quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Merval Pereira : Alhos com bugalhos

O raciocínio da presidente Dilma sobre os direitos humanos faria até sentido se ele comparasse regimes políticos semelhantes. Mas ela simplesmente está misturando alhos e bugalhos. Uma democracia como a brasileira tem que ser criticada, e frequentemente o é, pelas falhas nos direitos humanos nas suas prisões, por exemplo, que são vergonhosas, ou nas comunidades pobres. Ou os Estados Unidos, como a própria Presidente brasileira lembrou, quando abusam dos direitos dos prisioneiros de Guantánamo. E a imprensa internacional não se cansa de denunciar esses abusos, lá e em outras regiões do mundo onde os Estados Unidos, através de seus agentes, cometem qualquer tipo de barbaridade. E geralmente, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos – mais lá do que aqui, temos que admitir – os agentes públicos que abusaram de seu poder e mancharam o nome do país são punidos, e o sistema judiciário costuma atuar com rigor. O mesmo não se pode dizer de Cuba, onde o abuso dos direitos humanos é uma política de Estado, e onde dissidentes morrem de fome por falta de um mínimo de atuação do estado, que é uma ditadura de mais de 50 anos, sem Parlamento livre nem liberdade de imprensa e, portanto, não pode ser comparada com outros países democráticos que falham na proteção dos direitos.

Merval Pereira, Blog do Merval, 31 de janeiro de 2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Em Cuba, Dilma cita apenas EUA sobre direitos humanos
Óleo vaza em área do pré-sal da Petrobras
Ex-dirigente da Casa da Moeda acusa PTB
Tarifas de embarque vão subir 4,4%
Governo Federal quer Lei Seca mais rígida

FOLHA DE S. PAULO
Em Cuba, Dilma critica EUA por Guantánamo
No Brasil, indústria fecha 2011 com avanço de só 0,3%
Procuradoria recusa pedido para investigar ação do CNJ
Vazamento na bacia de Santos é o primeiro em poço do pré-sal

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma poupa Cuba e diz que todos têm 'telhado de vidro'
Dividido, Supremo deve manter hoje poder do CNJ
Petrobras comunica vazamento de óleo no pré-sal
País cumpre meta fiscal de 2011

VALOR ECONÔMICO
Plano prevê nova bolsa para derivativos de commodities
TCU dá sinal verde a leilão de aeroportos
Paraguai planeja dutos de US$ 3 bilhões
Cresce interesse de jovens pela carreira diplomática

CORREIO BRAZILIENSE
Isolado, Negromonte, só aguarda a demissão
Ninguém joga pedra em Cuba
Juros travam a indústria
Óleo vaza em Santos

ESTADO DE MINAS
Infrações aumentam mesmo com a Lei Seca
Alfinetada nos EUA
PF desfaz pirâmide financeira

ZERO HORA (RS)
Meninos condenados - Estado monta plano para conter retorno de jovens ao crime
Aeroporto: Exército promete projeto no dia 10
Grupo Somos: Falta de verba fecha ONG de apoio a gays

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Plano de contingência contra surto de dengue
Petrobras registra primeiro vazamento expressivo de óleo em área do pré-sal

Direitos Humanos: o mau e o bom exemplo:: José Serra

A presidente Dilma esteve em Cuba e não quis fazer nenhum gesto em defesa dos direitos humanos na ilha. Se fosse orientado, o Itamaraty teria encontrado a forma de o governo brasileiro expressar pelo menos sua preocupação com o assunto – não lhe faltaria imaginação diplomática. Note-se que pouco antes da visita morrera um prisioneiro político cubano que fazia greve de fome. Infelizmente, e apesar das promessas de mudança, em matéria de direitos humanos o atual governo manteve-se na linha do anterior, de aliança fraterna com ditaduras e ditadores.

Quem foi perseguido político sabe o valor dos gestos de solidariedade internacional para frear o arbítrio. Fui contemporâneo, quando exilado nos Estados Unidos, de um gesto exemplar, feito na segunda metade dos anos setenta pelo presidente Jimmy Carter. Já na sua campanha eleitoral, em 1976, ele anunciara mudanças na política norte-americana nessa área; depois de eleito, cumpriu a palavra. Por isso mesmo, em 2008, recebi-o na sede do governo de São Paulo e condecorei-o em nome do Estado e da democracia. Destaco, em seguida, trechos do discurso que fiz na ocasião, que relatam os episódios da ação de Carter em relação ao Brasil.

Senhor Presidente Carter, V. Ex.ª serviu como Chefe do Executivo norte-americano quando ainda se sentiam as consequências de grandes divisões da sociedade americana, resultantes da guerra do Vietnã, e do período altamente conflituoso da administração Nixon, sem falar do impacto da primeira crise do petróleo.

