quinta-feira, 16 de junho de 2011

Opinião – Celso de Mello

Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre. O princípio majoritário não pode legitimar (...) a supressão, a frustração, a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e da liberdade de expressão, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o estado democrático de direito.

Celso de Melo, Ministro do STF, no relatório de seu voto. Brasília, 15/6/2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

STF garante livre expressão e libera Marcha da Maconha
Governo resiste a pressão por gastos
Royalties: Dilma apela para consenso
Planalto cobra e PT recua sobre sigilo
Após protestos, Grécia muda Ministério
Cabral propôs tropa de 23 mil bombeiros

FOLHA DE S. PAULO

Câmara aprova sigilo para orçamentos da Copa-2014
Gabinete de subprefeito de SP coleta apoio ao PSD
Por divulgação de papéis, Lula diz que 'povo tem que saber'
Por 8 a O, STF autoriza atos pela liberação da maconha
Risco de calote dos EUA supera o do Brasil pela primeira vez

O ESTADO DE S. PAULO

Aneel critica Eletropaulo, mas diz haver concessionárias piores
Governo tenta contornar crise por sigilo de documentos
"Marcha da maconha" é liberada pelo Supremo
Risco Brasil fica menor que o dos EUA
Briga política trava projeto espacial

VALOR ECONÔMICO

PMDB está do 'lado do bem', diz Temer
A curto prazo, remédio para o juro alto é cortar o déficit público
Light vai comprar 50% da Renova, de energia eólica
Mudança nos cartões reduz custo de lojas

ESTADO DE MINAS

Falta de lacre ameaça emplacamentos em MG
Câmara afrouxa licitações
Supremo libera as marchas pela legalização da maconha
Base briga por 300 cargos do 2º escalão
Projeto questiona isenção que permite repasses milionários

CORREIO BRAZILIENSE

STF libera manifestações pró-maconha
Anistia será ampla, geral e indiscutível
Jogo liberado
Promotores podem atuar no Executivo

ZERO HORA (RS)

Critério de promoção dos professores será alterado por decreto
Dupla brasileira é hostilizada em torneio de vôlei na Itália

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Greve enfraquecida
Vacinação tenta impedir a volta do sarampo

STF garante livre expressão e libera Marcha da Maconha

Em nome da liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal liberou a realização da Marcha da Maconha e de protestos similares que defendem a descriminalização do uso de drogas. Foi uma decisão unânime dos 8 ministros que participaram da sessão. O argumento central do relator, ministro Celso de Mello, é que o Estado não tem direito de proibir o livre pensamento: "Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. O pensamento deve ser livre, sempre livre." Para o ministro Ayres Britto, não se pode impedir uma discussão alegando que ela trata de algo proibido: "Nenhuma lei pode se blindar contra a discussão de seu conteúdo, nem a Constituição está livre de questionamento." Os ministros entenderam que as manifestações não fazem apologia ao crime e ressaltaram que, durante os atos, não serão permitidos o consumo de drogas ou o estímulo ao uso. A ação foi proposta pela vice-procuradora geral da República Deborah Duprat. Novas marchas pela descriminalização de drogas estão previstas para sábado

STF libera Marcha da Maconha

Por unanimidade, ministros julgam que atos não configuram apologia ao crime

Carolina Brígido

OSupremo Tribunal Federal (STF) declarou ontem que não se pode proibir a realização de protestos em prol da descriminalização do uso de drogas. A decisão foi unânime, com a participação de oito dos 11 integrantes da Corte. Para os ministros, a chamada Marcha da Maconha e eventos similares são o retrato da liberdade de expressão, e não uma forma de apologia ao crime - como interpretaram alguns juízes brasileiros. Para o tribunal, o Estado não tem o direito de proibir o exercício do livre pensamento, uma garantia da Constituição.

- Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre - disse o relator, ministro Celso de Mello. - O princípio majoritário não pode legitimar (...) a supressão, a frustração, a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e da liberdade de expressão, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o estado democrático de direito.

No julgamento, os ministros ressaltaram que, nesse tipo de protesto, não será permitido consumo da droga ou estímulo ao uso. Os manifestantes também não podem usar armas ou agir com violência - como em qualquer outro evento público. Os ministros deixaram claro que, no julgamento, não estavam descriminalizando o uso da droga, mas declarando o direito à livre manifestação de opiniões sobre entorpecentes.

- A proteção judicial não contempla, e nem poderia fazê-lo, a criação de um espaço público imune à fiscalização do Estado. Menos ainda propugna que os manifestantes possam ocorrer em ilicitude de qualquer espécie, como, por exemplo, consumir drogas - alertou o relator.

- O indivíduo é livre para posicionar-se publicamente a favor da exclusão da incidência da norma penal sobre o consumo de drogas, mas não ao consumo do entorpecente propriamente dito - concordou Luiz Fux.

O relator ponderou que as manifestações em prol do uso da maconha costumam ser pacíficas e propõem a discussão do tema, sem fazer apologia a crimes ligados à droga - como o tráfico de entorpecentes.

- No caso da Marcha da Maconha, do que se pode perceber, não há qualquer espécie de enaltecimento, defesa ou justificativa do porte para consumo ou tráfico de drogas ilícitas, que são tipificados na vigente lei de drogas. Ao contrário, resta iminente a tentativa de pautar importante e necessário debate das políticas públicas e dos efeitos do proibicionismo - afirmou Celso.

Peluso defendeu direito das minorias

O presidente da Corte, Cezar Peluso, foi o último a votar e defendeu o direito das minorias:

- O governo não pode proibir expressões verbais ou não verbais apenas porque a sociedade as repute desagradáveis, ofensivas e contrárias ou incompatíveis com o pensamento dominante.

Em seu voto, Cármen Lúcia lembrou que, nos anos 1970, ela própria foi proibida de reunir-se em praça pública para debater o regime político do país. Segundo Cármen Lúcia, a discussão travada ontem no STF será considerada trivial em 30 anos. Para defender o direito de reunião, ela citou o verso "A praça é do povo, como o céu é do condor", de Castro Alves.

A ação foi proposta pela vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat, em julho de 2009. Para ela, a liberdade de opinião é um "pressuposto para o funcionamento da democracia". A vice-procuradora-geral solicitou que o STF desse ao artigo 287 do Código Penal interpretação conforme a Constituição. O artigo tipifica "apologia de crime ou criminoso" e prevê pena de detenção de três a seis meses, ou multa.

- A liberdade de expressão ocupa uma posição privilegiada em toda e qualquer ordem constitucional. Para restringi-la, há de haver um ônus argumentativo muito forte - afirmou a vice-procuradora-geral.

Deborah citou como exemplo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que recentemente deu entrevistas a favor da descriminalização da maconha. A procuradora lembrou que ele não foi censurado por isso - e, portanto, os demais brasileiros também deveriam ter o mesmo direito de se expressar em público. Mais adiante, ao votar, o ministro Marco Aurélio Mello também citou o mesmo caso.

- Por que a conduta dele é distinta da de outras pessoas que se dispõem a discutir isso em ambiente público? Porque, se for por se tratar da condição de ex-presidente, estaríamos diante de condição absolutamente discriminatória - disse Deborah.

Antes da votação, a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup) pediu, na mesma ação, que o Supremo autorizasse o uso da maconha para fins medicinais e religiosos. No entanto, os ministros sequer analisaram esse pedido, já que a ação era de autoria do Ministério Público.

Em maio, a Justiça proibiu manifestações pela legalização do uso de maconha em pelo menos nove capitais. Em São Paulo, houve confronto entre manifestantes e a Polícia Militar. Em 3 de junho, após vetada, a Marcha da Maconha do Distrito Federal foi realizada, mas como um protesto pela liberdade de expressão. O grupo substituiu a palavra "maconha" por "pamonha" no evento. No julgamento de ontem, um grupo protestou do lado de fora pela descriminalização da maconha com faixas e cornetas.

FONTE: O GLOBO

Câmara aprova sigilo para orçamentos da Copa-2014

A Câmara aprovou o texto básico de medida provisória que permitirá ao governo manter secretos orçamentos de obras para a Copa-2014 e a Olimpíada-2016, relatam José Ernesto Credendio e Maria Clara Cabral.

O texto final pode ser mudado por destaques que serão avaliados no dia 28. A decisão do governo de ocultar dados entrou na última hora na MP sobre contratações para esses eventos.

Câmara aprova sigilo de orçamentos para Copa

MP permite que só órgãos de controle acessem dados, mas sem poder divulgá-los

Proposta foi incluída pouco antes da votação; destaques, que podem modificar texto, serão apreciados no dia 28

José Ernesto Credendio e Maria Clara Cabral

BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados aprovou ontem à noite o texto básico de uma medida provisória que permitirá ao governo federal manter em segredo orçamentos feitos pelos próprios órgãos da União, de Estados e municípios para as obras da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada do Rio em 2016.

