sábado, 12 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – Barack Obama

"O mundo testemunhou um momento histórico.
O povo do Egito falou, suas vozes foram ouvidas e o Egito nunca mais será o mesmo. Ao renunciar, o presidente Mubarak respondeu à sede dos egípcios por mudança.

Mas esse não é o fim da transição egípcia. É o começo.

Estou certo que haverá dias difíceis ainda, e muitas questões continuam sem resposta.

OBAMA,Barack. Discurso na Casa Branca. O Globo, 12/2/2011

A Praça derruba o ditador

Mubarak renuncia, entrega poder a militares e egípcios tomam ruas em explosão de alegria

Um mês após a fuga do presidente da Tunísia e no mesmo 11 de fevereiro em que, há 32 anos, uma revolução expulsou o xá do Irã, os egípcios conseguiram, ao fim de 18 dias de protestos ininterruptos, derrubar o ditador Hosni Mubarak, coronel que ocupava o poder há 30 anos. Sua resistência a renunciar, na véspera, redobrou a fúria da população, que ontem foi para as ruas em número ainda maior. Coube ao vice-presidente, Omar Suleiman, encerrar o impasse, anunciando que Mubarak entregara o poder a um conselho de militares. A multidão explodiu em comemorações pelo país, conquistando, assim, o primeiro objetivo de uma revolta que, sem líderes fortes, deixa no ar incertezas sobre a transição. O presidente dos EUA, Barack Obama, previu tempos difíceis para o Egito.

A queda do último faraó

Após 18 dias de protestos, Mubarak entrega poder a conselho de militares liderado por ministro da Defesa .

Nas ruas do Egito, fogos, buzinaço e explosão de alegria marcam fim de governo de 30 anos.

Ex-ditador deixa o Cairo com a mulher e tem seus bens congelados pelo governo da Suíça

Cairo - Foi um pronunciamento curto, mas que os manifestantes na Praça Tahrir a guardavam havia 1 8 dias, sem arredar o pe do local. A multidão explodiu numa comemoração antes mesmo de o vice-presidente Omar Suleiman acabar o breve anuncio, dizendo que o ditador Hosni Mubarak havia renunciado ao cargo que ocupava desde 1981. Os manifestantes conquistavam, assim, o primeiro objetivo de sua revolta, mas não afastaram as incertezas sobre o futuro egípcio. Mubarak deixa o pais nas mãos das Forcas Armadas. Informações não oficiais diziam que todo o gabinete ministerial poderia ser demitido, e a oposição demonstrava cautela. O Conselho Supremo das Forcas Armadas, presidido pelo ministro da Defesa, Mohamed Hussein Tantawi, tentou acalmar a população, afirmando que essa será uma fase interina e ressaltou que não agira como um governo ilegítimo.

O presidente Hosni Mubarak decidiu renunciar a Presidência do Egito e designou o Conselho Supremo das Forcas Armadas para comandar os assuntos do pais. anunciou Suleiman. Que Deus nos ajude a todos.

Segundo líder árabe a sair em um mês

Gritos de alegria podiam ser ouvidos nas ruas do Cairo e de outras cidades, como Alexandria e Suez. Na capital, moradores soltaram fogos de artifício e tocaram buzinas. Manifestantes agitavam bandeiras egípcias e se abraçavam na Praça Tahrir. cujo nome, libertação em árabe, tinha seu significado reforçado. Alguns se ajoelhavam e rezavam.

Muitos tinham menos de 30 anos e não conheceram outro presidente a não ser Mubarak. Torpedos eram disparados nos celulares e mensagens no Twitter comemoravam a vitoria da revolta. Sua queda foi ainda comemorada por egípcios no exterior, em países como Estados Unidos, alem de pessoas em Líbano, Iemen e na Faixa de Gaza.

Derrubamos o regime, derrubamos o regime. Gritavam os manifestantes.

Em frente ao Palácio Presidencial, onde a multidão começara a se reunir de madrugada, pessoas se abraçavam chorando. Outras cantavam o hino nacional. Muitos manifestavam a esperança de que o encerramento da era Mubarak fosse também o fim da corrupção, da pobreza e da repressão no país.

Fizemos algo sem precedentes em 7 mil anos. Derrubamos o Faraó (apelido de Mubarak). O Egito esta livre.

Nunca voltara a ser o que era. Não deixaremos. comemorava o carpinteiro Tareq Saad, de 51 anos, na praça, principal palco das manifestações.

Desde o inicio da manha, a praça era um mar de bandeiras em que egípcios vindos de todas as partes do pais exigiam a saída do ditador.

Não paravam de chegar manifestantes, que prometiam não deixar o centro do Cairo. Rumores, reforçados pela ida de três helicópteros ao Palácio Presidencial, diziam que o presidente teria deixado a capital.

Segundo líder árabe a cair em menos de um mês, Mubarak havia deixado o palácio com a mulher pela manha. Segundo a mídia, ele teria rumado para o balneário de Sharm el-Sheikh, no Sinai.

Ele caiu 28 dias depois de uma revolta na Tunísia derrubar Zine el-Abidine Ben Ali. num efeito domino que deixa em alerta os governos da região.

A véspera já havia sido de grande expectativa, pois os egípcios esperavam que Mubarak renunciasse na quinta-feira.

Em vez disso, ele anunciara a transferência dos poderes ao vice e sua permanência no cargo. Seu pronunciamento inflamou a multidão, que, em passeata, seguiu ainda naquela noite para o prédio da TV estatal e, pela primeira vez, para o Palácio Presidencial.

Num comunicado ao meio-dia de ontem (hora local), as Forcas Armadas adotavam um tom de comando e se comprometiam a levar adiante as reformas constitucionais. Elas aludiam a transferência de poder de Mubarak a Suleiman e sugeriam que iriam supervisionar a implementação das reformas.

Pressionavam os manifestantes a voltar para casa e se comprometiam a levantar o estado de emergência. outra exigência da população quando for possível.

Não adiantou. Os manifestantes ignoraram o comunicado das Forcas Armadas e continuaram nas ruas, exigindo a saída de Mubarak, demonstrando sua frustração com os acontecimentos.

No norte do Sinai, cinco pessoas morreram em confrontos.

Veio, então, na hora da tradicional prece da tarde de sexta-feira, o pronunciamento de Suleiman, e a euforia tomou conta do pais. O hospital de campanha. que nos dias anteriores atendeu manifestantes feridos por pedradas, tiros e ate chibatadas. ontem recebeu principalmente pessoas que desmaiavam, emocionadas com o primeiro resultado da revolta. Foi o dia de maior protesto e, segundo a TV al-Arabiya, mais de um milhão de pessoas participaram.

Mas muitas perguntas permanecem, como o papel que Suleiman terá agora.

Segundo a TV al-Arabiya, o Conselho Supremo das Forcas Armadas pretenderia demitir o gabinete e suspender as duas casas do Parlamento. À noite, os militares voltaram a TV. Desta vez para dizer que em breve anunciarão as medidas para numa fase interina e que esperam atender as aspirações do povo.

Mantendo o tom dos últimos dias em que não entravam em confronto nem com um lado nem com o outro os militares elogiaram a renuncia de Mubarak \"no interesse da nação\", assim como os mártires que morreram nos protestos. Uma visita de Tantawi ao Palácio Presidencial, na noite de ontem, parecia deixar poucas duvidas sobre quem estava no poder.

O conselho vai emitir em breve um comunicado definindo as medidas e procedimentos e diretrizes a serem tomados, confirmando, ao mesmo tempo, que não há alternativa a legitimidade aceitável pelo povo. acrescentava o comunicado lido por um porta-voz.

Cautela diante de comando

Embora eleições livres tenham sido prometidas para setembro, a oposição adotou uma postura cautelosa, aguardando as próximas medidas para ver se os militares permitirão a transição democrática. Analistas estrangeiros lembravam o golpe militar que derrubou o rei Farouk em 1952.

Este e apenas o fim do inicio comentou Jon Alterman, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. O Egito não esta caminhando para uma democracia, mas para a lei marcial. Para onde vai agora e tema de discussão.

Destituído do poder, Mubarak deve enfrentar tempos difíceis. Organizações de direitos humanos ameaçam processa- lo. A Suíça anunciou que vai congelar os bens que o ex-ditador e sua família tenham no pais. A medida tem efeito imediato, segundo o chanceler Lars Knuchel, que não deu detalhes sobre o patrimônio dos Mubarak.

O governo (suíço) quer evitar qualquer risco de apropriação indevida de bens do Estado egípcio disse o chanceler.

