domingo, 27 de março de 2011

Reflexão do dia – Marco Antonio Villa

Pouco se fala do escândalo do Banco Panamericamo. Ontem, os jornais fizeram breve referência ao tema no noticiário da mudança na presidência da CEF. Sobre as auditorias, o tamanho do prejuízo da CEF, eventuais processos contra os antigos controladores, nada, silêncio absoluto.


ANTONIO VILLA, Marco. Blog do Villa, 26/3/2011

Desafios na gestão:: Merval Pereira

Um dos pontos fundamentais da discussão política nos últimos anos, principalmente durante as campanhas presidenciais, tem sido o antagonismo entre o "choque de gestão", que defende um Estado menos inchado, e por isso mais ágil, com indicadores que meçam sua eficiência, e o Estado forte, que estende seus tentáculos em todas as direções.

A presidente Dilma Rousseff passou a campanha eleitoral garantindo que não faria nenhum ajuste fiscal, que seria desnecessário. Mas, nos primeiros dias de governo, já anunciou um inevitável corte de gastos, além de ter criado uma comissão coordenada pelo empresário Jorge Gerdau para introduzir no governo o sistema de gestão por metas.


É justamente o caminho sugerido pelo trabalho conjunto do cientista político Fernando Abrucio, o coordenador do programa "Estado para resultados" do governo de Minas Gerais, Tadeu Barreto, e o diretor da Macroplan, Gustavo Morelli, em um dos capítulos do livro "2022 Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário", que está sendo lançado na próxima quinta-feira no Rio.

Os autores apresentam uma agenda para o aperfeiçoamento da gestão pública no país, com o objetivo de corrigir fragilidades históricas ainda perceptíveis, de modo a conseguir que o Brasil possa crescer mais rapidamente de forma sustentável.

Complementando as análises dos cenários possíveis para o futuro do país, abrangendo os próximos 11 anos, quando o Brasil completará 200 anos de independência, o livro "2022 Propostas para um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário", organizado pelos economistas Fábio Giambiagi , do BNDES, e Claudio Porto, da consultoria Macroplan, dedica esse capítulo inteiramente à questão da gestão pública, destacando a importância central de políticas públicas competentes para a superação de uma série de desafios nacionais. Para os organizadores da obra, não há dúvidas de que alguns dos velhos dilemas e problemas da economia brasileira estão presentes no cenário atual e precisam ser enfrentados. O Brasil, segundo Giambiagi, "se encontra em plena transição, de uma situação ainda com problemas próprios de países emergentes, para outra que poderá alcançar uma maior abertura e inserção global da nossa economia".

Os autores destacam que a evolução recente da gestão pública tem marcos muito positivos, como a reforma da gestão pública de 1995, o PPA de 2000-2003 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Os avanços da agenda de gestão pública no governo Lula ocorreram de forma fragmentada, segundo os autores. Enquanto bons resultados foram alcançados na gestão do Bolsa Família e com a criação de fóruns de discussão das prioridades governamentais, como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e as conferências setoriais, "não houve diretrizes gerais para toda a administração pública".

Um dos maiores retrocessos, na minha opinião, ocorreu na gestão da máquina do Estado, e não é à toa que os autores sugerem uma maior profissionalização do serviço público, com intercambio de talentos com o setor privado - "para oxigenar a administração pública" -, intensificação dos processos de avaliação de desempenho e a redução de cargos comissionados.

O caso da interferência do governo na direção da Vale, forçando a demissão do seu presidente, Roger Agnelli, por suposto desentrosamento entre os planos da companhia privada e os objetivos econômicos estratégicos do governo, mostra que, ao contrário, é o governo que quer interferir nas empresas privadas.

Outra questão grave é o aparelhamento da máquina estatal com indicações políticas, com a vergonhosa divisão de cargos entre os partidos da base aliada, especialmente PT e PMDB.

Segundo Abrucio "não é possível ter, em pleno século XXI, mais de 20 mil cargos comissionados na administração pública direta e múltiplas indicações políticas nas empresas públicas e nos fundos de pensão. O montante de indicações de livre provimento por parte do Executivo não encontra paralelo em nenhum país desenvolvido, abrindo brechas para ineficiência e corrupção".

O desafio, dizem os autores, está em avançar nos resultados com os mesmos recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis, sendo a inovação na gestão um elemento fundamental para produzir impactos positivos.

Entre algumas inovações que poderiam ser assimiladas para a melhoria da gestão pública no Brasil, estão a disseminação do modelo da administração pública por metas e indicadores, "uma inovação que ainda tem uso restrito e é de pequena assimilação junto à classe política", assim como a forte expansão do chamado "governo eletrônico".

Os autores recomendam ainda a efetivação de parcerias público privadas. Nesse aspecto, o governo parece ter acordado para a impossibilidade de realizar sozinho as obras de infraestrutura nas estradas, aeroportos e portos do país, necessárias não apenas para a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, mas também para o desenvolvimento sustentável da economia.

A atuação conjunta, ou o repasse de tarefas ao setor privado, pode ser uma maneira de fortalecer a ação governamental, em vez de enfraquecê-la, analisam os autores do artigo sobre gestão pública. "É preciso superar o debate privatismo versus estatismo".

Já Claudio Porto adverte que a possibilidade de um futuro otimista ou desastroso pode ser sintetizada em um conceito: gestão estratégica. "Uma década é tempo suficiente para que certas políticas amadureçam e apresentem resultados", afirma. E isso requer uma concertação entre as principais lideranças públicas e privadas do país em torno de uma visão estratégica de longo prazo para o país.

FONTE: O GLOBO

Itamaraty, o retorno:: Dora Kramer

Soa algo simplista a interpretação de que o voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU em favor de uma investigação sobre violações cometidas no Irã seja mera expressão de divergências entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor.

As coisas postas assim dão a entender que o governo se mova pela dinâmica da disputa entre o governo anterior e o atual. O raciocínio absorve como correta a lógica maniqueísta, muito ao gosto do ex-presidente Lula, de que as circunstâncias obedecem a regras de fidelidade ou infidelidade partidária e, sobretudo, ignora a atuação da diplomacia brasileira até o advento da pirotecnia presidencial em vigor nos últimos oito anos.


Nesse período, tudo no governo girou em torno da figura de Lula, inclusive a condução da política externa por um chanceler também obcecado pela posição de protagonista permanente dos fatos.


O que tivemos com Lula e Celso Amorim é que foi o ponto fora da curva. O que temos agora, com Dilma e Antonio Patriota, é a retomada de retórica e atuação mais condizentes com a tradição do Itamaraty: a tomada de posições externas coerentes com os interesses internos do País sem brigar com a realidade nem adotar um ativismo em desacordo com as condições objetivas do Brasil para por vezes defender o indefensável.


O que se prega lá fora não pode ser diferente do que se pratica aqui dentro, é a conduta institucional preferida por Dilma e que havia sido substituída pelo personalismo de Lula.


Se o País subiu de patamar não foi apenas porque se fortaleceu economicamente, mas porque fez isso em regime democrático, o que inclui obviamente a defesa do respeito aos direitos do homem. Em todas as nações sem distinção.


Com os dados à disposição parece precipitado afirmar que a política externa do País tenha sofrido uma guinada. Por ora o que se vê é uma mudança nas ênfases e nos procedimentos tendo em vista a retomada de valores essenciais em regimes de liberdade, a volta, digamos assim, à normalidade.


É o que está dito no voto na ONU: "O Brasil acredita que todos os países, sem exceção, têm desafios a serem superados na área de direitos humanos e espera que os principais copatrocinadores dessa iniciativa (o envio de um relator especial ao Irã) apliquem os mesmos padrões a outros possíveis casos de não cooperação com o sistema de direitos humanos das Nações Unidas".


A ideia não é divergir de Lula, mas restabelecer a coerência que se espera, quando a oportunidade surgir, se aplique também a aliados caros ao Brasil. Cuba e Venezuela, por exemplo.


Útil ao agradável. A respeito de supostas divergências entre Lula e Dilma convém prestar atenção ao seguinte: enquanto ele certamente se mantém absoluto no que tange ao paladar dos mais pobres e dos remediados emergentes, ela vai conquistando a classe média dita assim tradicional, que vê na conduta da presidente um salto de qualidade em relação ao antecessor.


Na hora de uma disputa eleitoral, Lula e Dilma estarão juntos no mesmo projeto de poder e será muito útil a ambos a conjunção desses eleitorados.