A decisão foi incluída de última hora no novo texto da medida provisória 527, que cria o RDC (Regime Diferenciado de Contratações), específico para os eventos.

Com a mudança, não será possível afirmar, por exemplo, se a Copa-2014 estourou ou não o orçamento. O texto final, porém, ainda pode ser alterado, já que os destaques só serão avaliados no dia 28.

Pelo texto atual, só órgãos de controle, como os tribunais de contas, receberão os dados. Ainda assim, apenas quando o governo considerar conveniente repassá-los -e sob a determinação expressa de não divulgá-los.

A MP altera ou flexibiliza dispositivos da Lei de Licitações (8.666/1993) para as obras da Copa e dos Jogos. O governo tenta mudar a lei desde 2010, mas esbarrava na resistência da oposição.

Normalmente, a administração pública divulga no edital da concorrência quanto estima pagar por obra ou serviço (orçamento prévio).

O cálculo é feito através da aplicação de tabelas oficiais ou em pesquisas de mercado. O valor é usado para balizar o julgamento das propostas. O governo alega que a divulgação pode estimular a formação de cartéis e manipulação de preços.

Na versão que o Planalto tentou aprovar em maio, a MP prometia disponibilizar os valores aos órgãos de controle e não havia restrição à revelação dos dados.

Além disso, os órgãos de controle poderiam solicitar informações antes ou depois do final da licitação. Agora, a MP diz que o orçamento prévio será disponibilizado "estritamente" a órgãos de controle, com "caráter sigiloso". Também foi retirada do texto a garantia de acesso a qualquer momento por esses mesmos órgãos.

Em tese, portanto, o governo poderia informar valores só após o fim das obras.

O texto foi reescrito ontem pelo deputado José Guimarães (PT-CE), após reunião do colégio de líderes dos partidos governistas na Câmara.

O RDC estabelece outros pontos polêmicos, como a possibilidade de aumentar o valor de um contrato sem limite, na mesma licitação.

Hoje, pela lei, esses aditivos estão limitados a 25% (obras novas) e 50% (reformas).

A ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) pediu unidade na base aliada na votação da MP.

O Ministério das Relações Institucionais disse à Folha que o caráter sigiloso do orçamento estava "implícito" no texto anterior e que a mudança ocorreu para deixar a redação "mais clara".

Ainda segundo a assessoria de Ideli, a possibilidade de sigilo é prevista na Constituição "quando há interesse do Estado e da sociedade".

A alegação é que a abertura de preços reduziria a competitividade e que tudo estará, em algum momento, disponível a órgãos de fiscalização.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Planalto cobra e PT recua sobre sigilo

O Planalto enquadrou a bancada do PT no Senado, que, agora, diz que precisa ouvir o governo antes de decidir como votará sobre o sigilo eterno de documentos públicos. A ministra Ideli Salvatti disse que não será negado acesso a documentos da ditadura

Enquadrado pelo Planalto, PT recua sobre sigilo

Governo afirma que não será negado acesso a documentos sobre violações de direitos humanos durante a ditadura

Roberto Maltchik

BRASÍLIA. O Planalto enquadrou a bancada do PT no Senado, que, agora, diz que precisa ouvir os argumentos do governo antes de decidir se apoia ou não o texto que abre caminho para que documentos públicos fiquem em segredo por tempo indeterminado. Na terça-feira, o líder petista, Humberto Costa (PE), afirmou que a bancada havia firmado um acordo para defender publicamente o projeto, aprovado pela Câmara, que limita em até 25 anos - prorrogáveis por mais 25 - o prazo máximo para que qualquer documento público seja divulgado.

Ontem, o governo e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), lançaram uma ofensiva para derrubar a proposta aprovada na Câmara. Além de Sarney, o ex-presidente, senador Fernando Collor (PTB-AL), o Itamaraty e as Forças Armadas defendem o mesmo projeto. O Planalto negou que registros sobre violações de direitos humanos na ditadura poderão ficar para sempre escondidos.

No Senado, apesar da orientação do governo, as divergências sobre a Lei de Acesso à Informação Pública, discutida no parlamento desde 2003, dividiram a bancada do PT. Pessoalmente, o líder é contra o sigilo prorrogável sem limitação. Porém, o acordo da bancada anunciado foi desmentido pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS).

--- A bancada nunca fechou questão sobre esse assunto. O debate apenas começou. Na reunião (terça-feira), não houve acordo nenhum. Eu defendo a proposta encaminhada pelo governo --- afirmou Amaral, após reunião no Planalto.

Constrangido pela ação governista e pela divisão da bancada, o líder Humberto Costa mudou o tom de anteontem e passou a declarar que nada foi decidido.

--- Queremos ouvir os argumentos do governo e, depois, discutir qual é a posição da bancada. O governo precisa dizer por que é preciso manter o sigilo sem limitação para determinados documentos --- afirmou.

Diante do impasse e das reações à reviravolta governista, o líder Romero Jucá (PMDB-RR) foi orientado a não pedir a retirada imediata do regime de urgência, que abreviaria a discussão. A ordem de ampliar o debate continua, mesmo que a votação seja no segundo semestre.

A ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, esteve na Câmara e, pela primeira vez, falou sobre detalhes do conteúdo defendido pela presidente Dilma Rousseff. De acordo com informação divulgada pela assessoria da ministra, "para documentos do período da ditadura, que neste caso específico referem-se aos direitos humanos, não será negado o acesso":

---- O projeto original que o governo do ex-presidente Lula encaminhou ao Congresso é claro. Não há sigilo eterno. Tem três assuntos: a questão da integridade de território, segurança nacional e relações internacionais, onde é possível pedir a renovação do prazo por mais 25 anos. É este texto que entendemos que é necessário aprovar no Senado.

Em outra frente, o presidente do Senado, José Sarney, divulgou nota com argumentos para desqualificar as alterações aprovadas pela Câmara e que vedam a renovação indefinida do segredo para documentos cuja liberação poderia ferir os princípios de soberania e segurança. De acordo com Sarney, o projeto encaminhado pelo ex-presidente Lula foi desvirtuado.

Em nota, Sarney apresentou a redação que defende para artigo do projeto que trata das informações ultrassecretas (a mesma do governo). O texto diz que a prorrogação do sigilo da informação ultrassecreta deve ocorrer sempre com "prazo determinado". Mas não indica por quantas vezes. O texto aprovado pela Câmara é categórico: o sigilo em todos os níveis só pode ser renovado uma vez. Assim, os ultrassecretos, com prazo de segredo de 25 anos, só podem ser renovados por mais 25.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) anunciou que, mantida a redação governista, pedirá ao PDT que ingresse com ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a lei, depois de sancionada:

---- Se você trata desses assuntos publicamente, você afasta os fantasmas. Não creio que há novidades sobre eles (Sarney e Collor), que já foram tão devassados. Ou será que estão protegendo alguém?

FONTE: O GLOBO

Assim é se lhe parece:: Merval Pereira

A economia brasileira oferece menos riscos que a dos Estados Unidos ou, ao contrário, há indícios de que o país está a caminho de uma recessão? Nem uma coisa nem outra, mas ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, festejou no Palácio do Planalto o fato de que um indicador econômico do mercado financeiro, o CDS (Credit Default Swap), indicaria que o risco Brasil está pela primeira vez menor que o dos Estados Unidos.

Fez lembrar o ex-presidente Lula, que criou um embaraço diplomático ao dizer, para se vangloriar, que "é muito bom terminar o mandato e ver que os EUA continuam em crise", em contraste com o Brasil, que cresceu no seu último ano 7,5%.

Mantega comemorava, na verdade, não uma melhoria da economia brasileira, mas as dificuldades do governo de Barack Obama para conseguir que o Congresso americano dê permissão para que seja ampliado o teto de endividamento do país.

Caso isso não aconteça, em agosto o Tesouro americano não terá condições de honrar o pagamento de seus títulos.

O mais intrigante nessa "comemoração" do governo brasileiro é que o Brasil hoje é nada menos que o quarto maior detentor de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da China, do Japão e dos países exportadores de petróleo.

Isso quer dizer que o Brasil seria prejudicado se os Estados Unidos não conseguissem honrar seus compromissos, o que já é temido pelo mercado financeiro internacional, embora considerado altamente improvável.

O governo chinês, que não brinca em serviço, em vez de comemorar, já alertou os congressistas americanos de que eles estão "brincando com fogo" ao não darem ao governo americano os instrumentos necessários para tratar do equacionamento da dívida interna a longo prazo.

