se ele saísse atrás da procissão do Lula, seria mais um. Ele demorou e fez diferente, mas saiu melhor", observou.

Valores. O que mais agradou aos políticos foi o fato de Serra ter reafirmado valores e pontuado a diferença em relação ao PT e ao governo atual sem citar os adversários. Para o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, ele fez um discurso "raro, especial e com notável equilíbrio".

O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), elogiou a "animação" de Serra: "O importante é que ele começou empolgado e confiante." Nos cumprimentos, Serra era só sorrisos e gentilezas. O mais efusivo foi dedicado à senadora Katia Abreu (DEM-TO), cotada para vice na chapa tucana, pois saíra do hospital para a cerimônia. Na véspera, Serra telefonara à senadora para saber notícias sobre sua internação por intoxicação alimentar.

Ao analisar a fala do pré-candidato, Guerra disse que o governador mostrou o que fez e como fez, além de ressaltar que não há loteamento de cargos no governo dele e que as prioridades são decididas com a interferência dos parlamentares. "Foi alusão objetiva à relação do Executivo com o Parlamento", afirmou.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não foi à cerimônia. FHC explicou que havia participado de um almoço, em que discursou, e ainda teria um debate à noite. "Foi um limite físico", afirmou. "Mas liguei para José Serra avisando que não iria e lamentei muito." / Colaborou Flávia Tavares

Aécio deixa governo e não descarta ser vice de Serra

DEU EM O GLOBO

"Vou receber o que o destino me reservar", diz tucano

Marcelo Portela

BELO HORIZONTE. O tucano Aécio Neves (PSDB) deixou ontem o governo de Minas dando a entender que seu futuro político não está definido. Depois de já ter dito uma série de vezes que descarta a hipótese de ser candidato a vice numa chapa encabeçada pelo também tucano José Serra e dizer que pretende ser candidato ao Senado, Aécio ontem ressaltou em discurso que o “destino” é que decidirá o que fará.

— Com emoção me despeço como governador para voltar ao meio de todos como cidadão e conterrâneo para os acompanhar e receber o que o destino me reservar — declarou, com voz embargada, ao transferir o cargo para seu vice e agora governador do estado, Antônio Augusto Anastasia, que disputará a reeleição em outubro.

Da sacada do Palácio da Liberdade, Aécio evitou ataques diretos, mas se queixou das guerras entre rivais políticos e tentou destacar o perfil de “aglutinador” que levou parte do PSDB a defender sua candidatura à Presidência ou pelo menos sua participação na chapa.

— Devemos aos brasileiros um cenário mais generoso da ação política. A grandeza do país que somos convoca-nos à superação da lógica do enfrentamento pelo entendimento.

Queremos superar a lógica do poder meramente pelo uso do poder. A política não pode ser a casa mesquinha que transforma o adversário em inimigo.

Não pode ser a casa da intransigência, da autossuficiência e da arrogância. É essa a política que faço — disse. E continuou: — Agradeço o reconhecimento dos adversários à forma republicana com que conduzi o estado durante esses sete anos e três meses. Busquei no diálogo, nas parcerias, o caminho da construção das convergências que nos permitiram avançar tanto em tão pouco tempo.

Anastasia dá 10% de aumento para servidores A transmissão do cargo a Anastasia ocorreu com pompa, em meio a cerca de cinco mil convidados. Políticos, empresários, industriais e celebridades como Zico, as atrizes Maitê Proença e Cristiane Torloni, o cartunista Ziraldo, o apresentador Luciano Huck e os músicos Renato Teixeira e Alceu Valença lotaram os jardins do Palácio da Liberdade para a cerimônia.

Uma multidão acompanhava por telões o evento, que atrasou por causa do temporal.

O primeiro ato oficial de Anastasia depois de assumir o cargo de governador de Minas, ontem, foi sancionar reajuste de 10% para servidores públicos estaduais. O aumento, encaminhado à Assembleia em caráter de urgência por Aécio, foi aprovado na terça-feira e representa acréscimo de R$ 1,1 bilhão por ano na folha de pagamento.

Serão atingidos 900 mil servidores ativos, inativos e comissionados de todas as áreas. Funcionários da Secretaria de Estado da Defesa Social, responsável por toda a área de segurança, terão reajuste de 15%.

Para FHC, tucano precisa ser mais emotivo e petista, racional

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ontem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou esperar que "Serra tenha um pouco mais de candomblé e Dilma, um pouco mais de Descartes", ao fazer uma digressão sobre os perfis dos dois pré-candidatos e a inexistência de uma dicotomia entre esquerda e direita.

