quinta-feira, 29 de abril de 2010

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso

"FOLHA - O sr. acha que o presidente Lula estava brincando quando disse que quem é de esquerda depois dos 60 "tem problemas"?

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - Não foi brincadeira. Foi uma expressão espontânea para um sentimento que é popular. As pessoas dizem: "quando fica mais velho, toma juízo". O Lula disse o que sente sobre a própria trajetória: ficou mais perto do que ele chama de centro. Mas é curioso que o centro, para ele, seja o Delfim Netto.

FOLHA - Por quê?

FHC - Porque o Delfim, para quem lutou contra o regime militar, é simbólico. Ainda mais simbólico para quem lutou contra o arrocho salarial. Não estou acusando o Delfim. Parece-me apenas que o Lula baixou demais a guarda. "


(Fernando Henrique Cardoso, entrevista na Folha de S. Paulo, em 24/12/2006)

Direitos humanos:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Em várias palestras aqui na Universidade de Córdoba, onde se realiza a Conferência da Academia da Latinidade com o tema central de busca de condições para o diálogo entre as culturas, um ponto recorrente foram os direitos humanos que, como ressaltou o secretário-geral Candido Mendes, não podem ser encarados como instrumentos de dominação ocidental e devem ter caráter universal.

A limitação cultural do entendimento do que sejam os direitos humanos, porém, é uma realidade destacada por vários palestrantes. Enrique Larreta, diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes ressaltou que os direitos humanos têm ainda um tipo de aplicação regional.

“Na Europa, fica claro que a prioridade são os direitos individuais. Por exemplo, o passaporte para os perseguidos por estados, ou os direitos da mulher”.

Segundo ele, a União Europeia foi construída em boa medida em conflito com o totalitarismo soviético, e aí se afirmou a ideologia dos direitos humanos.

Há diferenças regionais importantes.

A morte recente do dissidente cubano na prisão só teve uma crítica formal de um governo da América Latina, que foi o México.

“O presidente da Bolívia, Evo Morales, chegou a dizer, com base em informações oficiais cubanas, que o morto era um delinquente comum.

Lula disse coisa parecida.” Isso demonstraria, segundo Larreta, que não existe uma cultura dos direitos humanos na América Latina, embora a esquerda latinoamericana tenha se aproveitado da política de direitos humanos ocidental para se proteger das ditaduras.

Na Ásia, lembra Enrique Larreta, que está envolvido em uma profunda pesquisa sobre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China, os quatro países emergentes que serão potências mundiais preponderantes nos próximos 20 anos, segundo a Goldman Sachs), a China tem uma posição muito forte de soberania nacional que rejeita uma suposta interferência internacional, mesma posição dos governos militares latinoamericanos.

Larreta deixou claro em sua palestra que considera não ser admissível que uma visão culturalmente diversa sobre direitos humanos impeça o entendimento entre Ocidente e Oriente.

“Se os chineses assimilaram o marxismo, criado por dois escritores alemães, não há nenhuma razão para não assimilarem a democracia ocidental, da qual os direitos humanos fazem parte inseparável”, frisou.

O sinólogo francês François Julien, diretor do Instituto do Pensamento Contemporâneo, argumentou na sua palestra com a especificidade do pensamento chinês, mas se manteve em uma posição bastante universalista no sentido de que um horizonte de direitos humanos pode ser incorporado perfeitamente pela China.

Uma ideia prevaleceu nos debates, a de que todas as culturas se transformam.

A discussão sobre o uso da burca na França, por exemplo, que o presidente Nicolas Sarkozy quer banir em todas as situações, gerou diversos comentários.

O sociólogo Alain Touraine acha que não pode haver proibição através de uma nova legislação, que seria inconstitucional.

O professor da USP Renato Janine Ribeiro ressaltou em sua palestra que pesquisas mostram que a maioria dos franceses é a favor de proibir a burca, mas também favorável a manter o crucifixo nas paredes, o que indicaria que a burca é vista mais como um elemento de constrangimento dos direitos da mulher do que como símbolo religioso.

Já Enrique Larreta diz que o Estado francês é “laicoreligioso”, pretende que a cidadania seja um conceito místico. Ele também considera que os direitos humanos individuais são universalizáveis.

Como exemplo, lembrou que hoje em dia, em distintas sociedades como o Brasil e a China, cresce o número de indivíduos que vivem sozinhos, porque os meios tecnológicos permitem que se comuniquem na sua individualidade: pela internet, pelo celular.

Mas essas pessoas exigem seus próprios direitos.

“A individualização da sociedade cria condições para que de alguma maneira seus direitos sejam coletivos”, comentou Larreta.

Renato Janine Ribeiro chamou a atenção para o fato de que a necessidade de pertencimento a um grupo está muito presente no mundo atual, e, mais do que significar uma escolha individual, significa que existe uma identidade coletiva que precede toda forma de liberdade.

Em vez do cartesiano “penso, logo existo”, a definição seria “nós somos, logo eu sou”. Ou “eu pertenço a esse determinado grupo porque livremente o escolhi”.

O renovado conceito de relações sociais trazido pelos novos meios de comunicação foi também debatido em diversas sessões, com visões distintas de sua repercussão na sociedade.

Janine Ribeiro lembrou que um dos módulos do Linux, o sistema operacional aberto da internet, chamase “ubuntu”, que, num dialeto tribal da África do Sul, significa “sou o que sou por que pertenço a um grupo”.

Candido Mendes referiu-se à nova tecnologia da informação como a “agora eletrônica”, numa referência ao espaço de debate da antiga Grécia, mas mostrou-se pessimista com relação à possibilidade de controle das informações de sistemas de buscas como o Google.

Citou um julgamento nos Estados Unidos sobre o controle de tempo para determinadas informações que indicaria que o sistema está sendo manipulado para facilitar alguns tipos de informações e dificultar outras, o que sugere que esse novo mundo tecnológico da informação pode reservar novas formas de totalitarismos.

Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, resumiu a preocupação geral em sua fala na abertura do seminário: disse que o crescente apoio da extrema-direita e atitudes etnocêntricas em certas partes do mundo têm que ser combatidas porque não se pode permitir, citando a filósofa Anna Arendt, que a “banalidade do mal” se torne realidade.

Ficha limpa na pressão:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Congresso Nacional, primeiro a Câmara e, se for o caso, mais adiante o Senado, tem uma chance esplêndida, senão de se reconciliar de todo com a opinião pública, ao menos de amenizar o desgaste de imagem que vem construindo ao longo de uma trajetória de gradativa desqualificação e distanciamento da sociedade.

O Poder Legislativo está, como diz a expressão cara ao senso comum, com a faca e o queijo nas mãos.

Cabe aos parlamentares decidirem se cortam, se lancetam essa ferida aprovando na próxima terça-feira o regime de urgência para o projeto de lei complementar que veta a participação em eleições de candidatos condenados por crimes dolosos graves, ou se deixam tudo como está.

Sem receio de cometer uma enorme injustiça, é de se afirmar com tranquilidade que se dependesse exclusivamente da vontade do colegiado venceria a hipótese, a velha força da inércia.

Inclusive porque é a que vem prevalecendo há muito tempo, considerando que não é de hoje que tramitam propostas no Legislativo para alterar a lei no que tange à presunção da inocência para fins de inelegibilidade.

Essa mesmo de que se trata agora estava celeremente caminhando em direção ao buraco negro do esquecimento. Foi posta convenientemente em pauta no início de abril, sem acordo de líderes, voltou para a Comissão de Constituição e Justiça. Apesar de os partidos de oposição terem apresentado pedido de urgência para votação em plenário, continuou girando no mesmo ponto porque isso só poderia ir em frente com o apoio da maioria dos partidos.

Até então PT e PMDB se recusavam a assinar a urgência. Ontem de manhã parecia que o "deixa que eu chuto" paralisante continuaria quando um grupo de deputados apresentou pedido de vista ao relatório. Manobra protelatória clara.

Quando, no início da tarde, PT e PMDB mudaram de tática e assinaram a urgência. Com isso, o pedido de urgência será votado terça-feira próxima em plenário ? voto aberto ? e, espera-se, o projeto propriamente dito, no dia seguinte.

E o que operou semelhante mudança?

As eleições. Não as de deputados, que não guardam uma relação direta entre o voto dado e o eleito. Mas a de governadores e principalmente de presidente.

Como a oposição vota a favor do projeto ficha limpa, o PT e o PMDB avaliaram que se continuassem contra poderiam acabar prejudicando a campanha de Dilma Rousseff, pois em algum momento os eleitores passariam a cobrar dela uma posição.

A alteração tática não significa necessariamente garantia de aprovação: há água aos potes para rolar.

Dote. A vantagem do tempo que terá a candidata do PT em relação ao adversário do PSDB na propaganda eleitoral no rádio e da televisão explica o esforço para fazer aliança formal com o PMDB.

No melhor cenário simulado para Dilma Rousseff, a petista terá 11m37s e José Serra 5m36s; na pior hipótese para ela e melhor para ele, de cada bloco de 25 minutos exibidos três vezes por semana duas vezes ao dia, Dilma ficaria com 9m32s e Serra com 7m41s.

Os tucanos certamente argumentarão que nas duas eleições anteriores em que foram derrotados eram eles a contar a vantagem do tempo maior. Portanto, esse não seria um fator determinante.

Agora, pergunte-se se não gostariam de continuar contando com essa primazia. Claro que sim.