O índice CDS é uma espécie de seguro que investidores utilizam para se proteger contra a possibilidade de algum devedor não quitar suas obrigações, e o aumento do risco dos Estados Unidos está justamente na luta política que democratas e republicanos travam no Congresso.

Se, como todos acreditam, os congressistas chegarem a um acordo, e o governo americano puder ampliar sua capacidade de endividamento, o CDS dos Estados Unidos voltará a indicar risco reduzido, próximo de zero, como acontece em relação aos bônus de mercados emergentes, que são a base de outra medida de risco.

Nesse caso, os bônus de países emergentes como o Brasil são comparados com o risco nulo dos bônus dos Estados Unidos.

Já o CDS do Brasil continuará onde sempre esteve, naturalmente abaixo dos Estados Unidos, devido aos riscos inerentes a uma economia que, embora venha se comportando de maneira correta e demonstre vitalidade, já deu o calote nos devedores.

Mesmo essa vitalidade da economia brasileira, que nos transformou na "bola da vez" dos investidores internacionais diante das dificuldades crescentes dos Estados Unidos e da Europa, poderia ser colocada em dúvida por outro indicador financeiro.

O jornal "Financial Times" de ontem mostra que a curva de rendimento de títulos públicos do Brasil indicaria problemas à vista na nossa economia, pois os juros dos títulos de curto prazo estão mais altos do que os de longo prazo, o que significaria que o mercado está temendo uma forte desaceleração ou até mesmo uma recessão econômica no futuro.

O mais grave, segundo o "Financial Times", é que os países cuja curva de rendimento de títulos públicos apresenta as maiores diferenças entre os juros de curto e de longo prazo são Grécia, Portugal e Irlanda, justamente os três países europeus que enfrentam os maiores problemas financeiros na região.

A Índia, outro país emergente, parceira do Brasil nos Brics, segundo a reportagem, também está em situação semelhante à brasileira, com os juros de longo prazo apresentando alta nas últimas semanas, devido ao aumento dos juros para conter a inflação.

Há análises mais otimistas, no entanto. O mesmo fenômeno que, para Grécia, Portugal e Irlanda representaria uma indicação de recessão econômica, para países com economias em bom estado, como as do Brasil e da Índia, indicaria a tendência de longo prazo de queda dos juros, e não uma crise econômica.

A aposta desses analistas é que sucessivos governos brasileiros, inclusive o atual, já se comprometeram com a estabilidade econômica a tal ponto que é possível prever que a longo prazo a inflação convergirá para o centro da meta, e os juros poderão voltar a ser reduzidos.

A questão é que o Brasil tem diante de si desafios que não parecem ser as prioridades do governo, engessado por uma coalizão congressual insatisfeita e que, ao contrário de ser uma base para as reformas estruturais de que necessita, é uma verdadeira fábrica de "custo Brasil" com suas reivindicações permanentes.

Agora mesmo o governo começa a negociar duas propostas de emenda constitucional que são explosivas, tanto política quanto economicamente: a das verbas para a Saúde e a do piso nacional para policiais militares.

Como o governo não parece disposto a cortar realmente seus custos, que são compensados pela carga tributária que continua ascendente, essas pressões do Congresso colocam mais lenha na fogueira que faz a inflação ficar aquecida.

A alta dos juros a longo prazo, nessa situação, seria uma sinalização de que o governo teria que manter seu remédio amargo por muito mais tempo do que o previsto, correndo realmente o risco de uma desaceleração mais acentuada na economia.

FONTE: O GLOBO

Primeiro round:: Dora Kramer

O PT recebeu mal, e não fez questão de disfarçar, a indicação de Ideli Salvatti para a pasta das Relações Institucionais. A bancada do partido no Senado, em particular, achou que Dilma Rousseff fez uma escolha ruim.

Isso muito em função de, na avaliação de seus companheiros de partido, a então senadora ter "jogado" mais com o PMDB, José Sarney, Romero Jucá e Renan Calheiros, quando foi líder do governo no Senado.

Pois se essa relação interpartidária já não era boa, ficou pior já no primeiro dia de trabalho da nova ministra depois que ela se reuniu com Sarney e vários senadores do PMDB e saiu do gabinete do presidente da Casa anunciando que o governo recuara do apoio ao projeto de lei de acesso à informação pública tal como foi aprovado na Câmara.

O PT apoia a modificação dos deputados suspendendo o sigilo eterno para documentos oficiais e instituindo prazo máximo de 50 anos para a manutenção do segredo de Estado.

Mas o motivo da reação à atitude da ministra não foi só esse. À divergência no conteúdo, somou-se um problema de natureza política: Ideli não comunicou nem consultou a bancada do PT sobre a mudança de posição e nem sequer se deu ao trabalho de chamar o líder do partido no Senado, Humberto Costa, na hora do anúncio.

A bancada ficou revoltada. Decidiu de imediato anunciar sua posição contrária ao Palácio do Planalto e informou ao líder do governo, Romero Jucá, que se ele levasse adiante a disposição de retirar o pedido de urgência constitucional do projeto o partido ficaria contra.

O clima da reunião dos senadores petistas na tarde de terça-feira era de beligerância com Ideli Salvatti e de dúvida em relação à presidente Dilma Rousseff.

Afinal, quando ainda ministra da Casa Civil, Dilma foi voto vencido na decisão de mandar o projeto ao Congresso, em 2009, com a autorização para renovação indefinida dos prazos de sigilo. Eternidade esta defendida pelo então presidente Lula.

No início do governo Dilma manifestou-se favorável à limitação máxima de 25 anos com apenas uma renovação. Queria até sancionar a lei quando da comemoração do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, em maio último.

A dúvida, portanto, é se a presidente realmente ordenou que fosse retirado explicitamente o apoio ao projeto tal como está, ou se Ideli quis mostrar um bom serviço como articuladora agradando ao PMDB e ao PTB, onde, por influência dos dois ex-presidentes Sarney e Fernando Collor, a posição é a favor do sigilo eterno dos documentos.

Na reunião da bancada, os petistas consideraram "um equívoco político" a presidente transparecer à opinião pública que mudara de posição por pressão de Collor e Sarney.

Na conversa, os senadores consideraram "frágeis" os argumentos de que eventual divulgação de informações sobre a Guerra do Paraguai e a negociação de fronteiras entre Acre e Bolívia poderiam render constrangimentos diplomáticos.

A suspeita corrente no PT é que o receio deles guarde apenas relação com episódios ocorridos nos respectivos governos que estejam empenhados em esconder.

Cigarra. O movimento salarial dos bombeiros é a primeira e mais grave crise do governo Sérgio Cabral Filho, que rendeu a ele problemas sérios junto à população.

Não ajudou ter chamado os bombeiros que invadiram a corporação de "vândalos" e "covardes". Teve de ouvir de um deles o seguinte recado em programa de rádio: "Covarde, governador, não é quem enfrenta o fogo para salvar vidas. Covarde é quem chora pela perda do dinheiro do pré-sal".

Talvez depois disso Cabral passe a viajar menos e a se dedicar mais aos afazeres cotidianos do governo de forma a evitar que reivindicações salariais se transformem em crises.

Insone. Vitor Martins, autor da letra da música Novo Tempo, de Ivan Lins, que Ideli Salvatti usou em trecho do discurso de posse, confessou a um amigo no dia seguinte: "Eu não dormi".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

FHC :: Kenneth Maxwell

É inteiramente correto que a presidente Dilma Rousseff tenha optado por congratular Fernando Henrique Cardoso em seu 80º aniversário.

Ao longo da última década, um dos pequenos dramas mais incômodos da política brasileira era o fato de que Lula jamais tenha conseguido se forçar a reconhecer a contribuição de FHC para a consolidação bem-sucedida da democracia e o sucesso econômico do Brasil, e que FHC, de sua parte, encontrasse pouco de positivo a dizer sobre Lula.

Felizmente, Dilma não se deixou apanhar no mesmo dilema, e isso é muito positivo. FHC se define como o "presidente acidental". De certa forma, é verdade. Itamar Franco, outro presidente "acidental" do Brasil, fez de FHC seu ministro da Fazenda.

Ele se cercou de economistas experientes, alguns dos melhores do Brasil, muitos dos quais envolvidos em tentativas anteriores e frustradas de controlar a inflação. Mas o plano de FHC funcionou. Ele matou a inflação. Em 1994, foi eleito presidente da República como resultado.

Os antecedentes de FHC eram incomuns para um presidente brasileiro. Ainda que sua família tivesse longa tradição de serviço nas Forças Armadas, ele era acadêmico, um sociólogo de renome mundial, muito conhecido e respeitado internacionalmente.

Embora nascido no Rio de Janeiro, fez sua carreira na Universidade de São Paulo, onde conheceu Ruth, também uma intelectual conhecida, com quem veio a se casar.