FONTE O GLOBO

Anseios da rua árabe:: Merval Pereira

O fato de que durante os vários dias que duraram as manifestações no Egito, até o fecho com a renúncia do ditador Hosni Mubarak, não ter havido nem bandeiras de outros países queimadas, nem slogans que não fossem relacionados com as reivindicações nacionais, é "inédito e muito significativo" para Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e atual Alto Representante das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações.

Para ele, parece claro que, no casos da Tunísia e do Egito, há uma reivindicação comum expressa pela chamada "rua árabe" de liberdade, de democracia, de melhores condições de vida, de mais justiça social e igualdade de oportunidades.

Em ambos os países, em que a demografia é marcadamente jovem, ressalta Sampaio, "o povo reclamou o direito ao futuro, o qual passa sem dúvida pelo direito ao trabalho e a uma vida digna".

A Aliança das Civilizações é uma iniciativa das Nações Unidas que objetiva mobilizar a opinião pública em todo o mundo para superar preconceitos e percepções equivocadas que, muitas vezes, levam a conflitos entre Estados e comunidades heterogêneas.

A Aliança de Civilizações foi proposta pelo presidente do governo da Espanha José Luis Zapatero, logo após os atentados terroristas ocorridos em 2004 no metrô de Madri, e é copatrocinada, desde o início, pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.

Um grupo de Alto Nível composto por 20 personalidades, entre elas o sociólogo brasileiro Candido Mendes, organizou a atuação da Aliança.

Candido Mendes é embaixador brasileiro para a Aliança das Civilizações e secretário-geral da Academia da Latinidade, criada em 1999 para discutir a questão do multiculturalismo dentro de um universo já ameaçado pela hegemonia dos Estados Unidos, mesmo antes dos atentados de 11 de setembro de 2001.

Reúne intelectuais, na maioria de países de origem latina - seu presidente é o ex-secretário da Unesco Frederico Mayor, e um dos vice-presidentes é o ex-presidente de Portugal Mario Soares -- , e se propõe a intermediar as relações do Ocidente com o Oriente, tendo como base o fortalecimento da democracia.

Para Candido Mendes, "a onda de democracia começada pela Revolução de Jasmim é uma expressão autêntica do inconsciente coletivo do mundo árabe, que passou diretamente do colonialismo para a presença de governantes instalados, há décadas, no poder e sem indícios de deixarem as suas investiduras".

Para ele, esse movimento é mais claro na Tunísia, "o país civicamente mais adiantado da área, na força da sua classe média e de seu peso universitário".

O que aconteceu no Egito, para Candido Mendes, foi um efeito mimético "sem qualquer intelligentsia que desse um teor, de fato, de mudança ou de verdadeira revolução frente ao status quo".

Ele vê como "risco" a "instalação regressiva de movimentos como a Irmandade Muçulmana", com o clamor pela democracia sendo "absorvido pelo reducionismo fundamentalista".

Candido Mendes chama a atenção para o que "pressagia o Irã de Khamenei, na reprodução, agora, no Cairo, do movimento de Khomeini", o que levaria a uma "radicalização imediata e subsequente do conflito com Israel, e a dimensão do confronto atômico que poderá deflagrar-se entre Jerusalém e Teerã".

Para ele, o conflito egípcio "passou do regional ao global".

Jorge Sampaio, ex-presidente de Portugal e Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, confrontado com a possibilidade de que essa onda de reivindicações na região decorra não de um desejo de democratização, mas seja um mero reflexo das dificuldades por que passam países árabes, com desemprego alto e inflação crescente, chama a atenção para o fato de que "a democracia não se esgota na realização de eleições livres e no Estado de Direito".

O governo "do povo e para o povo" significa, ressalta Sampaio, que "liberdade, igualdade e direitos - direitos políticos, mas também econômicos, sociais e culturais - estão na raiz da democracia".

Mesmo que tenham acontecido na mesma ocasião, e resultado na deposição de antigas ditaduras, as revoltas na Tunísia e no Egito não devem ser comparadas, analisa Jorge Sampaio: "Cada país é um caso e não gosto de tratar as situações de uma forma monolítica, as generalizações são sempre simplificadoras e por vezes reducionistas. Não há dois países iguais, mas há, claro, semelhanças e tendências comuns".
Sampaio não crê que se possa dizer que a sociedade civil é forte nesses países, "como também o não é em outros países vizinhos".

Mesmo que considere que uma sociedade civil forte "está sempre mais apta a reagir a abusos, a defender o interesse coletivo e a fazer prevalecer o bem comum", o ex-presidente de Portugal lembra que "essa não é uma condição sine qua non de mudança".

Ele cita o caso do Egito, em que "a união fez a força, e triunfaram os ideais da democracia, da liberdade e dos direitos humanos".

A "extensa e bem preparada classe média egípcia e o fato de a sociedade ser relativamente aberta" facilitaram o sucesso desta mudança histórica, analisa Sampaio.

Se o fato de não haver uma sociedade civil organizada não impediu o êxito do movimento, o ex-presidente de Portugal destaca que essa falta "poderá tornar o processo de transição mais complexo e incerto. Não esqueçamos que a democratização é um processo longo que exige compromissos e muita concentração. Um regime pode cair de um dia para o outro ou, pelo menos, num breve lapso de tempo. Mas o mesmo já não acontece com a construção da democracia que mais se assemelha uma obra morosa de arquitetura". (Amanhã: o risco da radicalização, o papel dos Estados Unidos e de Israel)

FONTE: O GLOBO

A praça venceu:: Míriam Leitão

Os momentos revolucionários são mágicos, contagiantes e belos. O povo egípcio mereceu o dia de ontem. Foram longos 18 dias de persistência que hipnotizaram o mundo. Nada os deteve: nem o longo tempo, nem a violência da repressão, nem as manobras do ditador. A Praça Tahrir mudou o Egito, mas mudou também Washington. Agora, começa o perigoso momento seguinte.

O vigoroso discurso de ontem do presidente Barack Obama, inspirado e convocando heróis da luta pacífica como Martin Luther King, descrevendo com paixão as cenas que o mundo viu, foi uma forte demonstração de como Cairo mudou Washington. Obama em dois anos manteve uma política externa conservadora, sem grandes sinais de mudança em relação ao que havia antes. E sim, ele podia ter mudado mais. Deve ser constrangedor para a secretária de Estado, Hillary Clinton, rever o que ela mesma disse poucos dias atrás sobre ser um governo estável de um aliado confiável, a ditadura de Mubarak. Apenas um pouco menos constrangedor do que para o primeiro-ministro francês, François Fillon, a sua imagem voando nas mordomias do avião de Mubarak.

Quando Saddam Hussein caiu, era o governo de Washington impondo sua hora ao povo iraquiano. Era um ditador a menos, e ninguém vai lamentá-lo. Mas foi preciso passar por cima dos relatórios da ONU, conduzidos por Mohamad El-Baradei - sempre ele -, para sustentar que o governo do Iraque tinha o que ele não tinha: armas de destruição em massa. A guerra iraquiana ainda não acabou e nunca houve grandes esperanças sobre as mudanças de Bagdá. No Egito, a mudança vem de dentro, é genuína e tem chances de ser duradoura.

As cenas fortes do confronto na ponte, da força da Praça Tahrir, do dramático ataque a cavalos e camelos dos policiais de Mubarak, das adesões de militares ao movimento, da onipresente bandeira egípcia ficarão por muito tempo nas lembranças do mundo. Mas depois da festa de ontem começará a volta ao normal.

Os próximos passos são essenciais. De agora em diante todo o cuidado é pouco. Há perigo na esquina. Vários perigos. Os militares podem querer permanecer no poder, do qual, na verdade, nunca se afastaram. O governo de Hosni Mubarak foi um regime militar misturado com uma ditadura pessoal. Seu poder vinha das Forças Armadas financiadas e mantidas pelo poder do forte subsídio americano. Ainda há ambiguidades dentro do sistema. Eles precisam do dinheiro americano e dos privilégios que construíram ao longo dessas décadas. Não vão querer abrir mão deles. E, dependendo do que pretendam fazer, pode ser o inicio de mais instabilidade.

O povo vai se recolher para seu merecido descanso depois da vitória, como sempre acontece. E ainda não é a hora. A forma da transição não está resolvida e ela tem que conter alguns ingredientes indispensáveis: suspensão da lei de emergência, o AI-5 deles, que está em vigor desde 1981; dissolução do Parlamento eleito de forma fraudulenta; governo de transição com representação civil para garantir que as eleições serão mesmo livres e limpas.

Na economia, há muito a fazer. As últimas semanas deixaram sequelas. Houve muita fuga de capital, muito investimento adiado, muita produção parada, muito negócio cancelado. Será preciso retomar a atividade normal. Amanhã, a Bolsa do Cairo abre depois de duas semanas fechada. E a economia começará lentamente a reconstrução. Mas é bom lembrar que alguns problemas ajudaram a fomentar a revolta, como o forte desemprego entre os jovens e a alta de preços dos alimentos. Nada disso desaparecerá de uma hora para outra. E se eles não começarem a ser enfrentados será inevitável o sentimento de decepção, principalmente entre os jovens que puxaram os mais velhos para a praça.

