sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Constituinte exclusiva é salto no escuro – Editorial / O Globo

É característica das Constituições a intocabilidade. Quanto mais perene o texto da Carta, maior a estabilidade jurídica de uma sociedade. Não que se deva, de forma dogmática, decretar o engessamento de qualquer constituição. Tanto que há regras, em todo país democrático, para sua alteração - geralmente exigências difíceis de atender, pois uma revisão constitucional, por menor que seja, precisa refletir um consenso construído na sociedade, depois de exaustivo debate.

Não foi por outro motivo que a atual Constituição brasileira, a da redemocratização, promulgada em 1988, previu um prazo para depois do qual pudesse ser revista sem as tais exigências: ou seja, adesão de três quintos (60%) dos votos na Câmara e no Senado, com dois turnos de votação em cada Casa. Na fase de revisão era possível aprovar propostas em turno único, em sessões unicamerais do Congresso, por maioria absoluta (50% mais um voto). O sábio dispositivo pressupunha a correta ideia de que, passado aquele período, não mais seria possível, como não é, alterar a Carta, a não ser pelos caminhos usuais.

A ideia de uma "miniconstituinte" ou "constituinte exclusiva" para a realização da propalada reforma política surgiu no PT, foi incluída no programa do partido e transposta para as propostas de governo da candidata Dilma Rousseff. No debate entre candidatos promovido quarta-feira pela "Folha de S.Paulo"/UOL, Dilma defendeu o mecanismo, com apoio de Marina Silva e crítica, rápida, de José Serra. Para o candidatos tucano, não se deve confiar na exclusividade dessa constituinte.

Tem razão o tucano, porque há no PT frações que rezam pela cartilha chavista, e não pode ser esquecido que Chávez e seus seguidores Evo Morales e Rafael Correa, ao assumir, no auge da popularidade, conseguiram convocar constituintes, para começar a garrotear a democracia - e com base na lei, de maneira diabólica.

Muito difícil pensar que o mesmo se repita no Brasil, devido à solidez das instituições republicanas do país, ao contrário das venezuelanas, bolivianas e equatorianas. E também todos os candidatos mais importantes fazem profissão de fé na democracia. Mas sempre vale a lembrança.

A questão a saber é se existem condições para uma miniconstituinte destinada a rever a legislação da vida político-partidária. Reeleição? E em quantos mandatos consecutivos? Financiamento público de campanha? Votação em lista? Ora, como inexiste conhecimento amplo sobre estes e outros temas, logo, também não há consensos. Há uma exceção no financiamento público, rejeitado majoritariamente nas pesquisas de opinião. O povo pode não saber de detalhes do mecanismo, mas intui que ele não acabaria com o caixa dois.

Portanto, o mais sensato, sem prejuízo de debates durante a campanha, é não levar a sério a proposta de constituintes exclusivas, mais ainda para tratar de temas ainda obscuros. Se projetos de alteração da Carta não conseguem ser aprovados será erro crasso abaixar as barreiras para viabilizá-los. Assemelha-se a aumentar o tamanho do gol para se desempatar uma partida.
Atalhos desse tipo sempre levam a saltos no escuro.

O desafio da inovação :: Roberto Freire

DEU NO BRASIL ECONÔMICO

Há um indiscutível consenso no mundo atual a respeito da importância do tema inovação. Seu papel na criação de vantagens competitivas e principalmente na aceleração do crescimento econômico faz com que muitos países hoje em dia tenham políticas de promoção da inovação.

O Brasil não é exceção, e desde o final da década de 1990, ainda no governo FHC, com a criação dos Fundos Setoriais, vem ampliando o apoio às atividades de inovação.

É fato que esse tema vem sendo incorporado cada vez mais à agenda das empresas, instituições de ciência e tecnologia e agências governamentais de fomento.

Mas permanecem muito significativos os desafios que o Brasil precisa vencer nessa matéria. A atividade de P&D, Pesquisa e Desenvolvimento, essencial para produzir inovações, encontra-se muito aquém do nível satisfatório.

O gasto total em P&D no Brasil é de 1,1% do PIB, contra 2,3% do PIB para o conjunto dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

O gasto empresarial em P&D como percentual do PIB, próximo de 0,5%, contrasta ainda mais fortemente com o que se observa nos países desenvolvidos, em que esse número frequentemente está acima dos 2%.

Para enfrentar os desafios acima mencionados e promover o maior engajamento empresarial nas atividades de inovação, ao mesmo tempo em que se assegura uma oferta crescentemente qualificada de recursos humanos e organizações de pesquisa capazes de interagir com as empresas, é fundamental articular melhor a política industrial com a política tecnológica. Algo que inexiste no atual governo.

Ambos os objetivos são importantes. No entanto, implantar novos setores intensivos em tecnologia é tarefa para o longo prazo, ao passo que melhorar o que existe tem um impacto imediato muito maior.

O efeito em termos de crescimento de emprego e renda pela intensificação tecnológica de setores de baixa e média baixa tecnologia é muito maior do que o da criação e consolidação de setores de alta tecnologia.

É necessário entender que a definição de uma política industrial com essas características implica definir prioridades, exige foco e não dispersão dos recursos, algo sempre difícil de fazer em nosso sistema político.

Um caminho natural para estabelecer prioridades é o do aproveitamento de oportunidades evidentes, como se vê no caso do desenvolvimento do setor sucro alcooleiro e sua transformação em um setor produtor de energia com atuação global. Isso tem desdobramentos para várias cadeias produtivas.

Política de inovação não se faz somente com incentivos, ainda que eles sejam um instrumento válido para reafirmar o rumo que se quer imprimir, mas também com medidas que construam o ambiente concorrencial e o marco institucional adequados para o efetivo engajamento e articulação dos atores relevantes do assim chamado Sistema Nacional de Inovação.

O correto enfrentamento dessa questão é o elemento estratégico fundamental que nos possibilitará uma inserção soberana no complexo processo de globalização.


Roberto Freire é presidente do PPS

Marina busca espaço :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A candidata do Partido Verde Marina Silva começou, no debate pela internet da "Folha de S. Paulo" e do UOL, a explicitar uma nova estratégia de campanha, mas muita gente confundiu seus primeiros passos com uma adesão antecipada à candidatura do PT, como se esse fosse um movimento quase que natural de quem esteve naquele partido nos últimos 30 anos.

Mas quem apostar que a estratégia da candidata Marina Silva será fazer dobradinha com a petista Dilma Rousseff, atacando o tucano José Serra, está enganado.

O que aconteceu nesse sentido terá sido apenas fruto de circunstâncias daquele debate, e não é uma estratégia de campanha.

É possível que mais adiante, aos poucos, como é seu estilo, Marina deixe claro mais pontos de desacordo com o governo petista que abandonou depois de mais de cinco anos no Ministério do Meio Ambiente.

Mesmo porque um dos pontos mais fortes do discurso de Marina foi justamente em cima do presidente Lula e de sua candidata Dilma Rousseff, ao dizer: "Estão querendo infantilizar os brasileiros com essa história de mãe e pai."

Aliás, a frase fez tanto sucesso que foi usada ontem por Marina na visita que fez à Bolsa de Valores em São Paulo: "O Brasil precisa de uma discussão madura sobre seu futuro. Os brasileiros não podem ser tratados de forma infantilizada", reafirmou.

É verdade que os coordenadores de sua campanha acreditam que "uma janela de oportunidade" pode se abrir caso a candidata oficial continue se distanciando do tucano José Serra nas pesquisas eleitorais, fazendo os eleitores começarem a pensar que quem ainda tem condições de derrotar Dilma é Marina.

Mas, mesmo que o objetivo imediato da candidata do Partido Verde seja superar Serra para ir para o segundo turno contra a candidata oficial, a estratégia teria que ser mostrar ao eleitorado que hoje escolhe Serra que também Marina é uma crítica do governo, ou pelo menos de Dilma, e se coloca como uma alternativa ao PT que está no poder.

Por isso, ontem ela esclareceu que sua preocupação "não é em criar constrangimento para o Serra nem para a Dilma, e sim criar um constrangimento ético para o Brasil".

A senadora Marina Silva tem o cuidado de não criticar diretamente o presidente Lula, de quem faz questão de se dizer amiga.

Essa postura permite que ela tente ser uma opositora do PT sem atingir o presidente, abrindo espaço para que eleitores petistas que hoje votam em Dilma pensem nela como opção.

Segundo o Datafolha, Marina tem 15% no Rio de Janeiro, acima de sua média nacional, que fica em torno de 10%, enquanto Serra tem 25%.

O Partido Verde está convencido de que o Rio de Janeiro pode ser a plataforma de lançamento de Marina no plano nacional, o primeiro lugar em que ela passará Serra, viabilizando uma arrancada rumo ao segundo turno, embora tenham os pés no chão e saibam que o eleitorado do Rio não representa o brasileiro.

Além dos votos da classe média que poderão migrar de Serra, na área popular, os votos, sobretudo entre as mulheres pobres, migrarão tanto de Dilma como de Serra, imaginam os coordenadores da campanha.

O cientista político Nelson Rojas de Carvalho, da Universidade Federal Rural do Rio, ligado ao prefeito Cesar Maia, especialista em pesquisas de opinião, vem encontrando na Região Metropolitana do Rio, sobretudo em Nova Iguaçu, Caxias e São João de Meriti, eleitores de classes C e D que começam a prestar atenção em Marina por uma pauta de valores, percebendo-a como a mais preocupada com os pobres e contra a corrupção.

Para ele, o tema de meio ambiente teria que ser ampliado para outros valores que ela encarna, como críticas ao desvirtuamento do PT e o combate à corrupção, se quiser aumentar sua área de contaminação eleitoral.

Na percepção do eleitorado, ela tem autoridade para empunhar essa pauta de valores.

Na análise de Nelson Rojas de Carvalho, a racionalidade de uma aproximação centrista supõe um eleitor informado, mas é ininteligível para o eleitor de baixo grau de informação.

Não havendo diferenciação entre os candidatos, se a oposição é igual ao governo, para o eleitor médio é melhor manter o que já existe.

A despolitização do debate é uma política boa para quem está no governo. Temas dicotômicos que marcariam a oposição teriam maior rendimento eleitoral, analisa Carvalho, e aglutinariam as bases oposicionistas.

"Se ele não se diferenciar da Dilma, essa base pode migrar para Marina", diz, referindo-se ao candidato tucano José Serra.

Se a maior definição dos candidatos, determinada pela vantagem da candidata oficial nas pesquisas de opinião, for a tônica dos programas de propaganda eleitoral, poderemos ver uma mudança de estratégia interessante.