Professor universitário e marxista, FHC caiu em desgraça durante o regime militar, perdeu seu posto na USP e passou anos exilado no Chile, na França e nos EUA.

Ao voltar ao Brasil, construiu uma carreira que combinava ativismo político, ensino e pesquisa, e mobilizou apoio internacional, especialmente de fundações de caridade norte-americanas.

No governo, ele uniu diversas pessoas de talento notável. Homens como seu ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o presidente do Banco Central Armínio Fraga. Os dois eram economistas experientes, com doutorados no exterior.

Ao contrário de Lula, FHC não é um "homem do povo".

Houve momentos em que isso lhe causou desvantagens.

Sua paciência sempre foi curta, um fato que ele tinha dificuldade para disfarçar, por exemplo em seus contatos com o presidente norte-americano George W. Bush. Não que alguém deva criticar a opinião de FHC sobre Bush. Mas deixar que ela transparecesse nunca foi muito diplomático.

É inegável, porém, que o Brasil se tornou um país muito melhor depois de seus dois mandatos como presidente, e Dilma está completamente certa em reconhecer o fato publicamente.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Onde está o Wally Cardozo? :: Eliane Cantanhêde

Ao virar a carta da manga de Lula para a sucessão de 2010 depois que o ás Dirceu e o rei Palocci saíram do jogo, Dilma Rousseff deixou evidente que não tinha equipe e arregimentou o próprio Palocci e os dois José Eduardo do PT, o Dutra e o Cardozo. Eles viraram pau-para-toda-obra e ganharam apelidos irreverentes: eram os "três porquinhos" ou os "três mosqueteiros" da campanha.

Dutra, doente, saiu de cena. Palocci foi soterrado pela fortuna súbita e inexplicável. E José Eduardo Cardozo, por onde anda? Ministros da Justiça têm importância decisiva em qualquer governo, até em regimes militares. Petrônio Portella, do governo Figueiredo, já tinha até engatilhado a candidatura à Presidência, quando morreu.

Mas vamos focar a era Lula. Márcio Thomaz Bastos tinha o escovão mais requisitado da República: vivia tentando apagar os rastros dos colegas, como o do próprio Palocci na quebra do sigilo do caseiro Francenildo. Tarso Genro era falante, tinha ideias incríveis para tudo e até deflagrou a crise Cesare Battisti ao jogar no lixo o parecer do Itamaraty e a decisão de um conselho ligado ao seu ministério para manter o italiano no Brasil.

Cardozo, porém, está mais para Antonio Patriota do que para dr. Márcio ou Genro: o pau está comendo, mas, afora uma declaraçãozinha ou outra, ninguém sabe e ninguém vê o ministro da Justiça.

Palocci sangrou semanas. Dilma ficou cara a cara com as feras do PMDB e do PT, foi o sujeito oculto no bate-boca de Palocci com o vice Temer, ameaçou romper com o PMDB e enfrentou o presidente da Câmara, Marco Maia.

No máximo, Dilma tinha ao lado Helena Chagas, que não é política, e Gilberto Carvalho, antes de mais nada lulista. Cardozo ficou à distância. Ou porque quis, ou porque Dilma cansou de porquinhos e mosqueteiros convenientes em campanhas, mas de pouca valia na articulação política do governo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Riqueza do pré-sal volta a dividir país:: Raquel Ulhôa

Se o Código Florestal vai exigir atenção do núcleo político do governo no Senado, a proposta de uma nova repartição dos royalties devidos pela exploração do petróleo na camada pré-sal desponta como um dos assuntos espinhosos para as novas ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) na Câmara dos Deputados.

Nos dois casos, a discussão extrapola a polarização entre governo e oposição. As duas propostas dividem a base aliada e já foram responsáveis por importantes derrotas do Palácio do Planalto. Na votação de uma nova regra de divisão dos royalties, o governo Lula perdeu na Câmara e no Senado. Na deliberação sobre o Código Florestal, a derrota foi mais recente, já na gestão de Dilma Rousseff, na Câmara.

A preservação ambiental e a divisão da riqueza do petróleo, agora, retornam à pauta do Congresso. Por enquanto, o Código Florestal está encontrando no Senado um ambiente mais sereno para o debate. Presidentes das comissões técnicas (Constituição e Justiça, Agricultura e Meio Ambiente) e relatores que vão examinar a proposta fizeram acordo de procedimentos e tentam um grande consenso em torno das mudanças no texto. Há dúvidas se vão conseguir, mas, ao menos, está havendo esforço nesse sentido.

Governo busca solução para Código e royalties

A questão dos royalties, de novo tramitando na Câmara, parece mais complicada neste momento. O embate entre Estados produtores de petróleo - Rio de Janeiro e Espírito Santo, mas principalmente o primeiro deles - e os demais entes da federação ressurgiu com força.

Representantes de Estados não produtores de petróleo, especialmente do Norte e do Nordeste, voltaram a se mobilizar em torno de uma proposta que amplia sua participação nos recursos provenientes dos royalties do petróleo extraído no mar - pré-sal ou não, inclusive dos resultantes da exploração dos campos já licitados.

À frente da proposta, o senador Wellington Dias (PT-PI), submeteu-a à nova ministra da Casa Civil, ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) e a governadores do Norte e do Nordeste.

A ideia é que os Estados produtores continuem recebendo o montante equivalente à média dos últimos cinco anos e que o restante seja dividido entre União (40%) e todos os Estados (30%) e municípios (30%) do país. O critério de distribuição seria o dos fundos de participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM).

Dias e o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), autores do projeto, tentam obter consenso em torno do texto, a fim de que ele seja aprovado como substitutivo a um projeto de Lula que tramita na Comissão de Minas e Energia da Câmara. No entanto, o relator, deputado Fernando Jordão (PMDB-RJ), descarta totalmente essa possibilidade.

Aliado do governador do Rio, Sérgio Cabral, Jordão é claramente favorável à manutenção do que considera "direitos adquiridos" dos Estados produtores nessa questão. O projeto do qual ele é relator foi enviado pelo ex-presidente ao Congresso no último dia do seu mandato, para preencher o vácuo legal deixado por seu veto à "Emenda Ibsen", aprovada na Câmara contra a orientação do governo e reforçada no Senado por emenda de Pedro Simon.

Incluída no projeto sobre o marco regulatório da exploração da camada pré-sal, essa emenda determinava a distribuição dos royalties do petróleo extraído do mar entre todos os Estados e municípios do país, pelos critérios dos fundos de participação (FPE e FPM). Os Estados produtores ou confrontantes (cujos territórios ficam defronte dos campos) perderiam o tratamento diferenciado e caberia à União compensá-los pelas perdas. Atualmente, o Rio fica com mais de 80% dos royalties destinados aos Estados.

Cabral chorou em público, acusou o Congresso de querer "roubar" o Rio e articulou a reação com o então governador do Espírito Santo, Paulo Hartung. Lula ficou do lado deles. Vetou a regra aprovada no Congresso e enviou novo projeto, que prevê repartição mais equânime dos recursos, restaurando acordo feito com os governadores, sem atingir os campos já explorados.

É esse projeto que encontra-se na Câmara, sob a relatoria de Fernando Jordão. Empenhado em manter os recursos que Rio e Espírito Santo recebem, ele reconhece que a pressão é grande e não há como deixar de ampliar a participação dos demais nos recursos da exploração do petróleo. A avaliação é que, se o projeto de Lula for submetido à votação sem mudanças, o governo será novamente derrotado.

Para evitar que os outros entes da federação avancem sobre os recursos dos Estados produtores, Jordão pretende negociar com o governo mudanças no projeto para que a União ceda parte dos ganhos que terá no novo modelo de exploração do pré-sal, o de partilha de produção, para essas unidades da federação.

A tramitação da proposta praticamente não avançou na comissão de Minas e Energia. O relator diz estar ouvindo interessados, mas ainda não se reuniu com governadores de Estados não produtores nem com interlocutores de Dilma Rousseff.

Alega que a demora deve-se às "turbulências" provocadas pela discussão do Código Florestal na Câmara e pela crise do governo com o desgaste de Palocci e as mudanças de ministros. "Agora é a hora falar dos royalties. Uma coisa de cada vez", diz ele.

Se quiser evitar nova derrota, o governo precisa apresentar alternativa. E isso vale para os dois casos, o código e os royalties. No caso dos recursos do petróleo, paira ainda a ameaça de derrubada, pelo Congresso, do veto de Lula à Emenda Ibsen.