E o que pesou para desequilibrar o tempo a favor do PT? O PMDB. Não só por isso, mas também por isso o fato de nem Lula conseguir impor suas vontades ao parceiro.

Falanges. Em matéria de descalabros produzidos na internet a tropa oposicionista é apenas mais discreta que a governista, dado que o way of life petista nesse tipo de batalha antecede ao advento da web.

Mas, do jeito que a coisa anda, logo ou haverá alguma interferência dos comandos a fim de se instaurar a civilidade ou se locupletarão todos numa guerra de extermínio moral.

"Encheção de linguiça":: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Os jornalistas brasileiros formularam ontem para Hugo Chávez uma pergunta que os colegas venezuelanos não têm como fazer a ele: "O presidente Lula completa dois mandatos com cerca de 80% de popularidade e sai do governo em janeiro de 2011. E o sr., quando entrega o cargo a um sucessor?".

Chávez fez cara de susto, Lula e seus ministros e assessores esconderam risinhos, e o venezuelano desatou a falar, falar, sem dizer nada, até confessar que não pretende largar o osso: "Não sei. Sei lá".

E, por falar em encher linguiça, foi exatamente isso que Brasil e Venezuela fizeram ontem, no Itamaraty, na assinatura de 21 atos. Um é importante, na área de energia. Alguns outros, mais ou menos. O resto é só para "dar volume", como admitiu um dos envolvidos diretos.

Misturaram de orquestras a azeite, carne e embutidos -o que deu sentido literal à expressão "encheção de linguiça". E não faltou "o milho da Ponta do Boi". Um burocrata tinha escrito carne, e um ministro estranhou: "O que é isso?". Foi assim que a carne voltou a ser milho.

A agenda atrasou e estourou umas quatro horas, mas o que importou mesmo foi a conversa a sós entre Lula e Chávez, com dezenas de pessoas do lado de fora. Curiosas estavam, curiosas vão continuar.

No mais, não houve surpresa: Lula aproveitou para mais um discurso de campanha contra FHC e José Serra e deu mais um fora: ao falar de democracia, condenou os militares golpistas de outrora. Esqueceu que Chávez era coronel da ativa em 1992, quando tentou derrubar o presidente civil e legitimamente eleito da Venezuela?

O troco veio ao fim da solenidade e antes do almoço. Eram 16h15. Famoso por seus discursos intermináveis, à la Fidel, Chávez provocou Lula: "Tu hablas mucho!". Resumiu bem. Foi pouco ato para muito blablablá. Típica "encheção de linguiça", enquanto uma explosiva combinação de Farc, PCC e "Exército do Povo" sacode o Paraguai.

A campanha insossa e os candidatos tediosos :: Villas-Bôas Corrêa

DEU NO JORNAL DO BRASIL

RIO - Esta campanha, que não ata nem desata, prometeu muito e está descambando para a pior dos últimos tempos. A começar pela escolha dos candidatos. O presidente Lula, desgostoso com o Partido dos Trabalhadores, o PT que jogou no lixo a mística da legenda que representava a mobilização da classe operária, puniu a legenda com a escolha da candidata, a ex-ministra do Gabinete Civil Dilma Rousseff, sem militância política nem partidária e que pretende começar por onde muito poucos terminam.

Como se não bastassem tais singularidades, a candidata parece que se prepara para disputar a faixa de Miss Brasil. Com a licença do colega da Coluna Coisas da política, Cristian Klein, transcrevo dois parágrafos antológicos da edição de ontem, das melhores e mais perfeitas sínteses do que virou a campanha da candidata oficial: Dilma tem visitado a mesma fonoaudióloga que ajudou Lula em 2006. Faz exercícios vocais durante os voos cantando E.C.T. (Mas esse cara tem a língua solta..., sucesso de Nando Reis na voz de Cássia Eller) e deve entrar na fisioterapia para corrigir a postura. A transformação do seu visual é notável: fez plástica para rejuvenescer o rosto, mudou o corte de cabelo, trocou os óculos de armação pesada por lentes de contato e adotou um estilo mais leve de se vestir. O corpo também fala.

Nos últimos dias, Dilma cancelou viagens em que teria de lidar com a espinhosa política de alianças nos estados e, por sugestão de Lula, se dedicará agora às sessões de media training. Vai treinar mais para enfrentar situações reais diante das perguntas embaraçosas de jornalistas e eleitores e dos ataques dos adversários. Travar relações com a classe política não é prioridade. O melhor a fazer é cuidar, gerir a própria imagem.

Vamos falar sério: isto não é programa para uma candidata a presidente da República. Em vez de reforçar a pintura da candidata como passado de militância nas guerrilhas contra a ditadura militar dos cinco generais-presidentes, quando foi presa e torturada em quartel de Vitória, capital do Espírito Santo, a candidata sem experiência de campanha, que nunca disputou uma vaga de vereadora, por decisão do presidente Lula vai disputar a sua vaga nas urnas do primeiro turno em 3 de outubro, como uma dondoca, mais retocada do que a mocinha das novelas.

Com a retirada da pré-candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) à Presidência, a campanha sinaliza um final entre o candidato da oposição, o ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) e a candidata de Lula. A candidata Marina Silva, do Partido Verde, marca a sua posição, mas não ameaça os favoritos.

A campanha deve esquntar com os debates entre candidatos promovidos pelas redes de televisão e emissoras de rádio. Mas política é como a nuvem, dizia o senador mineiro Magalhães Pinto: cada vez que se olha para o céu, ela mudou de formato. Tomara, porque esta nuvenzinha não rende nem chuvisco.

Villas-Bôas Corrêa é repórter político do JB.

Ciro mirou no exemplo do PT:: Maria Inês Nassif

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O fim da candidatura de Ciro Gomes à Presidência pelo PSB mostra mais do que uma simples opção da direção do partido socialista pela candidatura da petista Dilma Rousseff. É também a confirmação da hegemonia do PT sobre a esquerda do espectro partidário. Esse fato vai além de um ato de vontade do partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou de uma opção das pequenas agremiações de esquerda que orbitam a sua volta. É um dado histórico, contra o qual o simples proselitismo é inócuo. Para ameaçar a posição do PT no quadro partidário, é preciso ação orgânica e transformação efetiva dos partidos que hoje são satélites do PT em organizações de massa. É andar muito chão e comer muita grama.

A hegemonia petista é produto de uma combinação de contingências históricas e decisões políticas. Fundado em 1980 por integrantes do "novo sindicalismo", que jamais pegou em armas, e facções egressas da luta armada contra a ditadura, o partido, mais por contingência do que por decisão dos seus atores políticos, fez da síntese do conflito o seu tecido orgânico. O partido formou-se como uma frente de esquerda - e, tomadas as tentativas anteriores nesse sentido, cujo palco foram os jornais alternativos da década de 1970, o PT seria uma aposta no desastre.

Não foi. Há duas explicações centrais para isso.

Em primeiro lugar, as facções, ao ingressarem no PT, já haviam feito a inflexão da opção pela luta armada - até porque o inimigo central e comum, a ditadura, se encontrava nos estertores e, antes de sucumbir, havia desmantelado as suas organizações. A queda do Muro de Berlim, em 1989, e o declínio do socialismo real, iniciaram um processo de "hegemonização" interna da opção pelo socialismo democrático - a democracia não mais como um instrumento de chegada ao poder e imposição da "ditadura do proletariado", mas como objetivo. Não mais um meio, mas um fim.

Em segundo lugar, porque os sindicalistas que fazia parte da experiência de fundação de um partido de esquerda de massas não se incorporaram como coadjuvantes do processo. Aliás, a experiência de mobilização dos setores tradicionalmente representados pela esquerda do espectro partidário, os trabalhadores do setor industrial em especial, dava protagonismo a esses atores políticos mais forjados na prática do que em grandes debates teóricos.

A dinâmica interna do PT incorporou esses dois setores em igualdade de condições. Essa era a condição para que um líder como Lula não fosse engolido pelo processo, ou que um líder como Lula engolisse os grupos políticos que dependiam da habilidade do metalúrgico para mobilizar grandes massas.

Praticamente toda a primeira década do partido foi marcada por uma dinâmica interna de luta pelo poder que tendeu à radicalização. Isso manteve o partido isolado, o que seria mortal para uma organização política em início de carreira, mas o isolamento teve outro efeito, o de fixar no eleitor a identidade do partido. A estratégia camicaze de lançar candidatos para perder serviu ao seu propósito. E uma identidade forte de um líder carismático ajudou esse processo, num país sem tradição de partidos ideológicos. No final da primeira década, o PT era a opção obrigatória para alianças com os pequenos partidos de esquerda. Uma coesão parlamentar contraditoriamente fundada na divisão interna - a obrigação de defesa das posições da maioria - tornou o partido também o centro do bloco da esquerda parlamentar, para desespero da esquerda tradicional.

A primeira eleição de Lula, em 2002, foi a confirmação de uma liderança sobre os demais partidos de esquerda que já era exercida na prática. A grave crise interna de 2005, decorrente do chamado Mensalão do PT, foi um momento de declínio dessa liderança - por alguns meses, durante o período mais agressivo de CPIs e denúncias, a combinação de organicidade tecida na luta interna e liderança que fazia a conversa ideológica com setores de baixa renda ruiu e teria levado junto a hegemonia do PT, se houvesse algum partido de esquerda com condições de assumir o seu lugar. O PPS, principal adversário do "hegemonismo" petista, aproximou-se tanto do PSDB que tornou impossível a diferenciação entre um e outro. PSB e PCdoB tomaram a decisão tática de alinhamento com o PT contra a ofensiva de setores conservadores, mas não tinham nem lideranças tão grandes quanto Lula, nem massas, para assumirem uma posição privilegiada nessa aliança. O P-SOL se desprendeu do PT e tentou voo solo. O recente racha na minúscula legenda, em torno de uma candidatura presidencial, mostra que ainda está longe de ser um partido.