Se essa percepção não estiver equivocada, nas próximas eleições a oposição terá de cortar um dobrado para reunir condições não de vitória, mas de competitividade.


Carne ou peixe? O prefeito Gilberto Kassab discorda da avaliação aqui exposta, segundo a qual seu PSD nasce sob a égide da falta de identidade por se declarar ao mesmo tempo disposto a "ajudar" o governo e manter a parceria com o PSDB, maior partido de oposição. Kassab insiste no conceito da "independência" e argumenta que o partido não tem identidade definida porque ainda está em fase de formatação. "A partir de agora é que vamos definir o perfil doutrinário da legenda", diz.


Convenhamos, porém, que a apropriação (indevida, segundo a família Kubitschek) da sigla JK não tenha sido um primeiro passo que propicie uma boa imagem.


FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Irã é ponto fora da curva:: Clóvis Rossi

São prematuras as notícias da morte da política externa Lula/Amorim. É verdade que, na quinta-feira, o Brasil votou contra o Irã, pela primeira vez em pelo menos oito anos, no caso da designação de um relator especial para investigar violações aos direitos humanos no país persa.


Mas é um acontecimento pontual demais para que se possa enxergar nele uma mudança abrangente e/ ou permanente. Primeiro, porque não estavam em jogo sanções ao Irã.


É até possível que o foguetório em torno de uma mudança profunda se deva ao fato de que causa certa confusão, em um país pouco atento à política externa, jogar na mesma sentença Brasil, Irã e Nações Unidas. O voto do Brasil a favor do Irã foi no Conselho de Segurança, quando se debatia a imposição de sanções por causa do programa nuclear iraniano -sanções afinal aprovadas.


O voto contra o Irã foi no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, no qual se debatia um passo prévio a eventuais sanções, qual seja, a investigação de violações aos direitos humanos.


É claro que a reação do governo iraniano foi furibunda, como só podia ser. Regimes que se creem a encarnação da palavra de Deus não podem tolerar que se duvide do que quer que digam, sobre a bomba ou sobre direitos humanos.


Mas a explicação da embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, a representante do Brasil perante o escritório da ONU em Genebra, é simples e coerente: "Há suspeitas de violações? Há. O país colabora com o Conselho? Não. Então, cabe uma investigação".


Além desses aspectos factuais, há uma lógica para dizer que é no mínimo improvável qualquer mudança de fundo na política externa: Dilma Rousseff é herdeira dela. E recebeu um país com mais relevância internacional do que antes.


Faz sentido mudar só para agradar a oposição, que, convém não esquecer, perdeu a eleição?


FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A peãozada deu uma lição aos comissários:: Elio Gaspari

Reapareceu no meio da mata amazônica, dentro do canteiro de obras da Camargo Corrêa, o eterno conflito dos trabalhadores da fronteira econômica com as arbitrariedades e tungas a que são submetidos por grandes empreiteiros, pequenos empresários, gatos e vigaristas.


Num só dia, incendiaram-se 45 ônibus e um acampamento na obra da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia. Em poucos dias, a peãozada zangou-se também nos canteiros de Santo Antônio (RO), nas obras da Petrobras de Suape (PE) e em Pecém (CE).


Ocorreram problemas até em Campinas (SP). Estima-se que entraram em greve 80 mil trabalhadores da construção civil. Esse setor da economia emprega 2,4 milhões de brasileiros. Do nada (ou do tudo que fica escondido nas relações de trabalho nos acampamentos), estourou um dos maiores movimentos de trabalhadores das últimas décadas. Sem articulação, redes sociais ou ativismo político, apanhou o governo de surpresa.


Assustado, ele mandou a tropa da Força Nacional de Segurança. Demorou uma semana para que o Planalto acordasse. Numa época em que os sindicalistas andam de carro oficial, o representante da CUT foi a Rondônia com um discurso de patrão, dizendo que os trabalhadores não podiam parar uma obra do PAC.


(Essa mesma central emitiu uma nota condenando o bombardeio da Líbia.) Paulo Pereira da Silva, marquês da Força Sindical, disse que nenhuma das duas grandes centrais está habituada a lidar com multidões. De fato, nas obras de Jirau e Santo Antônio juntam-se 38 mil trabalhadores.


Há sindicatos na área, mas eles mal lidam com as multidões dos associados. Disputam sobretudo o ervanário de R$ 1 milhão anual que rende a coleta do imposto sindical da patuleia. As lideranças políticas e sindicais nascidas no rastro dos movimento de operários do final dos anos 70, quando pararam 200 mil trabalhadores no ABC por conta de um barbudo chamado Lula, mudaram de andar.


Preocupados com a distribuição de cargos e de Bolsas Ditadura, esqueceram-se dos sujeitos que precisam da cesta básica. Não perceberam que as mudanças sociais ocorridas no país haveriam de chegar aos alojamentos dos peões das grandes obras. Ou as grandes empreiteiras se dão conta de que devem zelar pela qualidade e pelo cumprimento de seus contratos trabalhistas, ou marcas como a da Camargo Corrêa, da Odebrecht e da OAS ficarão marcadas pelas patas dos gatos que entram no recrutamento de seus trabalhadores.


Entre as reivindicações de Santo Antônio estava a instalação de banheiros exclusivos para mulheres. Alô, doutora Dilma. Nenhuma dessas empresas foi fundada por um empreendedor genial nem tentou um empreendimento de ambição comparável à Fordlândia. Foi na matas da Amazônia que, no século passado, Henry Ford atolou seu projeto de extração e industrialização da borracha.


Maus modos, incompreensão e complexo de superioridade resultaram numa revolta que destruiu boa parte das instalações do empreendimento. Isso em dezembro de 1930. (As grandes empreiteiras deveriam obrigar seu diretores a ler "Fordlândia", do professor americano Greg Grandin.)


Felizmente os tempos mudaram, e a Força Nacional de Segurança disparou balas de borracha. Em 1996, diante dos sem-terra de Eldorado do Carajás, a PM paraense disparou tiros de verdade e matou 19 pessoas.


FONTE: O GLOBO

Fantasmas poderosos:: Marco Aurélio Nogueira

Nenhum ‘ex’ dorme em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres do poder


Fantasmas e pesadelos costumam atormentar todos os que tiveram poder um dia. O universo dos "ex" é heterogêneo, mas nenhum deles dorme inteiramente em paz depois de ter entrado em contato com os prazeres que integram o cotidiano de um poderoso. Mesmo suas agruras e aborrecimentos são de um tipo especial. Viciam, causam dependência.


A maldição não perdoa ninguém, ainda que nem todos reajam do mesmo modo. Há os que sofrem em público e os que se recolhem, os discretos e os escandalosos, os que retomam a vida de antes e seguem em frente e os que não se conformam e não sabem o que fazer. Quanto mais alto o grau de poder, maior o problema. Quem já foi presidente da República tem mais dificuldade para assimilar a perda súbita ou anunciada de poder do que um chefe de seção desalojado do cargo.


O filósofo inglês Thomas Hobbes escreveu no século 17 que a tendência geral dos humanos era "um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte". Segundo ele, isso acontecia não porque os homens buscassem um prazer sempre mais intenso, mas porque intuíam que a conservação e a ampliação constante do poder eram essenciais para que mantivessem o que possuíam. Maquiavel, na Itália, se inquietava diante da dificuldade para "determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república, a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens já alcançadas". Não economizaria palavras: "A sede de poder é tão forte quanto a sede de vingança, se não for mais forte ainda". Idêntica preocupação teria Max Weber, que dizia que quem mexe com o poder faz um "pacto com potências diabólicas" e vai descobrindo que o bem e o certo nem sempre têm significado unívoco.


O poder tem razões que a razão desconhece. Alguém que deixa o poder defronta-se antes de tudo com o fantasma daquilo que perde: os rituais, a vida distinta, os mimos e mesuras dos subordinados, o conforto do palácio. Precisa se acostumar com os ruídos alheios e esquecer o som da própria voz. Há quem diga que sente certo alívio ao voltar ao anonimato e se libertar da agenda carregada, das liturgias cansativas, do excesso de exposição. Mas a ausência disso pode se assemelhar a uma crise de abstinência, que termina por levar o ex-poderoso à busca inglória de um lugar ao sol semelhante ao que desfrutava nos dias de fausto.


Talvez para compensar tais dissabores, mas também para dignificar personagens que tiveram um papel na história, a República brasileira concede regalias vitalícias aos ex-presidentes: automóveis, funcionários e homenagens, além dos salários. Algo semelhante ocorre nos Estados Unidos. Uma vez presidente, sempre presidente.