Será necessário combater a corrupção, que lá é explícita: o ministro da indústria era dono de um grande complexo industrial; o do turismo, da maior operadora de turismo do país; o da habitação tinha a maior construtora. E assim por diante. Desfazer toda essa teia de interesses que captura o Estado, como sabemos bem, é uma longa batalha.

A oposição passou por cima da divisão anterior para construir a força que os manteve unidos na Revolução da Praça Tahrir, mas agora será retomada a competição entre os diversos grupos, até porque é natural e saudável que isso aconteça na construção de uma verdadeira democracia. Mas qual é o momento certo da divisão? Se for cedo demais, antes de se consolidar o arcabouço da transição, os riscos aumentam.

Na lista do saldo favorável dos acontecimentos no Egito está a derrubada de um dos preconceitos mais arraigados no Ocidente: o de que era preciso tolerar uma ditadura laica, do contrário haveria um governo religioso extremista. E o governo de Mubarak nem era tão laico assim. Era de interferência direta na questão religiosa. O sermão da sexta-feira a ser lido pelos líderes religiosos islâmicos tinha que ser submetido à censura prévia do ministério que cuida especificamente da religião. Terá agora que ser derrubado outro preconceito: o de que há uma incompatibilidade entre a cultura árabe e a democracia.

Como disse Obama, o processo de transição não se completou, está no início e há muito trabalho e riscos pela frente. Fiquemos por enquanto com a beleza do povo na praça mudando a História de um país, de uma região conflituosa, de um continente marcado. Fiquemos por um minuto vendo a beleza da História sendo feita por todos os egípcios. É inspirador.

FONTE: O GLOBO

A revolução, a mão boba e a utopia:: Clóvis Rossi

Egito fez o impossível, falta agora o mais difícil, que é organizar a sua transição para a democracia

O que parecia impossível há apenas 20 dias aconteceu ontem: a rua egípcia derrubou uma ditadura de 30 anos. Realizado o impossível, vem o mais difícil, que é organizar a transição para a democracia, em um país e em uma região que têm escassa tradição democrática, se é que tem alguma.

Para começar, há um antecedente, cravado na memória coletiva do país, que dá razão à desconfiança sobre se a saída de Mubarak por si só abre espaço para a democracia.

Em 1954, um militar como Mubarak, Gamal Abdel Nasser, também viu seu governo cercado por manifestantes em seu palácio, exigindo o retorno a um governo civil, a libertação dos prisioneiros políticos e a restauração do Parlamento -agenda muito parecida com a de 2011.

Nasser prometeu reformas, anunciou eleições livres para junho daquele ano, e os manifestantes foram para casa. "A ação [de retirada] custou ao Egito 57 anos sem liberdades básicas", diz Omar Ashour, diretor do Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos da universidade de Exeter (Reino Unido).

Esse episódio mais a visceral desconfiança do Ocidente sobre a possibilidade de que países árabes e/ ou muçulmanos possam de fato se democratizar explica a análise feita à "Foreign Affairs" por Joshua Stacher, professor-assistente de Ciência Política da Universidade Kent e que prepara livro comparando o autoritarismo no Egito e na Síria:

"Aqueles que cercam o combatido presidente e que constituem o regime, de forma mais abrangente, asseguraram-se de que a viabilidade do Estado não fosse questionada. A instituição central do país, os militares, que historicamente influenciam a política e têm o comando quase monopólico dos interesses econômicos, nunca relutaram."

Não relutaram nem mesmo ante o afastamento do chefe, como se tratasse de entregar o anel (ou os anéis, somando o vice Omar Suleiman) para preservar os dedos, evitando que o sistema caísse na rua.

Feitas essas observações digamos pessimistas, não parece haver espaço para que a ditadura se mantenha agora sem o ditador. Mais, e melhor: minha impressão à distância é que o que aconteceu no Egito não tem paralelo com as revoluções ocorridas no século passado ou com outros processos de democratização como os da América Latina.

Um detalhe micro, micro mesmo, chama a atenção: há relatos de mulheres que contam que desde o 25 de janeiro podem circular tranquilamente pelas aglomerações sem o risco de uma "mão boba", tão característica nas localidades turísticas do Egito como as pirâmides.

Pode ser ingenuidade minha, mas tal mudança de mentalidade dá ar de utopia à rebelião egípcia, capturada por um de seus principais escritores, Alaa El Aswany.

Em entrevista ao "Independent" britânico, diz que "um homem verdadeiramente apaixonado se torna uma pessoa melhor", e acrescenta: "Uma revolução é algo parecido: todos os que dela participam sabem que tipo de pessoas eram antes de que começassem as manifestações e agora se sentem diferentes".

Uma segunda versão épica-idílica para a revolta aparece em texto de Assia al Atrouiss para "Al Sabah" ("A Manhã", do Iraque): "Os povos não aceitam mais morrer em silêncio; aspiram viver com dignidade". Fecha com frase que é prudente comprar: "Isso deixa abertas todas as hipóteses para o futuro".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Um dia depois do outro:: Wilson Figueiredo

Pode ser que ocorra necessidade de explicação, por trás de tendências que se esboçam e não se compõem, neste início do terceiro mandato por conta do PT. Ainda é cedo para avaliar o que pode estar além da curva. Pode vir também a ocorrer alguma necessidade com a qual ninguém contava. Este eterno recomeço de governo cuida de demarcar espaços oficiais, sem excluir a dubiedade do ex-presidente Lula em relação a normas restritivas. Ele pode, outros não?

Para todos os efeitos, o ex-presidente não perde oportunidade e, quando não a tem, nem ninguém providencia, ele pega carona em fatos alheios. É mais forte do que o próprio Lula a necessidade de aparecer até quando se esconde. Não se dá por achado quando apanhado em flagrante. Entre o social e o sindical, tudo se pode esperar dele, porque é inevitável algum nostálgico efeito político de episódios já sem testemunhas. Já está celebrando a volta de José Dirceu ao PT.

Ao fundo, a classe média vive a ascensão histórica que não estava nas previsões alheias. Soube esperar e passa a ser reconhecida e tratada como a real vencedora – que não deixou de ser – da sucessão presidencial oculta sob uma luta de classes fictícia, da qual Lula continua a ser o profeta do passado. Era tão rarefeito o socialismo de que foi expressão que nem arejou seus dois mandatos geneticamente capitalistas. Gastou por conta do bifrontismo na campanha presidencial.

Dilma Rousseff nem precisa falar para ser reconhecida como a expressão política – e, conforme o resultado final, histórica – da ascensão definitiva da classe média no Brasil. A impropriamente referida como pequena burguesia já é a maior parcela social, a partir da definição lulista segundo a qual três refeições por dia são o passaporte para a classe média, que se cansou de ser o recheio que, entre a burguesia e o proletariado, dá sabor histórico ao bolo que não mais está em oferta.

Do lado de dentro do poder, não será demais assinalar a qualidade política com que a presidente Dilma Rousseff, sem chamar a atenção, procura retribuir à confiança nela depositada pelos eleitores que a sufragaram mais por intuição do que por sedução eleitoral, quando foi apresentada como complemento circunstancial do lulismo explícito. A campanha mostrou o ex-presidente alterado quimicamente pelas ênfases provocadoras no final do segundo mandato que lhe fugia por entre os dedos. Nunca Lula foi tão esperado pelos que o queriam sem a proteção presidencial para homenageá-lo com opiniões severas que ficou devendo. Trata-se de dívida renovável periodicamente.

O ex-presidente se torturou na quarentena, por não ter de que se ocupar, e foi a Dacar sabendo tratar-se de evento que se repetia em vão pela décima primeira vez.

Mesmo assim, o repôs no foco de notícias programadas para quem sente o poder girar fora do alcance eleitoral. O último Lula, cujo apogeu foi a campanha presidencial, se valeu da malandragem já fora de moda, à qual bastava, no século passado, aquele jactancioso “fale mal, mas fale de mim” já devidamente sepultado. Não será de estranhar que em breve o ex-presidente faça o tipo que fala em voz alta nas ruas, para espantar dúvidas perturbadora s .

Pouco visto por aí durante o retiro espiritual, mas sempre referido de passagem em notícias alheias, Lula dá os primeiros passos para não ser confundido com outro no novo ciclo em que continuará tratado como ex-presidente e não como candidato, ao opinar sobre o que não mais lhe diz respeito.