Para mim, esses eram tempos de exílio. Eu morava nos Estados Unidos e era membro-visitante do Instituto de Estudos Avançados de Princeton, após ter completado o doutorado em Economia na Universidade Cornell. Em 1964, por ocasião do golpe que instaurou o regime militar no Brasil, eu era presidente da União Nacional dos Estudantes, fui perseguido, condenado, e tive de deixar o Brasil.

Em setembro de 1973 eu morava no Chile, exilado, quando houve o golpe que levou o general Augusto Pinochet ao poder. Lá, fui preso, e em 1974 consegui deixar esse país na condição de exilado. Tornei-me, assim, um exilado “ao quadrado”. Vivi os duros momentos iniciais de duas ditaduras e fui alvo da repressão de ambas. Do Chile, fui para os Estados Unidos com minha família, onde assisti a queda do presidente Nixon e a disputa eleitoral de 1976.

Por isso, fiquei particularmente impressionado e mesmo emocionado quando, nos debates da campanha presidencial, tendo como oponente o então Presidente Gerald Ford, ouvi V. Ex.ª condenar o apoio dos Estados Unidos a ambas as ditaduras, a brasileira e a chilena. Apoio que começara na própria articulação dos golpes de Estado que as instauraram.

Após a sua posse, tomei conhecimento de um pronunciamento seu que viria a tornar-se famoso, na Universidade Notre Dame. Nele se estabeleceu que os direitos humanos seriam o norte da nova política externa. E não foram apenas palavras, mas um sério compromisso de empregar os recursos de poder dos Estados Unidos – tanto em matéria de soft power quanto de hard power – para apoiar a democracia e os direitos humanos em todo o globo.

Se as relações entre Estados soberanos foram, desde sempre, o reino do pragmatismo, mais ainda o eram na época de sua presidência, em plena Guerra Fria. As denúncias de abusos, e a defesa de princípios, eram sempre muito eloquentes quando se referiam a fatos ocorridos no campo inimigo. Os abusos praticados por aliados eram ignorados ou até negados.

Mas a corajosa opção do presidente Carter teve um impacto profundo e duradouro na evolução das relações internacionais.

Sob a justificativa de combater o comunismo ou o terrorismo (os dois eram sinônimos então), as ditaduras da América Latina, aliadas dos Estados Unidos, praticaram a tortura e mesmo o assassinato de muitos dos seus opositores – às vezes em massa, como nos casos argentino e chileno. Direitos fundamentais da pessoa foram abolidos e liberdades democráticas desrespeitadas.

Talvez seja difícil para alguém que não viveu este período de nossa história avaliar o impacto entre nós da decisão do governo dos Estados Unidos da época de promover o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.

As ditaduras se sentiram traídas: a exigência de um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil foi um dos motivos, se não o principal, do rompimento do Acordo Militar Brasil-EUA (1952) pelo governo brasileiro em 1977.

Sociedades carentes de liberdade viram surgir um inesperado aliado, coerente e dedicado. Ao visitar nosso país em 1978, o senhor insistiu em se encontrar com D. Paulo Evaristo Arns e o reverendo James Wright, que haviam preparado um detalhado relatório sobre a tortura no Brasil. Deste relato inicial nasceu a obra definitiva Brasil: Nunca Mais.

Lembro também da visita de Rosallyn Carter ao Brasil, em 1977, com o objetivo de reiterar as políticas do seu marido em apoio à democracia e aos direitos humanos. No Brasil, apesar dos estreitos limites impostos às suas atividades públicas, Rosallyn insistiu em encontrar lideranças não governamentais para discutir direitos humanos e direitos políticos. Escoltada por uma guarda militar intimidadora, encontrou-se em Recife, sozinha, com o cardeal arcebispo católico Dom Helder Câmara, figura legendária na oposição à ditadura brasileira.

Por uma feliz coincidência, a professora Ruth Cardoso, antropóloga e ativista da condição feminina, esteve também entre as pessoas convidadas para encontrar Rosallyn.

Pode parecer uma ousadia a concessão da Medalha do Ipiranga para alguém que, como o Presidente Jimmy Carter, recebeu, entre outras honrarias, o Premio Nobel da Paz. Acredito, porém, que nós, brasileiros, nunca homenageamos condignamente um homem que teve uma profunda e benéfica influência na história recente do país e da nossa região.

V. Ex.ª está sendo agraciado por mim, na condição de Governador do Estado de São Paulo. E não só como governador, mas também como um cidadão brasileiro que encontrou, nos Estados Unidos, a acolhida humana e a formação acadêmica e intelectual nos difíceis anos de exílio.