Um fantasma mais assustador é saber o que fazer com as longas horas do dia, dar rumo à vida, retomar a atividade anterior ou iniciar novo percurso. O esforço para recuperar o que ficou para trás quase sempre é em vão. Muito tempo se passou, novos hábitos se cristalizaram, carreiras profissionais foram interrompidas. Aí mora o desejo de permanecer ativo na mesma área em que obteve fama e prestígio, falando e agindo como se ainda fosse o mandatário. É instigado a analisar falas e estilo de quem está no lugar que um dia foi seu. Chovem-lhe oportunidades para que atue como sombra ou alter ego, alguém que pode ser conselheiro, ponderar, sugerir, auxiliar. Ex-presidentes costumam valer muito no mercado das palestras e conferências, por exemplo. Precisam se esforçar para não cair em tentação.


Nesse ponto, o ex-poderoso depara-se com seu pior pesadelo: o de sair perdendo ao ser comparado com o sucessor. As comparações são inevitáveis. Inimigos as incentivam, rasgam elogios ao rei posto para despertar o ciúme do rei morto e intrigar os dois.


Não é, portanto, acidental que o ex-presidente Lula esteja repetindo que "o sucesso da Dilma é o meu sucesso; seu fracasso é o meu fracasso". Ele não pode correr o risco de ser visto como estando a ofuscar sua sucessora, nem deixar que sugiram que a nova presidente o supera em algum quesito. Tem razão em reclamar da malandragem de seus adversários, que, depois de terem passado anos dizendo que ele dava continuidade ao governo FHC, agora não param de falar que a gestão Dilma - carne de sua carne - está rompendo com os oito anos da sua Presidência. Mas também é verdade que ele, ao fazer isso, procura se aproximar da imagem positiva que Dilma possa estar obtendo junto à opinião pública. Não se trata só de mágoa, há muito cálculo no gesto.


Amado e odiado indistintamente, o poder perturba, corrompe e alucina. Reprime, castiga e prejudica, mas também acalenta, protege e beneficia. Costuma ser utilizado para conservar e para transformar. É instrumento e objeto de desejo, encargo e meio de vida. Sua "face demoníaca" não perdoa os que com ela convivem, sejam eles presidentes da República, governadores de Estado ou CEOs de uma multinacional. O poder sobe à cabeça, cega, embriaga. Pode ser letal.


Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da UNESP. Autor de O encontro de Joaquim Nabuco com a política (Paz e Terra) FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Hoje tem arrastão:: José de Souza Martins

Com estrutura e dinâmica de guerrilha, os ataques, embora aparentemente desestruturados, na verdade se baseiam na eficiência da delinquência estruturada


Faz 45 anos que Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, revelou-nos Elis Regina na mística poesia da pesca de arrastão, na ternura do tempo da espera e da esperança: "Eh! tem jangada no mar. Eh! eh! eh! Hoje tem arrastão". Curiosa trajetória das palavras nas nossas conturbadas travessias, da esperança ao desespero dos arrastões em prédios, praias, hotéis, congestionamentos e até restaurantes, como se viu nas últimas semanas. Mas também no oportunismo publicitário em cima da desgraça alheia: "Arrastão de saldos!", li num anúncio há pouco tempo.


Tornamos equivalente o que equivalente não é, no autoengano que expressa nosso imaginário rico e criativo e transita com facilidade entre carnaval e quaresma, sem gradações nem indagações. Num dos assaltos de arrastão, nestes últimos dias, em restaurante da Vila Madalena, um dos ladrões até julgou oportuno explicar-se a suas vítimas: se tivesse alternativa, não estaria fazendo aquilo. É o ladrão bonzinho, o bom ladrão da nossa cruz de cada dia. Uma de minhas alunas, assaltada na Avenida Paulista por um adolescente armado, à luz do dia, vendo-o atrapalhado e temendo o pior, ajudou-o a roubá-la, indicando o que tinha, quanto tinha e onde tinha, para facilitar e apressar o assalto. Como o dinheiro era pouco, ainda lhe deu a passagem do metrô, para completar-lhe "a renda". Vítima complacente, mas prudente.


Coisa de uma sociedade edificada sobre o princípio do tributo e da servidão nele disfarçada: temos que pagar para viver e sobreviver. A prática do arrastão vem de longe, já foi um dia procedimento rotineiro do Estado, nas derramas que nos tempos coloniais confiscavam para o rei o quinto do ouro extraído das catas com o suor do negro cativo, tempos em que quem trabalhava não recebia a não ser o angu da sobrevivência e as chibatadas da disciplina.


Alguns exageram na conivência. Num dos arrastões, vários chamaram a polícia, depois se queixaram de que ela tardara mais de meia hora para comparecer ao local. Uma das pessoas, porém, indicou que a polícia tardara apenas 17 minutos para atender a ocorrência. Fato acontecido na tarde do almoço, só alguns foram à delegacia fazer a ocorrência e somente o fizeram à noite. Grande número de vítimas nem sequer faz a ocorrência, o que protege os bandidos e atrapalha a polícia. Cultura da cumplicidade na omissão anticidadã de que a vida é assim mesmo.


Muitos exibem seus ouros praticamente pedindo para ser assaltados. Mesmo quem se cuida, menos por precaução do que por falta de meios, não está mais protegido do que os incautos. Há alguns anos houve curioso assalto no bairro do Bixiga. Duas irmãs moravam sozinhas num daqueles nostálgicos casarões antigos, antigas também elas. Todas as manhãs, uma delas punha-se no seu melhor traje, enfeitava-se com suas joias de fantasia, não para ir à missa, mas para ir à padaria comprar o pão nosso de cada dia e o leite do café da manhã. Um dia, um jovem bem vestido aproximou-se, puxou conversa e num empurrão roubou-lhe o colar. Refeita do susto, a boa senhora antiga, na manhã seguinte, repetiu a rotina de tantos anos para o mesmo trajeto até a mesmíssima padaria. Um jovem se aproximou, como se estivesse indo na mesma direção, puxou conversa como se fosse um vizinho e perguntou-lhe se era ela a pessoa que tinha sido assaltada no dia anterior. Ela disse que sim. Levou um safanão, foi atirada violentamente ao chão e ainda ouviu a reprimenda: "Isso é para você aprender a não usar joias falsas!" Nem se reconheceram à primeira vista. Como acontece com a imensa maioria das pessoas na rua, desligaram o registro da memória, traço próprio da cultura urbana moderna, organizada sobre a premissa do estranho e do estranhamento até de quem estranho não é ou não deveria ser. As pessoas se veem todos os dias no ônibus, no trem, no metrô e não se conhecem nem se reconhecem, ensimesmadas no transitório da rua. Em todas as partes, a rua é o lugar da solidão urbana.


A diversificação e a multiplicação dos arrastões nas grandes cidades brasileiras têm estrutura e dinâmica de guerrilha urbana: violência errática, aparentemente sem regras, tira vantagem dessa cultura da distração, da desatenção, própria do lazer e do estar à vontade, como quando estamos em casa. O conjunto já imenso de ocorrências mostra que os momentos aparentemente desestruturados desses espaços têm contrapartida eficiente na delinquência estruturada. Os participantes dos arrastões são muito jovens, alguns deles menores de idade. Os filmes das câmeras de vigilância os mostram como se fossem rapazes a caminho de uma partida de futebol, mas que no meio do trajeto decidem fazer uma pescaria. Há evidente diferença quando se compara arrastões juvenis em restaurantes e arrastões de profissionais em prédios de apartamento. Tudo sugere que os arrastões de restaurantes são o vestibular do crime, a escola, o treinamento. Os que passarem já estarão diplomados para o segundo tipo de ação e outras mais. Crime também tem escola, já é evidente.


José de Souza Martins é Professor Emérito da Universidade de São Paulo e autor de A sociabilidade do homem simples (Contexto) FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

Poder autoritário :: Suely Caldas

Quando Lula tomou posse em 2003 muita gente festejou com o argumento de que era necessário passar pela experiência do PT no poder para o País apressar o passo na construção do futuro com mais harmonia e menos beligerância. Em seus 23 anos de existência até então, o PT fizera oposição agressiva, belicosa e sistemática a todos os governos que passaram pelo Planalto. Foi contra a Constituição de 1988, contra a eleição de Tancredo Neves, contra o Plano Real, contra o pagamento da dívida pública, contra as privatizações, contra o fim dos monopólios, contra as políticas monetária e cambial de FHC, contra o Proer, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a reeleição, enfim contra tudo o que não vinha do PT. E, é preciso reconhecer, na maioria das vezes foi bem-sucedido na adesão popular ao estilo "sou contra".