O candidato tucano José Serra, que torce para que Marina mantenha-se em torno dos 10% para tentar garantir o segundo turno, terá que manter um olhar atento à retaguarda para não ser surpreendido por uma ultrapassagem que ainda parece improvável.

Mesmo não tendo uma estrutura partidária tão ampla quanto a da base governista, e sofrendo com problemas de arrecadação de fundos para a campanha, que se agravam à medida que a vantagem da candidatura oficial aumenta, o PSDB ainda é o único contraponto viável ao governo, e o tempo de propaganda oficial no rádio e na televisão isola a candidatura de Marina em pouco mais de um minuto.

Serra elevou o tom de suas críticas ao governo, de maneira a marcar a posição de oposicionista, mas se a "cristianização" de que parece estar sendo vítima não for estancada, com os candidatos nos estados simplesmente deixando de incluí-lo em suas propagandas na televisão, sua candidatura pode ser inviabilizada de vez.

O donatário :: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula se despedindo da Presidência, no programa eleitoral de Dilma Rousseff, com a música "entrego em suas mãos o meu povo" me lembrou o pior Brasil. O Brasil dos donatários, das capitanias hereditárias. Como se não fosse suficiente, ainda há o discurso que infantiliza o povo brasileiro com essa história de pai e mãe do povo.

Desde "Coronelismo, enxada e voto", de Victor Nunes Leal, o Brasil conhece bem esse seu pior lado. O do patrimonialismo brasileiro, do qual nasceram outros defeitos: o populismo, o paternalismo, o clientelismo. Com a manipulação das massas, os donatários do Brasil mantêm o poder e o entregam aos seus herdeiros. Além do "deixo em suas mãos", há ainda a ameaça continuísta implícita: "Mas só deixo porque sei que vais continuar o que eu fiz." Como se Lula pudesse decidir não passar a Presidência à pessoa que for eleita este ano.

Ninguém duvida que apelos emocionais funcionam em campanha eleitoral. Mas não garantem eleição. Difícil esquecer até hoje o contagiante "Lula lá, nasce uma estrela, Lula lá". E ele perdeu aquela eleição. São muitas as razões do voto e a história eleitoral brasileira é curta demais para que sejam traçadas leis gerais. Mas espera-se que ela não se explique pelo retrocesso, por essa visita ao passado.

A economia é decisiva na maioria das eleições, mas nem sempre. A economia americana estava num dos seus melhores momentos ao final do governo Bill Clinton e mesmo assim Al Gore perdeu. É bem verdade que Al Gore quis distância de Clinton por causa do escândalo Monica Levinsky. Se por acaso o então presidente democrata fizesse uma campanha paternalista, cantando que entregava o povo americano nas mãos de Gore - como se fosse sua propriedade - certamente causaria rejeição ainda maior. Lá, eles não acham que eleitores passam de mão em mão como uma massa sem vontade própria. Nem mesmo ocorreria a um presidente decidir pelo partido quem deve concorrer à sua sucessão, porque existe o saudável ritual das primárias em que os candidatos a candidatos enfrentam o desafio de convencer seus próprios militantes. Aqui, nem governo nem oposição escolhem postulantes de forma transparente.

O Brasil está crescendo forte, a inflação está em queda - foi zero em julho - o crédito se expandindo, o consumo aumentando, o desemprego caindo. Alguns números são mais elevados por causa da base de comparação, mas há crescimento de fato. A crise de 2008/2009 derrubou a economia e, da perspectiva da campanha governista no Brasil, a recuperação está ocorrendo na hora exata para ajudar o governo na campanha. Todos esses fatores são mais poderosos na definição do voto do que apelos populistas. É a sensação de conforto econômico que fortalece a campanha da continuidade.

Na onda mistificadora na qual todos no governo estão empenhados, o Ministério da Fazenda divulgou ontem um pretenso estudo para provar que a atuação do BNDES garantiu que o país evitasse uma recessão de 3,2% no ano passado e sustentou 4 pontos percentuais do crescimento deste ano.

A História econômica recente do Brasil mostra que o crescimento do PIB tem duas características: não sustenta taxas altas por muito tempo; não tem grandes quedas. No ano passado, vários países do mundo tiveram quedas grandes do PIB como os 7% da Rússia e do México. O Brasil ficou no -0,2%. Pela visão do ministro Guido Mantega, foi a ação do BNDES. Mas na crise da Ásia todos os países que tiveram colapsos cambiais enfrentaram recessões enormes: Coréia, -7%; Indonésia, -17%. O Brasil não teve resultado negativo. E não teve esse jorrar de dinheiro do Tesouro para as empresas brasileiras através do BNDES. Segundo Mantega, esses empréstimos subsidiados com dinheiro do Tesouro garantiram 7% de crescimento. Esse número é tão científico quanto o ocultismo.

Ninguém discute a importância do BNDES na economia brasileira, é claro que ele é importante. O problema são os desvios que reforçam o patrimonialismo: a ideia de que o Tesouro pode ser apropriado por alguns. Reduzir o custo de capital, incentivar empresas, estimular a economia o banco sempre fez. Só nos seus piores momentos, como na época dos militares no poder nos anos 1970, escolheu donatários do dinheiro público, concentrou recursos nessa proporção, transferiu impostos para alguns poucos como está fazendo agora.

É por isso que os grandes empresários brasileiros estão tão contentes e querem mais do mesmo. O presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, na série de ideias obsoletas que exibiu na entrevista que concedeu esta semana ao "Valor Econômico", disse que quer não um, mas três BNDESs. Pode-se imaginar que está sendo sincero. Pediu que o governo "feche o país por um tempo." Pode-se imaginar por quê. Com a economia fechada, funciona melhor o sistema das capitanias hereditárias, do mercado interno entregue como donataria para alguns proprietários. Há 20 anos o Brasil começou a abrir a economia, por isso já se pensava, a esta altura, que ninguém teria mais a coragem de fazer um pedido como esse. A crise de 2008/2009 e as eleições de 2010 viraram uma espécie de licença para propor qualquer velharia: dos subsídios ao fechamento do país. A campanha governista nas eleições está fortalecendo a ideia de que o país não tem um líder, nem um presidente; tem um dono. Um donatário.

A revelação :: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de muito resistir - foi preciso o presidente Lula contaminar o senso comum com a certeza do "já ganhou" - o candidato do PSDB a presidente, José Serra, acabou percebendo uma evidência: oposição existe para se opor.

Não a uma entidade etérea que ninguém sabe direito o que é ou às mazelas de um modo geral. Oposição existe para se opor à situação. Para ganhar ou perder.

Luiz Inácio da Silva cansou de ensinar isso aos governos aos quais fez oposição. Não que todo oposicionista deva ter como modelo o PT.

Aquele que em nome de um projeto partidário se opõe até ao bem-estar da maioria - por exemplo, sendo o único ente a não se engajar no combate à inflação nos anos 90 - para depois reivindicar a autoria da obra rejeitada.

Em versão suave o nome disso é oportunismo.

Oposição representa o contraditório que não precisa necessariamente ser destrutivo nem agressivo. Mas não pode deixar de ser incisivo ao contraditar o que diz e o que faz o governo. De preferência quando existirem motivos para tal e mediante a apresentação de argumentos bem fundamentados.

Durante dois mandatos de Lula, o PT e a ampla coligação partidária que sustenta o governo deram muitos motivos e várias oportunidades para que a oposição cumprisse o seu papel. Raríssimas exceções, o PSDB nunca quis.

Não por falta de chamamento - o DEM bem que tentou, junto a algumas vozes combativas em outros partidos -, mas por falta de vocação para a luta, excesso de cálculo, medo de arriscar e uma confiança temerária no destino.

As duas principais lideranças eram governadores de Estado (José Serra e Aécio Neves) e neste Brasil atrasado é preciso ter relações cordiais na política para que as ações administrativas não sejam prejudicadas.

O porta-voz mais abalizado (pelo preparo e por ter ocupado a Presidência por oito anos) era rejeitado por não ser "popular". Fernando Henrique Cardoso era ouvido em privado e ignorado em público. Suas críticas caíram no vazio por mais pertinentes que fossem.

As bancadas na Câmara e no Senado, outra vez ressalvadas as exceções raríssimas, eram perfeitas traduções da frouxidão (no sentido preguiçoso da palavra) e da ambiguidade.
Nunca houve um plano de ação entre os representantes parlamentares, executivos e partidários, muito menos houve estratégia para enfrentar os anos de oposição e depois para a campanha eleitoral.

Serra e Aécio se faziam de bonzinhos, alguns senadores de mauzinhos, os melhores deputados depois de duas ou três ordens para "aliviar" para o lado de Lula em CPIs. FH falava sozinho.

Depois de começar a campanha ainda no papel de bonzinho, Serra viu pelas pesquisas que só lhe resta fazer o que seu partido deveria ter feito nos últimos oito anos, até porque foi essa a escolha do eleitorado em 2002 e 2006: que o PSDB ficasse na oposição.

Há, entretanto, um problema. Talvez não dê certo porque o eleitorado poderá não firmar laços de confiança com candidato e partido que mudam de comportamento de uma hora para outra.

A tarefa não é simples, pois Serra se propõe a convencer o eleitorado em 40 dias de algo sobre o que o PSDB não pareceu convencido em oito anos.

Choque de gestão. Em dois mandatos o loteamento partidário da administração pública destruiu a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, que já foi de símbolo da eficiência.

Obra iniciada pelo PTB e completada com brilhantismo pelo PMDB, cuja gestão na Fundação Nacional de Saúde já teve suas credenciais apresentadas pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para quem a Funasa é conhecida pelas denúncias de corrupção e baixa qualidade de serviços prestados.

Não por isso. Em Brasília a campanha de Joaquim Roriz está indignada com o PT, que chamou seu candidato de "ficha-suja" no horário eleitoral.

Roriz - notório ficha-limpa - quer direito de resposta.

Lula lá ou Lula cá em 2011? :: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Quanto mais Dilma cresce e se aproxima da vitória no primeiro turno, mais dúvidas surgem sobre seu eventual governo.

Sabe-se muito sobre Serra -o que ele fez e o que não fez, o que ele diz e o que de fato pensa, as qualidades de homem público e as idiossincrasias pessoais, seus amigos e seus desafetos. E de Dilma? Sabe-se muito pouco de Dilma Rousseff.

Ela virou a ministra-forte e evoluiu para ser candidata do PT por instinto e capricho de Lula.

Rejuvenesceu, coloriu os cabelos, maquiou o rosto, trocou o guarda-roupa. Foi treinada, enfrentou bem entrevistas ao vivo e debates. Mas o que está por baixo de tudo isso?