O PSB cresce no vácuo, como opção à polarização PT/PSDB, e tem se aproveitado disso, nos moldes de um partido de formação tradicional. Ciro Gomes foi o integrante do partido que mais entendeu que isso não bastava. A insistência do deputado de formular um projeto para o Brasil utilizando o partido - foi um trabalho quase solitário, mas articulado com as direções estaduais - é um reconhecimento de que a legenda, para ter vida própria, precisa de alguma organicidade ideológica, além de líderes com potencial inegável, como o próprio Ciro e o presidente do partido, Eduardo Campos. Ciro não prima pela habilidade, é certo, mas conseguiu, por algum tempo, colocar a disputa pela hegemonia do campo de esquerda dentro do foco programático. O parlamentar tentou colocar na agenda o debate sobre o alto preço exigido pelo presidencialismo de coalizão brasileiro e quebrar o falso consenso em torno de uma política monetária que foi descolada do debate político pela adesão aos ditames do neoliberalismo, nos governos FHC, e pelas pressões intensas do mercado financeiro sobre o PT (e sobre ele próprio, que era candidato do PPS) nas eleições de 2002.

Não conseguiu romper o impasse entre afrontar a hegemonia do PT ou garantir ao PSB o apoio do partido hegemônico do bloco de esquerda para crescer como os partidos tradicionais. O PSB fez a segunda opção.



Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Entre Lula e Ciro:: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lula simplesmente preferiu nem conversar com Ciro e estimulou o bota-fora de sua candidatura pelo PSB

A retirada de Ciro Gomes da disputa pela Presidência obteve a repercussão que faltou à entrada, mas o que se passou entre os dois extremos, e determinou o desfecho, não ficou esclarecido. Apesar das indicações de que a relação política e pessoal entre Lula e Ciro acompanhou o percurso da candidatura pretendida, o que sugeria haver no caso mais do que uma ambição individual. Algo relativo ao próprio processo sucessório.

Algumas partes desse algo já se oferecem como esclarecimento preliminar. Partes que se iniciam com o propósito de Lula de ver Ciro Gomes -"um companheiro em quem tenho absoluta confiança"- com seu domicílio eleitoral transferido para São Paulo e candidato ao governo paulista. Ciro não aderiu com entusiasmo à perspectiva paulista, embora natural de São Paulo, mas fez a transferência de domicílio. A ideia não se restringia forçosamente a essa candidatura.

Lula entrara no processo sucessório com dois problemas ásperos. Se, no PT, parecia-lhe só haver Dilma Rousseff para atender às condições de sua preferência, também lhe faltava alternativa para a eventualidade de que ela, por qualquer motivo, não se adequasse à candidatura ou à campanha. Além disso, havia (e ainda há) a problemática escolha do vice, cuja destinação natural para o PMDB não era (e não é) do agrado de Lula. Também aí seria conveniente dispor de alternativa.

Ciro Gomes tem um potencial eleitoral interessante, quase misterioso. Mesmo desaparecido do noticiário e de eventos políticos por mais de três anos, desde as primeiras pesquisas públicas, nessa nova sucessão, figurou com bons percentuais. Ocupou o segundo lugar antes que Lula acelerasse a exposição de Dilma como candidata insinuada. No terceiro lugar, e ainda sem fazer "pré"-campanha, seus percentuais expressaram numerosa quantidade de votos. As pesquisas anteriores do governo não deixariam de indicar a Lula o potencial do seu ex-ministro.

As menções de Lula à candidatura de Ciro ao governo de São Paulo já prestavam o serviço, muito necessário àquela altura, de desanuviar as desconfianças quanto a seus reais projetos para a sucessão e, em particular, quanto à candidatura de Dilma. O bom entendimento de Lula e Ciro, tantas vezes citado e exibido em encontros periódicos, abria uma das frentes da desconfiança. E, no caso de efetivar-se, a candidatura paulista de Ciro lhe ofereceria uma projeção muito útil, para a eventualidade de se tornar candidato à sucessão presidencial.

Com o serviço adicional de resolver os embaraços de Lula entre os petistas pretendentes a suceder José Serra.

A partir dessa altura, dois fatos se misturaram em um só resultado. Quando Aloizio Mercadante fez de público sua renúncia ética à liderança do governo no Senado, Lula salvou-se desse fato desmoralizador com o que o próprio Mercadante, no seu recuo, disse ser "um apelo a que não podia recusar". Não se esclareceu o que Lula lhe disse, mas consta, com imensa probabilidade de acerto, haver sido a necessidade de tê-lo como candidato ao governo de São Paulo. O que Mercadante sempre quis e Lula jamais quis. Cada qual abriu mão de si mesmo. E Ciro, de sua parte, informado ou não da concessão feita por Lula para contornar o desastre, fixou-se na ideia da candidatura à Presidência como compatível com as diferentes perspectivas anteriores.

Do ponto de vista de Ciro Gomes, Dilma Rousseff não é uma candidatura consolidada. Continuar candidato, e trabalhando como tal, seria a tática correta para acompanhar o encaminhamento, em qualquer sentido, da disputa sucessória. Mas o PSB tem seu lado de PMDB, com o governador pernambucano querendo aderir logo ao bloco de Lula, e outros dirigentes de olho nos altos cargos atuais e futuros. Lula, por sua vez, simplesmente preferiu nem conversar com Ciro e, também consta, estimulou o bota-fora de sua candidatura pelos dirigentes do PSB.

Não é muito certo que o episódio termine aí, mas já houve o bastante para explicar parte da ira de Ciro Gomes.

Gabeira diz que chegou a acordo com Maia no Rio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O deputado e pré-candidato do PV ao governo do Estado disse que o ex-prefeito Cesar Maia (DEM) será o candidato ao Senado na chapa composta por PSDB, DEM, PPS e PV.

A outra vaga para o Senado ficará com Aspásia Camargo (PV). A reunião para oficializar a chapa deve acontecer na próxima segunda.

O Estado era apontado como um dos mais problemáticos para um palanque viável para Serra, pré-candidato à Presidência. Ontem, Maia disse em seu blog que conta com o apoio do PV.

Aécio diz que pode intermediar aliança de Serra com o PP

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dornelles é citado como possível plano B no caso de o ex-governador de Minas não aceitar posto de vice do tucano

Aécio nega ter tratado do assunto com senador, mas diz que, se incumbido, pode articular negociação; PP está dividido entre PSDB e PT

BRENO COSTA
ENVIADO ESPECIAL A UBERLÂNDIA (MG)
GABRIELA GUERREIRO
RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) se disse à disposição, ontem, para intermediar uma aproximação entre a campanha de José Serra à Presidência e o senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Aécio é primo de Dornelles, que é citado entre os tucanos como um eventual plano B no caso de efetiva recusa do próprio Aécio Neves em aceitar o posto de vice na chapa de Serra.Aliado do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PP está dividido sobre o apoio a Dilma Rousseff (PT) em outubro.

Apesar de negar que trata do assunto em conversas que mantém com Dornelles, Aécio disse que, se incumbido pelo partido de articular algo nesse sentido, estará disponível.

"Não é minha missão [intermediar uma aproximação com Dornelles]. No dia em que me delegarem alguma missão para ajudar, eu estarei à disposição. Mas essa não é uma missão minha. Hoje é uma responsabilidade do candidato e da coligação", disse Aécio.

A Folha apurou com tucanos que a ideia é deixar o assunto em banho-maria até junho, como forma de evitar um contra-ataque do governo federal. O PP hoje controla o Ministério das Cidades, e a cúpula do partido admite que o embarque na candidatura petista não tem maioria entre seus membros.

A Executiva Nacional do PP, reunida ontem, fixou o final de maio como prazo para que os diretórios regionais apresentem relatório com detalhes sobre os impasses numa eventual aliança com PT ou PSDB. "Queremos que tragam os problemas de alianças para decidir", disse Dornelles.

No início do ano, a maioria da legenda era favorável à coligação com Dilma. Agora, integrantes do PP estimam que um terço dos seus filiados apoie a aliança com o PT, enquanto outro terço se mostra favorável a Serra. O resto do partido se posiciona pela neutralidade, dando liberdade aos Estados para decidir as suas coligações.

Deputados do PP admitiram que o convite para uma eventual chapa com Serra pode influenciar na decisão do partido, mas a ala governista insiste que a aliança com Dilma ainda pode crescer até outubro.

A Folha apurou que, durante a reunião, o deputado Nelson Meurer (PP-PR) tentou aprovar uma moção declarando que o PP não aceitaria nenhum convite para a Vice-Presidência. A proposta foi rechaçada pela maioria dos integrantes da Executiva, que nos bastidores aguarda o convite formal do PSDB, para então se decidir.

Serra

Aécio, pré-candidato ao Senado, participou, ao lado de Serra e do governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), do Encontro de Lideranças do Triângulo, em Uberlândia.