Não deve ser fácil a quem a Presidência, para compensar a vida, proporcionou a ilusão de viver o teor popularesco da própria sucessão e ter como certa a volta em 2014. O tempo continua a ser a variável mais inconfiável em política.

Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos sábados e terças-feiras.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

Novos partidos para um sistema envelhecido::Rudá Ricci

Iniciamos fevereiro e já temos quatro anúncios públicos de criação de novos partidos. O mais citado e aguardado é o que teria em Aécio Neves e ACM Neto suas duas principais lideranças. No ano passado, durante o final do primeiro semestre e no final do ano Aécio já havia vazado para a imprensa que estaria pensando em criar um novo partido. Colocou o pé no freio após o agora senador Clésio Andrade se postar como oposição à Aécio em Minas Gerais e também vazar que deseja criar um partido. Entramos em fevereiro e o jornal O Tempo, historicamente próximo de Aécio Neves, publica matéria de primeira página retomando a pauta. A matéria citou a composição do partido articulado pelo ex-governador mineiro: dissidentes do PSDB, alguns nomes do PSB e do PV, fusão do PMN e PP, este último tendo como liderança Francisco Dorneles, tio de Aécio. ACM Neto, o aliado nordestino de Aécio, terá como responsabilidade atrair democratas.

Por seu turno, o novo partido aecista já ganhou seu rival partidário em seu Estado tendo como líder Clésio Andrade. O senador dilmista diz contar com o apoio de 20 deputados federais eleitos - alguns, inclusive, da oposição. Também afirma que já conseguiu pouco mais de 500 mil assinaturas em prol do novo partido. A maioria das pessoas procuradas inicialmente teria ligação com o setor de transportes, uma vez que Clésio é o presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e tem grande influência sobre esse seguimento. O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), articula para maio o terceiro lançamento: o PDB (Partido da Democracia Brasileira). A nova sigla contaria de saída com cerca de 20 congressistas em Brasília e com um governador, Raimundo Colombo, de Santa Catarina e hoje também filiado ao DEM.

Finalmente, o quarto partido anunciado é o mais inusitado: o Partido Militar Brasileiro, PMB. Seu idealizador é o capitão da Polícia Militar de Ourinhos (SP), Augusto Rosa. No último dia 29 de janeiro foi realizada a convenção nacional do partido, que já tem estatuto aprovado e mais de 5 mil pré-filiados nos 27 Estados do Brasil. O próximo passo para oficialização é a publicação do Manifesto do partido no Diário Oficial, além da apresentação do requerimento ao Tribunal Superior Eleitoral e o registro no cartório de notas. O discurso do capitão é claro: “onde existe o caos, é o militar que dá jeito”, costuma dizer. Avisa que a ideologia do novo partido é de centro-direita, embora diga que abomina o período do regime militar. Em 2012, afirma, o partido apresentará candidatos em muitos municípios.

Os três anúncios carregam, implicitamente, a prova de um sistema partidário em frangalhos. O sistema partidário brasileiro é considerado, desde sempre, o mais frágil da América Latina. Christian Mirza, em seu livro publicado pela CLACSO, “Movimientos sociales y sistemas políticos em América Latina” cita os autores Mainwaring e Scully para sugerir que Brasil e Equador apresentam os mais baixos níveis de institucionalização partidário da região. Os critérios adotados para analisar os sistemas partidários foram: a) a regularidade (votos regulares em cargos parlamentares em todos partidos de uma eleição para outra, ou seja, estabilidade do sistema); b) enraizamento social (vínculos dos partidos com cidadãos e interesses organizados) e; c) conexões com movimentos sociais (grau de cooptação, independência e conflito).

Sabemos que nossos partidos, em sua grande maioria, vivem uma relação de conflito e tensão (muitas vezes até mesmo de rejeição) com os movimentos sociais do país. Quando isto não ocorre, há uma forte partidarização das organizações populares, tendo no caso das centrais sindicais a sua expressão mais nítida. Assim, temos uma forte oscilação entre rejeição e cooptação. Também vivemos a cada eleição uma forte debandada de eleitores para candidatos de tipo outsider. O caso mais recente foi o de Tiririca, mas já tivemos outros muitos campeões de voto sem qualquer vínculo histórico com a prática política ou declaradamente opositores ao sistema partidário. Os casos mais graves e significativos foram os de Jânio Quadros, Fernando Collor e Enéas. Todos atuando como rastilhos de pólvora, com baixa esperança de vida. O eleitor continua transitando, buscando algo novo, entre o cinismo e a frustração.

Alguns analistas políticos brasileiros sugerem que se o PMDB sempre foi um partido de tipo americano, sem programa nítido, com forte enraizamento social e focado no marketing e imagem das lideranças regionais, o PT parecia uma novidade até os anos 1990, assumindo uma característica mais européia, vinculado aos movimentos sociais e centrais sindicais, mobilizador e inclinado ao estilo neocorporativista. Contudo, pouco a pouco, caminha para se aproximar do estilo peemedebista. Esta é a proposição de Carlos Nelson Coutinho.

Alguns outros autores sugerem que o PT, por ser o partido mais elogiado pelos brasileiros, assumiria um papel de âncora do sistema partidário. Segundo dados do DATAFOLHA, em dezembro de 2004, o partido teria a preferência de 24% dos eleitores brasileiros; em fevereiro de 2006 caiu, em função das denúncias envolvendo o mensalão, para 15%; em dezembro de 2009 retornou a 25%, permanecendo em 2010. O segundo partido mais preferido do brasileiro é o PMDB (com 7% da preferência) e o terceiro é o PSDB (com 5%). Metade dos eleitores brasileiros não indica nenhum partido como de sua preferência. Assim, temos um sistema partidário onde apenas metade se identifica com as agremiações e onde um partido aparece como predominante. Esta combinação é o que sugere, para alguns, que o PT se transformaria numa espécie de âncora do sistema, onde o restante dos partidos se posicionaria à sua direita ou esquerda, procurando capturar as motivações que o levam a ser top of mind. Uma tese interessante a ser comprovada, mas que reforça a noção de um sistema frágil, pouco estruturado e quase sem identidade. Um sistema historicamente frágil ficou desfigurado com o advento do lulismo. Ao longo dos oito anos de gestão Lula a ofensiva da máquina estatal sobre os partidos foi intensa. A partir de 2006, com a crise aberta com a denúncia do mensalão, foi tomando corpo a coalizão presidencialista inusitada em nossa história republicana. Num estudo publicado pela Clacso (“Tipos de presidencialismo y coaliciones políticas em América Latina”), Jorge Lanzaro sugere que existem dois tipos clássicos de presidencialismo: o sistema majoritário e o sistema pluralista. No primeiro caso, nos sistemas de maioria quem ganha governa. Já nos pluralistas, o que vence as eleições compartilha de alguma maneira seu triunfo e se vê obrigado a negociar os produtos do seu governo.

Neste último caso, temos o que o autor denomina de “regime de intercâmbio, de transações e associações”. Pela configuração constitucional do Brasil, toda preparada para instalar o parlamentarismo que de fato não ocorreu, a lógica híbrida (presidencialismo com grande protagonismo e controle – em especial, orçamentário – do parlamento) a tendência seria caminharmos para o presidencialismo de tipo pluralista. Contudo, o lulismo sempre foi afeito ao centralismo administrativo o que transformou a coalizão de governo em algo extremamente peculiar. Com efeito, a coalizão lulista é circunscrita a um sistema excludente e fechado que solapa o sistema partidário, limitando-o a ser governista ou não-governista. No bloco governista criou-se uma clara hierarquia no processo decisório, tendo no topo o núcleo duro de gestão federal. Logo abaixo poucas lideranças partidárias da coalizão que conformam um conselho consultivo. Abaixo, os aliados se distribuem em ministérios e estatais, agências reguladoras e conselhos de gestão de estatais, que esboçam uma estrutura gerencial organizada em silos que nem sempre conectados entre si. Os partidos são desmontados como organizações apoiados em programas específicos. A oposição, por seu turno, perde gradativamente sua capacidade de alterar a pauta do parlamento, todo tomado pela maioria governista, limitando-se a lamentar e criar constrangimentos ao governo. Enfim, todo sistema reage ao governo e depende da sua movimentação.