Ao chegar ao poder o partido tratou de esquecer os seus "contras" e renegou seus credos: não mudou uma vírgula na política econômica de FHC, que tanto combatera, não desfez as privatizações, respirou aliviado com o Proer, aprofundou o Plano Real, elevou juros, pagou e multiplicou a dívida pública, para alegria dos banqueiros, que tanto xingara no passado. Aprendeu? "

A prática é o critério da verdade", ensinou Karl Marx. Foi a prática de governar que levou Lula e o PT a enxergarem a verdade que repudiaram quando eram oposição. E aprenderam. Algumas vezes bem rápido, como ao conduzir a política econômica de FHC. Outras, nem tanto. Do acervo de lento aprendizado faz parte o estilo autoritário na relação com a sociedade, que explica o apoio político de Lula a ditadores e o desprezo pelos direitos humanos violados em países como Irã e Cuba. O autoritarismo está também na tentativa de Lula de criar conselhos para controlar a imprensa, a cultura e a liberdade de expressão e criação. Nisso sua sucessora aprendeu mais rápido. Para não deixar dúvidas, ela vive repetindo preferir "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras". E critica abertamente a violação dos direitos humanos no Irã.

Por isso, se partiu de Dilma Rousseff, surpreendeu a tentativa de interferir na diretoria de uma empresa privada, a Vale, e tirar da presidência um executivo que já foi e deixou de ser o preferido do governo. Lula tentou e não conseguiu degolar Roger Agnelli desde a crise financeira de 2008, que levou a Vale a demitir funcionários. Por mais que as novas contratações na empresa tenham superado as demissões, alguns meses depois, Lula persistiu na degola porque a direção da Vale se recusou a instalar usinas siderúrgicas em Estados governados pelo PT e onde não fazia nenhum sentido econômico construí-las.

Se o desempenho de Agnelli não é satisfatório, cabe aos acionistas da Vale decidirem afastá-lo. Para o governo é constrangedor seu ministro da Fazenda, de quem se espera conduta séria e transparente, procurar às escondidas o dono do Bradesco, maior acionista da empresa, e pedir a cabeça de seu presidente. Não se sabe se o ministro da Fazenda foi incentivado por Lula, por Dilma ou se agiu por sua conta e risco. Mas, das três alternativas, a que causa surpresa e decepção seria ter a iniciativa partido da presidente Dilma. Trata-se de um descabido gesto autoritário que se imaginava página virada em sua conduta.

Se o governo não respeita o direito de uma empresa privada ser administrada por seus acionistas, imagine como age em empresas públicas, onde o acionista controlador não é identificado - porque são todos os brasileiros - e o presidente da República se considera o dono, por ter sido eleito pelo voto. Por isso as empresas estatais são usadas para abrigar políticos derrotados nas urnas (vide Geddel Vieira Lima, do PMDB, que acaba de ser nomeado vice-presidente da Caixa), privilegiar empresas amigas com empréstimos e prestar favores a políticos. Servem, enfim, a toda sorte de negociação de interesse de quem está no poder. Uma empresa pública deve servir ao interesse público, à população. No livro Em Brasília, 19 horas, o jornalista Eugênio Bucci narra sua saga em levar à Radiobrás o conceito de empresa pública. Não conseguiu.


Jornalista, é professora da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

No mar, de novo:: Míriam Leitão

Não é, como bem sabemos, a primeira vez que Portugal está endividado e sem governo. O jornal "Financial Times" sugeriu, em aberta provocação, que o país se torne um dos estados brasileiros.

De novo, com antecedentes históricos: os ingleses incentivaram um evento assim há 203 anos. Portugal tem números assustadores e é mais uma pedra que cai no caminho da Europa.

O que de novo é triste é que o país passou por um momento de prosperidade que produziu um salto nos últimos 20 anos. E agora se afunda numa conjuntura de difícil saída. Para ser resgatado, precisará pedir ajuda à Europa e ao FMI que pode chegar a 50% do PIB; para ter essa ajuda, precisará aprovar um programa de ajuste, que semana passada foi rejeitado levando à queda do primeiro-ministro José Sócrates.

Portugal é pequeno para o tamanho da Europa, mas sua capacidade de contágio é grande. A Espanha, que tem também seus próprios problemas, está exposta ao risco português. Além disso, ele será o terceiro país a precisar de socorro depois de Grécia e Irlanda.

Quem viveu os anos 1980 na América Latina sabe o fim da história: terminará havendo um grande processo de renegociação da dívida de um grupo de países europeus, com a ajuda dos países centrais, como a Alemanha, e perdas para os credores e dor para a população.

A saída nunca é fácil. O PIB português é de US$247 bilhões, a 50ª economia do mundo, menos da metade do PIB do estado de São Paulo. A população é um pouco menor do que a do estado do Rio. Atualmente, o nível de endividamento das famílias supera 100% do PIB, porque houve muito incentivo ao crédito imobiliário, e os imóveis caíram 30% em relação aos níveis de 2008. Há brasileiros aproveitando os altos preços aqui e comprando imóveis no país. A dívida pública é 87% do PIB, mas com vencimentos pesados a curto prazo.

Como o mercado acha que o país não conseguirá fazer o ajuste necessário, tem pedido juros cada vez mais altos, em 7,7% de taxa e isso leva a rebaixamentos das agências de risco, elevando mais os juros: um círculo vicioso que o Brasil conheceu bem nos seus momentos de alto endividamento externo. O empresário português Jaime Gomes, do setor farmacêutico, conta o clima do país: - A situação não está fácil, os impostos estão elevadíssimos. Os bancos estão endividados, como o governo, e por isso há pouco crédito e com spreads altos. As empresas não conseguem empréstimos.

O desemprego está mais alto que nunca, em 11%. A entrada na Zona do Euro foi demasiado boa para o país. Criou uma ilusão tanto para o governo quanto para a população. Foram concedidos muitos benefícios salariais, de aposentadorias, além de saúde e educação de graça. Estímulos insustentáveis que elevaram o déficit público. Foram dados estímulos à compra de imóveis com juros baixos na época da bonança. Neste momento, Portugal já está sob intervenção internacional, embora não admita. É um embuste para enganar as pessoas.

Os economistas ouvidos aqui no Brasil apontam que é o mesmo caso da Grécia. Com um déficit comercial de US$22 bilhões, pouca competitividade, o país precisaria desvalorizar sua moeda para exportar mais. Amarrados ao euro, que lhes deu crescimento e sensação de prosperidade, eles agora não têm o recurso da desvalorização.

A ajuda da Europa nos anos 90 e a moeda comum a partir de 2002 elevaram a situação social e econômica do país, mas agora o euro virou camisa-de-força. Paulo Elísio de Souza, presidente da Câmara Portuguesa de Comércio do Rio de Janeiro, conta outra semelhança com o caso grego: - Temos uma crise econômica que virou crise política.

O governo precisava aumentar a arrecadação e subiu impostos. Isso virou queda de produção. O governo tomou medidas que reduziram salários e aposentadorias. Os salários dos servidores sofreram quedas de até 10%. O povo sentiu e foi para as ruas protestar. Os analistas dos bancos dizem que a queda do governo era um risco no radar. No ano passado, a oposição ameaçou votar contra, mas no fim aprovou o primeiro pacote de medidas.

Na semana passada, um novo pacote foi derrubado no Parlamento, e o primeiro-ministro renunciou. O problema é que o pacote de ajustes é a exigência para o socorro internacional BCE-FMI. E está cada vez mais difícil cumprir qualquer promessa. Só em abril, vencem 5,3 bilhões; em junho, 6,9 bi, até o fim do ano, 23,6 bilhões.

No ano que vem, outros 21 bi. A população está envelhecida: apenas 16% têm menos de 15 anos; e acima de 65 anos são 20% da população. O déficit público está acima de 8%, segundo a Eurostat. A pauta de exportação é pequena e o país não tem vitalidade econômica. Numa história de grandes feitos e colapsos, de riquezas súbitas e dívidas desmoralizantes, Portugal vai de novo atravessar o mar salgado do empobrecimento. E os credores são implacáveis quando o devedor está se enfraquecendo.