Cabe perguntar o que vem por aí caso Dilma seja a primeira mulher a subir a rampa do Planalto, com o PT encastelado na máquina, no BB, na CEF, na Petrobras, no BNDES; o PMDB de Sarney, Jader, Renan; o vice Michel Temer, pronto para tudo; a fila, do PCdoB ao PR.

Dilma protagonizou histórias constrangedoras de gritos e destratos a ministros, assessores e presidentes de estatais. Tampouco é popular na arraia-miúda do Planalto. Há controvérsias se um temperamento assim, dissimulado pelos sorrisos de campanha, será suficiente ou, ao contrário, adequado para equilibrar a autoridade da presidenta e a ganância dos "aliados".

Uma das especialidades de Lula é driblar o próprio time e, quando vem gol contra, ele "não sabia, nunca ouviu falar". Dilma seguiu o script nos casos da Receita, do "banco de dados" da Casa Civil contra FHC, do dossiê da sua campanha contra Serra, da quebra de sigilo de dirigente do PSDB. Mas, como chefe suprema, vai colar, como sempre colaram todas as versões de Lula para tudo?

Por fim, quem vai ser presidente? Ela ou Lula? Sem respostas, não dá para apostar como será Dilma ao trocar o personagem de candidata pelo de "mãe dos brasileiros".

Simplesmente porque não se sabe quem é a própria Dilma.

Entre o erro e a torcida :: José Augusto Guilhon Albuquerque

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

As pesquisas eleitorais frequentemente servem às torcidas; caso contrário, as candidaturas não gastariam verdadeira fortuna com elas

Corria o ano da graça de 1985 e São Paulo, como as demais capitais, teve sua primeira eleição direta para prefeito, após longos anos de nomeação por um governador preposto do regime militar.

A disputa estava polarizada entre Jânio Quadros, com o apoio popular e das elites conservadoras, e Fernando Henrique Cardoso, de longe o favorito das elites progressistas e dos intelectuais.

No dia da eleição, o desfecho era imprevisível, a não ser para as respectivas torcidas. O Datafolha fez, naquele dia, pesquisa de boca de urna -pelo que me lembro, inovação ousada- que foi um desastre em todos os sentidos da palavra.

O resultado da pesquisa de boca de urna foi anunciado praticamente no momento em que as urnas se fechavam, dando FHC como vitorioso por poucos pontos. Mas, no final da noite, as urnas deram Jânio, por uma diferença de três pontos.

Ruim para o Datafolha e para aqueles que consideram que a eleição de Jânio contribuiu para aguçar as divisões internas entre as forças políticas que conduziram o processo de redemocratização, um desastre de grandes proporções.

Tenho em mãos o artigo publicado na Folha por Mauro Paulino, diretor do Datafolha ("Pesquisas não servem às torcidas", 10/8, Poder ).

Acho que elas podem servir, sim, e frequentemente servem, senão as candidaturas não gastariam fortunas com elas. Mas não deviam, por isso deixo claro que sou eleitor do PSDB, como fui do MDB e do PMDB a seu tempo. Contudo, parafraseando Aristóteles, sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade.

O Datafolha errou, em 1985, ao desconsiderar os eleitores que diziam, na boca da urna, não saber em quem votariam.

Com isso, sem divulgar, além dos votos expressos nos dois candidatos -que dariam a vitória a Fernando Henrique-, também a porcentagem de votos não declarados que, por ser superior à diferença entre os dois, deixava a eleição impossível de ser prevista, o Datafolha tratou "não sei" como sinônimo de voto em branco ou nulo.

A hipótese mais viável que surgiu na época foi a de que uma parte significativa dos "indecisos" na boca de urna estava, na verdade, mais inclinada a votar em Jânio. Quanto à hipótese de que os indecisos majoritariamente votassem nulo ou em branco, não ocorreu em 1985 nem tem sustentação na história das eleições.

No último sábado, ao decretar no alto da primeira página que Dilma "fica a três pontos da vitória no primeiro turno", a Folha comete o mesmo erro, pois sua conta também descarta, como brancos e nulos, os que "não sabem" em quem vão votar, diminuindo em quase dez pontos o total de votos válidos e aumentando, em consequência, o percentual atribuído à candidata.

O erro do Datafolha em 1985 foi compreensível. Agora, ao reincidir no erro, atribuindo a vitória antecipada a uma candidatura cuja preferência está sendo estimada em cerca de 40%, num momento em que a campanha para valer nem sequer começou e a quase dois meses da eleição, a Folha precisa se explicar melhor, sob pena de poder ser acusada de aderir à torcida.


José Augusto Guilhon Albuquerque, 69, é professor titular de Ciência Política e Relações Internacionais da USP.

Novas elites :: Nelson Motta

DEU EM O GLOBO

Os atiradores de elite são os melhores, não podem falhar. A tropa de elite é formada pelos mais aptos e bem treinados. A elite acadêmica é o motor do progresso cientifico e tecnológico, a artística produz as obras que constroem a cultura nacional, a política governa o país. Cada elite profissional vale pela excelência de seus integrantes. Em qualquer lugar do mundo é uma honra, um objetivo de vida, estar entre os melhores no seu trabalho.

Mas, quando Lula fala, elite é sempre sinônimo de malvado e injusto, de inútil e explorador, de odiar os pobres e gostar de ver o povo passar fome. De maior inimiga da democracia.

Que elite é essa ? Não é a dos charutos e vinhos, das madames consumistas e filhos playboys, carros importados e amigos picaretas, dos coronéis rurais e urbanos, dos veteranos mamadores nas tetas do Estado. Esta está com Lula, o obedece no Congresso, financia suas campanhas, apoia seus programas econômicos e sociais. Seria até indelicado reclamar.

As novas elites não nascem na academia, nem no empreendedorismo e nem no mercado produtivo. Como os militares, nos tempos da ditadura, elas estão em toda parte, mas agora vêm dos sindicatos e da militância, são gestores, investidores com o capital alheio, novos poderosos com acesso a verbas e programas. Elas não se baseiam em excelência ou competência profissionais, mas em fidelidade, ideologia e militância. Não é ilegal ou imoral ser dessa elite, só engorda.

Mas a novidade da elite lulo-popular não acabou com a velha elite sarno-patrimonialista, juntou-se a ela nos privilégios. Lula não se contenta em multiplicar os pães e os peixes, multiplica as elites. Em 2020 teremos acabado com a pobreza, basta Dilma vencer. Com tantas elites, daqui a pouco vai nos faltar povo e não teremos mais a quem culpar pelo Brasil ainda não ser, mas só estar próximo, da perfeição - como o nosso sistema de saúde pública, nossos aeroportos e estradas.

Os novos fumadores de charutos e bebedores de vinhos se juntam aos antigos inimigos e brindam à vitória do velho slogan de Zé Dirceu quando era líder estudantil. Ao povo no poder.
Nelson Motta é jornalista.

Entrevista: José Murilo de Carvalho

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Por Sergio Lamucci, de São Paulo

O vencedor das eleições deste ano enfrentará grandes desafios em 2011, a começar pelo fato de suceder um presidente com aprovação recorde, diz o historiador José Murilo de Carvalho. "Ex-presidentes, sobretudo os que terminam seu governo com avaliação muito positiva, têm a capacidade de se tornarem uma sombra para os sucessores, aliados ou adversários", afirma Carvalho, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para ele, "se exercida essa capacidade", um eventual adversário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva "estará sob permanente vigilância e terá que enfrentar a cobrança do tipo "no meu governo etc.", que pode ter efeito desgastante". A situação de Dilma Rousseff (PT) tampouco seria confortável: "Sem voo político próprio e sem a liderança e a popularidade do antecessor e mentor, ela terá dificuldade em firmar sua autoridade e seu comando, sobretudo se houver deterioração no cenário econômico". Dessa forma, o melhor para todos, especialmente para a democracia brasileira, "seria que o futuro ex-presidente se abstivesse de interferir no governo de seu sucessor".

Além da sombra de Lula, o sucessor terá outros grandes desafios, pois vai comandar um país ainda muito desigual, apesar das melhoras recentes, em que metade da população não tem rede de esgotos, a educação é de péssima qualidade, a carga tributária é alta e os gastos públicos são excessivos. "Todas essas contas serão apresentadas ao sucessor, que não terá a garantia de enfrentar condições internacionais favoráveis, como foi o caso em quase todo o mandato de oito anos de Lula."

Entre Dilma e José Serra (PSDB), o historiador considera difícil dizer quem tende a fazer o melhor governo. "Dilma poderá dar continuidade às políticas includentes de Lula, que chamo de democráticas, o que seria bom." Mas vê o risco de que ela faça crescer ainda mais o tamanho do Estado, além de tentar aumentar o controle governamental da economia e sobre a sociedade. Já Serra representa a alternância no poder, algo bom "em si". "E ele poderá reforçar mais o lado que chamo de republicano, que se refere à boa gestão do dinheiro público e à redução do aparelhamento do Estado." Quanto ao controle do governo sobre a economia, Serra provavelmente não se distinguiria muito de Dilma, acredita ele.

Carvalho faz uma avaliação positiva de Marina Silva (PV). "É uma candidata republicana, boa demais para ganhar. É um exemplo de vida, uma mulher pública inatacável em seu comportamento, com uma clara mensagem a propósito de um tema que constitui um dos maiores problemas do Brasil e do mundo."

Ao analisar o governo Lula, Carvalho diz que, entre erros e acertos, o saldo é positivo. "Avançamos algo na redução da desigualdade e muito na redução da pobreza, dentro de um clima de liberdade e, apesar dos escândalos, sem ruptura do sistema representativo. Demos um grande passo à frente." Entre os pontos negativos, aponta a tolerância com práticas abusivas como as do mensalão e a ação dos aloprados e "uma postura quase desrespeitosa em relação ao Judiciário", criticando ainda o inchamento do Estado e a ideologização excessiva da política externa.

Membro da Academia de Letras e doutor em ciência política pela Universidade Stanford, Carvalho é autor de obras elogiadas como "D. Pedro II", de 2007, e "Os Bestializados", de 1987. Diz estar "em entressafra", ajustando-se a uma aposentadoria imposta pela legislação no ano passado. "Tenho escrito, sobretudo, artigos de revistas e capítulos de livro. Um trabalho de vulto, em que me envolvi com dois colegas e encruado há tempos, a publicação dos panfletos da independência, talvez tenha agora oportunidade de ir adiante." A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por meio de intensa troca de e-mails:

Valor: Esta será a sexta eleição em que o país escolhe o presidente depois da redemocratização, a primeira sem a participação de Lula. Qual o significado da eleição?