Cerca de 500 pessoas compareceram ao evento, que funcionou como extensão da cerimônia que lançou a pré-candidatura de Serra em MG, na semana passada, em Belo Horizonte. A exemplo de BH, Serra recebeu uma lista de reivindicações produzida por cerca de 40 prefeitos da região.

Na prática, o evento serviu para exaltar a candidatura de Serra e de Anastasia, com a intermediação de Aécio, dono de alta aprovação no Estado. Serra foi chamado por Aécio, pelo presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia, e pelo prefeito de Uberlândia, Odelmo Leão (PP), de "futuro presidente".

O apoio a Serra chegou a ser diretamente estimulado por Aécio, em seu discurso.

Chávez ''vota'' em Dilma e ataca FHC

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Indagado pelos jornalistas sobre quando deixará presidência, contudo, ele diz não ter "sucessor à vista nem um processo de sucessão"

Denise Chrispim Marin e Leonencio Nossa, BRASÍLIA


Sem rodeios para comentar as eleições no Brasil, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, declarou ontem que seu "coração" está com a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. A declaração, no hotel em que se hospedou, antecedeu o constrangimento no Itamaraty, horas depois, ao ser indagado sobre quando deixará o governo venezuelano.

Chávez está na presidência da Venezuela há 11 anos e, depois de muito tergiversar, mostrou-se espantado com o fato de a pergunta ter sido resultado de consenso entre os jornalistas brasileiros. Alegou, então, que o rei da Espanha tem um cargo "vitalício" e seu primeiro-ministro pode se reeleger indefinidamente. O rei Juan Carlos de Bourbon foi justamente o chefe de Estado a cortar abruptamente as críticas de Chávez ao governo espanhol, na Cúpula Ibero-Americana do Chile, em 2007. "Por que você não se cala?", cobrou Juan Carlos de Chávez na ocasião.

"Não tenho previsto isso (deixar o poder). Não tenho sucessor à vista no momento nem um processo de sucessão", afirmou Chávez ontem, quando lembrado de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com cerca de 80% de aprovação popular, vai deixar o governo ao fim deste ano.

Com um exemplar de bolso da Constituição venezuelana na mão, o presidente da Venezuela alegou que a Carta prevê eleição presidencial em seu país apenas para dezembro de 2012 e sua legenda, o Partido Socialista Único de Venezuela (PSUV), ainda não escolheu o candidato. Em uma tentativa de confirmar a existência de um quadro democrático em seu país, Chávez mencionou ter havido 11 eleições desde sua posse, em 1999. Em declarações anteriores, o presidente venezuelano afirmara sua pretensão de manter-se no poder até 2020.

Pouco antes, em menção à derrubada de Chávez do poder, em 2002, Lula havia criticado duramente os protagonistas de golpes de Estado e contragolpes na América do Sul. Claramente, denotou não considerar entre esses movimentos a fracassada tentativa de golpe de Estado liderada pelo próprio Chávez contra o governo de Carlos Andrés Pérez, em 1992.

Twitter. No hotel em que se hospedara em Brasília, horas depois de ter inaugurado seu twitter, Chávez afirmou que não se pronunciaria sobre assuntos internos do Brasil, ao ser questionado sobre como ficariam as relações bilaterais em um eventual governo de José Serra (PSDB). Mas explicitou uma vez mais sua preferência por Dilma Rousseff. "Meu coração está com Dilma", disse, lançando beijos ao ar. "Mando um beijo para você, Dilma."

A atuação de palanque do presidente venezuelano foi retomada no Itamaraty. Logo depois de disparar elogios à gestão de Lula, acusou o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) de ter se subordinado aos Estados Unidos.

Alca. Insistiu que, na Cúpula das Américas de Quebec, em 2000, fora o único a levantar o braço contra as propostas americanas. Naquele encontro, contudo, Fernando Henrique havia imposto condições duras para a continuidade das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que Chávez e Lula se incumbiram de enterrar em 2005. "Olhei de lado para o presidente do Brasil, que nem se mexeu. Não podia entender como o Brasil se subordinava às pressões dos EUA", acusou o presidente da Venezuela.

PARA LEMBRAR

Venezuelano distribui apoio à esquerda latina

Hugo Chávez defendeu os candidatos da esquerda em praticamente todas as eleições presidenciais recentes na América Latina e Caribe. A lista dos eleitos com apoio de Chávez inclui Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Daniel Ortega (Nicarágua). No pleito que elegeu Christina Kirchner na Argentina, em 2007, chegou a ser acusado de fazer doações ilegais para a campanha da candidata - o que não foi provado. Na maior parte dos casos, contudo, o apoio resume-se a discursos inflamados, como ocorreu no Brasil em 2006, quando declarou apoio à reeleição de Lula.

Serra diz que, se eleito, mudará estrutura do governo

DEU EM O GLOBO

Tucano pretende criar ministério da segurança e de deficientes e acabar com Portos e Assuntos Estratégicos

Marcelo Portela - Enviado especial

UBERLÂNDIA (MG). Dois dias depois de anunciar que, caso eleito, pretende criar o Ministério da Segurança, o pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, criticou a atual estrutura do governo federal e prometeu alterá-la se vencer as eleições.

Em visita a Uberlândia, no Triângulo Mineiro, ele afirmou também que vai extinguir outras pastas, citando a Secretaria Especial de Portos e a Secretaria de Assuntos Estratégicos: — São assuntos importantes, como a questão dos portos, mas não merecem um ministério.

Não têm sentido.

Para Serra, o Ministério da Justiça, ao qual a Polícia Federal está subordinada, não deve cuidar de assuntos policiais, como defendeu sua principal adversária, a petista Dilma Rousseff.

— Vamos fazer o Ministério Nacional da Segurança Pública não só para dar nome.

É para especializar.

O Ministério da Justiça vai voltar a ser como antigam e n t e , c o m um ministro forte na área jurídica. O ministro da Justiça não vai lidar com polícia.

A “especialização”, segundo ele, ocorreria principalmente com investimento na PF para a instituição intensificar o combate ao tráfico de entorpecentes e ao contrabando de armas.

Em discurso para cerca de 300 prefeitos, vereadores e políticos da região do Triângulo, na Associação do Comércio e da Indústria de Uberlândia (Aciub), Serra também atacou o governo Lula ao defender a criação do Ministério da Pessoa Portadora de Deficiência que, disse, faz parte de seu programa de governo. Ele informou que a pasta será responsável pela criação de políticas públicas que garantam a acessibilidade de portadores de deficiência a serviços essenciais: — Mais de 20 de milhões de pessoas são deixadas de lado.

Não há política do governo federal.

Ao lado do ex-governador Aécio Neves e do atual, Antônio Anastasia, o presidenciável tucano exibiu afinação no discurso voltado à região. Disse que, se eleito, vai levar o gasoduto de São Carlos (SP) até Uberlândia, prometeu melhorias em estradas na região e afirmou que pretende fazer um aeroporto internacional no município.

Princípio
A PROPOSTA do candidato tucano, José Serra, de criação de um ministério da segurança pública recoloca em discussão o tamanho ideal do primeiro escalão do governo.

ELE DEVE ser estabelecido em função das reais necessidades da administração pública, diante das carências da sociedade.

E NÃO decorrente de pressões para o governo abrigar apaniguados políticos na conta do contribuinte, a fim de acomodar, de forma clientelista, alianças partidárias. Infelizmente, é o que tem sido feito.

Chavez: 'Meu coração está com Dilma'

DEU EM O GLOBO

Chávez volta a defender vitória da pré-candidata petista

BRASÍLIA. Em pouco menos de oito horas no Brasil, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, voltou a dizer que torce pela pré-candidata petista, Dilma Rousseff e evitou comentar uma eventual vitória do tucano José Serra nas eleições.

Minutos antes de se encontrar com o presidente Lula, que o aguardava no Itamaraty, Chávez disse que Dilma é a candidata do seu coração e mandou beijos para a petista.

— Meu coração está com Dilma — disse Chávez, na porta do hotel, lançando em seguida um beijo no ar: — Um beijo, Dilma.

Esta não foi a primeira vez que Chávez declarou apoio à pré-candidata petista. O presidente venezuelano tem repetido que a ex-ministra é sua amiga e que eles têm empatia.

Mais tarde, após ouvir Lula defender a democracia na América Latina, Chávez disse não saber quando deixará o poder.

— Quando eu vou entregar (a Presidência), eu não sei — afirmou ao responder a pergunta de jornalistas brasileiros.

As eleições presidenciais na Venezuela estão previstas para dezembro de 2012, mas Chávez disse que ainda não está definido se será ou não candidato. Ele disse que nos últimos dez anos passou por 11 eleições e se prepara para a próxima, do parlamento venezuelano, este ano. Afirmou que, mesmo assim, Lula foi criticado por apoiar “o ditador Chávez, o tirano Chávez”.

Chávez disse que Lula deixará a Presidência, em dezembro deste ano, porque assim determina a Constituição. Segundo ele, é preciso respeitar as particularidades de cada país e a soberania popular: — Quando vou entregar a meu sucessor? Não está previsto. Não tenho sucessor neste momento à vista. Não está prevista sucessão no curto prazo na Venezuela.

Não está prevista na Constituição, que é a vontade do povo.