Os economistas brasileiros e os relatórios das empresas de auditoria dizem as mesmas coisas: medidas profundas de austeridade, para reconquistar a confiança dos bancos que financiam a dívida, para assim reduzir o custo de carregamento. O sonho de país europeu próspero cobra uma conta amarga. Em vez de falar de mais um relatório de banco ou empresa de risco de crédito, melhor é ler Fernando Pessoa: "Talvez que amanhã/Em outra paisagem/Digas que foi vã/Toda essa viagem/Até onde quis/Ser quem me agrada?/Mas ali fui feliz/Não digas nada."

A história parece a mesma: a queda de Portugal torna mais difícil a situação da Espanha. O país é pequeno, mas é um novo passo da grande encrenca europeia. Ou como diria, de novo, Pessoa: "Cada um de nós é uma sociedade inteira." Não há pequenos países no mundo conectado de hoje.

FONTE: O GLOBO

Lá vem o Patto!:: Urbano Patto

A roda da fortuna com vistas às eleições municipais de 2012 já está girando e em alta velocidade.

A discussão da reforma política, da criação e/ou fusão de novas legendas partidárias tem 2012 como foco tático, mas o objetivo estratégico inegável são as eleições de 2014, essas sim, de disputa do poder central e de estados importantes.

Na verdade, o que as forças políticas desejam é formar base de prefeitos e vereadores para funcionar como cabos eleitorais de luxo, já pagos por dinheiro público, para promover campanhas de futuros candidatos a deputados, senadores, governadores e presidentes. Nada de estranho nisso, pois assim é a Democracia, através de campanhas e eleições se constroem hegemonias e maiorias.

O estranho é que se faça isso sem que as mensagens partidárias se diferenciem umas das outras, doutrinariamente e programaticamente, sobre o que entendem por administrar cidades e sobre como deve ser a prática da democracia no poder local.

As campanhas municipais são construídas quase que exclusivamente sobre nomes e as particularidades de cada candidato. O “marketing político” centra suas preocupações nisso já de algum tempo, construindo a “imagem do candidato” independentemente do conteúdo programático da sua mensagem ou de sua real capacidade de conduzir um governo.

Sob essas características é que vemos movimentos esdrúxulos como esse do prefeito Kassab (ex-DEM) de São Paulo, ex-aliado incondicional de Serra (PSDB), promover a criação de um novo partido, com lançamento na Bahia sob o aplauso e incentivo do governador Vagner do PT, alimentando ainda a pretensão de fusão com o PSB e passar assim a ser também base do governo federal.

Certamente, situações como essa não seriam possíveis ou bons resultados não seriam imagináveis, numa Democracia mais consolidada, com eleitores mais esclarecidos e menos sujeitos à magia das transfigurações.

Dava assunto de sobra para o Stanislaw Ponte Preta, escrever mais de um “Samba do Crioulo Doido”, do qual, para relembrar, segue um trecho: “Joaquim José, que também é, da Silva Xavier, queria ser dono do mundo, e se elegeu Pedro II. Das estradas de Minas, seguiu pra São Paulo, e falou com Anchieta, o vigário dos índios, aliou-se a Dom Pedro, e acabou com a falseta, da união deles dois, ficou resolvida a questão e foi proclamada a escravidão.”

Pelo menos a Lei da Ficha Limpa valerá para as próximas eleições. Enganadores e trânsfugas poderão ser eleitos, pois o voto popular, livre e secreto, é o único e melhor critério para colocar ou tirar alguém do poder, mas enganadores e trânsfugas que sejam criminosos condenados em segunda instância não poderão ser nem candidatos.

O que impressiona, surpreende é choca é perguntar: como antes puderam ser?

Urbano Patto é Arquiteto Urbanista, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional e membro do Conselho de Ética do Partido Popular Socialista - PPS - do Estado de São Paulo. Críticas e sugestões: urbanopatto@hotmail.com

FONTE: JORNAL DA CIDADE – PINDAMONHANGABA/SP

Mortes em obras do PAC estão acima dos padrões

Quarenta trabalhadores já morreram em 21 grandes obras do PAC, como hidrelétricas, rodovias e refinarias, nos últimos três anos. Só nas usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, houve seis mortes. Em 2010, a "taxa de mortalidade" nas 21 obras alcançou 19,79 por 100 mil trabalhadores, considerada "altíssima" pelo consultor da OIT no Brasil, Zuher Handa. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Paulo Safady Simão, admite que "as obras estão em ritmo muito acelerado, e as companhias não estão treinando pessoal".

Morte e progresso

ALTO RISCO

40 trabalhadores já morreram em obras do PAC

Cássia Almeida*, Henrique Gomes Batista, Isabela Martin e Bruno Rosa

Trabalhadores estão morrendo nos canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estrela do governo federal. Num levantamento inédito feito pelo GLOBO em 21 grandes empreendimentos, que somam R$105,6 bilhões de investimentos, foram registradas 40 mortes de operários em acidentes, desde 2008. Somente este ano, seis trabalhadores perderam a vida em cinco projetos.

Tanto em complexas obras de infraestrutura, como hidrelétricas, como nas mais simples, incluindo as do programa Minha Casa, Minha Vida, a morte está presente. Os acidentes fatais são causados principalmente por choques, soterramento e quedas.

São mortes "invisíveis", que não estão nos bancos de dados dos diversos controles governamentais criados para acompanhar o PAC, que, até o início de 2010, era coordenado pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Somente em 2010, a taxa de mortalidade foi de 19,79 para cada cem mil empregados.

Índice considerado altíssimo pelo médico Zuher Handar, consultor para segurança e saúde da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. A taxa é mais que o dobro da registrada para o conjunto dos empregados do setor formal da economia - 9,49 por cem mil. Os empregados da construção civil brasileira são os que mais morrem. A taxa de mortalidade está em 23,8 por cem mil trabalhadores, um pouco acima da encontrada em obras do PAC - considerada muito alta, já que são tocadas por grandes construtoras, com tecnologia suficiente para proteger os operários, dizem especialistas.

Nos Estados Unidos, a taxa de mortalidade na construção civil é de 10 por cem mil; na Espanha, de 10,6; no Canadá, de 8,7; em Portugal, de 18. - Nessas grandes obras de infraestrutura, independentemente de serem do PAC ou não, o governo precisa estar mais atento, não contratando empresas que deixem de ter mecanismos de prevenção - disse Handar.

Setor da construção admite insegurança

- O alto número de mortes é verdadeiro. Estamos intensificando os trabalhos e a atenção. Isso nos preocupa e buscamos as razões para esse quadro. As obras estão em um ritmo muito acelerado e as companhias não vêm treinando (pessoal), porque não há tempo para isso - afirmou Paulo Safady Simão, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), acrescentando que, com a carência de mão de obra, empresas têm buscado pessoas sem qualificação para trabalhar nos canteiros.

Segundo ele, o ideal é que os trabalhadores tenham de 80 a cem horas de aulas teóricas. Depois, entre cem e 120 horas práticas, nos canteiros. Só após essas duas fases, continua Safady, é que se deve entrar na obra: - Sem isso, cometem-se erros. O problema é generalizado. Há uma carência para todos os níveis de obras, e em todos os lugares do Brasil. Na Usina de Jirau, que fica a 130 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, são três mortes investigadas pela Superintendência Regional do Trabalho: as de Valter Souza Rosa, em maio de 2010, por choque elétrico; de Francisco da Silva Melo, esmagado em um britador, em julho; e de João Batista dos Santos, em fevereiro deste ano, num acidente com uma grua. Palco de uma rebelião que resultou na destruição de boa parte dos alojamentos e da área de lazer, Jirau tem uma rotina marcada pela insegurança.

Nos alojamentos improvisados para os operários depois da rebelião, ouve-se histórias de quedas de armadores, homens que ficam pendurados apenas por cintos em estrutura de até 45 metros de altura. - A pessoa cai, a ambulância leva e, depois, não vemos mais o trabalhador. Não sabemos se morreu ou não - conta um operário. Na vizinha Santo Antônio, usina que está sendo construída no mesmo Rio Madeira, há registros de três mortes: as de João Edcarlos Sá de Jesus, na queda de uma lançadora de concreto, em julho de 2010; de Bruno Alexandre Queiroz Martinho, em fevereiro deste ano, num acidente com uma grua; e de um trabalhador identificado apenas como Renan, afogado no Rio Madeira em data não precisada. Vivaldo Andrade da Silva já passou por duas cirurgias depois do sofrer um acidente na Usina de Santo Antônio, o mesmo no qual João Edcarlos morreu. Ainda está de licença médica, mas não pretende voltar à obra. - Entrei bom e saí aleijado. Não quero voltar, não.