José Serra, ex-prefeito e ex-governador de S. Paulo

FONTE: BLOG DO SERRA

Democracia x capitalismo:: Merval Pereira

Em Davos, tanto a democracia quanto o capitalismo foram postos em discussão em diversos painéis. Com o surgimento do "capitalismo de Estado", capitaneado pela China, a relação direta entre democracia e capitalismo já não é mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado.

Mas, apesar de as sociedades ocidentais serem mais democráticas que as muçulmanas, o historiador Niall Ferguson, professor da Universidade Harvard, que esteve em Davos em diversos painéis, pega em seus estudos os exemplos de Taiwan e da Indonésia como demonstração de que a democracia pode funcionar muito bem em qualquer tipo de sociedade.

A Primavera Árabe, que também foi objeto de vários painéis em Davos, seria uma demonstração de que o Islã e a democracia não são mutuamente excludentes, mas é preciso controlar os extremistas.

Países e o setor privado têm obrigação moral de ajudar as novas democracias, apoiando suas instituições e economias.

A democracia é mais do que a realização de eleições periódicas: é preciso trabalhar por uma maior inclusão social e a redução das desigualdades.

Ferguson sustenta a tese de que governos representativos, com variados partidos políticos, geralmente produzem maneiras de governar superiores às de ditaduras de partido único, que não são escrutinadas pela oposição nem pela opinião pública.

A corrupção, diz Ferguson, apesar de existir em todos os tipos de governo, é sempre pior e mais nociva do ponto de vista econômico nos países não democráticos.
Por isso, ele acredita que, se China e Rússia permanecerem Estados de partido único, serão mais cedo ou mais tarde superadas por Brasil e Índia, que ele classifica de "tartarugas democráticas", devido à lentidão do processo em relação aos governos ditatoriais.

Um processo lento, mas muito mais sólido de construção de uma sociedade.

Essa tese parece confirmada pelo economista Jim O"Neill, da Goldman Sachs, criador do acrônimo Brics, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Ele acredita que, quando se analisam os países por outros indicadores, como telefones, internet, respeito aos contratos, corrupção, estabilidade política, expectativa de vida e educação, e não apenas pelo PIB, o Brasil ultrapassa a China.

Diversos estudos acadêmicos mostram que um país tende a se transformar em uma democracia quando atinge a renda per capita anual de US$ 10 mil.

Seria o caso da Rússia, que já tem US$ 15 mil de renda per capita, e será em breve o da China, que tem US$ 7.500, tudo contabilizado pela paridade de poder de compra.
Mas, se levarmos em conta o que o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, escreveu no jornal econômico "Vedomosti", associado ao "Financial Times", ou suas atitudes, dificilmente teremos uma democracia verdadeira na Rússia.

No plano político, ele continua jogando pelas regras, mas completamente fora da moralidade.

Vai mudando de cargo, de presidente para primeiro-ministro e agora de novo para presidente, e mantendo o controle político do país, mesmo diante de denúncias de manipulação eleitoral.

Com relação ao capitalismo, Putin deixou claro nesse artigo que não implementará reformas econômicas que estimulem a competição, que é o que pedem os novos empreendedores russos, dispostos a aumentar a competitividade da economia.

Para Putin, os grandes conglomerados estatais serão os orientadores da transição econômica para a alta tecnologia de que o país precisa para competir globalmente.

Para ele, a iniciativa privada já se mostrou incapaz de investimentos que permitam à Rússia competir neste novo mundo da moderna tecnologia, mesmo admitindo que também as estatais não foram eficientes como se esperava.

Mas, para ele, a única maneira de garantir "estabilidade, soberania e um decente padrão de vida para os cidadãos" é o Estado estando por trás dos investimentos necessários.

À medida que a Rússia vem experimentando crescimento de sua classe média, as reivindicações surgem, e as críticas à corrupção, que Putin admitiu ser "sistêmica", aumentam.

Mas a liberdade de imprensa muito restrita, e o controle pelo governo do Parlamento e do sistema judiciário, o que caracteriza um hiperpresidencialismo, impede que a insatisfação crescente se transforme, pelo menos no momento, em uma reação mais concreta para barrar a ascensão de Putin.

No Fórum Econômico Mundial, que terminou domingo em Davos, houve também vários painéis sobre a China, mas o mais instigante de todos foi o que reuniu dois professores de universidades chinesas em torno do debate sobre como a antiga cultura chinesa pode influenciar os tempos modernos.

Daniel A. Bell, um canadense professor de Teoria Política da Universidade Tsinghua, e Yan Xueton, reitor do Instituto Internacional de Estudos da mesma universidade, falaram sobre os pensamentos filosóficos que dominaram a China nos anos anteriores à dinastia Qin (221-207a.C.), que reunificou o país: o confucionismo, que define que o governo deve servir ao povo e ter como prioridade a moralidade, e o legalismo, que prioriza a punição e o forte controle do país.