José Murilo de Carvalho: Democracia política requer longo e paciente aprendizado. Cada substituição de chefe de Estado feita de maneira constitucional e legal é um avanço. Excetuando a Primeira República, que teve 10 eleições, mas que era um regime oligárquico, a sequência de seis é a maior da República. Ainda é pouco em comparação com repúblicas estabilizadas, mas é um passo à frente. Por isso, é preciso reconhecer o mérito do presidente Lula em ter resistido à tentação de um terceiro mandato, recusando-se a seguir o exemplo de um de seus amigos na América do Sul.

Valor: Como ocorre desde 1994, a eleição está polarizada entre PT e PSDB, os partidos que, segundo disse uma vez Fernando Henrique Cardoso, disputam " quem é que comanda o atraso " . Esse arranjo político tem sido benéfico para o país?

Carvalho: A frase é justa. Tanto Fernando Henrique quanto Lula pagaram o preço de suas alianças com o atraso. Isso foi cobrado de Fernando Henrique, agora é cobrado de Lula. Por mais que essas alianças frustrem e irritem os que sonham com uma democracia moderna, sem elas, em nossas circunstâncias, não teria havido a estabilidade necessária para o exercício do governo dentro de um sistema representativo. Os impasses entre o Executivo e o Legislativo teriam causado paralisia do governo, pois, como já percebera Celso Furtado, entre nós o Executivo tende a ser mais reformista do que o Congresso. É verdade que essas alianças têm causado grandes danos à República. Está aí o exemplo do mensalão. Mas é preferível lutar contra a corrupção dentro da liberdade do que nem poder detectá-la em regime de exceção.

Valor: Lula tem aprovação recorde e seu último ano de governo terá um crescimento de 7% ou mais. Lula será uma sombra incômoda para o próximo presidente?

Carvalho: Ex-presidentes, sobretudo os que terminam seu governo com avaliação muito positiva, têm a capacidade de se tornarem uma sombra para os sucessores, aliados ou adversários. No caso presente, se exercida essa capacidade, um eventual adversário eleito estará sob permanente vigilância e terá que enfrentar a cobrança do tipo " No meu governo etc. " , que pode ter efeito desgastante. Na eleição eventual de uma aliada, a situação não será mais confortável. Sem voo político próprio e sem a liderança e a popularidade do antecessor e mentor, ela terá dificuldade em firmar sua autoridade e seu comando, sobretudo se houver deterioração no cenário econômico. O melhor para todos, sobretudo para nossa democracia, seria que o futuro ex-presidente se abstivesse de interferir no governo de seu sucessor, aliado ou adversário.

Valor: Quais os principais desafios políticos que enfrentará o sucessor de Lula?

Carvalho: Além de suceder a um presidente popular, com os problemas que isso pode acarretar, há grandes desafios pela frente. Apesar de alguma melhora, o Brasil ainda detém o terceiro pior índice de desigualdade do mundo, metade da população não tem rede de esgotos, a educação foi universalizada, mas continua de péssima qualidade, os impostos estão entre os mais altos do mundo, a taxa de poupança e, portanto, também a de investimento, é baixa, os gastos públicos são excessivamente altos. Todas essas contas serão apresentadas ao sucessor, que não terá a garantia de enfrentar condições internacionais favoráveis como foi o caso em quase todo o mandato de oito anos de Lula.

Valor: Os fatos de não ter experiência político-eleitoral e não ser uma petista histórica pode fragilizar um eventual governo Dilma?

Carvalho: Sem dúvida. Não será fácil superar esses obstáculos e ainda ter que enfrentar a oposição e a sombra do antecessor e criador. Acresce-se a isso o fato de, se eleita, tornar-se a primeira mulher a governar o país no regime republicano. As pressões serão enormes.

Valor: Serra representa a mudança, ou algum grau de mudança, num momento em que a aprovação de Lula e o crescimento favorecem a continuidade. Como articular um discurso de oposição nessas circunstâncias?

Carvalho: A tarefa da oposição não é fácil. Ela tem que enfrentar a candidata de um presidente popular com as armas de um candidato reconhecidamente competente, mas sem apelo popular. A tática do candidato da posição de não confrontar diretamente o presidente, de dizer que se trata de fazer mais e não diferente, é prudente, mas não suficiente para convencer o eleitor, favorecido pelas políticas sociais do governo, a arriscar mudanças. Além de concentrar a crítica nas fraquezas da candidata oficial, ele terá que mostrar as diferenças que pretende introduzir nas políticas públicas, e isso sem dar margens à acusação de querer voltar atrás nas políticas redistributivas.

Valor: Que diferenças e semelhanças o sr. vê nas candidaturas e nos eventuais governos de Dilma e Serra?

Carvalho: É mais fácil, ou menos difícil, falar nos dois candidatos do que adivinhar seus eventuais governos. Os dois, aliás, têm a mesma origem na esquerda e coincidem em vários pontos. Quanto às candidaturas, a de Dilma é um enigma. A candidata tem feito todo o possível para se ajustar ao papel que lhe foi atribuído e às necessidades da campanha, com plástica, sorrisos, posições liberais em economia, corretas em ecologia, e democráticas em política. Mas nada disso corresponde bem à sua biografia, que está mais próxima do estatismo em economia, incorreção em ecologia e autoritarismo em política. É difícil dizer qual Dilma vai governar, caso seja eleita. Serra é um só, embora também faça seus ajustes eleitorais. Ele voltou atrás, por exemplo, em seu ataque à independência do Banco Central. Tem, como a Dilma não eleitoral, pouco jogo de cintura, um estilo centralista de governar e uma postura de desenvolvimentismo a todo custo. Suas vantagens são a transparência, a experiência política e a capacidade comprovada de administrador. Um eventual governo Serra certamente daria maior ênfase à boa gestão dos gastos públicos do que ao aumento deles.

Valor: Entre Dilma e Serra, quem o sr. acha que tende a fazer um governo melhor para o país?

Carvalho: É difícil dizer. Dilma poderá dar continuidade às políticas includentes de Lula, que chamo de democráticas, o que seria bom. Mas poderá fazer crescer ainda mais o tamanho do Estado, aumentar o controle governamental da economia, interferindo, por exemplo, na autonomia do Banco Central, e tentar aumentar o controle sobre a sociedade. Serra, por outro lado, representará a alternância no poder, que é uma coisa boa em si, e poderá reforçar mais o lado que chamo de republicano, que se refere à boa gestão do dinheiro público e à redução do aparelhamento do Estado. No entanto, quanto ao maior controle governamental da economia, não creio que se distinguiria muito de Dilma.

Valor: Depois de 16 anos de governo de dois presidentes com estilo conciliador, o país deverá ser comandado a partir de 2011 por Dilma ou Serra, políticos com pouco jogo de cintura, como o sr. mesmo disse. Quais riscos essa característica traz para o cenário pós-Lula?

Carvalho: Prefiro falar em dificuldades em vez de riscos. Como se sabe, Fernando Henrique e Lula tiveram que engolir muitos sapos, fazer muitos compromissos para viabilizar seus governos e o fizeram com ou sem caretas. Pelo temperamento, os dois candidatos terão mais dificuldade nesse campo. Mas, como o problema político principal estará na manutenção de uma coalizão capaz de fornecer os votos necessários no Congresso, imagino que ambos acabarão aceitando a receita brasileira de que é dando que se recebe.

Valor: O PMDB ganhou força ao longo do governo Lula. Para ter o apoio do partido à Dilma, Lula fez o PT apoiar o PMDB em Minas e no Maranhão. Esse avanço do PMDB é preocupante?

Carvalho: Como disse, essas alianças, apesar de constrangedoras, são indispensáveis para a governança. O que preocupa é a natureza da convivência do PT com o PMDB em eventual governo Dilma. Pela força de sua liderança, Lula foi capaz de enquadrar o PT e controlar o PMDB. Dilma terá maior dificuldade em fazer isso. Ela poderá se ver diante do dilema de ter que recorrer à ajuda de Lula, enfraquecendo a própria autoridade, ou enfrentar crises desgastantes em sua aliança.

Valor: Como o sr. analisa a candidatura de Marina Silva? Ela tem potencial para crescer impedir uma eleição plebiscitária ou será apenas uma coadjuvante?

Carvalho: Dada a polarização existente, acho que Marina Silva não passará de coadjuvante. É uma candidata republicana, boa demais para ganhar. No caso de um final de campanha muito disputado, no entanto, seus votos poderão decidir se haverá ou não um segundo turno e, caso haja, seu apoio poderá decidir o resultado final. De qualquer modo, uma campanha como a de Marina Silva só fará bem ao país. Ela é um exemplo de vida, uma mulher pública (hoje já se pode usar a expressão em sentido positivo) inatacável em seu comportamento, com uma clara mensagem a propósito de um tema que constitui um dos maiores problemas do Brasil e do mundo, a preservação das condições naturais de sobrevivência da espécie humana. Sua pregação ecológica sozinha já vale sua campanha, sobretudo quando se leva em conta que a ecologia não é forte de nenhum dos dois principais candidatos, para dizer o mínimo.

Valor: Não há um candidato explicitamente de direita na eleição, ou mesmo alguém que defenda ideias econômicas mais liberais. Por que há esse vácuo?

Carvalho: No Brasil, os políticos e os partidos têm vergonha de se declarar de direita, talvez por causa da ditadura militar. E há também ainda certo receio de assumir posição de esquerda, talvez pela mesma razão. Mas creio que, além da ditadura, a opinião pública também favorece uma tendência centrista. Às vésperas do golpe de 1964, quando a política parecia radicalmente polarizada, pesquisas do Ibope indicavam vitória do moderado Juscelino sobre Brizola e Lacerda nas eleições que viriam. Lula teve que dar uma guinada para o centro para se tornar um candidato viável. Essa característica da opinião pública força os candidatos a se afastarem dos extremos e se amontoarem em um imenso centrão sem fisionomia definida. Seria útil se houvesse partidos e candidatos abertamente de direita. Daria mais transparência à luta política.

Valor: Nas últimas semanas, Serra e seu vice adotaram um discurso mais conservador. Pode ser interpretada como uma guinada à direita?

Carvalho: Guinada ao centro. Posições extremadas em campanha são fatais. Lula o reconheceu depois de longo aprendizado. O Brasil é um país conservador.

Valor: O que explica esse conservadorismo num país tão desigual?

Carvalho: A Independência não tocou na estrutura social do país, a abolição se fez sem guerras, a República só mudou a escolha do chefe de Estado e fortaleceu as oligarquias regionais, a Revolução de 1930 nada teve de revolução, a Revolução de 1964 foi uma contra-revolução, 1985 foi uma negociação. A razão para isso é que o povo político no Brasil nunca teve capacidade revolucionária em nível nacional e só começou a ganhar força eleitoral a partir de 1945. Até hoje ele ainda é vulnerável a políticas de cooptação. Pela capacidade de coerção ou cooptação, temos as elites mais competentes do mundo, inclusive a que está no poder hoje.