Da outra vez, a votação ocorreu em período pré-eleitoral, o que aumentou o peso do interesses locais. O tempo passou e agora é a eleição municipal de 2012 que se aproxima. O ingrediente eleitoral estará de volta.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Dilma. Novo começo ou a primeira de complicadas fases que se seguirão::Jarbas de Holanda

O tratamento do Top Mail da quarta-feira passada da demissão de Antonio Palocci da Casa Civil e de sua troca por Gleisi Hoffman por meio de decisões solitárias da presidente Dilma Rousseff como fator indicativo de um “novo começo” do seu governo, esse tratamento ou abordagem semelhante dividiu as avaliações da imprensa nos dias seguintes sobre o sentido das novidades produzidas no Palácio do Planalto para o enfrentamento da chamada “crise Palocci”. Entre estas avaliações (que adicionavam mais um passo de Dilma no mesmo sentido: a nomeação de Ideli Salvatti para cuidar da articulação com o Congresso) destaco a do jornalista Josias de Souza, na Folha de S. Paulo, de domingo, com o título “Dilma se afasta de Lula e assume riscos”. Trechos da matéria: “Cinco meses depois de receber a faixa presidencial, Dilma distanciouse de Lula, moldou o Planalto à sua imagem e assumiu riscos. Anteontem, dissolveu as últimas dúvidas quanto ao estilo que deseja impor”. “Livrou-se de um superministro que lhe foi imposto por Lula e acomodou do seu lado duas mulheres leais e de temperamento mercurial”.

As decisões do “novo começo” tiveram, de um lado, favoráveis repercussão na opinião pública e leitura na mídia, basicamente por serem vistas como atos de independência da presidente em relação ao antecessor, após a ostensiva e até institucionalmente preocupante reentrada dele na cena de Brasília em meio à referida crise. Mas, de outro lado, as mesmas decisões, sobretudo as escolhas feitas (e os critérios personalistas com que o foram) para a substituição do experiente e articulado Palocci na Casa Civil, bem como no exercício da articulação política que de fato cabia a ele, geraram avaliação predominante de persistência e provável reforço do isolamento e de conseqüente instabilidade do governo. O que deve ter induzido a presidente a aproveitar, anteontem, a posse de Ideli Salvatti, no seu próprio discurso e no que recomendou à nova ministra, para uma retórica de enfáticas deferências ao Legislativo, às negociações político-partidárias e ao vice- presidente peemedebista Michel Temer. O que foi bem recebido no título (e no texto) de reportagem do Estado de S. Paulo de ontem sobre o evento: “Ao mudar governo, Dilma se rende à política e se afasta do perfil ‘gerentona”.

Desdobrando o Top Mail anterior – que à ênfase do título “Novo começo do governo Dilma” juntava a indagação “E qual o papel do PMDB?” – parece-me termos à frente dois cenários bem distintos, contraditórios. Um, positivo, admitido e estimulado em editorial do Globo, de anteontem – “Chances de afirmação do governo Dilma”. Que valoriza a imagem de autonomia em relação ao antecessor que a presidente procurou demonstrar de uma semana para cá; que aplaude a rejeição a pressões do PT na designação das novas ministras e o fato de que ela “manteve a uma distância segura o PMDB”, embora deva com este retomar logo o diálogo; que elogia o perfil “mais administrativo que a Casa Civil deverá ter”, mas cobrando um envolvimento pessoal de Dilma nas negociações político-partidárias; e que termina louvando a “forma elegante” do cumprimento dirigido por ela ao ex-presidente FHC na comemoração dos seus 80 anos.

Outro cenário, negativo, que estimo mais provável, é o de maior peso de tendências centralizadoras e voluntaristas no novo núcleo do governo. As quais, no plano político, alimentarão a persistência de conflitos na base parlamentar governista (em especial entre o PT e o PMDB), a serem reforçados por objetivos distintos e em grande medida contrapostos para as eleições municipais de 2012 e pela previsível acentuação de problemas na economia – crescimento do PIB este ano abaixo de 4%, sequência da pressão inflacionária, manutenção de altas taxas de juros e do baixo nível de nossas exportações industriais e de serviços. Problemas estes, além da abusiva carga tributária, que só seriam bem enfrentados com uma virada reformista do Planalto, tornada ainda improvável agora. Tal cenário de crise – que porá em xeque o projeto de continuidade do lulismo à frente do governo federal em 2014, abrindo à oposição bom espaço para crescimento mas não para representar alternativa ao atual governo – poderá ser substancialmente alterado, senão revertido, com um retorno ao comando das decisões centrais do Planalto do ex-presidente Lula. Com o respaldo de alta popularidade e a capacidade que tem de controle do PT e de reaglutinação pelo menos da maioria da atual base governista, a partir de efetivo diálogo com o PMDB, tudo isso com base na perspectiva de sua volta à presidência. Já defendida abertamente anteontem por Ciro Gomes. Eis uma outra fase do governo Dilma. De recuo forçado para a subordinação à liderança de Lula, que poderia ter a alternativa de recusa dela a isso, com um final esvaziado de seu mandato.

Jarbas de Holanda é jornalista

Rio em Bloco - contra o desmatamento

No próximo domingo, 19 de junho, com concentração às 10:00h, no posto 6 de Copacabana, os Blocos e Bandas de carnaval do Rio farão, juntos, uma manifestação contra o Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados.

Será uma espécie de carnaval-político, onde as baterias dos Blocos e os metais das Bandas tocarão juntos, embalando um desfile em direção ao Leme.

Além dos mais de 20 Blocos e Bandas que aderiram ao movimento, há também instituições como OAB-RJ, Associação de Moradores, alunos de universidades e ONGs.

Escrevemos um manifesto, em anexo, que será a base de um abaixo-assinado, a ser encaminhado para a presidenta da República e para os presidentes da Câmara e do Senado.

É o Rio em bloco em defesa das florestas e contra os assassinatos impunes cometidos pelos expropriadores de terra.

Esperamos vocês lá, com faixas, galhardetes, fantasias e o que mais a criatividade levar.

Abraços

Ary Miranda (Bloco Simpatia Quase Amor)

Fermento na tropa

Cigarra. O movimento salarial dos bombeiros é a primeira e mais grave crise do governo Sérgio Cabral Filho, que rendeu a ele problemas sérios junto à população.

Não ajudou ter chamado os bombeiros que invadiram a corporação de "vândalos" e "covardes". Teve de ouvir de um deles o seguinte recado em programa de rádio: "Covarde, governador, não é quem enfrenta o fogo para salvar vidas. Covarde é quem chora pela perda do dinheiro do pré-sal".

Talvez depois disso Cabral passe a viajar menos e a se dedicar mais aos afazeres cotidianos do governo de forma a evitar que reivindicações salariais se transformem em crises. (Dora Kramer, O Estado de S. Paulo, hoje, na sua coluna)

Para atender a demanda na saúde, Cabral contratou bombeiros que hoje atuam em UPAs e Samu

Carla Rocha, Natanael Damasceno e Renata Leite

Apesar de chamar atenção pelo gigantismo, a tropa de bombeiros do Rio - a maior do país, segundo o próprio governo do estado - ainda pode aumentar. Uma lei encaminhada pelo governador Sérgio Cabral e aprovada pela Assembleia Legislativa em 2007 fixa o efetivo do Corpo de Bombeiros em 23.450. Se hoje são 16.550, ainda há margem para contratar 6.900. A proposta passou com a justificativa de que eram necessários oficiais e praças para atuar na área de saúde, em especial em dois projetos importantes do governo, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

O crescimento do quadro dos bombeiros teve também uma contribuição de governos anteriores. A lei 5.175 aprovada por Cabral substituiu outra, de 4 de abril 2002, de Anthony Garotinho, que fixava o efetivo em 18.125 homens. No entanto, este nunca chegou a ser o total dos bombeiros.

2.018 vagas só para oficiais médicos

A demanda da saúde fez com que Cabral realizasse em 2008 um concurso público com 5.009 vagas para bombeiros, que atuariam na área. Foram dois editais, sendo um com 2.018 vagas para oficiais, todos médicos de várias especialidades. O outro tinha 2.991 vagas para praças, incluindo técnicos em enfermagem e em radiologia, motoristas, guarda-vidas e combatentes.

A assessoria do Corpo de Bombeiros informou que apenas 3.855 aprovados no concurso de 2008 (que tinha validade de dois anos, improrrogáveis) foram convocados. Ontem, durante evento em que assinou um convênio na área de assistência social, Cabral disse que havia contratado cerca de dois mil, basicamente para atuar na saúde e em salvamentos na orla.

- É o que vem acontecendo ao longo dos anos. Nós fizemos um concurso público para menos de duas mil vagas. Ou seja (na época), já havia 14 mil homens - afirmou. - Não temos nada contra o efetivo de 16 mil homens, mas esse número demonstra o impacto de aumentos salariais na folha de pagamentos do estado.