Ambos concordaram em que, se a China quiser ultrapassar os EUA na liderança mundial, terá que se apresentar como um líder moral.

O professor Yan Xueton chegou a dizer que, se a China tentar se equiparar aos Estados Unidos, estará sempre em segundo plano, pois os americanos já se impuseram no mundo através do poder militar e do domínio cultural.

A China só poderá superá-los se surgir em outro nível de liderança, adotando a filosofia confucionista que valoriza a história cultural do país e o poder moral sobre o poder da força.

Já o canadense Daniel A. Bell considera que a China, ao buscar essa força moral de sua liderança, vai se valer cada vez mais da meritocracia e pode caminhar para a implementação de um sistema político que não será a democracia como nós a conhecemos no Ocidente, mas uma meritocracia que fará com que os escolhidos para o Parlamento possam representar realmente a vontade do povo e não apenas os que têm influência para atrair votos.

A questão é saber quais os critérios para definir essa escolha pelo mérito e quem fará a escolha. Se o Partido Comunista Chinês se delegar essa tarefa, continuaremos na mesma falta de liberdades cívicas.

FONTE: O GLOBO

Dilma na ilha :: Igor Gielow

E Dilma foi a Cuba para criticar os Estados Unidos. Vamos combinar: novidade seria se ela apontasse as mazelas da ilha.

Dilma Rousseff cresceu politicamente em um meio que idolatrava Cuba como modelo. Se é óbvio que superou programaticamente isso, é natural sua empatia com o regime.

É coisa de geração, dizem, embora eu pense que a adaptação livre daquela frase atribuída a Churchill seja um pouco mais sensata: se você não é de "esquerda" com 20 anos, não tem coração; se não é de "direita" com 40 anos, não tem cérebro. Notem, por favor, as aspas.

Mas não há esquerdista que não se derreta pela utopia dos Castro. Citar Guantánamo? OK. Quero ver agora a presidente falar contra as masmorras cubanas quando visitar Obama.

Dilma já havia proclamado sua "crítica geral" às violações, de resto melhor do que a apologia que Lula fazia das práticas ditatoriais de seus amigos. Mas precisa ir além para convencer o mundo de seu brado: "Não vou fazer concessão nenhuma nessa área" (dos direitos humanos).

Pior vai sua equipe. O chanceler não vê "emergência" nos direitos humanos cubanos, e não creio que seja por considerá-los ameaçados de uma forma perene.

Sua ministra do setor disse algo ignominioso: violação verdadeira é o embargo dos EUA! Claro, Maria do Rosário, diga isso para o pessoal que foi para o "paredón" ou que morre hoje de fome nas cadeias dos Castro. Em um país sério, estaria na rua.

O embargo é um lixo residual da Guerra Fria que acompanha o reconhecimento das conquistas sociais cubanas na hora em que alguém tenta defender o indefensável.

Sempre que a cantilena começa, lembro-me daquela propaganda genial da Folha nos anos 80, em que avanços promovidos pelo nazismo eram elencados enquanto entrava em foco a imagem de Hitler. "É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade", dizia o reclame.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dito pelo não dito:: Dora Kramer

Saudada aos primeiros acordes por ser discreta e não falar demais, a presidente Dilma Rousseff tem se notabilizado por falar de menos. Sobre assuntos importantes, notadamente se relativos à política e às relações com o Congresso, quem fala é a assessoria, ministros sob condição do anonimato e todo conjunto de vozes que compõem a entidade "Palácio do Planalto".

Dilma Rousseff mesmo, raramente diz o que pensa. Para ela, resta a vantagem de poder mudar de posição no meio do caminho atribuindo a outrem a divulgação de intenções que nunca teriam sido suas. A reforma ministerial é o exemplo presente, embora haja outros.

Não é o caso, entretanto, do tema Direitos Humanos. Sobre ele, Dilma sempre foi peremptória. Como na entrevista que deu ao jornal americano Washington Post logo depois de eleita: "Por ter experimentado a condição de presa política, tenho um compromisso histórico com todos aqueles que foram ou são prisioneiros somente por expressarem suas visões, suas opiniões".

E para que não se dissesse que a posição seria seletiva, já presidente, disse ao Valor Econômico: "Um País democrático ocidental como o nosso tem que ser um País com perfeita consciência da questão dos Direitos Humanos. E isso vale para todos. Se não concordo com o apedrejamento de mulheres, não posso concordar com gente presa a vida inteira sem julgamento (na base de Guantánamo). Isso vale para o Irã, vale para os Estados Unidos e vale para o Brasil".

Só não vale, pelo visto, para Cuba, onde a presidente não aceitou se encontrar com dissidentes porque, segundo o chanceler Antonio Patriota, não se trata de uma questão prioritária para aquele país.