Num cenário como este, o personalismo campeia e supera os partidos. A política formal é tomada por uma lista de personalidades, o que aproxima nosso sistema partidário à lógica dos partidos de notáveis do século XVIII. Daí nasce o desejo de criação de novos partidos a partir de personalidades e não de idéias ou projetos coletivos. Esta é a senha para entendermos os próximos movimentos do jogo de xadrez da política nacional. O que inclui a reforma política. O cientista político Jairo Nicolau alerta para este perigo. Segundo o autor, se a minirreforma política desenhada pelo vice-presidente Michel Temer se efetivar, o PSDB e o DEM serão beneficiados. Na proposta de Temer, seria adotado no Brasil o voto majoritário na eleição da Câmara Federal. Neste caso, seria abandonado o coeficiente eleitoral, que soma a votação individual do candidato com a dos partidos e alianças eleitorais. Na simulação feita por Jairo Nicolau, o PSDB teria 23% mais cadeiras do que efetivamente obteve nas eleições passadas e o PMDB ampliaria em 13%. O DEM teria 16% mais parlamentares. O voto majoritário acaba com os puxadores de voto e o voto de legenda. Os grandes partidos – e aí o PT também se beneficia – diminuiriam os espaços dos nanicos. PT, PMDB e PSDB ganhariam 60 cadeiras. Nesta brecha, uma emenda de Francisco Dornelles (PP-RJ) sugere a transformação dos Estados em distritos eleitorais fechados, o que reforçaria de vez a personalização do nosso sistema partidário.

Enfim, percebe-se que 2011 começa com o signo do desespero partidário. As soluções até aqui apresentadas caminham para reforçar o personalismo. O que deve premiar muita gente. Menos o eleitor.

É sociólogo, doutor em ciências sociais, 48 anos.

Lá Vem o Patto!:: Urbano Patto

Com a posse do novo Governo do Estado volta à tona o debate sobre a criação de instrumentos de regionalização da gestão pública, que fica mais visível sob a etiqueta da polêmica sobre a Região Metropolitana.

Não basta, e geralmente não é saudável para a administração pública e para o bolso dos contribuintes, discutir o que montar, porém é essencial discutir o que deve ser feito e a partir daí modelar um eventual organismo para fazê-lo.

Diferentemente das regiões metropolitanas tradicionalmente implantadas no país, o Vale do Paraíba não é uma região conurbada. Nestas, os principais focos da gestão metropolitana são o transporte coletivo e saneamento. Com certeza não são esses os temas regionais do Vale do Paraíba.

Numa rápida abordagem destacamos algumas questões relevantes:

1. A regionalização e a rede de referências do sistema de saúde pública.

2. A recuperação ambiental e o cuidado permanente com o Rio Paraíba do Sul.

3. O ensino público nos níveis técnico e superior.

4. O equilíbrio do desenvolvimento regional entre as cidades grandes e médias do eixo da Dutra e as localizadas nas cercanias das Serras do Mar e da Mantiqueira.

5. A sub-representação política e “orçamentária” da região. Traduzindo, o retorno em aplicação de verbas inferior à produção e arrecadação geradas localmente.

Seriam essas questões solucionáveis somente com a criação de uma instância político-administrativa regional ou poderiam ser tratadas nos órgãos atualmente existentes? Ou, a existência de uma instância político-administrativa regional garante o bom encaminhamento das questões abordadas e de outras tão ou mais relevantes?

Tenho profundas dúvidas sobre isso, principalmente se o novo instrumento, seja ela qual for, região metropolitana, micro-região ou aglomerado urbano, reproduzir o pensamento e a prática atuais quanto ao planejamento econômico e regional e sua implementação na prática política, orçamentária e administrativa.

Na política a lógica imperante ainda é o do compadrio e das pressões e contrapressões. Os instrumentos orçamentários - Planos Plurianuais, Diretrizes Orçamentárias e Orçamentos Anuais - ainda são apenas autorizativos e genéricos, quando não fictícios. E a administração pública ainda sofre com as improvisações, falta de indicadores de produtividade e descaso com a sua profissionalização.

Pode até ser importante a criação da Região Metropolitana, mas antes temos que saber exatamente porque queremos criá-la, sob o risco de criar apenas mais um cabide de empregos, mais um espaço de reivindicações ou um palanque eleitoral.

Urbano Patto, Arquiteto Urbanista e Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional, membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista -PPS- do Estado de São Paulo. Comentários, sugestões e críticas para urbanopatto@hotmail.com.

FONTE: JORNAL DA CIDADE PINDAMONHANGABA

Agora, vai... :: Fernando Rodrigues

O presidente do Senado, José Sarney, criou uma comissão para tratar da reforma política. Agora, vai. Vale a lógica satírica de escritório sintetizada pelo personagem de história em quadrinhos Dilbert -quando não quiser resolver um problema, crie uma comissão.

O presidente do grupo é o experiente senador Francisco Dornelles, de 76 anos. Mas fazem parte também dois senadores e ex-presidentes mercuriais: Itamar Franco e Fernando Collor. Em resumo, a chance de haver consenso é zero.

Um eventual fracasso não pode ser classificado como ruim. A julgar pelas ideias recentes defendidas por alguns partidos, Sarney presta um serviço ao embananar o processo. Melhor ficar sem mudanças do que adotar propostas estapafúrdias como a do voto em lista partidária -e não mais nos candidatos a deputado e a vereador.

Outra alteração proposta com força nos últimos tempos é o voto majoritário para deputado. Se São Paulo tem 70 vagas na Câmara, que os 70 mais votados sejam os eleitos. Enfim, a regra básica da democracia. Quem tem mais votos, ganha.

Na realidade, o voto majoritário na eleição do Congresso teria como efeito aumentar a irrelevância dos partidos políticos. Tiriricas sempre venceriam.

Hoje, os votos dados a todos os candidatos são contabilizados para os partidos. Cada legenda recebe o número de cadeiras proporcional ao total de apoios obtidos pelos seus candidatos.

A deformação não está na proporcionalidade, e sim nas coligações partidárias em eleições para o Poder Legislativo. O eleitor escolhe um nome do partido "A" e seu voto ajuda o postulante dos partidos "B", "C" e "D".

Eliminar essa poligamia teria efeito profilático. O resultado das urnas ficaria mais claro. Mas esse tipo de mudança poucos mencionam quando o tema é reforma política. Assim, o jeito é torcer para que a comissão de Sarney tenha o mesmo destino de todas as anteriores: o oblívio.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Municípios e corrupção política::Roberto Romano

Todo ano os jornais noticiam marchas de prefeitos rumo a Brasília para exigirem recursos. Os mesmos periódicos trazem respostas evasivas ou demagógicas do poder central. E como resultado temos as notícias de corrupção, cujos focos passam pelos municípios. Estes, se olharmos bem, constituem o começo e o fim do imenso assalto ao erário. Mas a ausência de uma Federação verdadeira é o que gera os assaltos de políticos e seus comparsas na vida civil.

É difícil entender o que se passa hoje sem revisar a história das instituições que herdamos do passado.

Munícipes, na Antiguidade, eram os habitantes itálicos que tinham direitos de gestão própria, assimilados aos romanos. Quando sem aquela autonomia, as cidades tinham o nome de praefecturae e seus habitantes não perdiam a qualidade de cidadãos de Roma, mas deviam obediência ao Senado de Roma.

Existiram municípios em toda a Europa até a queda do Império Romano. A federação que ligava as urbes a Roma as diferenciava em várias categorias. As mais autônomas, os municípios, concluíam um foedus aequum com a cidade dominante. Essa marca perdurou até a queda do império. O município e sua autonomia eram, ao mesmo tempo, base econômica e obstáculo na edificação do Estado absolutista. As cidades, ameaçadas pela nobreza e pelo clero, sofriam o assédio dos papas e monarcas que tentavam centralizar nações. Essa situação continuou até o século 18.

A liberdade municipal, segundo Alexis de Tocqueville, sobreviveu ao feudalismo. Em nações como a alemã e a italiana, as cidades chegaram a formar pequenos Estados. As Cortes da França, da Espanha e de países menos estratégicos, como Portugal, sufocaram as cidades ao impor sua burocracia, com a "igualdade" de todos diante do rei. No século 18 o governo municipal degenerou em oligarquia, "algumas famílias conduziam nele os negócios, tendo em vista fins particulares, longe do olhar público e sem serem responsáveis diante dele: trata-se de uma doença espraiada por toda a França" (O Antigo Regime e a Revolução). O poder régio domou as urbes, tornando-as centros corruptos e venais. A burocracia sufocou a independência dos municípios.

Passemos ao Brasil.

Aqui, a história política mostra similaridade com a descrita por Tocqueville. Uma agravante: nossas cidades já apareceram sob o absolutismo, não viveram a autonomia romana nem lutaram para manter suas prerrogativas na Idade Média. Não ocorreram nelas eleições livres nem a responsabilidade dos governantes diante dos munícipes. Terra de conquista, sobretudo econômica, o Brasil foi administrado segundo a moderna "igualdade de todos sob o rei".