A afirmação foi feita após o evento de lançamento de seu livro "Relembrando o que Escrevi: da Reconquista da Democracia aos Desafios Globais".

Serra e Dilma, em "rebolation" :: Vinicius Torres Freire

FOLHA DE S. PAULO

Os dois principais candidatos a presidente saem dos cargos procurando acertar os passos do ritmo da marquetagem

OS COMENTARISTAS de futebol costumam dizer que "o time é ótimo, mas por enquanto só no papel" com o propósito de observar que uma equipe tem bons nomes, mas não tem entrosamento ou variações táticas. No papel, as candidaturas de José Serra e de Dilma Rousseff parecem bastante boas. Ou melhor, trata-se de bons nomes.

Se comparados às figuras da geração que pode sucedê-los na política brasileira, Serra e Dilma parecem excelentes, ainda mais se consideradas as personalidades intelectual e politicamente vazias, medíocres ou mesmo chucras dos quarentões e cinquentões que ora estão na fila.

Mas candidaturas não se fazem de nomes apenas. É o que temos, por ora. Ontem foi o dia em que Serra e Dilma se despediram de seus cargos.

Na prática, tratava-se de um dia de lançamento semioficial de suas campanhas à Presidência. O que se viu e ouviu, porém, foi a conversa diversionista de personagens à procura de maquiagem marqueteira. Dilma deu mais uns passos na tentativa de aprender a arte do "rebolation" emotivo-popularesco de Lula.

Fez cara de choro, falou de criancinhas pobres etc. Tudo a fim de desconstruir em público a própria personalidade de política determinada e opinionada, ou autoritária, como dizem inimigos, muitos machistas.

Serra mais uma vez procurou anular sua identidade de político e intelectual incisivos a fim de vender aquilo que, parece, será uma das mensagens centrais de sua campanha. Ou seja, a neutra ideia de que o tucano é governante "testado e aprovado", administrador experiente, "que faz", com a qual vai se contrapor à novata ungida por Lula. Como tem feito, Serra esteriliza seu discurso até matar o último micróbio de teor político e programático.

Pouco sabemos dos grupos de assessores políticos e intelectuais dos candidatos. Seus partidos não têm plataformas. O PT aprovou diretrizes das quais Dilma parece querer distância. A do PSDB inexiste desde que seu grupo intelectual dominante foi ganhar a vida na finança.

Dilma pode ao menos dizer que é a candidata do continuísmo, embora o centro da sua propaganda até agora seja a crítica de um governo findo em 2002. Serra teme dizer que vai "descontinuar" o governo Lula, para recorrer ao eufemismo anglófilo tolo da linguagem de relações públicas. Serra não ousa nem mesmo dizer seu nome, ou seja, repetir o que sempre pensou sobre políticas públicas, em especial econômicas.

O governo Lula quase inteiro foi de paralisia nos aperfeiçoamentos institucionais. O que farão os candidatos a respeito? E de Banco Central, câmbio, educação tétrica, carência de cientistas? Da devastação ambiental somada à inércia burocrática devida a ambientalistas? O que farão de impostos sobre exportações e trabalho? Qual é o limite para o aumento do gasto público, resposta que implica decisões sobre INSS, vinculações orçamentárias ou funcionalismo, e que tem reflexos sobre o crescente deficit externo?Não se trata de esperar o papelucho anódino que mais tarde será lançado com o nome de "programa".

Ninguém pode se candidatar a presidente sem ter ideias fundamentais sobre temas assim.

Mas, até agora, vemos apenas os passos marcados e tolos da "rebolation" marqueteira.

Cláusula pétrea:: Sérgio Guerra

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A diferença entre Chávez e o PT está só no uso da força policial. A outra violência, de interferir no que a população deve "pensar", é a mesma

É vermelho o sinal de alerta contra as tentativas de estabelecer a ditadura do pensamento único e do controle dos meios de comunicação no Brasil e na América Latina. A escalada já contaminou Argentina, Equador, Bolívia e Venezuela, onde Hugo Chávez retirou do ar canais a cabo, por recusarem-se a transmitir seus intermináveis monólogos.

Aqui, os petistas disfarçam, mas vão continuar tentando estabelecer alguma coisa que lhes permita interferir na liberdade de imprensa, de pensamento e de opinião. Os petistas fazem vista grossa ao que acontece com os latino-americanos, alegando que são problemas internos daqueles países.