Tenho medo - afirmou. A Superintendência Regional do Trabalho lavrou 330 autos de infração nas áreas de segurança e saúde em Jirau em abril de 2010 e 240 em Santo Antônio, no mês seguinte. Paralelamente, o Ministério Público do Trabalho entrou com ação contra o consórcio construtor denunciando 109 situações de risco. Em 51 delas, a Justiça concedeu liminares.

O processo está em fase de perícia. - Eles aceleraram a tal ponto a obra, com tanto risco, que estávamos a ponto de interditar o vertedouro de Jirau, o ponto mais crítico na situação de segurança. Foram seis mortes em dez meses. Se as empresas não repensarem a questão, mais vidas de trabalhadores serão ceifadas - disse o chefe do Setor de Segurança e Saúde do Trabalhador da SRT, Juscelino José dos Santos.

Segundo a Camargo Corrêa, responsável por Jirau, as três mortes na usina aconteceram com 16 milhões de horas/homem trabalhadas, um tempo bem superior à média para essas obras. A empresa também diz que tem cem técnicos e engenheiros de segurança atuando na usina com 22 mil trabalhadores. Já Antonio Cardilli, gerente administrativo e financeiro do Consórcio Santo Antônio Civil, disse que o Programa Acreditar, de qualificação profissional, formou 32 mil trabalhadores no curso básico (saúde, segurança, meio ambiente e cidadania) e mais 9 mil no curso técnico.

Ele reconheceu apenas duas mortes no canteiro - três são investigadas por auditores fiscais do trabalho - e alegou que a situação na usina é melhor que em outras obras do PAC, já que os óbitos aconteceram em 52 milhões de horas/homem trabalhadas. A média geral, segundo Cardilli, seria de um acidente fatal a cada 8 milhões de horas/homem trabalhadas. Além disso, disse que há 300 pessoas na área de segurança da obra.

19 horas de trabalho antes de falecer

O metrô de Fortaleza (Metrofor), outra obra do PAC, coleciona paralisações e adiamentos e tem quatro mortes por acidente de trabalho. A primeira aconteceu em 2007. No último acidente grave, em 8 de maio de 2010, dois operários morreram por falha na execução do escoramento de uma laje. Um dia antes, uma das vítimas, o servente João Ventura Martins, de 44 anos, saiu cedo de casa para o trabalho. Entrou às 7 h e deveria ter encerrado o expediente às 17h. Morreu às 2h15m do dia seguinte, após uma jornada de 19 horas, com intervalos apenas para almoço e jantar. - Nos oito meses em que trabalhou no Metrofor, ele nunca chegou em casa na hora certa. Didi (apelido de João) reclamava que trabalhava demais e que vivia cansado - contou a viúva,

Maria Ribeiro Miranda, de 50 anos. Passados dez meses, ela ainda não superou o trauma da perda. - Até hoje acho que ele está viajando e que vai voltar - contou. A trágica notícia que interrompeu 25 anos de relacionamento chegou por meio de dois colegas de trabalho. - Quando perguntei por ele, um disse assim: "O Didi morreu. O corpo está no IML" - lembrou.

O consórcio responsável pela obra do metrô, formado pelas empresas Queiroz Galvão e Camargo Correia, não se pronunciou sobre o assunto.

(*) Enviada especial

FONTE: O GLOBO

Em 4 anos, R$ 662 mi desviados do SUS

Investigações do Ministério da Saúde de da Controladoria Geral da União atestam que, de 2007 a 2010, pelo menos R$ 662 milhões foram desviados do Fundo Nacional de Saúde, que financia o SUS. Entre as fraudes estão hospitais parados, pagamentos irregulares e superfaturamento. O prejuízo pode ser maior, pois só 2,5% das verbas transferidas para o fundo foram fiscalizados. Uma sangria a conta-gotas com o dinheiro da Saúde

FRAUDES NO SUS

Verba desviada daria para fazer 1.439 unidades básicas e mais 24 UPAs

Roberto Maltchik

Criado em 1990 para assegurar o pleno atendimento médico-hospitalar à população, o Sistema Único de Saúde (SUS) transformou-se no tesouro mais nobre e vulnerável do orçamento público brasileiro. Recursos bilionários e pulverizados são desviados de hospitais, clínicas credenciadas e unidades de saúde. Investigações administrativas do Ministério da Saúde e da Controladoria Geral da União, concluídas entre 2007 e 2010, apontaram desvios de R$662,2 milhões no Fundo Nacional de Saúde.

O prejuízo pode ser bem maior, pois somente 2,5% das chamadas transferências fundo a fundo são fiscalizadas, de acordo com a CGU. Só as irregularidades já atestadas financiariam a construção de 1.439 unidades básicas de saúde e de 24 Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs), além de pagar os salários de um ano inteiro, com 13º, de 1.156 equipes do Saúde da Família. Em procedimentos, equivaleria a 1,21 milhão de cesarianas ou 1,48 milhão de cirurgias de hérnia.

O volume de dinheiro fiscalizado contrasta com a quantidade de desvios impunes. As fraudes incluem compras e pagamentos irregulares, superfaturamentos, desperdício com construção de hospitais que não funcionam e até contratação de um mesmo médico para 17 lugares ao mesmo tempo. Nos quatro anos analisados, o prejuízo foi de R$223,07 milhões.

Em Goiás, leitos não passam pela porta

Para ter uma ideia dessa sangria a conta-gotas, O GLOBO recolheu detalhes de auditorias em vários estados e visitou quatro cidades. Em Aparecida de Goiânia (GO), na Região Metropolitana, as 17 novas enfermarias do Hospital de Urgência custaram R$1,5 milhão, ficaram prontas em dezembro, mas não foram entregues pela construtora. Os 38 leitos chegaram no mesmo mês, mas permanecem no almoxarifado, entulhados e se deteriorando na chuva.

A construtora se esqueceu da saída de emergência, e os leitos não passam pelas portas dos quartos. --- Não ficou lugar para saída de incêndio, banho de sol. Em duas enfermarias, a cama não passa. O projeto não foi bem feito, não -- conta um dos funcionários do depósito. Resta um cantinho no corredor abarrotado para a aposentada Marinalva Siqueira dos Santos, que aguardava há quase 24 horas na fila por um exame de endoscopia. - Passei a noite toda vomitando sangue. Sangue coalhado, com um monte de gente doente - lamenta.

O secretário de Saúde de Goiás, Antonio Faleiros Filho, diz que os problemas são da gestão passada e que, agora, o prazo de entrega é fim de abril. Há uma semana, O GLOBO encontrou no município de Picos, o terceiro maior do Piauí, descontrole generalizado do dinheiro da saúde, sem punição. A cidade tem 71 mil habitantes, mas é um polo regional de atendimento do SUS para 500 mil pessoas de 60 cidades. Não há neurocirurgião ou leito de UTI.

A penúria faz com que as cenas de horror se repitam no único hospital de grande porte, o Justino Luz. Osmar Araújo de Almeida acabara de sofrer um acidente de trânsito, mas, sem socorrista, entrou sangrando e agonizando recepção adentro. Teve que aguardar na fila, junto com crianças gripadas e idosos com febre. - Parece que o médico tá no almoço. Fica assim. Assim que vai - balbuciou o resignado acidentado. Picos já passou por três auditorias no último ano, mas nenhuma providência foi adotada.

Segundo os auditores, são tantas suspeitas de fraude que é impossível assegurar a real destinação de cerca de 40% dos R$29.229.484,56 transferidos pela União à prefeitura, em 2010. Na cidade, o SUS pagou, em 2009, 11.902 exames auditivos, bem mais do que os 8.641 de Teresina, com seus mais de 800 mil habitantes e referência exclusiva de atendimento médico no Piauí e em parte do Maranhão.

No mesmo ano, a prefeitura contratou R$10,6 milhões em consultas, internações e exames especializados sem contratos, nem licitações. Entre janeiro de 2009 e junho de 2010, pagou R$228,8 mil em 12.933 diárias a duas pensões de Teresina, supostamente para abrigar pessoas carentes, cujos nomes até hoje não são conhecidos.