Assim como não era para o governo do Brasil quando Dilma e tantos outros combatiam a ditadura e chefes de Estado (Jimmy Carter, dos EUA, por exemplo) intercederam, compreendendo o quanto era prioritária a questão dos Direitos Humanos para a dignidade da nação.

A declaração da presidente, em Havana, sobre a responsabilidade multilateral e a impossibilidade de se "atirar a primeira pedra" é mera tergiversação. Sugere a existência de ditaduras amigas e ditaduras inimigas.

Uma maneira de generalizar o tema para se desviar do caso específico, cujo significado é um só: o governo brasileiro põe suas relações fraternais com a ditadura Castro, e todo o simbolismo que tenham para a esquerda do PT, acima do direito universal à liberdade.

E também acima daquele "compromisso histórico com todos aqueles que foram ou são prisioneiros somente por expressarem suas opiniões", com o qual Dilma empenhou a palavra.

Sinuca. A assessoria do governador Geraldo Alckmin nega que a ausência dele em dois compromissos públicos recentes tenha sido proposital para evitar protestos de rua.

Pode ser e pode não ser. Fato é que, ao contrário do inspirador Mário Covas que gosta muito de invocar, Alckmin tem evitado confronto. Faltou à missa na Catedral da Sé no aniversário de São Paulo e não foi à inauguração na nova sede do Museu de Arte Contemporânea. Em ambas as ocasiões houve manifestações.

Se for coincidência, logo ficará claro pela presença do governador nas agendas públicas concernentes ao cargo. Se não for, a ideia de esconder-se proporcionará significativo aumento de protestos exatamente para marcar o sumiço do governador.

Provocações. De posse da faca (a caneta) e do queijo (a popularidade), a presidente Dilma tem tudo para dar ao presidente do PDT, Carlos Lupi, o mesmo tratamento conferido ao líder do PMDB na Câmara, Henrique Alves, que duvidou da demissão de um apadrinhado para vê-lo demitido no dia seguinte.

Lupi quer indicar seu substituto no Ministério do Trabalho e se considera em "plena condição moral" de fazê-lo.

Se o governo concordar, restará explicar por que Lupi não serve como ministro, mas serve como fiador.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Agenda cubana :: Hélio Schwartsman

A expectativa era que a presidente Dilma Rousseff, ex-presa e torturada, não abordasse a questão dos direitos humanos em sua viagem a Cuba. Mas ela decidiu falar e, jogando um pouco de relativismo -mencionou violações em Guantánamo e no Brasil-, acabou por coonestar o regime castrista. É pena.

Embora nenhum país apresente credenciais impecáveis nessa seara, não dá para ignorar a diferença de natureza entre sociedades abertas, como EUA e Brasil, e regimes despóticos, como Cuba. Basta lembrar que os ilhéus não são livres para entrar e sair do país na hora em que bem quiserem, como ocorre nas democracias.

O fato de a ditadura cubana não ser tão sanguinária quanto congêneres africanas e asiáticas não justifica seu autoritarismo, especialmente porque ele é desnecessário no que diz respeito aos dois ou três sucessos que a revolução logrou obter.

Por mais que deploremos certas práticas de Fidel Castro, é forçoso reconhecer que ele fez um bom trabalho em saúde e educação. A Universidade de Havana não compete com Harvard, mas praticamente todos os cubanos sabem ler e frequentaram a escola básica, o que não é regra no Caribe nem em algumas nações bem mais ricas.

Já na saúde, os indicadores de Cuba, se não muito manipulados, são melhores até que o de algumas regiões dos EUA. O segredo é prevenção e atendimento primário. A coisa muda de figura quando se necessita de intervenções de alta complexidade, hipótese em que é melhor estar nas mãos de um médico americano.

Até os dirigentes cubanos já se deram conta de que o modelo comunista é inviável e vêm adotando, ainda que timidamente, uma série de reformas liberalizantes. Dilma poderia ajudar a levar esse processo a um desfecho benigno, deixando claro que o respeito aos direitos humanos é um princípio universal que até aliados cobram. E deve mostrar a mesma intransigência quando estiver nos EUA e, principalmente, no Brasil.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Analfabetismo e voto no Brasil:: Jairo Nicolau

Qual é a escolaridade média dos eleitores brasileiros? Quantos são analfabetos? Quantos terminaram o curso superior? Existem diferenças significativa da escolaridade de homens e mulheres? Estas são perguntas fundamentais para quem trabalha com opinião pública e comportamento político, mas infelizmente, quase impossíveis de serem respondidas com precisão.

A verdade é que não existem estatísticas seguras sobre a escolaridade do eleitorado brasileiro. Os dados publicados pelo TSE, por exemplo, subestimam a escolaridade da população. A razão é simples. Quando tira o título de eleitor pela primeira vez, o jovem com 16, 17 ou 18 anos está, no máximo, cursando os primeiros anos do ensino superior. Esta é a informação que aparece nos dados do TSE. Embora este eleitor possa continuar estudando, ele aparecerá nas estatísticas oficiais como pertencendo a faixa dos eleitores com ensino médio completo ou ensino superior incompleto.