Dilma fica sem apoio do PP e ganha o de Chávez

DEU EM O GLOBO

Executiva do partido decide não apoiar agora a petista, deixando sua posição final para junho

A pré-candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, corre o risco de perder um minuto e 36 segundos no horário eleitoral na TV caso o PP não formalize aliança com o PT, como indicou ontem. A Executiva nacional do partido se reuniu e não anunciou apoio à petista, adiando a decisão final para junho. Dilma, porém, obteve o apoio do presidente da Venezuela: “Meu coração está com Dilma”, disse Hugo Chávez, antes de se reunir com o presidente Lula.


PP não anuncia apoio a Dilma e adia decisão para convenção de junho

Se partido não fizer coligação, petista perde tempo na propaganda na TV

Maria Lima e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. Assediados por tucanos e petistas, os integrantes da Executiva nacional do PP se reuniram ontem em Brasília e não anunciaram apoio à précandidata petista, Dilma Rousseff, decidindo jogar para a convenção de junho a decisão de manifestar ou não apoio a um candidato à Presidência.

Embora faça parte da base governista, o partido tende a ficar neutro, como nas três últimas eleições presidenciais. A não ser que consulta aos diretórios estaduais indique a conveniência de formalizar uma coligação nacional. Se a aliança nacional não for aprovada, Dilma Rousseff pode perder um minuto e 36 segundos no horário eleitoral na TV.

— Queremos priorizar os estados, dar liberdade aos nossos candidatos para fazerem alianças com total liberdade, com base nas melhores composições regionais — explicou o vice-presidente do PP, deputado Ricardo Barros (PPPR), já dando como certa a neutralidade.

Mas o presidente do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), esclareceu que não há essa decisão ainda. Ele disse que pediu aos dirigentes dos 27 diretórios que se manifestem, até 15 de maio, sobre a questão: — Cada diretório vai ficar livre para fazer as alianças que achar melhor. Nessa consulta, se a maioria achar que devemos fechar uma aliança nacional, vamos levar isso para a convenção de junho.

“Não apostem nisso”, diz Dornelles sobre a vice

Primo de Aécio Neves, Dornelles (RJ) tem sido apontado como um plano B da oposição para ocupar a vaga de vice na chapa de José Serra (PSDB). Dornelles não negou que tem conversado com Aécio, mas disse que ninguém deve apostar na hipótese de ele ser vice: — O Aécio não está conversando só comigo. Ele está conversando com todo mundo.

Não apostem nisso — desconversou Dorneles.

A coordenação da campanha de Dilma, procurada, não se manifestou sobre a posição do PP.

Em visita ao Triângulo Mineiro com Serra, o ex-governador Aécio Neves voltou a descartar a possibilidade de ser vice e confirmou que mantém conversas com Dornelles. Mas Serra disse que não há nada definido ainda.

— Dornelles é meu amigo e um homem preparadíssimo, mas ainda não há encaminhado — afirmou o tucano.

Pouco antes da chegada de Serra, Aécio e Anastasia, servidores estaduais da Educação, que estão em greve há 20 dias, entraram em confronto com militantes do PSDB.

Campanha ao lado de Aécio

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Em visita ao Triângulo Mineiro, ex-governador de Minas Gerais promete viajar com Serra pelo estado e pelo país. Lideranças do PP regional anunciam que estarão no palanque do tucano

Alana Rizzo - Enviada especial

Uberlândia (MG) — A troca de afagos entre o pré-candidato à Presidência José Serra e o ex-governador mineiro Aécio Neves deixa claro que o PSDB não quer correr o risco de perder a disputa no segundo colégio eleitoral do país. Durante a passagem do presidenciável pela região mais paulista de Minas, os dois não se descolaram. Logo que Aécio chegou na cidade, 15 minutos depois de Serra, os ex-governadores foram para uma sala ainda no aeroporto e tiveram uma conversa reservada de cinco minutos. Aécio prometeu reforçar a campanha do ex-governador paulista no estado e no país. Garantiu que vai viajar com o pré-candidato depois de uns dias de “férias”. A agenda ainda não está fechada.

“A força da sua juventude será fundamental para a nossa caminhada”, disse Serra. Ele elogiou também o talento do mineiro para escolher a equipe de trabalho, agradando, por tabela, o atual governador Antônio Anastasia, que era vice do tucano. O paulista ainda brincou do “conceito” de Aécio com as mulheres. “Muitas me pediram para dizer a ele que tirasse a barba”. Serra não pediu, mas o ex-governador mineiro apareceu de visual novo: sem barba, bronzeado e com os cabelos mais claros.

Desde que prometeu entrar de cabeça na campanha de Serra e viajar por Minas, esta é a primeira vez que o ex-governador mineiro colocou mesmo pé na estrada. O apoio do mineiro é essencial para a campanha do partido. Segundo aliados, Aécio deve ser o fiel da balança na região. Em 2002, a votação de Serra não foi tão expressiva. Teve, no primeiro turno, 17,9% dos votos. Contra 55,6% do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No segundo turno, ficou com 29,2% e Lula, 70%. “Em 2002, existia um nome chamado Lula”, disse Aécio Neves, que foi eleito na região do Triângulo Mineiro com 72,9% dos votos.

O ex-governador mineiro, entretanto, negou a possibilidade de ser vice na chapa e afirmou que este assunto será debatido pela coligação. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que é primo de Aécio, está cogitado para ocupar a vaga de vice. O partido integra a base aliada do governo Lula, que está rachado com relação ao apoio a Dilma Rousseff, pré-candidata do PT ao Palácio do Planalto.

Em Uberlândia, o prefeito da cidade, Odelmo Leão, que já foi líder do PP na Câmara dos Deputados, e o presidente da Assembleia Legislativa de Minas, Alberto Pinto Coelho, cotado para vice na chapa do governador de Minas, Antonio Anastasia, garantiram que vão fazer campanha para o tucano no estado. Os dois acompanharam a comitiva de Serra na cidade. Ao lado de prefeitos, deputados estaduais e federais, o pré-candidato participou de um encontro na associação comercial. Do lado de fora do prédio, servidores da educação que estão em greve no estado protestaram e acabaram se enfrentando com a claque tucana. A comitiva entrou por outra porta e não viu a manifestação. Durante o encontro, militantes gritavam e batucavam o tempo todo “Serra, presidente, e Anastasia, governador”. Um jingle ecoava “Minas pode mais” e o “Triângulo pode mais”, em referência ao mote de Serra: “o Brasil pode mais”.

Em seu discurso de quase meia hora, Serra destacou lideranças locais e chegou a comparar o Triângulo Mineiro ao interior europeu. Mais uma vez, rasgou elogios a Aécio, a quem atribuiu os bons índices da região. “Isso é que é governar direito. Você nivela por cima.” Segundo ele, a região vai “decolar como um foguete”. Ontem, Serra deixou um pouco de lado o discurso do passado, em que contava seus feitos no Ministério da Saúde. Falou mais da sua experiência como prefeito da maior cidade do país.

Ministérios

Serra reforçou sua proposta de criação de novos ministérios. Nos últimos dias, o tucano vem batendo na tecla da necessidade de ter uma pasta específica para tratar de Segurança Pública. A pré-candidata do PT, Dilma Rousseff, criticou o projeto e disse que a medida vai inchar a máquina. Em resposta, Serra disse que, se eleito, iria acabar com algumas secretarias que ganharam status de ministério no governo Lula como a dos portos e de Assuntos Estratégicos. Serra prometeu também uma pasta para tratar dos portadores de deficiência.

O presidente do DEM, deputado federal Rodrigo Maia, também atacou o governo. “As diferenças já começaram a aparecer. Queremos um Brasil servindo aos brasileiros. O PT um Brasil servindo ao partido”, disse. O presidente do PPS, deputado Roberto Freire, também participou da visita ao Triângulo Mineiro. Serra ouviu o tradicional “chororô” de prefeitos. Ouviu reclamações, lamentações e pedidos de obras. Por conta de uma reunião da Associação Mineira de Municípios que estava marcada para ontem também, cerca de 40 prefeitos participaram do encontro. O tucano foi cobrado a rever o pacto federativo e garantir a reforma tributária. Porém, as promessas para a região foram outras: o gasoduto e a transformação do aeroporto da cidade em internacional.

Atraso

O pré-candidato do PSDB à Presidência, José Serra, chegou a Uberlândia por volta das 14h30. Ele foi recebido por lideranças da região e ficou esperando o ex-governador de Minas Aécio Neves chegar à cidade. “Aécio sempre brinca que ficava me esperando. Agora, eu sou o Serra pontual e ele está atrasado”. Serra comemorou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de derrubar a patente do Viagra. Para ele, o genérico vai agradar muita gente.

Para saber mais

Uma região bem rica
Com uma população em torno de 1,5 milhão de habitantes, o Triângulo Mineiro tem Uberlândia, Uberaba e Araguari como as principais cidades. É uma das regiões mais ricas de Minas Gerais, com a economia voltada para a distribuição. As principais indústrias ali instaladas relacionam-se aos setores de processamento de alimentos e madeira, açúcar e álcool, fumo e fertilizantes. Uberlândia, a maior cidade da região, com 634 mil moradores, é comandada pelo PP. O prefeito é Odelmo Leão. Já Uberaba (296 mil habitantes) e Araguari (111 mil habitantes) têm prefeitos do PMDB, Anderson Adauto e Marcos Coelho de Carvalho.

Ciro Gomes

Serra não quis comentar a decisão do PSB de retirar a candidatura de Ciro Gomes. Já Aécio fez questão de demonstrar insatisfação como afastamento do deputado federal da disputa pela Presidência. Ele disse que Ciro é preparado e que quem perde é a política brasileira, que terá uma eleição polarizada. Aécio disse que pretende conversar com Ciro para saber a possibilidade de, no futuro, estejam juntos”.