Assessor de relações internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia chegou a dizer que havia liberdade de imprensa "demais" na Venezuela. Não é coincidência que Chávez, para retribuir, já anunciou que sua preferência nas eleições brasileiras seria a candidatura oficial.

A mais recente e vergonhosa omissão aconteceu em relação a Cuba, onde o governo brasileiro sorriu, abraçou e se deixou fotografar com os irmãos Castro. Enquanto isso, o povo cubano enterrava, cercado pela polícia, Orlando Tamayo, um pedreiro pacifista de 42 anos que os castristas deixaram morrer de inanição depois de 85 dias de greve de fome. Tamayo estava confinado há mais de 30 anos por crime de opinião.

Quantos mais precisarão morrer para se libertar? É a pergunta que o mundo se faz e os dirigentes do PT fingem não ouvir.

Em Cuba, cometem crime de opinião todos os que não se contentam em ler o "Granma", órgão oficial do Partido Comunista. Inspirado no "Pravda", é o único jornal autorizado a circular na ilha. Note-se que o seu inspirador russo foi criado por Trótski, em 1908, justamente para furar a censura imposta aos intelectuais que lutavam contra os czares.

Para o PSDB não é hora de tergiversar. É o momento, sim, de todos os que acreditam e têm a liberdade de pensamento como convicção defenderem a imprensa livre. Com autonomia para apurar, investigar e publicar, respeitados os limites da lei. Assim como o direito de resposta.

O arbítrio ou qualquer dos seus eufemismos têm que ser rechaçados com firmeza. Democracia se faz com liberdade e respeito ao direito de opinião e manifestação. Essa é a garantia de que, ao final, a verdade aparece.

Apesar do repúdio generalizado, o governo petista não cessa as tentativas, iniciadas em 2004 com o Conselho Federal de Jornalismo, autarquia pensada para dar emprego aos "companheiros", censurar e punir jornalistas e empresas de comunicação. No ano seguinte os petistas inventaram a Agência Nacional de Cinema e Audiovisual, outra clara forma de controle da produção intelectual.

Pararam? Não, continuaram na Conferência Nacional de Comunicação, onde as mentalidades chavistas propuseram o "controle social" dos meios de comunicação. E como são a mobilizações que agradam e dão ocupação aos "companheiros", a luta continua nas próximas conferências nacionais, para as quais não faltam propostas de interferência e controle.

A diferença entre Chávez e o PT está apenas no uso da força policial. A outra violência, de interferir no que a população deve "pensar", é a mesma.

Aqui, os petistas acham-se no dever de manter toda a sociedade sob seu controle. Acreditam-se mais capazes e inteligentes, esquecendo-se de que leitores, ouvintes e telespectadores simplesmente podem ler outro jornal ou site, mudar a estação de rádio ou TV. E de voto.

Para dissimular concepções autoritárias, quando não podem fugir ou se esconder, os petistas tentam confundir. Foi o que tentaram fazer recentemente ao lançar o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, em dezembro passado, e compará-lo aos dois anteriores feitos quando o PSDB ocupava a Presidência da República.

Não colou. A diferença fundamental entre o atual programa e os anteriores é simples: está na origem. É isso que gera credibilidade ou não.

Quando apresentou suas propostas, em 1996 e 2002, o PSDB trabalhou para desenvolver projetos representativos de todos os segmentos sociais, democraticamente. Sem revanchismos, perseguições, sem volta ao passado.

Se o PT não é confiável, o PSDB é.

Para o nosso partido, a liberdade de imprensa, a de opinião e a de manifestação são cláusulas pétreas da democracia. É assunto que não está em discussão. Ao contrário do que faz o PT.

Essa discussão de métodos, filosofias e práticas não estará fora das eleições de 2010. Dizer a verdade, apontar erros e manipulações, pensar livremente e sem tutelas são direitos, mas também deveres, inerentes à cidadania. E princípios básicos da democracia.

Sérgio Guerra, 62, economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB.

Na dúvida:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Um presidente do Banco Central que se debate o dia inteiro na dúvida sobre se fica ou sai assusta um pouco. Foi por isso que, em um dos telefonemas da coluna para um economista, a resposta foi: “Não sei nem quem será o presidente do BC amanhã, como vou saber da taxa de juros futura?” Uma coisa estava certa ontem desde cedo: o Copom aceitará que a inflação fique acima da meta este ano.