Valor: Passados quase oito anos do governo Lula, quais os principais pontos positivos e negativos que o sr. vê nos dois mandatos do petista?

Carvalho: Quando Lula foi eleito pela primeira vez, afirmei que ele entraria para a história se conseguisse reduzir substancialmente a desigualdade social. Embora ainda se mantenha entre as mais altas do mundo, a desigualdade diminuiu nos últimos anos. Mas, sobretudo, de acordo dados do Ipea, houve redução da pobreza e da miséria desde o Plano Real, com grande aceleração a partir de 2003. Programas de inclusão iniciados no governo anterior, como o Bolsa Escola, foram grandemente ampliados no Bolsa Família, que hoje socorre milhões de brasileiros, e pelos aumentos no salário mínimo. Apesar dos problemas envolvidos na concepção e gestão do Bolsa Família, e dos usos eleitoreiros a que dá margem, não há como negar seu efeito includente. É o suficiente para que o governo Lula deixe sua marca na história. Outro ponto positivo foi ter tido a coragem, mesmo contra a opinião de setores do partido, de manter a política econômica do governo anterior, responsável em boa parte pela recuperação do crescimento em bases mais sólidas. Com sua política social e econômica, Lula conseguiu o feito ímpar de ser popular nos extremos da escala social, os banqueiros e os pobres.

Valor: E os pontos negativos?

Carvalho: Do lado negativo, pode-se anotar uma atitude excessivamente tolerante com práticas abusivas como as exibidas no mensalão e na ação dos aloprados e uma postura quase desrespeitosa em relação ao Judiciário. O mensalão e outros escândalos contribuíram para a desmoralização das instituições representativas. Isso é muito pouco republicano e, politicamente falando, foi o pior aspecto do governo de Lula. Podem-se acrescentar, na coluna do débito, o retorno ao inchamento do Estado, o aparelhamento da burocracia, a falta de disposição para enfrentar reformas difíceis, mas importantes, como a fiscal, a da previdência e a política, e uma política externa excessivamente ideologizada.

Valor: Como fica o governo Lula na comparação com o de Fernando Henrique?

Carvalho: Do governo Lula, acabo de falar. Creio que ele se beneficiou de uma herança bendita dos dois governos anteriores, de Itamar e Fernando Henrique, sobretudo no que se refere ao Plano Real, que o PT combateu quando foi implantado. O controle da inflação, o saneamento financeiro, garantidos no governo Lula pela ação do Banco Central, e o enxugamento das gorduras do Estado formaram um dos alicerces em que se sustenta o bom momento de que goza a economia do país. Se Lula expandiu muito o lado social, no quesito republicanismo o governo Cardoso teve melhor desempenho, apesar de alguns tropeços, como na campanha para a reeleição. Um fator importante na diferenciação dos dois governos foi o cenário internacional. Cardoso foi atropelado por uma crise externa que prejudicou seu segundo mandato, quando poderia ter colher os frutos do saneamento realizado no primeiro. Lula, na maior parte do tempo, voou em céu de brigadeiro. De um modo geral, no entanto, vejo os dois governos, e o de Itamar, como voltas de um círculo virtuoso que, se levado adiante, corre o risco de consolidar nossa democracia política e nos aproximar de uma democracia social.

Valor: Lula já se comparou a Getúlio Vargas e a Juscelino Kubitschek. Essas comparações são pertinentes?

Carvalho: Com Juscelino, certamente não. JK era um desenvolvimentista radical e um convicto democrata, mas sem grande preocupação com o social e sem apelar aos trabalhadores. O forte de Lula é exatamente o social, o popular e o sindical. A comparação com Vargas é mais pertinente, pois ele foi pioneiro em nossa história em dar ênfase à política social e em interpelar os trabalhadores. Essa comparação é, no entanto, algo irônica, uma vez que o novo sindicalismo, que teve em Lula um dos protagonistas, se apresentou exatamente como reação ao sindicalismo de origem varguista e estado-novista, acusado de atrelado ao Estado e de peleguismo. Tendo em vista a situação privilegiada que as organizações sindicais tem hoje no Estado e as posições que os sindicalistas ocupam na administração pública e nas estatais, talvez a ironia desapareça e dê lugar à nêmesis do antigo ditador. Lula também se parece com Vargas na astúcia e no pragmatismo político.

Valor: Parte da oposição aponta traços de autoritarismo em Lula e no PT, que apareceriam em iniciativas como a tentativa de criação do Conselho Federal de Jornalismo e o Plano Nacional de Direitos Humanos. Lula é autoritário?

Carvalho: Não diria que Lula seja autoritário. Ele pode ter, às vezes, um estilo pesado de fazer política, inclusive com o próprio partido dele, traços de seu aprendizado sindical. Mas negocia sempre. O PT, no entanto, ou melhor, setores do PT, têm, sem dúvida, como já se disse, o DNA da esquerda autoritária de onde vieram muitas de suas lideranças. As tentativas mencionadas acima são exemplo disso.

Valor: O Brasil ganhou peso no cenário internacional nos últimos anos, tornando-se uma economia com potencial de crescimento forte num momento em que os países desenvolvidos lutam para sair da crise, beneficiado ainda pela descoberta das reservas de petróleo no pré-sal. O país está sabendo aproveitar esse momento? Pode ir além da vocação de potência regional?

Carvalho: É um momento certamente positivo. Mas, há riscos. Tendemos a oscilar entre os complexos de vira-lata e o oba-oba, ambos funestos. Receio que estejamos caindo no segundo complexo. Os indicadores são bons e auspiciosos, mas há um imenso trabalho a ser feito e os resultados não são garantidos. O país está caindo na participação no comércio internacional, depende muito de commodities, tem grandes desvantagens devidas à má qualidade da educação, à falta de qualificação da mão de obra, ao excesso de burocracia (como é possível que seja quatro vezes mais barato criar uma empresa na China?), à baixa taxa de investimento. O petróleo como fonte de energia está sob forte suspeita, tendo em vista os riscos que cria ao meio ambiente tragicamente demonstrados no vazamento do Golfo do México. Diria que, mais que o petróleo, o combustível mais importante para que as promessas não se frustrem é o suor do trabalho.

Valor: Como o sr. analisa esses movimentos recentes da política externa brasileira?

Carvalho: A política externa representa seguramente o lado mais controvertido do governo Lula. Faço duas observações a respeito. Primeiro, ela me parece cultivar uma visão do imperialismo norte-americano mais voltada para o passado do que para ao futuro. Lembra a política externa independente e terceiro-mundista da década de 1960. Há hoje uma clara tendência à redução do poder dos Estados Unidos e uma ainda mais clara emergência de outra potência que será, com grande probabilidade, o grande imperialismo do século XXI. Falo, é claro, da China com seus 1,3 bilhão de habitantes, uma economia em crescimento acelerado e uma determinação inabalável de suas lideranças. Contra esse novo imperialismo, que poderá ser mais pesado do que o norte-americano, é que nos devíamos precaver. Segundo, o empenho em diversificar o leque das relações internacionais e em buscar maior influência no cenário mundial é mais do que justificado para um país como o Brasil e houve avanços a esse respeito. No entanto, o caminho seguido, pelo viés ideológico na escolha de alianças, está consumindo um precioso capital de simpatia internacional acumulado por Lula em seus primeiros anos. A parcialidade e o uso oportunista da tese da soberania dos Estados, interferindo em uns, como em Honduras, negando-se a criticar outros, como Irã, Guiné Equatorial, Cuba, e a desconsideração pragmatista dos direitos humanos não favorecem a consolidação da respeitabilidade regional e internacional e pode, eventualmente, frustrar, em vez de favorecer, o acesso a um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, que parece ser um dos objetivos buscados pelo governo.

Valor: Entre os vários erros e os vários acertos do governo Lula apontados pelo sr., o saldo final é positivo ou negativo?

Carvalho: Entre erros e acertos, o saldo é certamente positivo. Avançamos algo na redução da desigualdade e muito na redução da pobreza, dentro de um clima de liberdade e, apesar dos escândalos, sem ruptura do sistema representativo. Demos um grande passo à frente.

Valor: O governo Lula está entre os melhores que o Brasil já teve ou ainda é cedo para o julgamento?

Carvalho: Ainda falta a distância necessária para colocar seu governo em perspectiva histórica. Para ficar só na República, Lula terá que competir com o quase imbatível Getúlio Vargas e suas leis sociais e trabalhistas, com JK e seu desenvolvimentismo democrático, e com o próprio Fernando Henrique Cardoso e sua estabilização da economia, enxugamento do Estado e reinício das políticas sociais. Pode-se dizer, no entanto, que Lula seguramente estará nesse time.

No rádio, tucanos fazem ataque direto

DEU EM O GLOBO

Estratégia do PSDB de subir o tom visa recuperar pontos nas pesquisas. Petista explora sua ligação com Lula

Leila Suwwan, Cristiane Jungblut e Gerson Camarotti

SÃO PAULO e BRASÍLIA. A campanha de José Serra (PSDB) escolheu os programas de rádio como arena para a escalada do embate político, que promete ironias e farpas para provocar dúvidas sobre Dilma Rousseff (PT). Com jingles e uma "mesa redonda", as peças tucanas tentam emplacar a ideia de que a petista "usurpa" conquistas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

As reações da campanha de Dilma serão incorporadas pelo programa tucano quase em tempo real, como ocorreu ontem, quando o personagem Ari fez piada com a desconfiança petista de que sua voz era parecida com a de Lula.

- Minha voz parecida com a de Lula? Só se for porque elogiei Serra. Tem que elogiar mesmo, até o presidente já elogiou.

A estratégia não será aplicada na televisão, que foca na imagem positiva de Serra, e onde um diálogo provocativo pareceria mais agressivo.

Ontem, no rádio, os tucanos repetiram o jingle "Lula tá saindo, é o Zé que quero lá" e apresentaram um novo, "Dilma pegou o bonde". Ela é acusada de apropriação ilegítima: "Diz que é dona de tudo, o Brasil inteirinho foi ela que fez", "tira a mão do trabalho do Lula, tá pegando mal" e "aquilo que é coisa do Lula a Dilma diz é meu, é meu".

A opção de subir o tom é uma decisão estratégica do PSDB, como um dos últimos recursos para que o tucano recupere pontos nas pesquisas. O partido identificou que os eleitores veem o perfil de Serra semelhante ao de Dilma: técnicos, sisudos e com imagem de competentes. Assim, o apoio de Lula passou a desequilibrar em favor de Dilma.