Caso emblemático é o de uma clínica de reabilitação suspeita de fraudar documentos e cobrar procedimentos que não fez, com prejuízo ao SUS de pelo menos R$536 mil. O Ministério da Saúde conhece o caso desde 2010, mas O GLOBO verificou que a Clínica Santa Ana continua sobrevivendo exclusivamente às custas do SUS e continua prestando serviços sem contrato com a prefeitura, como prestadora de serviço de alta complexidade.

Ano passado, Picos teve desabastecimento de mais de 50% nos itens da Farmácia Básica. A prefeitura não presta contas ao Conselho Municipal de Saúde, como manda a lei. A presidente do conselho é a tesoureira da Secretaria de Saúde, Geovana Luz. - Aqui, a saúde vai bem - diz ela, representante do único órgão que deveria monitorar como o município gasta o dinheiro do SUS.

Por duas semanas, o jornal procurou a prefeitura de Picos - pessoalmente, por e-mail e por telefone -, mas não obteve resposta.

FONTE: O GLOBO

Réus ganham força e caso do mensalão é esvaziado

Uma série de articulações deve esvaziar totalmente o mensalão -o crime de formação de quadrilha, citado como central do esquema, vai prescrever na última semana de agosto. Réus que aguardam julgamento estão recuperando força política, ocupando cargos importantes em ministérios. Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia processo do mensalão Em agosto deste ano, 22 réus do processo sobre o pior escândalo da Era Lula vão estar livres de uma das principais acusações

Felipe Recondo

BRASÍLIA - O processo de desmantelamento do esquema conhecido como mensalão federal (2005), a pior crise política do governo Lula, já tem data para começar: será a partir da última semana de agosto, quando vai prescrever o crime de formação de quadrilha. O crime, citado por mais de 50 vezes na denúncia do Ministério Público - que foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF) -, é visto como uma espécie de "ação central" do esquema, mas desaparecerá sem que nenhum dos mensaleiros tenha sido julgado. Entre os 38 réus do processo, 22 respondem por formação de quadrilha. Para além do inevitável, que é a prescrição pelo decorrer do tempo, uma série de articulações, levantadas pelo Estado ao longo dos últimos dois meses, deve sentenciar o mensalão ao esvaziamento.

Apontado pelo Ministério Público como o "chefe" do esquema, o ex-ministro José Dirceu parece estar mais próximo da absolvição. O primeiro sinal político concreto em prol da contestação do processo do mensalão foi dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao deixar o governo, ele disse que sua principal missão, a partir de janeiro de 2011, seria mostrar que o mensalão "é uma farsa". E nessa trilha, lentamente, réus que aguardam o julgamento estão recuperando forças políticas, ocupando cargos importantes na Esplanada. Na Corte. Um dos fatos dessa articulação envolveu a indicação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e mostrou a preocupação do governo com o futuro do mensalão na Corte Suprema. Numa sabatina informal com Fux, um integrante do governo perguntou ao então candidato: "Como o senhor votará no mensalão?".

Fux deu uma resposta padrão: se houvesse provas, votaria pela condenação; se não houvesse, pela absolvição. Foi uma forma de Fux não se comprometer. A pergunta foi feita também a outros candidatos à vaga. Até o julgamento do processo, a presidente Dilma Rousseff deverá indicar mais dois integrantes da Corte. Nas novas definições, disseram integrantes do governo ao Estado, haverá a mesma preocupação com o julgamento. Entre os atuais ministros do STF, causa também certa estranheza o fato de o ministro José Antônio Dias Toffoli participar do julgamento. Advogado do PT, ex-assessor da liderança do partido na Câmara e subordinado a José Dirceu na Casa Civil, Toffoli já participou do julgamento de recursos do mensalão.

Um dos ministros do Supremo lembra que o ex-ministro Francisco Rezek se declarou suspeito de participar do julgamento no STF do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Rezek fora nomeado ministro de Relações Exteriores no governo Collor e depois voltou ao Supremo, indicado também por Collor.

Por isso, achava que não teria isenção para julgar o caso. No governo. Há também em curso costuras políticas para fortalecer petistas réus do mensalão. Um exemplo recente dessa movimentação foi a nomeação do ex-deputado José Genoino, na época do escândalo presidente do PT, para o cargo de assessor especial do Ministério da Defesa pelo ministro Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo, a pedido de petistas.

O PT também conseguiu eleger para a comissão mais importante da Câmara, a de Constituição e Justiça (CCJ), João Paulo Cunha (PT-SP), outro réu do mensalão. Segundo políticos que acompanham o processo, a indicação para a CCJ pode garantir-lhe uma certa blindagem.

Obstáculos naturais. Para além de ações políticas com intuito de enfraquecer a tese do mensalão, há empecilhos naturais numa investigação complexa que envolve 38 réus. A começar pela dificuldade de obter provas de todas as denúncias. Ministros do Supremo são unânimes ao dizer que muitos dos réus, inclusive figuras centrais, deverão ser absolvidas. A história do tribunal mostra que as poucas condenações do STF só ocorreram quando obtidas provas cabais, impossíveis de serem contestadas.

Por isso, dizem os ministros, seria praticamente impossível encontrar provas suficientes para condenar José Dirceu por corrupção ativa. Com a prescrição do crime de formação de quadrilha, nada sobraria contra ele no tribunal. O mesmo vale, por exemplo, para Luiz Gushiken, ex-ministro do governo Lula, denunciado por peculato. Todos os ministros ouvidos reservadamente disseram que não havia sequer indícios suficientes sobre a atuação de Gushiken para que o tribunal recebesse a denúncia contra ele.

Argumento semelhante é usado por ministros em relação ao ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP), que foi líder do governo na Câmara. Luizinho responde pelo crime de lavagem de dinheiro. Ministros dizem que o fato de o ex-deputado ter recebido dinheiro supostamente disponibilizado pelo PT, mas sacado do Banco Rural, não poderia ser classificado como lavagem de dinheiro. Na Procuradoria. Ao contrário do ex-procurador e autor da denúncia do mensalão, Antonio Fernando de Souza, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, nunca conversou diretamente com o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do caso.

Pior: os 12 pedidos de diligência feitos tardiamente pelo procurador-geral em dezembro, acabaram por atrasar o calendário previsto por Barbosa. Pelo calendário informal do ministro Joaquim Barbosa, toda a instrução do processo estará concluída em abril ou maio. Depois disso, ele terá de analisar as mais de 42 mil páginas, reunidas em mais de 200 volumes, com quase 600 depoimentos e um calhamaço de provas colhidas. Ao terminar seu voto, o que deve fazer até o final do ano ou no início de 2012, Barbosa repassará todo esse volume de informações para o colega que está incumbido de revisar o caso, o ministro Ricardo Lewandowski.

O ministro terá igualmente de ler todos esses documentos para preparar um voto revisor. Com isso, o processo estaria pronto para ser colocado em pauta no segundo semestre de 2012. Porém, não seria prudente o STF julgar neste período uma ação com potencial para interferir na eleição municipal. O julgamento ficaria para 2013, oito anos depois de descoberto o mensalão.

OS ENTRAVES DE UM JULGAMENTO

O que mais conspira contra o processo Quadrilha: prescrição O crime de formação de quadrilha, a acusação que é a espinha dorsal do esquema do mensalão, prescreve em agosto. Dos 38 réus que continuam a responder ao processo, 22 respondem também por esse crime. O ex-ministro José Dirceu não poderá mais ser acusado de chefiar a quadrilha Mais duas indicações Nas últimas indicações para o STF, o ex-presidente Lula demonstrou preocupação especial com o julgamento do mensalão. Antes de ser indicado, Luiz Fux, por exemplo, foi questionado por um integrante do governo como votaria no julgamento. Até o final de 2012, a presidente deve indicar mais dois ministros Toffoli quer julgar

Antes de chegar ao STF, o ministro José Antonio Dias Toffoli advogou para o PT, foi da liderança do PT na Câmara e na Casa Civil era hierarquicamente subordinado a José Dirceu. Mesmo assim, ele deve participar do julgamento. Seus colegas de tribunal, reservadamente, têm criticado essa postura O renascimento Réus do processo passaram a ocupar postos altos nas estruturas dos poderes. João Paulo Cunha (PT-SP) foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. José Genoino foi nomeado assessor especial no Ministério da Defesa, comandado por Nelson Jobim, ex-presidente do STF Delúbio, o retorno Afastado do PT desde 2005, quando foi acusado de intermediar o pagamento de mesada aos parlamentares, o ex-tesoureiro Delúbio Soares articula seu retorno ao partido e já tem votos suficientes para isso. O mesmo caminho deve seguir Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT

Período eleitoral

Dificilmente o Supremo julgará o processo do mensalão durante as eleições municipais de 2012. Ministros do Supremo Tribunal disseram ao Estado que isso seria visto como uma interferência indireta no processo eleitoral Provas frágeis Ministros do STF consideram praticamente impossível que o Ministério Público obtenha provas concretas da prática de todos os crimes denunciados.