Relator vota pela Lei da Anistia

DEU EM O GLOBO

Eros Grau defende manutenção do texto, assim como AGU e MP; julgamento continua hoje

Carolina Brígido

BRASÍLIA - O ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem pela manutenção da Lei da Anistia, que, em 1979, beneficiou tanto autoridades como militantes da oposição que cometeram crimes durante a ditadura militar. Como relator, ele deu o primeiro voto do julgamento, que deverá ser concluído hoje. Se a maioria da Corte concordar com Eros Grau — como tende a acontecer neste caso —, continuará vedada a possibilidade de processar torturadores.

A mesma regra vale para quem lutou contra o regime militar.

Eros, que foi preso e torturado nos porões do DOI-Codi, ressaltou a importância da anistia como marco político fundamental para a restituição da democracia no país. O ministro, no entanto, ponderou que anistia não significa esquecimento ou perdão aos crimes cometidos contra os direitos humanos. Ele defendeu que, para fechar essa ferida histórica, sejam liberados os arquivos da ditadura. Eros citou uma poesia do uruguaio Mario Benedetti. E concluiu, emocionado: — Há coisas que não podem ser esquecidas. É necessário não esquecermos, para que nunca mais as coisas voltem a ser como no passado.

Segundo o relator, a lei não pode ser julgada com os parâmetros atuais, e sim com a lógica da época. Ele argumentou que a lei foi necessária para garantir uma transição pacífica para a democracia. E que foi amplamente negociada entre políticos da situação e a sociedade civil — com a participação, inclusive, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da ação que hoje questiona a lei.

— Os subversivos obtiveram a anistia às custas dessa amplitude. Era ceder e sobreviver ou não ceder e continuar a viver em angústia. Em alguns casos, nem mesmo viver. Quando se deseja negar o acordo político que efetivamente existiu, resultam fustigados os que se manifestaram politicamente em nome dos subversivos. Inclusive a OAB — disse o ministro. — O que se deseja agora? Que a transição tivesse sido feita, um dia, posteriormente ao momento daquele acordo, com sangue e lágrimas, com violência? Todos desejavam que fosse sem violência, estávamos fartos de violência!

Marco Aurélio e Gilmar elogiam voto

No voto, Eros concorda com o argumento da OAB de que a anistia não foi ampla, pois beneficiou torturadores, mas excluiu militantes que haviam sido condenados pelos tribunais militares. No entanto, o ministro ressaltou que esse acordo era o único possível à época.

— A Lei da Anistia veicula uma decisão política naquele momento, o momento da transição conciliada de 1979, assumida. (A lei) não é uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada.

O ministro também refutou o argumento da OAB de que a anistia não poderia ter sido concedida porque nunca foram identificados todos os agentes da ditadura: — A anistia liga-se a fatos, não estando direcionada a pessoas determinadas.

É mesmo para ser concedida a pessoas indeterminadas, que também foi contrário ao argumento de que a Lei da Anistia viola princípios da Constituição de 1988.

Após o voto, os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello elogiaram o relator. Eles defendem a lei como marco da redemocratização. Mudála agora, portanto, poderia causar instabilidade. Mesmo com a lei revista, seria difícil punir os agentes. No Brasil, o crime com prescrição mais longa é o homicídio: 20 anos.

O principal argumento da OAB é o de que o artigo 5oda Constituição estabelece crimes hediondos — tortura, inclusive — como práticas insuscetíveis de anistia. Antes de começar o julgamento, manifestantes protestaram do lado de fora do STF.

Bravatas de Lula e o leilão de Belo Monte:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Para ter êxito no leilão de Belo Monte, o governo usou os mesmos instrumentos que condenava quando estava na oposição a FHC

O RESULTADO final do leilão da concessão da hidrelétrica de Belo Monte permite avaliação profunda dos chamados anos Lula.

Nesse ato do Executivo estão presentes questões políticas, administrativas e, principalmente, de comportamento ético e moral que precisam ser devidamente entendidas. A mídia centrou sua cobertura nos detalhes técnicos mais pontuais, como a questão ambiental, a questão financeira e a questão de viabilidade técnica da concessão.

Na esteira do debate que vai se seguir, certamente estarão presentes reflexões de natureza mais abrangente. Essa é a dinâmica natural em uma democracia aberta, como a brasileira. É com esse objetivo que escrevo hoje sobre o leilão de Belo Monte. Por ter participado como ator do processo de privatizações no governo FHC, creio ter uma contribuição muito particular na avaliação da ação do governo no caso de Belo Monte.

Durante mais de dez anos estive envolvido em uma série de procedimentos -no nível administrativo do Tribunal de Contas da União e no legal em vários níveis da Justiça brasileira- em relação às regras que a Constituição brasileira estabelece no caso da alienação de bens públicos, e meus comentários a seguir nascem exatamente desse caráter especial de minha relação com as privatizações.

O que mais chama a atenção neste caso é que, na busca de realizar com êxito o leilão de Belo Monte, o governo usou os mesmos instrumentos operacionais que condenava quando estava na oposição ao governo FHC.

Interferiu diretamente na formação dos consórcios, manipulando o comportamento dos fundos de pensão públicos, pressionando empresas privadas como a Vale para participar da licitação e até colocou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) como agente ativo do processo.

Foi ainda mais longe em sua ação para viabilizar o leilão: deu isenção de 75% do Imposto de Renda para o empreendimento e mandou o BNDES financiar 80% do valor do investimento.

O leitor da Folha precisa saber que, nas normas operacionais do BNDES, o valor do financiamento de qualquer projeto pode chegar no máximo a 60% do total.

Quando Lula e o PT usavam -como confessou mais tarde nosso presidente- bravatas para pressionar o governo tucano, todas essas ações eram apontadas como um crime contra a Constituição.

Alguns juristas engajados na luta política da oposição de então nos acusaram -publicamente- de estarmos quebrando o princípio da impessoalidade ao agir de tal forma. Segundo eles, o governo tinha que ser isento, deixando que os interessados no processo agissem de forma totalmente livre. Aliás, foi a partir desse entendimento legal que vários procuradores federais iniciaram processos judiciais contra nós.

E agora, como caracterizar esse arsenal de ações do governo para viabilizar a concessão de Belo Monte? Onde estão os juristas que foram a público acusar de maneira incisiva os ilícitos cometidos pelos membros do governo FHC responsáveis pelas privatizações? Terão eles a mesma leitura de Antonio Gramsci, de que, no caso de um governo popular, todas as ações na busca do poder político em nome do povo são justificáveis?

Vou ainda mais longe nos meus questionamentos: será que, após executarem as mesmas ações que condenavam no caso de FHC, vão os petistas trazer novamente as denúncias contra as privatizações tucanas nas eleições que se aproximam? Vão ainda falar na privataria tucana?

Os responsáveis pela realização do leilão de Belo Monte não correm, todavia, os riscos de serem processados na Justiça como fomos nós em 1998.

Recentemente, o Tribunal Regional Federal de Brasília confirmou -por unanimidade de seus membros - a decisão da Justiça Federal de primeira instância que considerou absolutamente legais os procedimentos adotados pelo BNDES na privatização da Telebrás em 1998. Temos agora uma jurisprudência formada sobre como deve proceder o administrador público em casos como o leilão de Belo Monte.

A tese de quebra do princípio da impessoalidade, levantada pelos juristas petistas em 1998, não passou de uma justificativa muito pobre e oportunista para permitir a luta política contra o governo Fernando Henrique Cardoso. Que a opinião pública seja mais uma vez lembrada disso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro de produção pela USP e doutor em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é colunista da Folha e economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique).

A política da eurozona:: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

União Europeia fracassa ao cuidar de sua união monetária e política; EUA souberam cuidar melhor de seu quintal

Os Países que adotaram a moeda única europeia, a eurozona, andam mesmo a merecer tal nome, que soa algo ridículo a brasileiros. Há um país-bomba a estourar no seu quintal, na Grécia, ou no seu litoral, os países do Mediterrâneo. Mas a União Europeia brinca com fogo e desmancha seu prestígio político-econômico em banho-maria, mas com vazamento de gás na cozinha.

Faz meses, pelo menos desde outubro, não consegue decidir o que fazer da Grécia. Desde o início do ano, não sabe se, quanto e quando vai emprestar ao governo grego de modo a evitar um calote. A atitude dos Estados Unidos em relação à crise brasileira de 1998 serve para dar uma dimensão do vexame europeu.

Os países da eurozona têm uma moeda comum e, pois, um único Banco Central. Têm um protogoverno, disfuncional, mas têm. Compartilham códigos de leis, parte de suas polícias, diplomacia e têm um embrião de forças armadas continentais. Mas não tomam decisões sobre uma crise que, mais que afetar um Estado-membro, a Grécia, desacredita sua moeda e sua coesão política, pode aprofundar a recessão no Sul do continente e mesmo trumbicar bancos franceses e alemães.

No final de 1998, o Brasil era apenas um sócio muito menor da Terceira Via do então presidente Bill Clinton. Decerto era um risco relevante para a estabilidade das finanças ocidentais, abalada pelas crises asiática e russa. Era também um risco político, na verdade ideológico.