Pelo Ibope/TV Globo, Serra já está com intenção de votos (32%) abaixo de seu piso histórico, que, desde 2007, não havia sido inferior a 35%. Por isso, era preciso uma postura mais contundente, disse o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra:

- Não bastava o choque de biografias. Era preciso se diferenciar para atrair eleitores.

Já o programa de Dilma explora sua ligação com o presidente. Foram apresentados como "nossos presidentes, o atual e a futura". Lula pede votos:

- Tenho certeza de que saltos ainda maiores vão acontecer no seu governo.

Um dos jingles compara as biografias de Dilma e Lula: "Ele nasceu em Pernambuco, ela em Minas Gerais. Ele era muito pobre, ela tinha um pouco mais, mas os mesmos ideais de uma causa muito nobre". Já Marina falou de sua biografia. O locutor destacou a infância pobre no Acre, os problemas de saúde e a luta ao lado de Chico Mendes.

Serra tenta separar Dilma de Lula

DEU EM O GLOBO

No horário eleitoral, José Serra tenta separar Lula e Dilma. O programa de TV mostrou o tucano com Lula, chamado de líder, e diz que a petista não tem vivência. O jingle de rádio acusa Dilma de se apropriar do que Lula fez.

Na TV, Serra tenta separar Lula de Dilma

Tucano mostra imagens de proximidade com o presidente, e programa diz que candidata petista não tem "vivência"

Maiá Menezes e Paulo Marqueiro

O presidenciável tucano José Serra iniciou ontem seu programa de TV, no horário eleitoral gratuito, ao lado do presidente Lula. Três imagens dos dois, em momentos distintos, compuseram cenário para texto do locutor, que fez associação clara entre as trajetórias dos dois. O tucano tentou separar Lula da candidata petista Dilma Rousseff: enquanto colava Serra ao presidente, o programa do PSDB na TV criticou Dilma pela primeira vez:

- Serra é o homem mais preparado para comandar o Brasil. Serra tem a vivência que Dilma não tem. Um presidente com coragem para enfrentar e vencer desafios - afirmou o locutor logo no início do programa.

Mostra três imagens: Lula no ombro dele; outra, numa mesa conversando; e a terceira, com eles em diálogo.

O programa comparou a experiência de Serra à de Lula, exibindo momentos de proximidade entre os dois. As imagens registravam situações de bom relacionamento entre os dois: numa das cenas, os dois cochichavam; em outra, cumprimentavam-se com um toque no ombro; e em uma terceira conversavam durante um evento.

- Serra e Lula, dois homens de história, dois líderes experientes. Serra foi ministro, prefeito, governador. Fez a maior expansão do metrô. Agora vai ampliar o metrô em todas as capitais. Fez o Rodoanel, maior obra viária do Brasil. Agora vai melhorar as estradas em todo o país. Foi o melhor ministro da Saúde do Brasil. Agora vai fazer as policlínicas, novos hospitais, mais remédios - disse o locutor.

Os jingles de Serra, usados nos dois programas de estreia, sumiram do segundo. Um deles era um sambinha cujo refrão dizia: "Depois que o Lula da Silva sair, é o Zé que eu quero lá." O outro era uma paródia de "Bate, coração", de Cecéu, sucesso na voz de Elba Ramalho. Apesar de a voz ser parecidíssima com a da cantora, Elba divulgou nota anteontem informando não ter gravado o jingle. A polêmica favela cenográfica, onde foi gravado o clipe do samba, também não foi incluída no programa de ontem. O tratamento de "Zé" foi deixado de lado no horário eleitoral tucano da TV ontem.

Mais uma vez, o tucano centrou seu programa na área de Saúde. O desempenho de Serra como ministro foi usado como mote para a abordagem de um tema que também vem mobilizando a campanha petista: o aumento do consumo de crack no país. O locutor afirma que, depois do "bem-sucedido tratamento de Aids", o combate à droga surge como o novo desafio do país:

- Você que está em casa pode achar que nada tem a ver com isso. Hoje no Brasil tem mais gente viciada em crack do que a população de seis cidades brasileiras. O pior é que não tem prevenção, não tem tratamento - disse Serra, numa crítica à atual política do governo para o setor.

Repleto de depoimentos, o programa apresenta jovens que foram viciados em crack. Segundo dados apresentados pelo programa, mais de 600 mil pessoas usam a droga no país.

Programa de Marina muda, depois de críticas

A campanha petista repetiu ontem o programa de Dilma exibido na terça-feira à tarde, que mostrava a trajetória da candidata como secretária de Fazenda de Porto Alegre, secretária das Minas e Energia do Rio Grande do Sul e ministra de Lula. Num tom emocional, ela falou de sua relação com a família.

O programa de Marina Silva (PV), que no primeiro dia se dedicou a falar das consequências das mudanças climáticas, ontem finalmente apresentou a candidata. Simpatizantes de Marina interpretavam a candidata lendo trechos de sua história. Uma das críticas ao programa é que ele tinha dedicado pouco tempo à candidata.

Tom de campanha em evento oficial

DEU EM O GLOBO

"Contem com ele para voltar à Câmara", diz Vannuchi sobre antecessor

Evandro Éboli

BRASÍLIA. Num evento oficial no auditório do CCBB, sede provisória da Presidência da República, o ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, fez ontem propaganda da campanha de Nilmário Miranda a deputado federal pelo PT de Minas Gerais. Estavam presentes outros ministros, 350 vítimas de hanseníase, e filhos de pessoas portadoras da doença. Desse total, cerca de 160 eram de caravanas egressas de cidades mineiras. Boa parte delas estava com broche da candidatura de Nilmário.

Vannuchi elogiou Nilmário, e lembrou que o mineiro foi o primeiro ocupante do seu ministério no governo Lula.

- Nilmário Miranda, primeiro ministro dos Direitos Humanos do presidente Lula, um lutador de décadas de todas as causas dos direitos humanos, incluindo o tema dos direitos da família hanseniana. Contem com ele para voltar à Câmara dos Deputados, para as batalhas que sejam necessárias - disse Vannuchi, aplaudido pela plateia.

Desse encontro, participaram os ministros Gilberto Carvalho (Chefe de Gabinete), Luís Inácio Adams (Advocacia Geral da União), os secretários-executivos João Aragonés (Previdência) e Márcia Bassit (Saúde). Por determinação de Lula, sua equipe foi ouvir a reivindicação dos filhos de hansenianos, que querem indenização por terem sido retirados de seus pais.

Em outro momento, Vannuchi voltou a citar Nilmário, que estava na primeira fileira do auditório. Já considerando o petista eleito, afirmou que reunião como a de ontem deve se repetir no Congresso, a partir de 2011:

- Nilmário, já fico imaginando, se for necessário, repetir essa sessão aqui no Legislativo, na Comissão de Direitos Humanos, na comissão especial. Penso que não haverá dificuldades.

Nilmário afirmou que acompanha há anos a luta dos hansenianos, e pediu às pessoas para não irem ao evento com o broche da campanha. Os adesivos com foto do candidato estavam espalhados em pontos do auditório. E foram utilizados mesmo para fixar as faixas de apoio aos hansenianos na mesa onde estavam os ministros.

Gilberto Carvalho afirmou que o governo deve enviar ainda este ano um projeto de lei estendendo o direito de indenização a filhos de portadores de hanseníase que foram retirados dos pais quando nasceram. A política da época era de isolamento das pessoas com a doença, conhecida também como lepra.

Traficantes intimidam Gabeira em favela

DEU EM O GLOBO

Aloysio Balbi

MACAÉ. O candidato do PV ao governo do Rio, Fernando Gabeira, e César Maia, candidato ao Senado pelo DEM, fizeram ontem corpo a corpo nas favelas Nova Holanda e Nova Esperança, em Macaé, no Norte Fluminense, mas com o itinerário definido pelos traficantes das duas comunidades. Num primeiro momento, o tráfico tentou impedir que eles entrassem na área que tem como acesso uma ponte, mas os dois não aceitaram. Gabeira dialogou com membros da associação dos moradores e ganhou passe livre na região, desde que fosse respeitado o itinerário que os fotógrafos e cinegrafistas, que acompanhavam os candidatos, baixassem os equipamentos em determinados pontos do trajeto.

Na favela, Gabeira foi surpreendido:

- Olha só o rapaz mostrando uma arma - disse ele, se referindo a um homem que, na garupa de uma moto, levantava a camisa exibindo uma pistola.

Gabeira disse que a situação era constrangedora:

- Não tenho problemas com esse tipo de coisa. Meu medo é com as pessoas que ficam. Não podemos aceitar que Macaé, com um orçamento milionário por causa dos royalties do petróleo, deixe essa gente excluída. Aqui não moram só traficantes. Moram trabalhadores. Por isso, defendo que as cidades que produzem royalties criem comitês comunitários para acompanhar os gastos.

Cesar chegou a andar sozinho e quase se perdeu:

- Fui entrando, apertando a mão das pessoas. Eles respeitam quem tem autoridade. Não me senti ameaçado.

A PM informou que o batalhão de Macaé investigará o incidente. A partir de então, a corporação "poderá realizar operações planejadas e pontuais para prender os bandidos sem oferecer riscos à população".

Verde quis olhar as duas obras paradas do PAC

DEU EM O GLOBO

Cesar Maia afirma que não esconde nome do DEM na TV

Nas duas favelas, Gabeira quis ver de perto duas obras de infraestrutura executadas pela prefeitura de Macaé com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo ele, a obra na Nova Holanda, de R$35 milhões, não foi concluída:

- Adulteraram até a data em que deveria estar pronta disse.

A segunda obra, na Nova Esperança, de R$10 milhões também estava parada.

Cesar negou que esteja omitindo a sigla do DEM na propaganda eleitoral na TV e que não esteja inserindo o nome de Gabeira com destaque:

- Não é verdade. Nos primeiros programas, nossa coligação está verticalizada no vídeo, mas tem os nomes todos os partidos. Agora, vamos botar na horizontal. Quanto ao fato de eu não formar par contínuo com Gabeira, isso é uma estratégia. Em alguns lugares é melhor eu aparecer sozinho e em outros ele aparecer, assim como há lugares em que aparecemos juntos.

Analista do fisco diz que deu senha a colega

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Investigada por violação de sigilo de dirigente tucano afirma que precisou de ajuda por excesso de trabalho

Declarações de que as senhas eram tratadas com desleixo podem dificultar a apuração de culpados no caso EJ

Andréa Michael

DE SÃO PAULO - Investigada por acessar sem motivação o sigilo fiscal do dirigente tucano Eduardo Jorge, a analista tributária Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Silva afirmou em depoimento ter entregue sua senha a pelo menos duas colegas do escritório de Mauá (SP) do Fisco.