Cabral disse ainda que este ano, quando for contabilizada a antecipação de 5,58%, o total de reajuste salarial da categoria terá chegado a 11,58%. No fim do dia de ontem, a assessoria do governo do estado assegurou que, no momento, apesar da lei, não há intenção de aumentar o efetivo dos bombeiros.

Mas a oposição explorou o fato de Cabral ter apontado o tamanho da tropa como empecilho para reajustar os salários. A deputada Clarissa Garotinho (PR) vê contradição no discurso do governador, que, segundo ela, foi o grande responsável pela situação. Ela criticou a desvirtuação da função primordial do bombeiro, ao se transferir um contingente tão grande para funções típicas de saúde:

- Como ele pode querer fazer essa comparação ou insinuar que o Rio tem bombeiros demais? Hoje, um terço do efetivo trabalha na saúde.

O deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) também protestou contra o argumento do governador. Ele afirmou que a lei aprovada em 2007 não só inflou o número de bombeiros, como criou uma distorção salarial.

- Mas esse artifício (a contratação de bombeiros para a saúde) acabou sustentando uma distorção salarial enorme. Como os que estão na saúde trabalham por plantão, há tenente médico ganhando mais que coronel.

Um decreto de Cabral instituiu, em 2008, gratificações por plantões extraordinários de R$2.100 para oficiais médicos dos bombeiros, R$900 para oficiais enfermeiros e R$700 para praças técnicos de emergências médicas e auxiliares de enfermagem.

Governo pagou R$713 mil em viagens para bombeiros

Levantamento revela que custo com diárias internacionais este ano já é 10% maior do que em 2010

Antônio Werneck

O Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (Funesbom), formado pela cobrança da taxa de incêndio e que foi criado para financiar o custeio e os investimentos em material da instituição, pagou até maio deste ano R$713 mil em diárias de viagens para oficiais da corporação. Em todo o ano passado, foi autorizado o pagamento de R$643 mil. Embora 2011 ainda não tenha terminado, a comparação de um ano para o outro já revela um aumento de 10% nos gastos. Nos valores não estão incluídas passagens aéreas, também pagas pela corporação.

Um dos beneficiados este ano com diárias para viagem internacional foi o próprio coronel Pedro Marco Cruz Machado, ex-comandante do Corpo de Bombeiros e ex-subsecretário de Defesa Civil, exonerado semana passada pelo governador Sérgio Cabral, em meio à maior crise institucional da história da corporação. O oficial viajou para a Alemanha este ano, acompanhado do coronel reformado Francisco Carlos Pessanha Bragança, também exonerado, que ocupou a Superintendência Administrativa da Subsecretaria de Defesa Civil.

Os coronéis Pedro Machado e Francisco Bragança foram autorizados a receber, cada um, R$4.323,80 em diárias. Os dois viajaram para a cidade de Lapheim, onde participaram de uma visita técnica e da inspeção dos equipamentos de combate a incêndio da empresa Ivaco-Magirus. Segundo informou o Corpo de Bombeiros, as passagens aéreas dos dois, neste caso, foram pagas pela empresa. Em 2010, o coronel Pedro Machado já estivera na Alemanha, na cidade de Leipzig, para visitar uma feira internacional.

Segundo informou a assessoria da Secretaria de Defesa Civil, "a participação em tais eventos sempre são de grande valia para a aquisição de equipamentos de ponta".

Cabral: "É importante não desqualificar a qualificação"

O governador Sérgio Cabral informou ontem que o estado investiu nos últimos anos R$170 milhões em carros, equipamentos e também na qualificação do Corpo de Bombeiros:

- É importante não desqualificar a qualificação. Qualificação e conhecimento são muito importantes. Nós temos um calendário de eventos muito extenso no Rio, envolvendo Jogos Mundiais Militares, Copa das Confederações, Copa do Mundo, Jogos Olímpicos. Esse intercâmbio é muito importante.

Como O GLOBO revelou no domingo, o Corpo de Bombeiros do Rio autorizou, em maio passado, o pagamento de cerca de R$694 mil em diárias de viagens internacionais para 33 tenentes-coronéis e 42 capitães inscritos no Curso Superior de Bombeiro Militar (CSBM) e no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO). No custo não estão incluídas as passagens aéreas, também a cargo da corporação. O dinheiro para as diárias sairá do Funesbom.

FONTE: O GLOBO

Cabral veta punição de ONGs que não publicarem contas

Bruno Boghossian

A lei que pretendia aumentar a transparência dos repasses feitos pelo governo do Rio a organizações sem fins lucrativos deve perder o efeito depois do veto a um artigo que previa punição para as entidades que não prestarem contas bimestralmente na internet. O projeto aprovado pela Assembleia Legislativa previa a suspensão dos pagamentos a organizações não governamentais (ONGs), Organizações Sociais (OSs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) que descumprissem a norma, mas a sanção foi vetada pelo governador Sérgio Cabral (PMDB). Segundo ele, "a falta de recursos pode provocar mais transtornos, com a interrupção na prestação de serviços, do que benefícios trazidos com a publicação da prestação de contas", hoje feita apenas para a secretarias.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Marina Silva recebe convite do PPS

Vandson Lima e Raphael Di Cunto

 São Paulo - De olho na briga entre a ex-senadora Marina Silva (PV) e o presidente nacional do PV, o deputado federal José Luiz Penna (SP), o PPS de São Paulo convidou oficialmente ontem o grupo da ex-presidenciável para que ingresse no partido e ajude a refundá-lo depois das eleições de 2012. "A intenção não é que eles troquem de partido e se filiem ao PPS apenas. A proposta é de, juntos, construirmos uma via alternativa e promissora para 2014, com uma nova formação político-partidária e social", afirmou o secretário de Comunicação do PPS paulista, Maurício Huertas.

A oferta se dá no momento em que o PPS reavalia escolhas passadas. Segundo Huertas, nas reuniões da direção nacional em Brasília, dias 9 e 10, ficou latente a insatisfação de membros da sigla com o papel do PPS nas últimas eleições: "Não podemos mais ficar a reboque do PSDB e do DEM, em um caminho de centro-direita que não condiz com nossa história". A ideia, diz Huertas, é chamar "bons políticos" sem espaço em seus partidos, como a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) e o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).

O realinhamento do PPS repetiria a fundação da legenda, criada em 1992 a partir do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por um grupo de dissidentes, entre eles o deputado federal Roberto Freire (SP), que decidiram abandonar o socialismo revolucionário e adotar a social-democracia.

Dentro do PV, aliados de Marina discutem a criação de outra legenda, com a alegação de que a atual é controlada com autoritarismo por Penna através de comissões provisórias, quando o dirigente é nomeado. O deputado não retornou as ligações do Valor para rebater as críticas.

Entretanto, partidários de Marina questionam a viabilidade de fundar uma nova sigla. Ela não teria tempo de televisão, calculado com base no número de deputados federais eleitos, e precisaria de registro na Justiça Eleitoral até outubro, ou não ficaria de fora das eleições municipais de 2012. O processo de registro exige quase 500 mil assinaturas em pelo menos cinco Estados. Mesmo um partido grande e com o controle de muitas máquinas públicas, como o PSD do prefeito Gilberto Kassab (ex-DEM), ainda não conseguiu obter o registro, apesar da articulação ocorrer desde a eleição de 2010.

A possibilidade de ficar de fora da eleição municipal afasta da discussão militantes importantes que, apesar de apoiarem as discussões por mais democracia no partido, tem intenções eleitorais no ano que vem, como o ex-deputado federal Fernando Gabeira, pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. "Sou favorável a mudanças no partido e acho que todos são. A divergência é apenas quanto ao prazo. Não tenho intenção de sair do PV", afirmou.

Outras lideranças do PV, como o deputado estadual Alfredo Sirkis (RJ) e o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo Ricardo Young, derrotado na eleição para o Senado em 2010, também descartam a ideia e preferem aguardar novas negociações com o grupo de Penna, que possui maioria nos diretórios.

A última ferida aberta é a extinção do comando do PV de São Paulo, que teve o registro vencido na terça-feira e não foi renovado por Penna. A direção teve o mandato, que seria de dois anos segundo o estatuto, reduzido por determinação da Executiva Nacional em abril. O antigo presidente, Maurício Brusadin, é um dos líderes da Transição Democrática, grupo que pede a realização de eleições diretas para os cargos de direção.

Segundo Sirkis, que retomou o diálogo com Penna anteontem, após ficarem quase dois meses sem conversarem, os dirigentes da Executiva de SP devem ser mantidos, com exceção de Brusadin, que divulgou carta com duras críticas ao presidente nacional. O principal cotado para substituí-lo é o presidente da Fundação Herbert Daniel, Marco Mroz, próximo tanto de Marina quanto de Penna.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Juros: equívoco ou jabuticaba? :: André Lara Resende

Os juros no Brasil continuam a causar perplexidade. Enquanto no mundo todo, desde a crise financeira de 2008, as taxas estão excepcionalmente baixas, o Brasil é uma exceção. A taxa de juros continua alta; não apenas alta, mas muito alta.