Ou seja, de que mais um país adepto da abertura econômica fosse à breca, maculando ainda mais a fantasia da globalização feliz e a da "nova arquitetura financeira internacional".Porém, assim que ficou evidente o risco de o Brasil ir à breca, de 98-99 e, outra vez, em 2002, então já sob George Bush filho, os Estados Unidos puseram o seu Fundo Monetário Internacional para trabalhar e ainda deram apoio financeiro.

No caso europeu, apenas agora, aos 40 minutos do segundo tempo, a Alemanha acorda para a iminência de ter de costurar com o FMI e com os franceses um pacote que vai custar o triplo do remendo originalmente imaginado para o caso grego.

Na semana passada, quando a Grécia pediu água, falava-se de 45 bilhões, cerca de US$ 60 bilhões ou R$ 105 bilhões. Segundo parlamentares alemães, o FMI estaria avaliando agora a necessidade de emprestar entre 100 bilhões e 120 bilhões. Ou seja, de US$ 132 bilhões a US$ 158 bilhões, o equivalente ontem a cerca de R$ 232 bilhões a cerca de R$ 278 bilhões.

É dinheiro para três anos, em tese o suficiente para cobrir todas as necessidades de financiamento do governo grego nesse período. A Grécia estaria, por um lado, livre de se financiar no mercado. Mas seria um protetorado financeiro.

O rolo não acaba aí. Virão três ou quatro anos de estagnação econômica ou coisa pior. O aperto grego, se não sua falência, vai contaminar Portugal, Espanha e Itália, que passarão por apertos duros também.

Qual será o resultado político-social disso? Ainda é mistério. Assim como é misterioso o fato de a crise grega não ter afetado com força os mercados financeiros internacionais. Mesmo com risco de alguma crise bancária na Europa.

Juro sobe 0,75, após 19 meses

DEU EM O GLOBO

Com o forte aquecimento da economia, o Banco Central elevou os juros básicos em 0,75 ponto percentual, para 9,50% ao ano, após 19 meses sem alta.
Com a decisão, unânime, o BC quer conter a inflação, que chegou a 5,41%. Para economistas, o ciclo de alta pode se estender até 2011. Fundos DI ficaram mais rentáveis que a poupança.

E os juros voltam a subir...

Com a inflação em alta, BC eleva taxa básica para 9,5% ao ano, em decisão unânime. É o 1º aumento em 19 meses

Patrícia Duarte e Bruno Villas Bôas

BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO Em meio ao forte ritmo da economia brasileira, que desencadeou uma pressão sobre a inflação, e ao estouro da crise fiscal europeia, o Banco Central (BC) deu início ontem a um novo ciclo de aperto monetário no país, ao elevar os juros básicos em 0,75 ponto percentual, para 9,50% ao ano. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) foi unânime e, apesar de uma parte do mercado projetar alta de 0,5 ponto, ficou dentro do esperado. A Taxa Selic não subia há 19 meses. Para os economistas, o movimento de alta vai continuar nos próximos encontros do BC, pelo menos até o fim do ano. Pela pesquisa semanal Focus, feita junto ao mercado pelo BC, os economistas preveem a Selic a 11,75% em dezembro, voltando a cair somente em 2011.

“Dando seguimento ao processo de ajuste das condições monetárias ao cenário prospectivo da economia, para assegurar a convergência da inflação à trajetória de metas, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a Taxa Selic para 9,50% ao ano, sem viés”, diz o comunicado emitido após o encontro, que durou três horas.

Com a alta, a taxa real brasileira passa a 4,2% ao ano, mantendo a primeira colocação entre os países com as maiores taxas do mundo. O segundo lugar é ocupado pela Indonésia, com taxa real de 3%, seguida pela China, com 2,8%.

A última vez que o BC elevara a Selic tinha sido em setembro de 2008, de 13% para 13,25%, patamar que começou a ser reduzido em janeiro do ano passado, no auge da crise internacional.

Em julho de 2009, a taxa atingiu seu piso histórico de 8,75%, que perdurou até ontem.

— A atividade econômica está de fato mais forte e o BC já havia antecipado desconforto com isso — afirmou a economista-chefe do ING, Zeina Latif.

Muitos avaliam que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) neste ano, projetado pelo mercado atualmente a 6%, está acima do potencial brasileiro de expandir-se sem gerar distorções, que seria entre 4% e 5% ao ano. Quando isso ocorre, a demanda (consumo) cresce acima da capacidade de oferta de bens da indústria e de importação da economia, favorecendo aumentos de preços. Ao elevar os juros, o BC inibe o consumo porque encarece o crédito.

As projeções para a inflação acompanham a percepção de que cada vez mais existe este descasamento. A previsão para o IPCA já chega a 5,41% em 2010 e 4,80% em 2011, ambos os números acima do centro da meta oficial do governo, de 4,5%. No caso do IGP-M, indicador que é usado para corrigir aluguéis, e do IGP-DI, os especialistas preveem altas superiores a 8% neste ano: 8,03% e 8,01%, respectivamente.

Apesar de haver razões técnicas para apertar os juros, essa reunião do Copom também foi envolvida por muitos ruídos de ordem política, talvez os mais fortes da gestão do presidente Henrique Meirelles no BC, iniciada em 2003. Não é difícil encontrar especialistas que classificam como confusa a comunicação do Copom neste momento, sobretudo a partir de março, quando o comitê resolveu manter a Selic em 8,75% apesar dos sinais de descontrole da inflação, na avaliação de parte dos analistas.

— O Copom deveria ter subido a Selic em março porque, agora, as expectativas estariam mais ancoradas — afirmou o economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles.

Pesou ainda para a desconfiança o fato de que, justamente naquele momento, Meirelles — filiado ao PMDB — estivesse decidindo se saía do BC para ser candidato ou não. Para alguns especialistas, manter a Selic em março passado pode ter tido um viés político, já que Meirelles trabalhava para se tornar candidato a vice-presidente na chapa da pré-candidata à presidência pelo PT, Dilma Rousseff.

Diante das pressões, na última terça-feira — primeiro dia da reunião do Copom — Meirelles saiu em defesa da autonomia da instituição e da primazia das avaliações técnicas.

Mas patinou, na opinião do mercado, ao dizer que o BC “não precisa provar mais nada a ninguém”.

— O BC precisa sim provar sempre para a sociedade o seu trabalho. Não existe autonomia formal que o livre dessa responsabilidade — afirmou o especialista de um grande banco.

Real valorizado e maior déficit externo

Segundo economistas, a elevação tende também a atrair mais dólares para o país, com investidores em busca de maior rentabilidade. Nesse cenário, o real ficaria ainda mais valorizado frente à moeda americana, para uma taxa próxima de R$ 1,75. Bráulio Borges, economista da LCA Consultores, explica que o real valorizado tornará mais barato importar bens e insumos, o que contribui para desacelerar a inflação. Ele acrescenta que 30% do IPCA são de produtos comercializáveis, ou seja, importados ou cotados no mercado internacional. Braulio lembra que o aumento da importação, por outro lado, pode elevar o déficit em conta corrente e pressionar o câmbio.

— O componente de incerteza sobre esse movimento vem da Europa. Se o cenário piorar em países como Grécia, Espanha e Portugal, por exemplo, o dólar vai ganhar força frente ao real e as importações voltarão a ficar caras, acelerando a inflação — explica.

Luis Otávio Leal, do banco ABC Brasil, lembra que em um cenário de crescimento acelerado, os repasses de preços são maiores, já que os estoques rapidamente são substituídos: — Precisamos ver a cara dessa nova crise, mas uma piora pode acelerar a inflação aqui e obrigar um ciclo de ajuste maior na Selic.

Para Alexandre Póvoa, da Modal Asset, o aumento de 0,75 ponto percentual na Selic foi um “bom primeiro passo” do início do ciclo de aumento dos juros. Póvoa diz que a economia pode crescer a um ritmo de 5% ao ano sem provocar inflação, mas dados recentes apontam para um ritmo anualizado de 8% no primeiro trimestre.

Empresários e sindicalistas se uniram nas críticas. Para a Fiesp, que reúne as indústrias paulistas, a decisão coloca em “risco a competência e a autonomia” do BC que estaria “atendendo a interesses de poucos em detrimento de muitos”. Do lado dos sindicatos, a Força Sindical classificou a alta de “equivocada e perversa” para o setor produtivo. Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alerta que o aumento dos juros terá efeitos negativos mais permanentes sobre a produção.

Na direção oposta a Febraban, federação dos bancos, disse, em nota, que a decisão do BC foi acertada.

O QUE LEVOU À DECISÃO

A elevação da taxa básica de juros, a Selic, ontem pelo Banco Central já era esperada pelos economistas, por causa dos sinais de aquecimento da economia. Como resultado, a inflação vem acelerando. A projeção para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que orienta o sistema de metas do governo, já chega a 5,41% em 2010 e 4,80% em 2011, ambas as expectativas acima do objetivo central oficial, que é 4,5%.

Colaboraram: Lino Rodrigues e Wagner Gomes

Um tranco nos juros:: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de manter ao longo de nove meses os juros básicos (Selic) estáveis a 8,75% ao ano, ontem o Banco Central deu o tranco esperado. Puxou-os em 0,75%, para 9,50% ao ano.

Com essa decisão, o Banco Central mostrou que rejeita a argumentação que vinha sendo apresentada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a atual esticada da inflação tem como causa fatores episódicos, e naturalmente reversíveis, que dispensariam aperto na oferta de moeda.