O dia amanheceu sob várias expectativas: mudanças na diretoria do Banco Central, permanência ou não de Henrique Meirelles, e o que diria um Relatório de Inflação depois de tanta controvérsia sobre a última Ata, na qual o Copom explicou o oposto do que fez.

A maioria das dúvidas se resolveu logo pela manhã, uma ficou pendente. No final do dia, depois do suspense, da ida inesperada para falar com o presidente Lula, das frases enigmáticas, Meirelles avisou que de amanhã (hoje) não passa. A rigor, ele tem até o dia 3, sábado de Aleluia, para se desincompatibilizar e poder concorrer às eleições.

Saiu o diretor Mário Mesquita, como dito aqui ontem, e assumiu o diretor Carlos Hamilton Vasconcellos de Araújo, que na sua estreia defendeu os mesmos pontos de vista, e disse que o Banco Central está comprometido em defender a meta de inflação. Só que ele falou em convergência para o centro da meta a médio prazo.

O Relatório deixou claro que o Banco Central não vai brigar para manter a inflação no centro da meta este ano.

Trata 2010 como um ano de transição entre a crise do ano passado e o ano de 2011, no qual, pelas expectativas do mercado, a inflação vai convergir para a meta.

O BC disse também, em linguagem cifrada, que há um cronograma de elevação de taxas de juros; que a divergência na última reunião foi entre manter o cronograma original de elevação dos juros começando em abril, ou antecipar para março. Mas o desafio do Banco Central não é nada trivial. Ele está avisando que vai iniciar um período de aperto monetário. Ou seja, várias reuniões com aumentos de 0,5 ponto percentual.

O mercado calcula ao todo 2,5 pontos de elevação.

Essas altas de 45 em 45 dias ocorrerão num ano eleitoral, em que o principal candidato de oposição, que está na frente das pesquisas, é adversário declarado dos juros altos. Em que a candidata do governo nem sequer capta o sentido de metas de inflação. E todo o esforço e a briga serão para manter a inflação na meta no ano que vem, no outro governo. Até hoje, por sete anos e três meses, Henrique Meirelles conseguiu convencer o presidente Lula a deixar o Banco Central conduzir de forma autônoma as decisões do Copom. Este ano, a tarefa é mais difícil.

Até porque não há no governo Lula quem saiba a diferença entre uma inflação de 4,5%, 5% ou 6%. A leniência em relação à inflação pode já estar contratada independentemente de quem seja o presidente do Banco Central. A pressão do crescimento está sendo alimentada por um fenômeno incentivado por bancos públicos e pelo próprio BC: a expansão do crédito (vejam no gráfico).

A projeção para a inflação no centro da meta no ano que vem se baseia na expectativa de que tudo permanecerá constante, de que o Banco Central continuará autônomo para tomar suas decisões e fazer o que for necessário para preservar o regime de metas de inflação.

A dúvida é: o governo quer pagar o preço desse desgaste interno e externo, ou serão dominantes as vozes para que se aceite um pouco mais de inflação? No Banco Central há uma corrente que diz que o fato de a maioria absoluta dos diretores, e dos votos do Copom, serem de funcionários de carreira significa que haverá mais empenho em resistir às pressões políticas.

Porque, afinal, governos passam, e a instituição fica. Mas nem tudo depende desse empenho.

O Banco Central do Brasil tem tido autonomia de fato, não de direito.

Para Meirelles, o dilema é mesmo duro. Ele sonhava em sair do Banco Central para uma candidatura que não deixasse dúvidas de ser irrecusável: o velho sonho de governar Goiás, ou, ainda melhor, a Vice-Presidência.

Com as duas possibilidades fora do baralho, por que sair e deixar o Banco Central vulnerável às pressões políticas na última e decisiva batalha? A nova diretoria do Banco Central tem excelentes quadros e hoje, 45 anos depois de criado, o BC é uma instituição sólida, com um número suficiente de doutores em economia. Recebeu ontem o reforço do discreto, mas eficiente, Luiz Awazu Pereira, que foi escolhido para a diretoria da área internacional.

Luiz Pereira é funcionário do Banco Mundial, tem uma carreira internacional sólida, já trabalhou no Ministério da Fazenda no período Antonio Palocci. Não é por falta de qualidade das pessoas que surgem as dúvidas, é porque o Banco Central, no final das contas, não é independente.