Boa parte dos ofícios públicos era vendida ou alocada segundo os interesses da Corte. Em imenso território, as cidades eram geridas a distância. Os impostos seguiam para Lisboa, com pouquíssimo retorno à origem. A tendência centralizadora do poder consolidou-se em Portugal nas reformas pombalinas. Com a vinda da Casa Real se compôs a Corte no Rio de Janeiro, onde se integravam a nobreza, burocratas de alto escalão, serviçais e negociantes. O "povo" era a aristocracia, composta pelos "homens bons" sem sangue judeu. A representação "popular" fazia-se por petições, dando-se o direito de voto sem que os cidadãos tivessem presença ativa na esfera pública.

A grandeza do território, as revoltas, o exemplo dos países vizinhos que se tornaram Repúblicas, a memória da Revolução Francesa, todo um amálgama de pavores cortesãos definiu nosso Estado desde o nascimento. Surgiram dois projetos conflitantes: o da monarquia soberana e o de um governo constitucional. Venceu o primeiro, o império civil foi instituído por direito divino. A Constituição de 1824 incorporou o quarto Poder e o ampliou, pois ele podia dissolver a Câmara de Deputados, afastar juízes suspeitos, etc. A preeminência do Poder Moderador sobre os demais foi mantida mesmo nos tempos de Regência. Na República, tais prerrogativas foram mantidas para o chefe do Estado. Com elas veio a pretensão dos presidentes de supremacia sobre os demais Poderes.

O nosso Estado é um arremedo de República, sem harmonia entre os Poderes, sem federalismo. Ele é império, sob o Executivo central. Se no Brasil foedus significasse um "pacto", teríamos graus crescentes de autonomia, dos municípios ao poder de Brasília. Mas nossas leis desconhecem diferenças regionais e culturais, de geografia, etc. Uma uniformidade gigantesca obriga todos a seguirem a burocracia do Executivo. Não existe tempo nem autoridade para o experimento e modificações das políticas públicas em plano particularizado.

As "tragédias" das enchentes mostram o desastre desse centralismo. Não temos uma escala real de responsabilização pelas políticas públicas. Todas as decisões são açambarcadas pelos que habitam os palácios brasilienses. Logo, as oligarquias parasitam os Poderes (a mais célebre mantém este jornal sob censura) e mostram face dupla: trazem os planos do poder central (e recursos) aos Estados e levam ao Planalto as aspirações regionais.

As tratativas entre os dois níveis (central e estadual) ocorrem no Congresso Nacional. Ali, Presidência e Ministérios buscam apoio para os seus projetos. É impossível conseguir verbas sem "favores", mercadejo dos cargos, pró-labore "informal" por "serviços prestados".

Enquanto não existirem municípios autônomos, sobretudo nas finanças, testemunharemos: uma das fontes mais poluídas de nossa política corrupta é institucional.

Federação de fato, já!

Filósofo, Professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é autor, entre outros livros, de "O caldeirão de medeia"" (Perspectiva)


FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Obama pretende fazer discurso histórico no Rio

Em sua visita ao Brasil, Barack Obama quer fazer "um grande discurso" no Rio, nos moldes do realizado em Berlim (2008), quando falou a 200 mil pessoas.
O tema não está definido, mas deve abordar "a importância de Brasil e EUA atuarem juntos no cenário global". O principal complicador é a língua.

Obama quer discurso histórico no Rio

Em sua visita ao Brasil, presidente americano gostaria de fazer um pronunciamento para milhares de pessoas

No país nos dias 19 e 20 de março, ele pretende replicar os grandes eventos realizados no Cairo e em Berlim

Patrícia Campos Mello

O presidente americano, Barack Obama, quer fazer no Rio de Janeiro um "grande discurso" para o povo brasileiro, semelhante aos pronunciamentos históricos que fez em Berlim e no Cairo.

Segundo a Folha apurou, funcionários americanos estão buscando um local que possa abrigar alguns milhares de pessoas e que tenha uma logística adequada.

O tema do discurso ainda não está fechado, mas Obama deve abordar "a importância de Brasil e EUA atuarem juntos no cenário global". Obama deve vir ao país em 19 e 20 de março e passar apenas por Brasília e Rio.

A ideia do governo americano é fazer um grande evento semelhante ao discurso do Cairo em junho de 2009 -em que Obama comunicou um recomeço das relações dos EUA com o mundo islâmico- e ao de Berlim.

Na capital alemã, Obama discursou para 200 mil pessoas em julho de 2008, antes de ser eleito, no Tiergarten, o principal parque da cidade.No Brasil, o principal complicador para o evento é a língua. Uma das possibilidades em estudo é usar telões com legendas no palco onde Obama irá falar.

Também foi aventada a hipótese de distribuir fones de ouvido para os participantes, como foi feito no Egito. Mas, lá, o discurso foi na Universidade do Cairo, e era mais fácil controlar o fluxo de pessoas e fones de ouvido.

O governo americano gostaria de fazer o evento em algum lugar emblemático do Rio, e até uma praia está sendo cogitada.

Ainda durante sua estadia no Rio, Obama irá visitar uma favela pacificada -agentes americanos visitaram Cidade de Deus, Dona Marta, Babilônia, Cantagalo e Providência para verificar as condições.

Em Brasília, ele vai participar de um jantar oficial, e deve haver algum evento envolvendo empresários -muitos de São Paulo ficaram frustrados porque a comitiva não irá passar pela cidade.

SEM APOIO NO CS

No discurso, além da relação Brasil-EUA, Obama pode abordar o relacionamento entre seu país e a América Latina e a situação dos povos indígenas na região.

Ele poderia falar também sobre a questão racial, sublinhando a diversidade que une o Brasil e os EUA e o fato de ser o primeiro presidente americano negro.

Segundo fontes do governo americano, é bastante improvável que Obama declare apoio às ambições brasileiras a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

A Casa Branca comemorou gestos da presidente Dilma Rousseff -entre eles, o repúdio às violações aos direitos humanos no Irã e as críticas ao tratamento dado a dissidentes cubanos.

Mas, para os americanos, o Brasil ainda não demonstrou de forma inequívoca liderança regional e global. E, com seu comportamento durante a negociação de sanções contra o Irã, "minou os fundamentos" do CS.

Por esses motivos, ainda não é a hora de declarar apoio, dizem os americanos. A Índia recebeu apoio de Obama em sua visita a Nova Déli, em novembro.

Outro presente que Obama não deve trazer aos anfitriões é algum sinal de que a tarifa americana sobre o etanol brasileiro pode ser derrubada em breve. A tarifa foi renovada em dezembro.

"A tarifa é determinada pelo Congresso", disse ontem José Fernandez, secretário de Estado assistente, em evento na Câmara Americana. "Não há planos de mudá-la."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Vicentinho será o relator do mínimo

O deputado (PT-SP) e ex-presidente da CUT foi escolhido para tentar frear a pressão das centrais sindicais por valor maior do que os R$ 545 defendidos pelo governo.

Governo põe sindicalista como relator do mínimo para controlar pressões

Marcelo de Moraes

O governo federal escolheu o deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP) para ser relator do projeto que reajusta o valor do salário mínimo a R$ 545. A estratégia do Planalto é tentar quebrar a pressão feita pelas centrais sindicais por um aumento maior. Vicentinho foi presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e construiu sua carreira política como sindicalista, onde tem ótimo trânsito.

A estratégia faz parte da pressão do governo para evitar que o reajuste do mínimo ultrapasse os R$ 545 defendidos pela presidente Dilma Rousseff. As centrais sindicais têm pressionado até parlamentares da base aliada para que aprovem um reajuste mais alto, chegando a pelo menos R$ 560. Com Vicentinho na relatoria e na negociação com as centrais, o governo avalia que elas, especialmente a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT, terão constrangimento para pressionar fortemente por um valor maior.

Na verdade, a ação do governo é uma tentativa de frear o movimento no Congresso pelo aumento da proposta. Por saber que parlamentares aliados ameaçam aprovar propostas mais generosas de reajuste do mínimo, como o valor de R$ 560, o governo decidiu também endurecer e exigir fidelidade de todos os partidos alinhados com o Planalto.

Por conta disso, o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que vai considerar como "dissidentes da base" todos aqueles que votarem diferentemente da proposta de R$ 545.

Recado. "A orientação do governo é uma só. Todos devem votar a favor da proposta de reajuste do salário mínimo no valor de R$ 545. A oposição pode até apresentar outras emendas, mas a proposta que governo apoia é apenas essa: R$ 545. E vamos cobrar da base que vote a favor disso", disse Vaccarezza.

Representantes do PMDB, PC do B, PDT e até do PT avaliam que o salário defendido pelo governo poderia ser maior. Além disso, existem outros grupos da base que podem aproveitar a votação para mostrar sua insatisfação por não terem sido contemplados com cargos no governo ou pela perspectiva de corte de emendas orçamentárias.