A solução mais óbvia é assumir que a distribuição escolar da população adulta seja a mesma da do eleitorado. Portanto, basta observar como se distribuiu a escolaridade das pessoas com mais de 18 anos na última Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), do IBGE, e reproduzir para o eleitorado. Por exemplo, se encontramos 12% de adultos com curso superior, podemos supor que 12% dos eleitores também tenham escolaridade superior.

Mas este procedimento não está correto, por conta de uma especificidade da legislação eleitoral brasileira: o alistamento (e voto) para os analfabetos não é obrigatório. Quantos analfabetos têm o título eleitoral? Não temos como estimar. Se o contingente de analfabetos adultos fosse reduzido, este seria um detalhe. Mas não é. Segundo o Censo de 2010, existem 14,6 milhões (9% dos adultos) de analfabetos no país. Em três Estados, a taxa ainda supera os 20%: Paraíba (20%); Piauí (21%) e Alagoas (23%).

Esta incapacidade de dimensionar a escolaridade do eleitorado gera um desafio para os institutos de pesquisa de opinião (que baseiam suas amostras em "quotas" da escolaridade do eleitorado) e para os estrategistas das campanhas. E ficará como uma incógnita até que, em uma PNAD, seja perguntado aos cidadãos se eles têm o título de eleitor. A PNAD de 1988 foi a última que fez esta pergunta. Os resultados surpreenderam os analistas ao mostrar que o titulo eleitoral era o documento que os brasileiros mais portavam.

Mas o impacto do analfabetismo sobre a estatística eleitoral está longe de ser a questão fundamental, quando observamos como a República brasileira lidou com o relação entre os analfabetos e o voto. É interessante lembrar que os analfabetos não podem se candidatar. Em 2010, esta cláusula foi lembrada quando o deputado Tiririca (hoje um dos mais assíduos nos trabalhos da Câmara dos Deputados) teve que demonstrar que sabia ler e escrever para ser empossado.

Os analfabetos foram formalmente proibidos de votar, a partir de 1889, com a proclamação da República. No fim do Império (1881) uma lei exigia que novos eleitores soubessem ler e escrever, mas não proibiu que os analfabetos já alistados continuassem votando. Eles só conquistaram o direito de votar, um século depois, em 1985. O Brasil foi um dos últimos países a conceder o direito de voto aos analfabetos.

Em um país com a alta taxa de analfabetismo que sempre teve o Brasil, a proibição de 1889 (confirmada nas Constituições de 1891, 1934 e 1946) serviu como uma barreira para a expansão do eleitorado. Por exemplo, em 1950 apenas 52% da população adulta estava alfabetizada; o que significa dizer que metade dos adultos estavam formalmente afastados do processo político.

Alguns estudiosos, particularmente historiadores econômicos têm se dedicado a tentar entender as razões do atraso educacional brasileiro. Por que ao contrário de ex-colônias da América do Norte (Canadá e Estados Unidos) e da América do Sul (particularmente, Argentina, Chile e Uruguai) a política educacional demorou tanto a universalizar o ensino primário? Por que ainda temos um das maiores taxas de analfabetismo adulto do mundo?

Para se ter uma ideia, em 1880, 70 em cada mil crianças em idade escolar (7 a 14 anos), estavam matriculadas em uma escola no Brasil. Em contraste, 900 em cada mil estavam matriculadas nos Estados Unidos. Sessenta anos depois, em 1940, apenas 232 em cada mil crianças estavam na escola no Brasil. Número bem inferior ao de outros países latino-americanos no mesmo ano: Argentina (612), Cuba (516), México (374) e Chile (556).

O economista americano Peter Lindert, da Universidade da Califórnia, estudou o processo de expansão da escola primária nas ex-colônias americanas e na Europa ao longo do século XIX e no começo do século XX. Sua sugestão é que o processo de democratização, particularmente a expansão do sufrágio masculino, antecedeu, em muitos países, a expansão da escola primária. Quando a população mais pobre entra no processo político ela passa a ter canal de comunicação com o governo. Assim, é possível lutar para transferir recursos governamentais para escola pública. Afinal, os filhos da elite já estudavam em escolas particulares.

Até ter lido o trabalho de Lindert, sempre havia pensado o analfabetismo apenas como um dos fatores que impediram a expansão do eleitorado brasileiro. A sugestão do autor é inverter a ordem de causalidade: é a presença de segmentos de menor renda no sistema político que explicaria a expansão educacional. Este é um excelente caminho para pensar o caso brasileiro; uma variável para ser levada em conta se quisermos entender o desastroso desenvolvimento educacional do país.

Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ

FONTE: VALOR ECONÔMICO

MST diante de um futuro incerto:: O Globo - Editorial

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, embora há nove anos conte com aliados políticos no poder, continua a reclamar da falta de reforma agrária, de "avanços sociais" no campo. As invasões de propriedades privadas continuam, e a vida segue sem aparentemente grandes mudanças.

Poderia ser que tudo não passasse de tática de organizações políticas que se alimentam da contestação e da cobrança constantes. Porém, parece haver algo mais, e de extrema gravidade para a organização. Sintomático que um dos dirigentes nacionais do MST, Joaquim Pinheiro, tenha reconhecido um "descenso" nas atividades do movimento, e culpe como responsáveis pelo mau momento da organização o crescimento do emprego e programas sociais, em que se destaca o Bolsa Família. Tem lógica a análise, mas ela não explica tudo.

Um aspecto a se destacar é que, se o MST não conseguiu a reforma agrária dos sonhos com Lula no poder, será impossível materializá-la numa outra conjuntura política, a não ser que se rompa o estado de direito, como alguns demonstram desejar.

Afinal, dentro do modelo de puro fisiologismo pelo qual o lulopetismo montou equipes de governo nestes últimos nove anos, coube ao MST o privilégio de atuar dentro da máquina do Estado, em aparelhos montados no Incra e no Ministério do Desenvolvimento Agrário.

E com todas as benesses disso derivadas, como a fartura de dinheiro público para financiar, inclusive, ações de atropelamento da própria Constituição. Cenas de Lula com o chapéu da organização e a bandeira do MST desfraldada no gabinete presidencial eram mais que um símbolo. Retratavam uma situação real: o MST, em alguma medida, estava no poder.

Mesmo assim, a reforma agrária não andou, denunciam os militantes sem terra. Mas a desmobilização do MST não foi apenas devido a efeitos colaterais de uma conjuntura de virtual pleno emprego vivida até há pouco tempo pelo Brasil, nem pela conhecida generosidade do assistencialismo público. A própria modernização da agricultura subtraiu do MST e satélites áreas de "latifúndios improdutivos", e com isso começou a erodir a razão de ser da proposta de reforma agrária, tema cativo de programas de sucessivos governo há décadas.

Começaram a faltar terras para o MST - que radicalizou ao se voltar contra propriedades produtivas - e a escassear massa de manobra. O próprio esvaziamento do campo, decorrente da modernização da economia, atua contra o MST. Restou-lhe mobilizar o lumpesinato de cidades médias e pequenas. Mas a ampliação da oferta de empregos e as bolsas assistenciais completaram o cerco à organização, cuja razão de viver é a crise social. E para alimentar ainda mais os pesadelos de dirigentes sem terra, o crescimento da classe média, conhecida por rejeitar rupturas, conspira contra projetos de poder mais ambiciosos da organização política.

O MST, então, se defronta com um dilema: insiste num projeto de tinturas revolucionárias e antidemocráticas, de execução impossível, e para o qual depende de ter amigos no Planalto; ou se assume como uma força política legal, sai da semiclandestinidade consentida e tenta obter apoio para seu modelo de Brasil junto ao eleitor. A terceira hipótese é a marginalização, em vários sentidos.

As mentiras do PT sobre Pinheirinho :: Aloysio Nunes Ferreira

Não houve nenhum massacre em São José dos Campos como anunciou o governo do PT, e a operação foi planejada por mais de quatro meses

Em face da reintegração judicial de posse da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos, o PT montou uma fábrica de mentiras para divulgar nas próximas campanhas eleitorais. Em respeito aos leitores da Folha, eis as mentiras, seguidas da verdade:

Mentira 1: "O governo federal fez todos os esforços para buscar uma solução pacífica".

Verdade: Desde 2004, a União nunca se manifestou no processo como parte nem solicitou o deslocamento dos autos para a Justiça Federal. Em 13 de janeiro de 2012, oito anos após a invasão, quando a reintegração já era certa, o Ministério das Cidades -logo o das Cidades, do combalido ministro Mário Negromonte- entregou às pressas à Justiça um "protocolo de intenções". Sem assinatura, sem dinheiro, sem cronograma para reassentar famílias nem indicação de áreas, o documento, segundo a Justiça, "não dizia nada", era uma "intenção política vaga."

Mentira 2: "Derramou-se sangue, foi um massacre, uma barbárie, uma praça de guerra. Até crianças morreram. Esconderam cadáveres".