Ficou para 1º de abril::Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando apresentou o novo presidente do Banco Central, em dezembro de 2002, o então eleito presidente Lula o chamou de "companheiro Henrique Meirelles".

Como ensinam os filólogos, companheiro é aquele com quem se reparte o pão. Se o pão repartido até agora não foi fácil de mastigar, o que será repartido daqui para a frente tende a ser bem mais complicado de comer.

Ao contrário do que se dizia, Meirelles não aspira nem ao cargo de senador nem ao de governador de Goiás. Ele quer mesmo ser candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff. Durante um bom tempo, o presidente Lula pareceu dar força para que esse projeto se cumprisse. Seria um jeito de repetir a dobradinha proletariado-burguesia que Lula montou com o empresário José Alencar nas duas últimas vezes em que disputou, com sucesso, a Presidência da República. Mas coisas assim não são determinadas por atos de vontade, nem mesmo por insistência dos interessados. São determinadas pelo jogo político cujos ventos ninguém controla, nem mesmo o presidente Lula.

O anúncio de que poderia se apresentar para o jogo político já tirara de Meirelles alguma credibilidade no exercício de seu ofício, que exige distância dos políticos, que adoram gastar. Em todo o caso, não é coisa difícil de recuperar.

No entanto, se permanecer à frente do Banco Central, decisão adiada para hoje, a situação ficará mais complicada. Meirelles terá de enfrentar a disparada da inflação num ambiente de turbulência em que aumentarão as pressões para uma condução mais eleitoreira da política de juros. Essas pressões tendem a aumentar se as pesquisas de intenção de voto confirmarem baixa disposição do eleitorado de conferir a Dilma Rousseff o mandato de presidente da República.

Se a decisão for ficar, Meirelles bem que gostaria de contar com o reforço de garantias do presidente Lula de que terá plena autonomia para fazer o que terá de ser feito para combater a inflação. É claro que Lula nunca deixará de dizer que lhe dará todo e incondicional apoio. Mas o que significa isso?

Assim como não pode contar com a energia política do presidente para a escolha do seu nome como candidato a vice-presidente, Meirelles também não poderá contar com o apoio de Lula, em fim de mandato, para a neutralização das pressões sobre o Banco Central.

O Relatório de Inflação ontem divulgado mostra que os preços não vêm encontrando obstáculos para a escalada. O déficit orçamentário recorde do governo federal revelado em fevereiro mostra que não há lá muita disposição da administração federal de cortar despesas correntes num ano eleitoral. Por outro lado, não se pode desdenhar da disposição do presidente Lula de manter a inflação sob controle. Mais do que ninguém, ele sabe o quanto a inflação pode corroer a vontade do eleitor de votar nos candidatos do governo. Assim, num quadro de crescimento das despesas públicas e de necessidade de conter a inflação, sobrará quase exclusivamente para o Banco Central o serviço mais pesado.

O dia do Fico ou o dia do não Fico do companheiro Meirelles ficou afinal para 1.º de abril. Tomara que a superstição, ou, digamos, o que sobra de simbolismo popular que cerca a data, não interfira na partilha do pão que chega agora à mesa.

O Relatório corrige a ata

Na página 105, o Relatório de Inflação, divulgado ontem pelo Banco Central, muda a redação e evita as contradições em que caiu a ata do Copom divulgada quinta-feira da semana passada.

A ata havia dito que os membros do Copom tinham chegado a um consenso de que os juros teriam de subir. Mas que cinco dos oito diretores optaram pela espera até abril para conferir se o quadro de alta da inflação se confirmaria ou não. Ou seja, ficou admitido que, em se verificando uma conjuntura mais favorável, os juros poderiam não subir.

O Relatório muda os termos.

Não repete que houve consenso em que os juros teriam de subir. Ao contrário, ficou dito que "alguns membros do Comitê (...) defenderam a elevação na taxa Selic já naquele momento". E que então "a maioria (...) entendeu ser mais prudente manter a programação original".

Ou seja, no mínimo, ficou admitido que houve erro de comunicação.

Morte e vida Severina (Auto de Natal Pernambucano)- parte 9::João Cabral de Melo Neto

O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE

— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre, com
a mesma chama mortiça.
Agora é que compreendo
porque em paragens tão ricas
o rio não corta em poços
como ele faz na Caatinga:
vivi a fugir dos remansos
a que a paisagem o convida,
com medo de se deter
grande que seja a fadiga.
Sim, o melhor é apressar
o fim desta ladainha,
o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se fina.