Pelo menos uma emenda mais elevada será apresentada por um integrante da base governista. O deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), dirigente da Força Sindical, defende que o mínimo suba para R$ 560. Os partidos de oposição defendem reajustes até mais altos. O DEM quer R$ 565 e o PSDB propõe R$ 600. Mas os dois partidos aceitam, nos bastidores, até apoiar a emenda dos R$ 560.

Se não conseguir conter as pressões na base, o governo já tem montada sua estratégia de redução de danos. O plano B passa pelo acordo reservado firmado com a oposição para apoiar a emenda que reajusta o mínimo para R$ 560. Com isso, se não impede que o salário pule para um valor mais alto, pelo menos evitará um prejuízo maior.

E, se for confirmada, a ampliação do mínimo para R$ 560 poderá até ser amenizada. Hoje, as centrais defendem que esse valor seja pago imediatamente, numa antecipação do reajuste que seria feito em 2011 dentro do acordo fechado em 2007 com o governo. Naquele ano, foi criado uma espécie de indexador informal. A correção do mínimo passou a ser feita levando-se em conta a variação do PIB dos dois anos anteriores mais a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Como em 2010 o INPC ficou em 6,47%, o valor do mínimo seria R$ 543, mas o governo arredondou para R$ 545. O governo ainda permanece reticente sobre uma possível antecipação.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Senador petista é o primeiro a se rebelar e defender valor de R$ 560

Paulo Paim defende a emenda do PDT e avisa que outros dentro do PT também são favoráveis a um reajuste maior

Eduardo Bresciani

O senador Paulo Paim (PT-RS) defendeu ontem abertamente a elevação do salário mínimo para R$ 560 neste ano. Ele é o primeiro parlamentar petista a defender um valor acima dos R$ 545 propostos pelo Executivo.

Paim garante, porém, que não está sozinho. "Tenho conversado com as centrais sindicais e com deputados, inclusive alguns do PT, e há muita gente pedindo um entendimento em torno dos R$ 560", disse ao Estado.

O assédio a setores do PT ligados ao movimento sindical faz parte da estratégia das centrais sindicais para a votação prevista para ocorrer na Câmara já na próxima semana. Coube principalmente à Central Única dos Trabalhadores (CUT) procurar deputados do partido da presidente Dilma Rousseff. O trabalho é para evitar que o PT feche questão pelo mínimo de R$ 545. Sem fechamento de questão, os sindicalistas acreditam que dá para conseguir muitos votos na bancada petista.

Renegociação. Paim nega que o seu caminho seja de abrir uma dissidência. O senador pede a reabertura da mesa de negociações e que o valor de R$ 560 seja aceito pelo governo.

"Qual o problema de antecipar um pouco o aumento do ano que vem?", indaga o petista. "Se a Previdência estivesse tão mal, o governo não discutiria a redução da contribuição sobre a folha. As centrais souberam recuar dos R$ 580 para os R$ 560. Manter uma posição inflexível não fará bem a ninguém."

O PT não é o único foco de ataque das centrais. A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) está tentando conquistar votos nas bancadas do PC do B e do PSB. A Força Sindical tem ao seu lado o PDT e conta com o fato de Paulo Pereira da Silva, seu presidente, ser deputado federal para conseguir votos em outras bancadas.

A indicação de Vicentinho (PT-SP) para relatar a matéria não assustou os sindicalistas envolvidos no trabalho direto com os parlamentares. Na avaliação deles, o ex-presidente da CUT cometeu um erro político ao aceitar a função e se posicionar contra a categoria.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Serra insiste em R$ 600, mas Aécio pede ''prudência''

Ex-governador busca consenso no PSDB, mas mineiro sugere união com centrais sem defender a bandeira do colega

Gustavo Uribe

O ex-governador José Serra (PSDB) quer unificar o PSDB em torno da proposta de aumento do salário mínimo em R$ 600, valor defendido por ele durante a campanha presidencial, mas ainda não há consenso entre os tucanos. Ontem, Serra recebeu em seu escritório, na zona oeste de São Paulo, o líder do partido na Câmara dos Deputados, Duarte Nogueira (SP), para discutir a posição da legenda na votação.

Durante a semana, o ex-governador já havia se reunido em Brasília com a bancada do PSDB para defender o valor de R$ 600.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) defendeu ontem que o partido busque um "caminho mais prudente" e se articule com as centrais sindicais, em especial a Força. O presidente da Força Sindical, deputado Paulinho Pereira da Silva (PDT-SP), anunciou que apresentará uma emenda defendendo o valor de R$ 560.

Para Aécio, há "algum espaço" para um reajuste maior do que R$ 545, mas ele não defende os R$ 600 propostos por Serra. "O governo obviamente, vai pressionar sua base para votar o valor proposto. Acho que o caminho mais prudente para nós, do PSDB, é um entendimento com outras forças políticas, em especial as centrais, para termos um projeto comum, mesmo que não seja aquele de R$ 600 inicialmente apresentado pelo partido."

Pragmatismo no poder faz PT perder fundadores

Criadores do partido, que completou 31 anos na quinta-feira, deixaram legenda com críticas a alianças e práticas da gestão Lula

João Domingos

Com um pragmatismo de quem tem planos de ficar muitos anos no poder, o PT completou 31 anos na quinta-feira muito diferente do partido fundado pela união de uma elite sindical a intelectuais e religiosos. O PT notabilizou-se pela frieza política e não teve nenhum escrúpulo em descartar o militante histórico quando este se tornou um incômodo.

De 1980 até hoje, tombaram fundadores como o sociológico Chico de Oliveira e o jurista Hélio Bicudo, o ex-governador e ex-ministro Cristovam Buarque (DF), as ex-senadoras Heloisa Helena (AL) e Marina Silva (AC), os ex-deputados Fernando Gabeira (RJ) e João Batista Araújo, o Babá (PA), além dos deputados Ivan Valente (SP) e Paulo Rubem Santiago (PE), entre dezenas. Uns, como Oliveira e Bicudo, saíram por incompatibilidade com o mais forte nome petista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; outros, como Heloísa Helena e Babá, foram expulsos por não terem votado a reforma da Previdência. Cristovam, Marina e Gabeira saíram por terem sido marginalizados dentro do PT, quando suas opiniões já não interessavam mais.

Diferenças. "Hoje o PT é um partido pragmático, com experiência na condução do País, com experiência de governos estaduais e municipais, de atuação no Congresso, de força administrativa", diz o presidente do partido, José Eduardo Dutra. "Isso levou a uma diferença enorme no jeito de ser e de atuar como partido, da época em que foi fundado, em que vivíamos uma ditadura militar, até agora. O mundo mudou, o Brasil mudou."

Para chegar aos 31 anos em pleno vigor político, o PT ousou mais do que muitos pensariam que conseguisse. Depois de descartar companheiros de primeira hora que desconfiavam das mudanças, buscou novos aliados em oligarquias, como a do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e onde parecia impossível, a exemplo do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor (PTB-AL), o primeiro a derrotar Lula em uma campanha presidencial, usando para isso métodos como o depoimento de Miriam Cordeiro, uma ex-namorada de Lula, com o qual teve a filha Lurian.

Alianças. Do esquerdismo puro e simples - que Lenin chamou de "doença infantil do comunismo" - da época do nascimento à maturidade política, o PT foi se transformando de forma a se tornar viável politicamente. Só conseguiu eleger Lula presidente na quarta tentativa, agora em aliança com o extinto PL, tendo como candidato a vice um grande empresário, José Alencar. Mesmo assim, por ordem de Lula, o PT não se aliou com o PMDB nos dois primeiros anos de governo.

Foi preciso enfrentar pequenas crises em 2004 para que os peemedebistas fossem chamados. E uma grande crise, a do mensalão, em 2005, quando as cúpulas do PT e dos partidos aliados caíram, para que mais espaço fosse cedido ao PMDB, resultando numa sólida aliança no segundo governo de Lula, e na composição da chapa da hoje presidente Dilma Rousseff.

De 2006, quando Lula foi reeleito, até agora, o PT abriu seu leque de alianças à esquerda e à direita. Assegurou a companhia de velhos aliados, como o PSB e o PC do B, e de legendas de centro-direita, como o PR, o PTB e o PP. Como uma aliança nestas circunstâncias não pode ser ideológica, ela foi fechada à base da fisiologia e da concessão de espaço político nos ministérios.