No depoimento, ao qual a Folha teve acesso, Antonia disse ter compartilhado os dados confidencias para que as colegas a ajudassem, devido ao excesso de trabalho.

Adeilda Ferreira, dona da máquina em que foi acessando o IR do tucano, e Ana Maria Caroto confirmaram ter recebido da colega a senha -com a qual têm acesso a dados de contribuintes.

RASCUNHO

Adeilda afirmou que deixou um papel com a senha da colega em cima de um bloco do tipo "risque rabisque", para rascunhos, em tese ao alcance de outros servidores.

Também afirmou que a senha foi anotada em uma agenda deixada sobre sua mesa de trabalho.

As declarações de que as senhas eram tratadas com desleixo podem dificultar a conclusão das investigações internas do Fisco e a apuração de responsáveis.

Em junho, a Folha revelou que cópia do Imposto de Renda do político constava de dossiê montado pelo "grupo de inteligência" que atuou na pré-campanha da petista Dilma Rousseff.

O sindicato da categoria, responsável pela defesa de Antonia, disse que reafirma sua confiança nela, que nega a quebra do sigilo.

Marcelo Panzardi, advogado de Adeilda, afirmou que a "a vulnerabilidade é do sistema, e se transforma numa falha que também coloca o servidor sob suspeita".

O advogado de Ana Maria Caroto não foi localizado.

Sindicato diz ter confiança em servidora

O Sindireceita, que representa a categoria dos servidores da Receita Federal, disse que reafirma sua confiança nas declarações da servidora Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Silva.

"Haverá o momento, depois de respeitados os ritos da lei, em que ficará provada a versão relatada por ela", disse a advogada Maria Carolina Santos, que juntamente com o colega Rafael Nobre Luiz acompanha a causa por designação do sindicato da categoria, o Sinreceita.
"Minha cliente tem 27 anos de carreira irreprensível", diz Marcelo Panzardi, advogado de Adeildda dos Santos.

E continua: "Quero chamar a atenção: a vulnerabilidade é do sistema, e se transforma numa falha que também coloca o servidor sob suspeita e sem fundamento".

A Folha não conseguiu contato com os demais servidores, ouvidos na condição de testemunha, ou seja, em tese, para prestar esclarecimentos ou relatar circunstâncias ocorridas.

Jornais terão conselho para autorregulação

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com o objetivo de reiterar o compromisso com a liberdade de expressão e a responsabilidade editorial, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) anunciou ontem a criação de um conselho de autorregulamentação.

No Congresso Brasileiro de Jornais, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) assinaram a Declaração de Chapultepec, pela liberdade de expressão.


ANJ terá órgão de autorregulamentação

Entidade anuncia formação de conselho como forma de reiterar compromisso dos jornais com liberdade de expressão

Grupo, a ser oficializado nos próximos meses, terá sete membros e julgará casos que sejam a ele submetidos

DO RIO - A ANJ (Associação Nacional de Jornais) anunciou ontem a criação de um conselho de autorregulamentação como forma de reiterar o compromisso da entidade com a liberdade de expressão e com a responsabilidade editorial. O anúncio foi feito na abertura do 8º Congresso Brasileiro de Jornais, que termina hoje, no Windsor Barra Hotel, na zona oeste do Rio.

"Definimos conceitos básicos para o estabelecimento de um conselho de autorregulamentação, composto por sete membros, que julgará casos a ele submetidos", disse a presidente da ANJ, Judith Brito, diretora-superintendente do Grupo Folha.

"Nos próximos meses, nosso compromisso é o de detalhar o regulamento e os procedimentos para que este conselho seja designado e comece a atuar", afirmou.

Judith Brito acredita que até o final do ano o novo conselho esteja em funcionamento. Outros setores contam com entidades semelhantes. A publicidade brasileira, por exemplo, é autorregulada pelo Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária), entidade não-governamental criada em 1978.

"Sabemos que muitos jornais já têm seus códigos de ética. A própria ANJ tem seu código. Agora, trata-se de avançar num modelo que permita debater e avaliar nossos erros, de forma transparente", disse.

Em discurso, a presidente da ANJ lembrou a "decisão histórica" do Supremo Tribunal Federal de, em abril de 2009, acabar com a Lei de Imprensa, definida por ela como "legislação antidemocrática com o objetivo de limitar a circulação de informações e opiniões, impondo um ambiente obscurantista para a sociedade".

"Os jornais não querem se isentar da responsabilidade que obviamente têm em suas funções de informar. Em nenhum momento propusemos impunidade, mas apenas nos defendemos contra a intolerável censura prévia", declarou Judith Brito.

A presidente da ANJ afirmou que a entidade é parceira das escolas de jornalismo, incentivando-as a serem "modelo de qualidade na formação humanística", e disse que as empresas só têm a ganhar com profissionais oriundos das boas escolas.

Mas a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista, exigência também derrubada pelo STF, era um "claro embaraço à liberdade de expressão e era natural sua revogação", afirmou.

PUBLICIDADE

Alguns dos debates do congresso discutiram o caminho da publicidade em jornais. A conclusão é que a publicidade em jornais impressos continuará prevalecendo e há espaço para seu crescimento, mas as empresas que produzem conteúdo jornalístico precisam buscar modelos de negócios que viabilizem suas operações em novas mídias digitais.

Serra acusa governo de tentar intimidar e manipular imprensa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, acusou o governo Lula e o PT de tentar intimidar e manipular a imprensa. No 8º Congresso Brasileiro de Jornais, da Associação Nacional de Jornais, Serra afirmou que conferências do governo para discutir comunicação "se voltaram de fato para um controle da nossa imprensa, através do suposto controle da sociedade civil". Ele disse que o primeiro programa de governo de Dilma Rousseff (PT) apoiava esse controle. Serra acusou o Planalto de usar a publicidade como "instrumento com critérios de manipulação". Mais tarde, no evento, Dilma defendeu a liberdade de informação "sem restrições".

Serra acusa governo federal e PT de tentar intimidar e censurar imprensa

Em discurso na Associação Nacional do Jornais, tucano não citou Lula, mas foi duro ao falar das ameaças à liberdade de expressão

Felipe Werneck / RIO

O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, acusou ontem o governo federal e o PT de tentarem, nos últimos anos, intimidar, manipular e censurar a imprensa, em duro discurso durante o 8.º Congresso Brasileiro de Jornais, promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), no Rio.

Sem citar o presidente Lula, Serra afirmou que as tentativas de "cercear a liberdade" se dão de três formas. A primeira, disse, é a "via democrática entre aspas", pela realização de conferências como as de comunicação, direitos humanos e cultura, que "se voltaram de fato para um controle da imprensa, através do suposto controle da sociedade civil".

"Quantas pessoas podem ter participado dessas conferências? Quinze mil? Vinte mil? Isso não representa o povo brasileiro. Representa muito mais um partido e alguns setores que infelizmente revelaram certa porosidade e indulgência", atacou o tucano. "Eu recusei como governador de São Paulo abrigar uma conferência estadual, coisa que me proporcionou moções de repúdio amplamente aplaudidas."

Serra afirmou que essas conferências são feitas com dinheiro público e funcionam como "articulação de natureza partidária para dominar ou, pelo menos, porque esse é o resultado principal, intimidar a imprensa". Segundo ele, esses encontros - que "são de partidos ou frações de partidos, basicamente do PT" - geraram cerca de 600 projetos de lei "que permanecem como ameaças" no Congresso.

Programa. Ele lembrou que o PT incluiu questões levantadas em conferências na primeira versão do programa de governo de Dilma Rousseff, "registrado na Justiça Eleitoral e rubricado pela candidata". E acusou: "Não foi por engano. Significa um endosso, como sempre significou, às posições de controle da imprensa."

Para Serra, o segundo aspecto é a tentativa de controle econômico. Acusou o governo de usar a publicidade estatal como "instrumento com critérios de manipulação". "Parece ser uma loucura com método, que se destina a intimidar." Também criticou a TV Brasil, mantida pela estatal EBC - "feita para não ter audiência, para criar empregos e servir como instrumento de poder para um partido".

Como terceira forma de cerceamento da liberdade de imprensa ele denunciou um suposto patrulhamento contra profissionais e classificou como "barbárie" o projeto de criação de um Conselho Federal de Jornalismo, para controlar o exercício da profissão. O candidato admitiu que às vezes reclama da imprensa, mas afirmou que não o faz com o ânimo de quem quer censurar.

"É muito diferente de ter um aparelho de Estado que se organiza para trazer sob seus desígnios o jornalismo, usar a opressão do Estado através de pronunciamentos, de pressão econômica, pressão de chantagem, pressão de patrulhamento em favor de um partido", atacou.

Depois do discurso, Serra assinou a Declaração de Chapultepec (documento lançado em 1994 no México em defesa da liberdade de imprensa). "Eu na Presidência vou respeitar até o fundo da alma essa liberdade de expressão e de informação, porque ela é a garantia da democracia", afirmou, em entrevista.

Para Magnoli, 'democracias plebiscitárias' são ameaça

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Segundo ele, avança no continente a teoria de que a imprensa não é um mediador, mas um partido, um jogador da política

Wilson Tosta / RIO

No painel O futuro da democracia e o jornalismo, na abertura do 8.º Congresso Brasileiro de Jornais, o sociólogo e colunista do Estado Demétrio Magnoli disse ontem que a imprensa não se deu conta de que virou pauta em razão do momento político da América Latina. Segundo ele, a emergência de "democracias plebiscitárias" na região cria a teoria de que a imprensa não é um mediador, mas um partido político, um jogador da política.

Essa concepção, segundo ele, é a base de projetos de jornalismo estatal feito por empresas que não são de comunicação e estão se associando ao Estado - como as teles brasileiras - para dizer o que o Estado quer que seja dito.

"O projeto da tirania plebiscitária exige a eliminação do mediador, que é, no fundo, a eliminação da opinião pública", afirmou. Isso significa, segundo ele, "eliminar a imprensa e fazer com que o Estado converse diretamente com os cidadãos".

Magnoli citou como exemplo o Blog da Petrobrás. "Não tenho nada contra nenhuma empresa ter o blog da sua empresa. O problema é a teoria de que estava na hora de o Estado fazer a notícia, a empresa vai dizer a verdade diretamente, passando por cima dessa gente que quer manipular a verdade e não quer deixar o povo ouvir a voz do Estado."

Segundo Magnoli, o projeto gerado pela teoria da imprensa como partido tem "como epítome a Telesur, da Venezuela", e, no Brasil, o canal estatal TV Brasil. Ele explica que a ideia, nesses casos, é criar uma imprensa alternativa feita basicamente por empresas de telecomunicações "que se associam politicamente ao Estado para produzir notícias" e para "dizer aquilo que o Estado quer que seja dito".