Para o Banco Central o atual surto inflacionário vem sendo causado por aumento persistente do consumo, ao ritmo insustentável de 10% ao ano, ou seja, substancialmente mais alto do que a capacidade de fornecimento de bens e serviços pelo setor produtivo interno mais as importações.

O diagnóstico do Banco Central é o de que há uma inflação de demanda que é preciso reverter para que possa ser cumprida a meta de inflação de 4,5% ao ano, antes que a expectativa dos marcadores de preços se deteriore ainda mais.

Até aí o Banco Central está certo. Provavelmente também está certo ao identificar como causa dessa forte expansão do consumo (embora não o enfatize) o aumento excessivo das despesas públicas, que correm a 17% neste ano.

Se o diagnóstico é esse, o remédio mais adequado para atacar a doença cuja causa é fiscal, obviamente, teria, também, de ser fiscal; seria a compressão das despesas públicas de maneira a conter a criação de renda e o excesso de demanda que vem em seguida.

Mas o governo só pensa naquilo, não quer reduzir a alegria do consumidor com o corte das despesas públicas às vésperas das eleições e, por isso, parece improvável que a administração federal se disponha a fazer o que lhe compete. Assim, o serviço impopular sobrou mais uma vez para o Banco Central.

A inflação de 2010 já está dada, independentemente dos ajustes que o Banco Central começou a fazer. Só não se sabe de quanto vai ser. Como os juros levam de seis a nove meses para produzir efeito, não haverá mais tempo para mostrar serviço ainda este ano. A decisão de ontem teve por objetivo calibrar o fluxo de moeda de maneira a enquadrar a inflação de 2011. Isso significa que, do ponto de vista da política monetária, o horizonte do Banco Central já pertence à paisagem do próximo governo.

Pelo menos dois objetivos políticos o Copom deve ter levado em conta. O primeiro, evocado várias vezes pelo presidente Lula, é evitar que às vésperas das eleições o eleitor fique com a sensação de que o atual governo descuidou do combate à inflação e, portanto, foi desleixado na preservação do principal patrimônio do trabalhador. Por isso, tem de mostrar eficácia ainda que o efeito dos juros só apareça no ano que vem.

O segundo é a questão da dose. O gradualismo excessivo (alta de 0,50 ponto porcentual) exigiria um tratamento mais esticado, que poderia ser interpretado como tolerante demais. O Banco Central evitou, também, paulada maior, tipo Nicolau Maquiavel, para quem a maldade tem de ser feita de uma vez.

De todo modo, ficou a impressão de que o Banco Central agiu tarde. Todos os dados levados em conta para a decisão de ontem já estavam aí em março, quando os juros ficaram parados.

Confira

Cada dia com sua agonia

O gráfico mostra o tombo das principais bolsas da Europa nos dois últimos dias. Não há sinal de virada.

Baixa credibilidade

O gerente-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, declarou ontem que "não se pode acreditar demais nas agências de classificação de risco".

E quem certifica?

Sim, elas perderam credibilidade, mas não podem ser culpadas pelas lambanças fiscais dos países europeus. Afora isso, alguém tem de avaliar a qualidade dos títulos de dívida.

Última escalada:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Chegou ao fim o ciclo de juros mais baixos da história recente do país. Por mais de um ano, de janeiro de 2009 a abril de 2010, o Banco Central reduziu e manteve a Selic entre 12,75% e 8,75%. Pela primeira vez, tivemos juros nominais de um dígito. Foi em junho de 2009, quando a taxa caiu de 10,25% para 9,25%. Depois, foi a 8,75%, ficou assim por nove meses, até ontem, quando voltou a subir a 9,50%.

Bancos e consultorias estão revendo o crescimento do PIB brasileiro para cima. Os dados mostram que a inflação está se distanciando do centro da meta e o país está bem aquecido. O estranho é que ao mesmo tempo que os juros sobem, o Ministério da Fazenda ainda mantém estímulos fiscais ao consumo, o BNDES aumenta o subsídio embutido nos juros, os bancos oficiais se esforçam para ampliar ainda mais o crédito.

O governo age como se o país ainda estivesse precisando de empurrão, quando o Banco Central já começou a puxar o freio.

O Morgan Stanley revisou a previsão de crescimento do PIB deste ano de 5,8% para 6,8%. O banco americano diz que o ritmo dos três primeiros meses deste ano está tão forte quanto o dos últimos três do ano passado. Com isso, o carregamento estatístico daqui para frente já estaria em 4,8%. Ou seja, se a economia ficasse estagnada a partir de abril — algo que não vai acontecer —, isso já garantiria um crescimento de 4,8% em 2010, na comparação com 2009.

A consultoria Tendências subiu a previsão de 5,2% para 6%. Outros bancos e consultorias têm feito isso nos últimos tempos.

O Itaú Unibanco subiu para 6% e o Bradesco, para 6,4%. Isso eleva o risco inflacionário: numa economia com a inflação subindo, a economia se acelera, o governo dá sinais desencontrados na área fiscal e a eleição criará naturalmente um ambiente de incerteza sobre a manutenção da política monetária. Isso tornou a alta dos juros de ontem inevitável.

Triste foi a coincidência de subir a taxa, quando os Estados Unidos mantiveram os juros em zero.

— O Brasil está crescendo a um ritmo quase chinês, então é normal que a gente comece a subir os juros antes dos países que estão enfrentando problemas — diz o economista Elson Teles, da Máxima Asset.

A última queda da taxa de juros foi motivada pela recessão que chegou ao país abruptamente ao final de 2008. Atingido de frente pela crise bancária internacional, o país teve dois trimestres consecutivos de retração no PIB.

Com menos crescimento, houve também menos inflação.

O Banco Central reduziu a taxa para incentivar a retomada.

Os bancos e consultorias pesquisados pelo boletim Focus do Banco Central apostam em média em um aumento de três pontos percentuais nos juros ao longo desta temporada. A alta de ontem foi só o começo, nas próximas reuniões deve continuar subindo.

A aposta é que os juros ficarão em 11,75%. Isso num ano eleitoral é uma dose suficiente para muita polêmica.

A dúvida é: até quando os juros vão continuar subindo levando-se em conta as eleições? O Morgan Stanley acha que o BC vai dar uma pausa só em outubro. Eu acho que ele vai parar bem antes para não provocar ruídos no momento mais quente do debate político. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que não foi resolvido ainda um problema: os sinais contraditórios da comunicação do Banco Central.

Mais um conflito entre o que o BC diz e o que faz, e o professor acha que ele vai virar biruta de aeroporto.

Mesmo se acontecer esse cenário previsto pelo mercado, de alta até 11,75%, ainda teremos juros menores do que no período anterior à crise, quando a taxa chegou a 13,75%, no dia 10 de setembro de 2008, apenas cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers.

Naquele mês, a inflação acumulada em 12 meses era de 6,25% e a expectativa para a inflação nos próximos 12 meses era de 5,19%.

Hoje, o cenário é melhor: o IPCA acumulado em 12 meses fechou o mês de março com 5,17%, e a expectativa para os próximos 12 meses é de 4,73%.

Esse será o último ciclo de aperto da política monetária do governo Lula.

No início do governo, em 2003, o Banco Central subiu juros para 26,50% para combater a crise detonada pelo medo de mudança na política econômica. Depois disso, voltou a subir juros de setembro de 2004 a maio de 2005. Foram oito aumentos seguidos da Selic, que levaram a taxa de 16,25% para 19,75%. Logo após, houve dois anos inteiros de baixa, entre setembro de 2005 e setembro de 2007, que fizeram a Selic cair para 11,25%. Nada menos que 18 cortes consecutivos.

Depois de oito meses com a taxa nesse patamar de 11,25%, entre setembro de 2007 e abril de 2008, houve nova guinada para o alto. De julho a setembro de 2008, já em plena crise, a Selic saltou de 11,25% para 13,75%.

A conclusão desse histórico é que mesmo em períodos de calmaria, sem crise externa e com inflação contida no Brasil, os juros são espantosamente altos.

Os mais baixos da nossa história são altos demais para qualquer país. Essa agenda é parte do longo processo de estabilização brasileira que precisa ser tocada pelo próximo governo. Não adianta voluntarismo. Há um dever de casa para fazer antes: reduzir gastos, carga tributária, fazer reformas para criar uma folga fiscal e derrubar os juros sem risco inflacionário.

O Brasil será normal quando os juros estiverem em patamares parecidos com o resto do mundo.

Enquanto isso não acontecer, o país vai carregar essa última cicatriz do tempo da inflação alta.

Notícias:: Carlos Drummond de Andrade


Entre mim e os mortos há o mar
e os telegramas
Há anos que nenhum navio parte
nem chega. Mas sempre os telegramas
frios, duros, sem conforto.

Na praia, e sem poder sair.
Volto, os telegramas vêm comigo.
Não se calam, a casa é pequena
para um homem e tantas notícias.

Vejo-te no escuro, cidade enigmática.
Chamas com urgência, estou paralisado.
De ti para mim, apelos,
de mim para ti, silêncio.
Mas no escuro nos visitamos.

Escuto vocês todos, irmãos sombrios.
No pão, no couro, na superfície
macia das coisas sem raiva,
sinto vozes amigas, recados
furtivos, mensagens em código.

Os telegramas vieram no vento.
Quanto ao sertão, quanta renúncia
atravessaram!
Todo homem sozinho devia fazer uma canoa
e remar para onde os telegramas estão
chamando.


2009 - NOVA REUNIAO 23 LIVROS DE POESIA - VOL.1