Durante duas décadas, entre o primeiro choque do petróleo em 1973 e o Plano Real em 1994, a inflação brasileira desafiou políticos e intelectuais em busca de uma saída para um mal que corroía os salários, concentrava a renda, distorcia os preços, aumentava a incerteza e dificultava a avaliação dos investimentos. Independentemente da velocidade com que governos, ministérios e métodos foram testados e substituídos, a inflação seguia seu curso, parecia alimentar-se das tentativas fracassadas de controlá-la e ameaçava até mesmo a estabilidade institucional.

A inflação brasileira do último quarto do século XX era diferente da inflação encontrada nos países desenvolvidos à mesma época. Não era a mesma inflação, apenas mais alta, como a totalidade dos analistas externos e a grande maioria dos analistas no Brasil supunham. Tinha um elemento novo, uma especificidade própria, que lhe dava um caráter essencialmente distinto*.

A inflação no Brasil tinha se tornado uma doença crônica. Após anos de inflação, formas de conviver com a alta generalizada de preços foram desenvolvidas e até mesmo inteligentemente institucionalizadas nas reformas modernizadoras de 1965. Os mecanismos de indexação de salários, preços e contratos tinham se generalizado. A indexação permite conviver com uma inflação moderada sem desorganizar completamente o sistema de preços relativos, mas em contrapartida, por ser retroativa, projeta a inflação passada na inflação futura. Introduz uma rigidez no processo inflacionário que o torna muito mais resistente aos esforços para controlá-lo. Uma vez atingido um determinado patamar, ainda que na ausência de novas pressões, a taxa de inflação perpetua-se, por meio do que se convencionou chamar de inércia inflacionária.

"A taxa continua alta, mesmo após a redução da incerteza e apesar da expansão do investimento de longo prazo".

A indexação permite melhor conviver com a inflação, mas introduz um forte componente inercial que a torna resistente aos métodos tradicionais para combatê-la. Um longo período de altas taxas de inflação, numa economia onde há indexação generalizada, muda a natureza do processo inflacionário e lhe dá características e complexidades específicas, diferentes das inflações moderadas encontradas nas economias desenvolvidas da segunda metade do século XX.

Numa época em que o mundo era menos interligado do que é hoje, em que o desconhecimento do que se passava nas economias periféricas era grande, não se podia contar com o auxílio dos centros acadêmicos desenvolvidos para se debruçarem sobre uma especificidade subdesenvolvida. Ao contrário, toda tentativa de argumentar que o processo inflacionário brasileiro requeria análise diversa e políticas específicas era recebida, no mínimo, com ceticismo e, na maior parte das vezes com ironia. Obrigados a pensar por conta própria, houve no Brasil um intenso debate sobre a natureza da inflação que, depois de muita tentativa e erro, levou-nos, com o Plano Real. A URV, uma moeda indexada virtual, foi solução sofisticada e original para o problema da inércia da inflação crônica.

A alta taxa de juros no Brasil de hoje nos remete à questão do processo inflacionário crônico do século passado. Estamos diante de uma nova especificidade brasileira, uma jabuticaba, ou trata-se meramente de um oneroso equívoco?

Em 2004, Edmar Bacha, Pérsio Arida e eu argumentamos que poderia haver uma especificidade na alta taxa de juros brasileira**. Descartamos como uma mera curiosidade teórica, a hipótese de que a política monetária pudesse estar excessivamente apertada, presa num "mau equilíbrio". Um equilíbrio perverso, onde a taxa excessivamente alta leva a uma despesa excessiva com juros, que aumenta o risco percebido dos títulos públicos, que por sua vez exige taxas mais altas.

A possibilidade de que a própria política de juros altos provoque a necessidade de juros altos, embora tenha grande apelo ideológico à esquerda, foi originalmente formulada por Olivier Blanchard, macroeconomista de credenciais inquestionáveis, atualmente economista-chefe do FMI***. Como a carga fiscal no Brasil já estava entre as mais altas do mundo e à época havia um expressivo superávit primário, procuramos encontrar uma possível razão além de um ajuste fiscal insuficiente e de uma dívida pública muito alta, para que a taxa de juros fosse tão excepcionalmente alta. Não nos parecia viável exigir um novo aperto fiscal pelo lado da tributação e as dificuldades de reformas e de redução dos gastos públicos são conhecidas. Haveria um fator específico na economia brasileira, uma jabuticaba, que pudesse explicar a anomalia dos juros?

"Uma questão fundamental a ser superada é a insuficiência de poupança voluntária"

Introduzimos a especificidade brasileira como uma conjectura teórica: a possibilidade de que houvesse uma "incerteza jurisdicional". A incerteza da jurisdição brasileira provocaria, por parte dos agentes detentores de poupança, uma resistência insuperável ao alongamento dos prazos das aplicações financeiras. A evidência do risco jurisdicional era o fato de que os mesmos credores, que resistiam a alongar os prazos em reais, estavam dispostos a fazê-lo nos títulos financeiros denominados em outras moedas, contratados em outras jurisdições. A "incerteza jurisdicional" seria decorrente de um viés anti-credor generalizado, encontrado principalmente, mas não apenas, no executivo, que sistematicamente subestimou a correção monetária, aplicou redutores nos contratos financeiros públicos e privados, taxou de forma discriminatória as aplicações financeiras e chegou ao extremo de congelar e expropriar a poupança financeira e monetária privada com o Plano Collor. Gato escaldado tem medo de água fria - o brasileiro, depois de tanto ser maltratado e espoliado, teria desenvolvido uma resistência a poupar a longo prazo, sobretudo em moeda nacional.

Embora tenhamos deixado claro que a incerteza jurisdicional era essencialmente uma percepção, associada a um viés anti-credor histórico de difícil mensuração, algumas tentativas de encontrar evidência da sua presença, em amostras com diferentes países, foram feitas, mas sem sucesso****.

Hoje, com significativos avanços, tanto em relação à conversibilidade do Real, como em relação à extensão dos prazos de financiamentos domésticos denominados em reais, a taxa de juros no Brasil continua extraordinariamente alta. A incerteza jurisdicional pode ter contribuído para que a taxa de juros fosse excepcionalmente alta logo após a estabilização da inflação, mas nos últimos anos, a incerteza diminuiu, o mercado interno de crédito de longo prazo evoluiu e a taxa de juros continua muito alta. Fica evidente que algo mais estrutural está por trás das altas taxas de juros no Brasil.

Há os que atribuem a culpa exclusivamente à política monetária do Banco Central, que teria sido - e continuaria - excessiva e equivocadamente restritiva. Segundo estes, os juros altos têm explicação simples: são resultado do equívoco do Banco Central. Um equívoco que resistiu às mudanças de governo e da composição de sua diretoria, mas apenas um longo e insistente equívoco.

O argumento de que se trataria apenas de um equívoco pode variar entre uma versão mais tosca, onde a política exageradamente dura do Banco Central é quase que pura perversidade, até os mais sofisticados, que são variantes da tese da "dominância fiscal" de Blanchard. A mais razoável é a tese de que o Banco Central, sem independência formal e cuja diretoria não tem mandato, está sujeito a pressões políticas. Para ganhar credibilidade precisou ser mais realista do que o rei. Manteve as taxas sistematicamente acima do necessário para conter a inflação dentro das metas.

Para que esta tese se sustente, dado que a inflação nunca esteve abaixo da meta, é preciso recorrer à hipótese do duplo equilíbrio. Existiria uma taxa de juros, mais baixa do que a efetivamente praticada pelo Banco Central, que teria igualmente sido capaz de manter a inflação dentro das metas. O equilíbrio dos últimos anos, desde o Real, seria um equilíbrio perverso, onde alta taxa de juros eleva o custo da dívida pública, agrava o desequilíbrio fiscal, que por sua vez eleva o risco dos títulos públicos e a taxa de juros de equilíbrio. Tudo mais constante, teria sido possível manter a inflação dentro das metas com uma taxa de juros mais baixa e menor risco percebido da dívida pública.

Assim formulada, a tese do duplo equilíbrio é uma possibilidade teórica, mas não há, nem certeza da existência prática de um segundo equilíbrio com taxas de juros mais baixas, nem garantia de que, na hipótese de efetivamente existir um melhor equilíbrio, dado que estamos no "mau equilíbrio", fosse possível atingí-lo pela mera redução, brusca ou gradual, da taxa de juros. Em termos técnicos, o entorno do equilíbrio perverso pode ser instável e não garantir a convergência para o melhor equilíbrio. Do ponto de vista prático, a existência de um equilíbrio superior é irrelevante, dado que o risco fiscal percebido é efetivamente alto, e não se pode correr o risco de baixar os juros e perder controle da inflação.