Essa estratégia atingiu a imagem de partido ético, mas tem dado resultados práticos. A base de apoio do governo no Congresso chega a ser desproporcional. No Senado, podem ser considerados do arco do governo 62 dos 81 senadores; na Câmara, 405 dos 513 deputados fazem parte da base de apoio a Dilma.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Serra ironiza Dilma sobre Pronatec

Sérgio Roxo

O ex-governador José Serra, que foi candidato do PSDB a presidente da República, usou ironia ontem para acusar a presidente Dilma Rousseff de copiar a sua proposta de dar bolsas para o ensino técnico, nos moldes do ProUni. No Twitter, ele escreveu: "Parabéns ao governo pelo anúncio do Protec - o ProUni do ensino técnico, que propus na campanha. Bolsa para pagar anuidades do ens. técnico."

O anúncio da criação do Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec) havia sido feito por Dilma na noite de quinta-feira. A previsão é que o programa seja lançado ainda no primeiro semestre.

Em outro tweett, Serra explicou a ironia sobre o elogio ao governo e acusou os petistas de criticar a sua proposta durante a disputa eleitoral: "Bem, fiz certa ironia, que nem todos compreenderam: o governo do PT copiou uma ideia nossa - Protec - que na campanha eles atacavam."

O tucano disse que o governo mostrou contradição quanto ao tema. E levantou dúvidas sobre a qualidade do programa a ser implantado. "Não esperava que eles dessem o crédito da autoria. Mas é bom saber como funcionam: na campanha, execram, no governo copiam, em geral mal."

Desde a posse de Dilma, Serra tem usado o Twitter para criticar ações do governo. Em 3 de fevereiro, por exemplo, ele comentou o pronunciamento da presidente no Congresso e a acusou de não ter cumprido a promessa de entregar 500 unidades de pronto atendimento médico (UPAs), até o fim de 2010. "No Congresso, Dilma prometeu 500 UPAs até 2014. Tinha feito a mesma promessa para o fim de 2010 e só entregou 91."

O tucano também saiu em defesa do salário mínimo R$600, sua promessa de campanha. Ele esteve no Congresso para defender o reajuste. A proposta do governo, que deve ser votada na semana que vem, é de R$545.

Serra tem feito ainda discurso pela união do PSDB e pelo fim das disputas internas no partido. Anteontem, disse em artigo no GLOBO que o PSDB não pode se apequenar com disputas internas.

FONTE: O GLOBO

Bancada diz que Rio perdeu R$66,8 milhões com cortes

Ajustes afetaram ações realizadas em 26 municípios

Cristiane Jungblut

Os vetos realizados pela presidente Dilma Rousseff já geraram um corte efetivo de R$1,87 bilhão no Orçamento da União de 2011, sendo que R$1,35 bilhão em emendas individuais e coletivas e outros R$515,9 milhões de verba da proposta original enviada pelo Executivo. Segundo levantamento de técnicos em Orçamento do PSDB, a "faca" nas emendas afetou tantos os partidos aliados - às vésperas da votação do mínimo - como da oposição. E provocou perdas de R$66,8 milhões em ações e programas do Rio de Janeiro.

Foram retirados, por exemplo, recursos destinados a Apaes sediadas em cidades do Rio de Janeiro. Em termos de emendas individuais, os parlamentares do Rio perderam R$87,4 milhões.
Mas grande parte desses cortes em emendas, segundo o governo, resultam da retirada de emendas paroquiais e até com problemas de destinação. No final do ano, o Congresso aprovou a proibição da destinação de emendas justamente para entidades privadas, que tinham como objeto a realização de eventos, no caso dos Ministérios do Turismo e da Cultura.

Quanto ao Rio de Janeiro, os cortes afetaram ações em 26 municípios. Do total de 66,8 milhões, R$43,4 milhões foram de ações e programas fixados de forma genérica ao Estado do Rio de Janeiro. A maioria dos cortes é justamente na área social, em ações como Estruturação de Rede Social nas cidades, Projetos de Inclusão Digital e ainda recursos para espaços culturais.

Há um corte de R$1 milhão, por exemplo, de verba que seria destinada à "Capacitação de Profissionais para Atendimento a Mulheres em Situação de Violência" do Centro de Estudos e Pesquisas em Saúde Coletiva (Cepesc-RJ). Outro corte de verba de R$ 200 mil que iria para a "Capacitação de Profissionais para Atendimento a Mulheres em Situação de Violência Casa da Cultura Centro de Formação Artística e Cultural da Baixada Fluminense". E outro de R$100 mil para o "Apoio a Iniciativas de Prevenção à Violência contra as Mulheres no Estado do Rio".

Corte afetou verba destinada para as Apaes

Há ainda cortes para conhecidas entidades, como as Apaes (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). No caso de Búzios, foram cortados R$200 mil que seriam destinados à "Estruturação da Rede de Serviços da Proteção Social Especial da Apae", segundo o PSDB. Em Barra Mansa, foi feito outro corte para o mesmo tipo de ação da Apae, no valor também de R$200 mil.

- Isso é um absurdo! - protestou o deputado Otavio Leite (PSDB-RJ), um dos mais afetados em suas emendas.

No Orçamento geral, dos R$7,7 bilhões destinados a emendas individuais no Orçamento, R$539,5 milhões já foram simplesmente cancelados agora, ou 7,01% do total. Dos R$539,5 milhões cortados das emendas individuais, a maioria foi retirada dos partidos aliados: R$369,2 milhões, ou 68,4%. Outros R$170,3 milhões foram retirados dos partidos de oposição, ou 31,6%.

No caso das emendas coletivas (de bancadas e de comissões), dos R$7,9 bilhões fixados foram já cortados R$811,9 milhões, ou 10,3% do total.

De forma inédita, o governo não esperou o decreto de programação orçamentária para fazer o contingenciamento, decidindo fazer um corte definitivo já nas despesas.

Para se ter uma ideia, segundo o levantamento dos tucanos, os parlamentares do PMDB perderam R$70,7 milhões, significando 13,1% do corte nas individuais. O PT foi o que mais sofreu, sendo afetado com 14,9% do corte nas individuais dentro da base aliada, ou R$80,4 milhões.

No caso da oposição, o PSDB foi o partido que mais perdeu dentro do corte nas individuais: 16,4%, ou R$88,6 milhões. O DEM perdeu R$60,3 milhões, ou 11,2% do corte.

O líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP), acredita que o governo mostra que a decisão de já cortar definitivamente torna claro que havia "gastança". Ele disse que o governo poderia ter negociado as áreas e projetos a serem cortados.

- É uma afronta ao Congresso, porque não foi contingenciamento, foi feito sem negociar, de forma imperativa, como nunca antes na história desse país - disse Duarte Nogueira.

Na próxima segunda-feira, o PSDB deve apresentar o levantamento aos demais partidos. Os recursos para Apaes foram um grande embate entre Dilma e o tucano José Serra na campanha presidencial do ano passado.
FONTE: O GLOBO

As voltas que o mundo... Ancelmo Gois

As voltas que

Na campanha eleitoral, o PT acusou José Serra de planejar, caso eleito, a suspensão de concursos e contratações de servidores públicos - o que o governo petista anunciou quinta.

Aliás...

Lembra o que Collor fez com Lula, em 1989, quando acusou o petista de planejar o confisco da poupança - medida que "elle" próprio adotaria no seu primeiro dia de governo.

O mundo gira e a lusitana roda.

FONTE: O GLOBO

Adesões generalizadas

Nhenhenhém :: Jorge Bastos Moreno

Quem diria...

Nem Lula teve adesão igual, logo na chegada.

Normalmente, espera-se, no mínimo, cem dias para a primeira avaliação de qualquer governo.

Com a Dilma, não. Ela já foi analisada e aprovada, desde o dia da posse, pela oposição, pela mídia e pela classe média que não votou nela.

Se ela fica calada, que estadista! Se desanda a falar, é a voz da sabedoria.

Rodrigo e Agripino Maia, do DEM, estão encantados.

Pelo visto, só o Tarso Genro e eu continuamos firmes na oposição.

FONTE: O GLOBO

O Rio – VI :: João Cabral de Melo Neto

Ou
relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

A estrada da Paraíba


Depois de Santa Cruz,
que agora é Capibaribe,
encontro uma outra estrada
que desce da Paraíba.
Saltando o Cariri
e a serra de Taquaritinga,
na estrada da ribeira
ela deságua como num rio.
Juntos, na da ribeira,
continuamos, a estrada e o rio,
agora com mais gente:
a que por aquela estrada descia.
Lado a lado com gente
viajamos em companhia.
Todos rumo do mar
e do Recife esse navio.

Na estrada da ribeira
até o mar ancho vou.
Lado a lado com gente,
no meu andar sem rumor.
Não é estrada curta,
mas é a estrada melhor,
porque na companhia
de gente é que sempre vou.
Sou viajante calado,
para ouvir histórias bom,
a quem podeis falar
sem que eu tente me interpor;
junto de quem podeis
pensar alto, falar só.
Sempre em qualquer viagem
o rio é o companheiro melhor.