Apontamentos para um programa de cultura do PPS:: João Batista de Andrade
1- Falar de política cultural em qualquer lugar do mundo deveria ser falar de tudo: da construção de uma sociedade, de seus embates, de suas idéias, da política, da ciência, dos costumes, crenças. E das artes. Uma aparente abrangência que na verdade, para um partido político que se pretenda transformador, - estão em sua própria razão de ser. Pois um partido político, - e portanto o exercício do poder-, se cria nas sociedades exatamente para conduzir e dar forma ao desenvolvimento de todos esses “setores” da vida social, buscando avanços, progresso, a dignidade de viver o presente e as melhorias para o futuro.
2- O PPS é caudatário de uma longa tradição humanista em busca do progresso e da justiça nas sociedades. Fugindo aos apelos religiosos, - que alimentavam a idéia de que as “injustiças eram justas”, o pensamento progressista alimentou a idéia de que as injustiças eram e são frutos da sociedade, da forma aparentemente “natural” de sua organização onde o mais forte pode exercer livremente seu poder sobre os mais fracos. Contra a idéia de que o mundo “existe e pronto”, “é para ser aceito e não para ser compreendido”, a humanidade afirmou, de forma vitoriosa, a possibilidade e necessidade de compreender e de transformar pelo bem da humanidade, - e, hoje, até pelo bem do próprio mundo. Por outro lado, aprendemos também que a realidade é transformável e se transforma sempre, obrigando-nos a aprender a cultuar o passado mas buscando dele a compreensão do futuro, livrando-nos das amarras que muitas vezes nos cegam para os novos desafios. A defesa dos avanços científicos é fundamental nessa longa trajetória do pensamento humanista transformador.
3- Sob o ponto de vista de governo, a política cultural deve permear toda a ação governamental: comportamento ético e coerente, transparência política, incentivo à pesquisa, apoio ao desenvolvimento da ciência e de novas tecnologias, melhoria e democratização crescente do sistema de ensino. No terreno das artes, desenvolvimento, democratização e divulgação de todas as manifestações artísticas no país.
4- A criação do MINC (Ministério da Cultura), se representou um avanço no sentido de aglutinar esforços pelo desenvolvimento, preservação e divulgação de nossos valores culturais e de nossa criatividade, trouxe também o risco de um isolacionismo cultural, com propensão ora ao corporativismo, ora ao militantismo. Num mundo em que as transformações tecnológicas nos afetam profundamente, as diversas gestões na área da cultura agem como se a essência estivesse na produção artística, capaz de expressar essas transformações, - e não nas próprias transformações que afetam o dia a dia e as expectativas de cada cidadão com relação ao seu padrão de vida e de seu futuro. Um comportamento isolacionista que acaba por se realizar em seu contrário: a subestimação dos valores universais e reveladores da produção cultural e de sua estreita ligação com os caminhos conflituados dessa era de tantas mudanças. A produção artística, assim, por esse viés isolacionista, se vê, na política governamental, como essa “corporação” ou esse “partido político” sempre às voltas com as dificuldades eternas de existir e se fazer ouvir. Esse isolamento leva a muitos erros, - e o MINC se torna alvo fácil de radicalismos impotentes e partidarismos.
5- Exemplo desse radicalismo (e isolacionismo) encontramos logo no início da gestão Lula, com a elaboração do soterrado projeto da ANCINAV, a agência reguladora que juntaria cinema e televisão, sob a tutela de um pensamento cinematográfico “imaginado” por grupos minoritários de esquerda da base governamental e também por erros de compreensão por parte da comunidade cinematográfica, esta certamente pela situação sem saída em que se encontrava com os avanços na área das comunicações no Brasil ( que excluiu o cinema brasileiro). A visão estreita da questão, -além do erro de pretender colocar as comunicações sob a batuta do cinema,- gerou um projeto impositivo e anacrônico, mesmo que apontasse a necessidade de resolver a crise do cinema nacional através, principalmente, dos meios de comunicação, como se deu tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Nos Estados Unidos, garantido que a produção de filmes para a TV fosse garantida à Industria Cinematográfica. Na Europa, com as privatizações das TVs públicas, cujo processo obrigou as empresas a investir no cinema europeu). É preciso também compreender que os cineastas apontavam, com razão, para a desobrigação nacional da televisão no Brasil e do poder excessivo desses meios de comunicação sobre a vida, a cultura, a política. Mas a visão estreita, corporativista do projeto pensava no sistema de comunicações, - pela sua grandeza, - como inimigo da cultura. O projeto fora produzido de forma fechada, na infantil expectativa de que “agora”, com “ a esquerda no poder”, os poderosos meios de comunicação teriam que engolir o projeto governamental. Ilusão fatal que, com o projeto devidamente engavetado depois das pressões partidas de todo lado, - levou o MINC a uma grave crise logo no início da gestão Lula. Crise que marcou a política cultural por umlongo período.
6- O risco de uma partidarização, na falta de uma maior clareza do que seria uma política governamental para o setor, pode-se perceber no que vio depois da crise da Ancinav, principalmente na gestão Juca Ferreira ( iniciada bem antes da saída do Ministro Gilberto Gil). Como acontece em todo o governo Lula, O novo ministro não está ali por ser um reconhecido artista, um ás da questão cultural, mas por ser de um partido da base aliada. Sem o traquejo e a vivência da área, de dentro da nomenclatura do MINC foram gestadas duas perigosas idéias que mostram a estreiteza desse pensamento pretensamente de esquerda: as conferências nacionais e o “plano diretor da cultura” ( a exemplo do que se dá na educação).
As conferências nacionais de cultura são realizadas nos velhos padrões da esquerda antiga e que, sabemos, gerou erros sem tamanho: pequenas assembléias no interior elegem delegados, esses delegados se reúnem nos estados e elegem delegados nacionais que se reúnem, em Brasília, aos milhares, para aprovarem as teses sobre a cultura brasileira. Claro, sem os pensadores de nossa cultura e sem os verdadeiros artistas que jamais freqüentariam eleitoralmente tais assembléias. Seria uma CUT da cultura, alimentada pelo desejo de muitos por espaços para seus trabalhos e de recursos para sua vida artística, na imensa maioria, amadora. E assim foram feitas duas, com milhares de “delegados”, como um partido político. Repercussão?- nenhuma.
O plano diretor da cultura sairia desses “democráticos” encontros.
É difícil até mesmo comentar tamanho primarismo.
Informo aqui que, como Secretário de Cultura do Estado de SP, me recusei a participar dessa farsa partidária que combati em todos os encontros nacionais de secretários da cultura dos estados brasileiros.
7- Será preciso re-encontrar o papel exato do MINC. São de responsabilidade desse ministério assuntos importantíssimos,como a preservação dos bens culturais, a divulgação de nossos valores culturais e de nossos artistas com suas criações, o apoio à produção cultural, a normatização das atividades culturais no país e de suas relações interministeriais. É preciso agir na compreensão de que a cultura é fruto da atividade humana e que ao governo cabe normatizar relações e incentivar a criação cultural, deixando para a sociedade, em toda sua complexidade, a busca de significados e a adesão aos novos valores criados nesse rico processo. É preciso entender o papel de cada setor da atividade cultural e também das necessidades da própria população diante da cultura, nesse caso, da cultura artística. Estender a oferta a todos, incentivar a produção e a distribuição, defender a diversidade cultural em todos as suas linhas, proteger o patrimônio cultural realizado e em realização, normatizar as relações entrre interesses diversos da área, como, por exemplo, o cinema e a TV.
João Batista de Andrade (maio de 2010)