Sem essa comprovação cabal, eles adiantam que não terão como condenar os réus Ausência e atraso Ao contrário do seu antecessor, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não tem dado atenção especial para o processo.

Sem esse acompanhamento, alguns pedidos de diligência acabaram por atrasar a conclusão do processo Seis anos depois O processo do mensalão deve ser julgado apenas em 2013 pelo STF, seis anos após o recebimento da denúncia. Assim como ocorreu com o caso Collor, até a data do julgamento, o escândalo já estava praticamente diluído na opinião pública

(*) O DEPUTADO JOSÉ JANENE (PP-PR) MORREU E, POR ISSO, FOI EXCLUÍDO DA AÇÃO. O EX-SECRETÁRIO GERAL DO PT SILVIO PEREIRA FECHOU UM ACORDO PARA CUMPRIR PENA ALTERNATIVA E TAMBÉM NÃO RESPONDE MAIS À AÇÃO

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Cabral, projeto de vice em construção

Governador do Rio, que diz sonhar com a presidência do Vasco, comanda a ‘agenda Rio\" e mantém ótimo trânsito com Lula e Dilma

Luciana Nunes Leal

RIO - A resposta já está pronta para quem pergunta ao governador fluminense, Sérgio Cabral (PMDB), o que pretende fazer depois de encerrar o segundo mandato. "Quero ser presidente do Vasco da Gama", repete.

No horizonte de Cabral, porém, não há uma presidência de clube, mas a vice-presidência da República.

Reeleito no primeiro turno com 66% dos votos, o governador nega qualquer movimento para compor uma chapa de reeleição de Dilma em 2014 e insiste que o natural é a manutenção da parceria atual, com Michel Temer (PMDB).

A hipótese ganha força, no entanto, porque Cabral, depois de três mandatos de deputado estadual e um de senador, rejeita a ideia de voltar ao Legislativo ou de ser candidato a presidente. A escolha de Cabral para vice dependeria mais de uma decisão pessoal de Dilma ou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - caso ele decida voltar à disputa eleitoral -, do que de uma composição entre partidos.

Ao contrário do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), também lembrado como possível parceiro nacional do PT em 2014, Cabral é avesso à vida partidária. Não se envolve nos assuntos do PMDB, tem uma relação distante com a bancada na Câmara e só vai a Brasília quando o destino é o Palácio do Planalto.

Na visita do presidente norte-americano Barack Obama ao Rio, domingo passado, Cabral mostrou mais uma vez seu estilo: dar valor às relações pessoais, com um jeito descontraído de tratar até mesmo o homem mais poderoso do planeta.

Apesar dos contatos rápidos com Obama, fez propaganda de suas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e falou da viagem que fará aos EUA na próxima semana, para discutir investimentos com o Eximbank. Ministério. Se a candidatura a vice não se viabilizar, Cabral é candidato certo a ministro em um eventual segundo governo Dilma. "Em 2014, Cabral não fará nada que não seja combinado com Lula e Dilma.

Um dia, vai cair no colo dele e será candidato (a presidente ou a vice), assim como o Eduardo Campos e o Aécio Neves. Mas não precisa ser daqui a três anos", diz o vice-governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB), já escolhido por Cabral para disputar sua sucessão.

Embora a relação de Cabral com Dilma não seja tão fraterna quanto era com Lula, o governador mantém bom trânsito no governo. Assessores da presidente dizem que ela gosta dele e que o atrito ocorrido durante a escolha do ministro da Saúde não deixou sequelas.

Nas palavras de um colaborador de Dilma, "foi uma lição para Cabral". Na ocasião, o governador divulgou a informação de que seu secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, era o escolhido de Dilma.

Por causa do vazamento, Côrtes perdeu o cargo. Ele continua no governo do Estado, e a versão oficial foi de que o PMDB não o aceitou como indicação do partido.

O atual titular da Saúde, Alexandre Padilha, é um dos ministros mais próximos de Cabral. Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, é outro interlocutor - uma relação "cordial, mas não especial", segundo um assessor.

Nestes três primeiros meses, Cabral recorreu a Dilma em duas ocasiões. Na segunda semana de janeiro, a presidente foi à Região Serrana ver de perto os estragos dos temporais que deixaram 905 mortos e mais de 300 desaparecidos.

No mês passado, Cabral foi ao Planalto negociar as mudanças na proposta da Autoridade Pública Olímpica (APO), que representará a União nos preparativos para a Olimpíada.

Agenda.

No Palácio do Planalto, o que se diz é que existe uma "agenda Rio" importante no médio prazo e que o bom entendimento entre Dilma e Cabral poderá ser útil para fazer iniciativas avançarem.

A agenda inclui não só a Olimpíada, mas também o interesse americano, manifestado por Obama, em uma parceria em torno do pré-sal.

A avaliação no Palácio é que o estilo de Cabral facilita o diálogo, mas alguns assessores se preocupam com a maneira emotiva como ele se comporta diante das adversidades - ele foi visto como "muito passional" no ano passado, durante a discussão sobre royalties do petróleo no Congresso - onde usou termos como "tunga", "leviandade" e "roubo" ao protestar contra as perdas do Rio. A reação foi mal recebida.

Bancadas de norte a sul se voltaram contra ele. Em relação à Olimpíada, há uma expectativa de que Cabral seja um mediador para eventuais atritos da Prefeitura do Rio com o presidente da APO, Henrique Meirelles. Lula.

A viagem aos EUA inclui um compromisso não previsto inicialmente: um encontro com Lula, que vai a Washington para uma palestra na Microsoft. No Rio, o governador já recebeu o ex-presidente para jantar em seu apartamento, no Leblon. Até os petistas mais próximos de Lula se surpreendem com o grau de amizade entre os dois.

Além de Lula, Temer é outro ex-desafeto de quem Cabral se reaproximou. "Ele pode ser candidato a presidente, a vice, voltar ao Senado. Se for candidato a deputado, fará uma bancada excepcional", diz Temer.

FONTE:O ESTADO DE S. PAULO

Oposição no Rio vê tentativa de ''mexicanização''


Luciana Nunes Leal


RIO - Levado ao PMDB por Sérgio Cabral, o prefeito Eduardo Paes terá no governador seu principal cabo eleitoral na campanha pela reeleição.


Apesar de parte do PT do Rio defender candidatura própria, a tese dificilmente vingará e o mais provável é que os petistas continuem na aliança com o PMDB, na capital e no Estado.


"Cabral tenta uma mexicanização da política do Rio, no caminho de um partido único, o que é muito ruim para a democracia.


Há um aliciamento permanente do Legislativo e dos prefeitos", diz o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), provável candidato à Prefeitura do Rio.


"O que existe é uma parceria que funciona em benefício do Rio. Meus secretários têm linha direta com Sérgio e os dele, comigo", diz Paes, ex-companheiro de Leite no PSDB.


Nos vários compromissos públicos onde vão juntos, Cabral e Paes se apresentam como uma dupla de amigos.


Na madrugada da terça-feira de carnaval, durante o desfile da Beija-Flor, eles se abraçaram, sambaram e beijaram a bandeira da escola na passarela.


"Acho que nós dois encarnamos esse espírito do carioca", diz o prefeito.


FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Homem livre:: Carlos Drumonnd de Andrade




Atanásio nasceu com seis dedos em cada mão.
Cortaram-lhe os excedentes.
Cortassem mais dois, seria o mesmo
admirável oficial de sapateiro, exímio seleiro.
Lombilho que ele faz, quem mais faria?
Tem prática de animais, grande ferreiro.


Sendo tanta coisa, nasce escravo,
o que não é bom para Atanásio e para ninguém.
Então foge do Rio Doce.
Vai parar, homem livre, no Seminário de Diamantina,
onde é cozinheiro, ótimo sempre, esse Atanásio.


Meu parente Manuel Chassim não se conforma.
Bota anúncio no Jequitinhonha, explicadinho:
Duzentos mil-réis a quem prender crioulo Atanásio.
Mas quem vai prender homem de tantas qualidades?