Parece-me, entretanto, que a hipótese da dominância fiscal e do duplo equilíbrio de Blanchard foi descartada como uma curiosidade teórica, sem que a devida atenção tivesse sido dada à única recomendação prática que dela se pode extrair.

A hipótese de Blanchard inverte a premissa clássica de que existe um "trade-off" entre a taxa de juros real e o déficit fiscal. Este "trade-off" pode ser deduzido da equação de equilíbrio no mercado de bens, onde juros mais altos reduzem a demanda privada e abrem espaço para maior gasto do governo, sem pressão inflacionária. Inverter a relação negativa entre juros e demanda agregada tem sido uma tentação recorrente ao longo dos tempos. Não é difícil compreender por quê. Invertida a relação entre a taxa de juros e a demanda agregada, torna-se possível compatibilizar uma política fiscal e monetária demagógica com a teoria e a racionalidade.

A hipótese de Blanchard, onde esta inversão ocorre pela percepção de risco da dívida pública, quando tanto a dívida como a taxa de juros são muito altas, embora sofisticada e conceitualmente possível, é efetivamente apenas uma conjectura teórica. Dela não se pode extrair a recomendação de que o Banco Central deveria baixar os juros, pois nada garante que um novo e melhor equilíbrio seria encontrado.

Ainda que a hipótese de Blanchard fosse demonstrada verdadeira, a única conclusão possível de ser extraída é de que para baixar a taxa de juros, com garantia de que a inflação se manterá dentro das metas, é preciso reduzir o risco percebido da dívida pública. Para isto, o único caminho direto e seguro é aumentar o superávit fiscal e reduzir a dívida.

Cabe aqui um paralelo entre a questão da taxa de juros hoje e a questão da inflação crônica do século passado. Uma identidade básica das contas nacionais nos mostra que o déficit público deve ser igual à soma da poupança privada e do déficit em conta corrente do balanço de pagamentos. Ou seja, o déficit público é necessariamente financiado pela poupança privada doméstica e pelo financiamento do déficit da conta corrente, que pode ser chamado de poupança externa. Uma questão fundamental a ser superada por países pobres é a insuficiência de poupança. A insuficiência de poupança decorre tanto da premência das necessidades básicas de consumo, quanto da falta de instituições e hábitos indutivos da poupança. Na ausência de poupança voluntária institucionalmente canalizada para o financimento do investimento, tanto público quanto privado, a inflação pode servir como uma forma de criar poupança forçada. A inflação transfere recursos dos trabalhadores para o governo e as empresas. Se o governo gasta e investe mais do que arrecada, mas não há poupança privada suficiente para financiar o seu déficit, a inflação é a forma de transferir poupança forçada para o setor público, através da redução da renda e do consumo privado. A incompatibilidade, a priori, entre o déficit público e a poupança privada resolve-se, a posteriori, por meio da inflação.

Sem inflação, mas mantida a incompatibilidade entre o déficit público e a poupança voluntária - a taxas de juros razoáveis - é preciso recorrer a taxas de juros extraordinariamente altas para inibir o consumo privado e estimular a poupança. Na raiz das altas taxas de juros do Brasil de hoje está a mesma incompatibilidade entre a poupança voluntária e o desejo de investimento e consumo, público principalmente, que alimentou o processo inflacionário crônico do século passado. Apesar dos inegáveis avanços, ainda não conseguimos superar integralmente a restrição de poupança interna necessária para financiar nossas ambiciosas metas de investimentos e de gastos públicos.

Pode-se sempre recorrer à chamada poupança externa. A poupança externa é equivalente ao déficit em conta corrente que o resto do mundo está disposto a nos financiar. O excesso de importações sobre as exportações de bens e serviços é consumo interno financiado pela poupança do exterior. O recurso à poupança externa pode efetivamente aliviar a restrição da poupança interna, mas precisa ser utilizado com cautela, ao menos para os países que não são emissores de moedas-reserva*****. Financiar o excesso de gastos sobre a renda com déficits em conta corrente significa sujeitar-se às mudanças de humores, quase sempre bruscas, dos investidores internacionais. Pode ser uma forma legítima de aliviar a restrição doméstica de poupança e acelerar o crescimento, se o déficit em conta corrente estiver sendo utilizado para financiar o investimento e não - como ocorre com frequência - o consumo.

De toda forma, para que a poupança externa reduza a pressão sobre as finanças públicas é preciso que a moeda nacional possa flutuar livremente. É preciso aceitar, nos períodos em que o financiamento externo é abundante, uma valorização expressiva da moeda, com todas suas implicações favoráveis e desfavoráveis. Da mesma maneira, é preciso aceitar os impactos simultaneamente inflacionários e contracionistas decorrentes da redução, ou até mesmo do desaparecimento temporário, do financiamento externo. Se o Banco Central intervém para evitar a valorização percebida como excessiva da moeda, a necessidade de esterilizar os recursos emitidos para a compra de reservas internacionais restabelece a pressão sobre a necessidade de financiamento do setor público. A existência de financiamento externo só alivia a restrição de poupança interna para o financiamento público se a moeda puder flutuar livremente e não houver intervenção esterilizada para evitar a sua valorização. ******

À época da formulação do Real, insisti que era um equívoco pensar que o fim da inflação pudesse depender apenas de um plano de curto prazo. A inflação é sempre um sintoma. Sintoma de problemas que podem ser muito diferentes, mas que exigem um longo e consistente processo de superação. Não me parece exagero afirmar que alta taxa de juros brasileira de hoje ainda é decorrente da estabilização inacabada. Há uma agenda de reformas modernizadoras que foi abandonada e esquecida. Mais do que isso, houve reversão do projeto de tornar o estado menos ineficiente e a economia mais competitiva. A poupança privada pode ser estimulada através do desenvolvimento institucional e da educação, mas os resultados não são imediatos. A curto prazo só há um remédio: reduzir a despesa pública para compatibilizá-la com a taxa de poupança privada disponível, ou seja, reduzir o déficit público.

Tenho consciência de quão anticlimático é concluir que para baixar a taxa de juros é preciso reduzir a despesa e a dívida pública. Logo após o fracasso do Plano Cruzado, com a inflação explodindo para níveis até então nunca vistos, Pérsio Arida e eu, já fora do governo, mas ainda com restos da áurea de milagreiros, fomos convocados ao Palácio da Alvorada para uma reunião com o presidente da República. Ao terminarmos nossa exposição sobre a necessidade imperiosa de reduzir o déficit público, como condição para qualquer tentativa de controlar a inflação, o presidente José Sarney desabafou: "Para controlar a inflação por meio da redução dos gastos públicos eu não preciso de economistas brilhantes".

Infelizmente, com ou sem economistas brilhantes, para reduzir a taxa de juros e manter a inflação sob controle, a poupança voluntária deve ser capaz de financiar o investimento, público e privado, almejado. Para isso é preciso que as despesas correntes, especialmente os gastos correntes do setor público, sejam mantidas em níveis compatíveis com a taxa de poupança nacional. Em economia ao menos, não há milagres nem jabuticabas.

*Lara Resende, A. (1988) "Da Inflação Crônica à Hiperinflação: Observações Sobre o Quadro Atual", Departamento de Economia - PUC/RJ

**Arida, P., Bacha, E, and Lara-Resende, A., (2004) "High interest rates in Brazil: conjectures on the jurisdictional uncertainty" in: Inflation Targeting and Debt: the Case of Brazil:, MIT Press 2005

***Blanchard, O. (2003) "Fiscal dominance and inflation targeting: lessons from Brazil" in Inflation Targeting and Debt: The Brazilian Case, MIT Press 2005

**** Gonçalves, F; Holland, M. and Spacov, A. (2006) "Can jurisdictional uncertainty and capital controls explain the high level of real interest rates in Brazil? Evidence from panel data" Revista Brasileira de Economia vol 61 no 1 Rio de Janeiro, jan/mar 2007

*****Ver Lara Resende, A. (2009) Em plena crise: uma tentativa de recomposição analítica - Estudos Avançados 65 -U SP

****** Ver Fraga, A, e Lara Resende, A. (1985) Déficit, dívida e ajustamento: uma nota sobre o caso brasileiro - Revista Brasileira de Economia

André Lara Resende é Economista.

Este é o terceiro de uma série de artigos sobre a conjuntura atual, com foco nos problemas de câmbio, juros e inflação, feitos por renomados economistas a pedido do "Valor". Amanhã publicaremos o artigo de Luiz Carlos Mendonça de Barros.

FONTE: VALOR ECONÔMICO