O diretor de Redação do jornal Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, manifestou preocupação com a ação de presidentes plebiscitários sul-americanos, como Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador). Segundo ele, o principal perigo que ronda as democracias é o da ditadura da maioria. Para ele, exercer jornalismo crítico é mais difícil quando se está sob um governo popular, com maior capacidade de intimidar. "Não vejo uma reação muito diferente entre o general Figueiredo, na época em que era presidente, e o presidente Lula hoje, no que diz respeito à insatisfação cada vez que são objeto de algum tipo de crítica."

Otimismo

Joshua Benton, da Universidade Harvard, se disse otimista quanto ao futuro dos jornais tradicionais. Ele lembrou que, no passado, revoluções semelhantes também já geraram previsões catastróficas

Mais uma vez Governo sai em defesa de Dilma

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dilma diz achar estranho críticas do principal rival

Para a petista, mudança de comportamento do tucano chega a ser patética quando ele tenta ligar-se a Lula

Alexandre Rodrigues

Rio - A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, rebateu as acusaçõesdo rival José Serra (PSDB), para quem o governo Lula e o PT tentaram intimidar a imprensa nos últimos anos.

"Eu acho estranho. Ao mesmo tempo o candidato tenta, de uma forma muitas vezes patética, ligar -se ao nome do presidente Lula. Fez oposição o tempo todo ao governo do presidente Lula, o partido dele e o que ele representa. Tem dia em que ele faz crítica, tem dia que tenta ligar o nome ao governo Lula. O candidato Serra é assim, fazer o quê?

Dilma defendeu as conferências realizadas no governo Lula, como as de comunicação e diretos humanos, criticadas por Serra. "Acho importante discutir as conferências. Não tememos os movimentos sociais. Muitas vezes não adotamos as reivindicações, mas jamais vamos deixar de escutar", afirmou.

Em seu discurso na ANJ, a petista afirmou que a democracia brasileira está bastante consolidada e recorreu à sua experiência pessoal de prisão como militante de esquerda no regime militar para reforçar seu compromisso com a liberdade de expressão,

"Um país que viveu na ditadura tem de aprender a conviver com a diversidade de opiniões e com as críticas", disse. "Prefiro mil vezes a multidão de vozes críticas do que o silêncio das ditaduras. Sei a diferença porque vivi sob o silêncio opressor de uma."

Franklin. O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, também rebateu Serra. "Ao dizer que o governo censura e persegue a imprensa, Serra falta com a verdade. Contribui também para arranhar a imagem internacional do Brasil, dando a entender que nossas instituições são frágeis, e os valores democráticos pouco consolidados", afirmou, em nota. "Para nós, a liberdade de imprensa é sagrada. O Estado democrático só existe, consolida-se e se fortalece com uma imprensa livre."

Franklin diz que Serra foi tomado pela paixão da campanha. "Compreendemos que as paixões da campanha eleitoral podem, em determinadas circunstâncias, toldar julgamentos serenos, mesmo naqueles que dizem ter nervos de aço. Mas seria prudente que certos excessos fossem evitados."

Ele sustenta que jornalistas e veículos de imprensa jamais foram incomodados por qualquer tipo de repressão. "A imprensa no Brasil é livre. Ela apura - e deixa de apurar - o que quer. Publica - e deixa de publicar - o que deseja. Opina - e deixa de opinar - sobre o que bem entende.

Citada por Serra, a EBC, gestora da TV Brasil, também emitiu nota, assinada por sua diretora-presidente, Tereza Cruvinel. A EBC e a TV Brasil não existem "para criar empregos na área de jornalismo", como disse o candidato", afirma. "Não é também o governo ou um partido político que dita a orientação editorial dos canais, mas um conselho curador amplo e representativo da diversidade da sociedade."


União deve adiar de novo capitalização da Petrobras

DEU EM O GLOBO

Empresas dão preços muito diferentes para barril de petróleo; Vale passa estatal

Diante da discrepância de preços para o barril de petróleo - que servirá de base à capitalização da Petrobras - o governo federal já trabalha com a possibilidade de adiar, mais uma vez, o aumento de capital da estatal, previsto para 30 de setembro. A Petrobras precisa de recursos para investimentos no pré-sal. O estopim foi a apresentação ontem de propostas díspares para o valor do barril. A empresa que cotou o barril para a Agência Nacional do Petróleo (ANP) fixou-o entre US$ 10 e US$ 12. Já a que trabalhou para a Petrobras sugeriu entre US$ 5 e US$ 6. Esses valores servirão de base para os até 5 bilhões de barris que a União está cedendo à Petrobras e que vão garantir parte da capitalização. As incertezas fizeram as ações caírem 3,25%. A Vale passou a Petrobras em valor de mercado.

Capitalização em suspenso

Governo deve adiar aumento de capital da Petrobras diante de embate sobre preço do barril

Luiza Damé, Geralda Doca, Gustavo Paul e Patrícia Duarte

BRASÍLIA e RIO - Confirmada a grande disparidade de preços entre as avaliações das reservas a serem cedidas à Petrobras, o governo voltou a trabalhar com a possibilidade de adiar pela segunda vez a capitalização da estatal, prevista para 30 de setembro, ou seja, às vésperas das eleições presidenciais. As indicações foram dadas por auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por intermédio de nota conjunta dos órgãos federais que representam a União nas discussões. Tiveram como estopim a entrega formal à Agência Nacional do Petróleo (ANP), ontem, da avaliação do preço do barril de petróleo pela certificadora Gaffney, Cline & Associates. Este estudo e o levantamento contratado pela Petrobras foram enviados ao governo federal.

Os valores não foram confirmados, mas rumores do mercado apontavam que o preço sugerido à ANP ficaria entre US$ 10 e US$ 12, o dobro do que teriam sido auferido pela consultoria da estatal, entre US$ 5 e US$ 6. Essa divergência surpreendeu o governo, que torcia por avaliações mais próximas, e colocou-o numa saia justa. A capitalização já havia sido adiada em junho, de julho para setembro.

Haverá impacto no superávit fiscal

Para fazer a capitalização da estatal, a maior da história do país, em 30 de setembro, o governo marcou para 30 de agosto a assinatura do contrato de cessão onerosa de até cinco bilhões de barris. Na segunda-feira, seria divulgado o custo do barril. Mas, para isso, os técnicos terão de trabalhar no fim de semana para chegar a um denominador comum e que caiba no limite do aumento de capital autorizado pela Assembleia Geral da Petrobras, de R$ 150 bilhões. Segundo um auxiliar direto do presidente Lula, o tema deverá se tratado com todo o cuidado: Mesmo o momento adequado de se fazer isso (a capitalização) carece de uma discussão. O presidente está se apropriando agora dos elementos. Vamos tomar cuidado para que seja uma ação de grande repercussão.

Perguntado se a data de 30 de setembro estava mantida, o auxiliar foi direto: Nada disso está tão acertado.

Pouco antes das 20h 30m, foi enviado outro sinal de que os prazos poderiam ser dilatados, por meio de nota conjunta da Casa Civil e os ministérios da Fazenda e de Minas e Energia. Os órgãos informaram que a Petrobras e a ANP enviaram os estudos das certificadoras, mas pontuaram que o governo solicitou informações adicionais para a ANP e a Petrobras, e aguardará a conclusão dos laudos de certificação para a definição dos parâmetros da cessão onerosa. O problema é que, à tarde, a ANP havia divulgado nota dizendo que os estudos finais só seriam entregues no fim do mês quando o governo previa assinar o contrato de concessão.

O preço do barril é essencial na capitalização. Definirá quanto vale a reserva a ser cedida pela União à petrolífera e de quanto será o aporte do Tesouro, controlador da estatal, no aumento de capital. O governo não tem meta de valor do barril , mas os parâmetros precisam ser convenientes para as duas partes. Para a estatal, quanto mais baixo o preço, melhor, pois pagará menos pela cessão onerosa.

Para a União, quanto mais caro, mais ela será ressarcida pela oferta.

Mas a possibilidade de o preço do barril vier elevado, acima de US$ 10 por exemplo, preocupa técnicos que atuam na operação. Entre outras razões porque a capitalização poderia superar, e muito, o limite de R$ 150 bilhões autorizado pela Assembleia Geral da companhia para o aumento total de capital, considerando o aporte da União e dos outros acionistas.

Se os preços vierem muito elevados, alguém vai ter de parar para fazer contas afirmou uma fonte.

A composição passa ainda pelo volume de barris a serem cedidos, que poderá ser menor que o previsto. Outro problema é o impacto que a capitalização terá no superávit primário (economia para pagamento de juros), pois envolverá emissão de títulos públicos para a União acompanhar o aumento de capital da Petrobras.

A disparidade de avaliações reacendeu a disputa interna nos bastidores da Esplanada. Uma ala do governo voltou a defender o adiamento do aumento de capital, argumentando ser impossível chegar a um preço final satisfatório sem divergências.

O presidente Lula foi sábio em várias situações. Se for sábio desta vez, vai mandar a Petrobras marcar passo (adiar o processo) disse uma fonte.

Para analistas, barril sairá por até US$ 7

Mas também há quem acredite que, trabalhando o fim de semana, há tempo para chegar a um consenso.

O que muda são as interpretações das variáveis. É uma fase negocial afirmou o diretor do Departamento de Assuntos Extrajudiciais da Advocacia Geral da União (AGU), Rafaelo Abritta, sinalizando que o peso político será grande na solução final.

Ontem, Lula não tratou pessoalmente do tema. De acordo com o acertado em reunião política na quarta-feira, os técnicos se reuniram na sede da Petrobras no Rio. Estava prevista apenas uma conversa telefônica entre ele e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Em nota, a Petrobras disse que os rumores sobre os valores para a cessão onerosa são mera especulação.

E afirmou que a cessão onerosa será uma transação comercial entre as duas partes (empresa e União), que seguirá as regras de mercado. Por isso, é natural que ambas as partes busquem maximizar seus resultados.

Analistas de mercado já fizeram as contas e apostam em adiamento da capitalização para após as eleições.

Com o barril entre US$ 10 e US$ 12, ela teria um volume final de US$ 140 bilhões a US$ 170 bilhões, considerando a cessão onerosa de cinco bilhões de barris, acima do limite autorizado em assembleia de R$ 150 bilhões. Osmar CamilosCamilos, da corretora Socopa, acredita que uma alternativa seria reduzir o volume de barris da cessão onerosa. Os analistas preveem que o preço do barril na cessão onerosa ficará de US$ 5 a US$ 7.