Verdade: Não houve, felizmente, nenhuma morte, assim como nas 164 reintegrações feitas pela Polícia Militar em 2011. O massacre não existiu, mas o governo do PT divulgou industrialmente a calúnia. A mentira ganhou corpo quando a "Agência Brasil", empresa federal, paga com dinheiro do contribuinte, publicou entrevista de um advogado dos invasores dando a entender que seria o porta-voz da OAB, entidade que o desautorizou. A mentira ganhou o mundo. Presente no local, sem explicar se na condição de ativista ou de servidor público, Paulo Maldos, militante petista instalado numa sinecura chamada Secretaria Nacional de Articulação Social, disse ter sido atingido por uma bala de borracha. Não fez BO nem autorizou exame de corpo de delito. Hoje, posa como ex-combatente de uma guerra que não aconteceu.

Mentira 3: "Não houve estrutura para abrigar as famílias".

Verdade: A operação foi planejada por mais de quatro meses, a pedido da juíza. Participaram PM, membros do Conselho Tutelar, do Ministério Público, da OAB e dos bombeiros. O objetivo era garantir a integridade das pessoas e minimizar os danos. A prefeitura mobilizou mais de 600 servidores e montou oito abrigos. Os abrigos foram diariamente sabotados pelos autodenominados líderes dos sem-teto, que cortavam a água e depredavam os banheiros.

Mentira 4: "Nada foi feito em São Paulo para dar moradia aos desabrigados".

Verdade: O governo do Estado anunciou mais 5.000 moradias populares em São José dos Campos, as quais se somarão às 2.500 construídas nos últimos anos. Também foi oferecido aluguel social de R$ 500 até que os lares definitivos fiquem prontos. Nenhuma família será deixada para trás.

Entre verdades e mentiras, é certa uma profunda diferença entre PT e PSDB no enfrentamento do drama da moradia para famílias de baixa renda. O Minha Casa, Minha Vida só vai sair do papel em São Paulo graças ao complemento de R$ 20 mil por unidade oferecido pelo governador Geraldo Alckmin às famílias de baixa renda. Sem a ajuda de São Paulo, o governo federal levaria 22 anos para atingir sua meta.

O PT flerta com grupelhos que apostam em invasões e que torcem para que a violência leve os miseráveis da terra ao paraíso. Nós, do PSDB, construímos casas. Respeitar sentença judicial é preservar o Estado de Direito. É vital que esse princípio seja defendido pelas mais altas autoridades. Inclusive pela presidente, que cometeu a ligeireza de, sem maior exame, classificar de barbárie o cumprimento de uma ordem judicial cercado de todas as cautelas que a dramaticidade da situação exigia.

Aloysio Nunes Ferreira é senador por São Paulo (PSDB).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O "Vietnã" tupiniquim:: Carlos Lessa

Certamente, um evento que dominou a mídia nos últimos anos foi o 11 de setembro do World Trade Center. Para a sociedade norte-americana e para o mundo inteiro, o evento foi inteiramente imprevisto e dissolveu a convicção da não vulnerabilidade estadunidense. O desfecho da Guerra do Vietnã gerou estupor, pois até aquele momento os EUA sempre haviam ganho, pelas armas ou pelo dinheiro, todas as guerras em que participaram. Sempre para cima e para a frente, desde a compra de Lousiana e do Alasca, da anexação da Califórnia, Texas, New México e Arizona e também de Porto Rico, pelas armas, a hegemonia mundial foi inteiramente afirmada após a Primeira Guerra Mundial e confirmada pela Segunda Guerra Mundial. Mas essa história de êxitos, que incluiu cravar a bandeira americana em solo japonês (Iwo Jima) e poupar vidas americanas com o genocídio de Hiroshima e Nagasaki, foi desnaturalizada pela derrota ante o Vietnã. Creio que, em dez anos, as forças armadas americanas perderam 10 mil homens no Vietnã, e foi construído um memorial com esses nomes. As baixas no Iraque e no Afeganistão, provavelmente, não terão memorial.

Quando é pela primeira vez, a catástrofe é não natural. A queda de três edifícios no centro do Rio de Janeiro, colados ao Theatro Municipal, já produziu 17 mortos e ainda há pessoas desaparecidas. O desabamento mexeu com todos nós. Vivemos em apartamentos, trabalhamos em edifícios de escritórios, frequentamos prédios de concreto e andamos pelas calçadas, mas ninguém se preocupa com a possibilidade de um desabamento. Nos EUA, o 11 de setembro foi um ato de terrorismo; no Rio, o 26 de janeiro foi, provavelmente, um ato desatinado de um proprietário ou inquilino de um imóvel que fez danos estruturais e pôde fazê-lo sem medo de fiscalização ou de denúncia. Com minha modesta experiência de recuperação de imóveis arruinados, quero registrar que, em contraponto às dezenas de providências para a aprovação legal, jamais fui fiscalizado por nenhuma das agências municipais ou estaduais.

O ataque terrorista aperfeiçoou instituições xenófobas americanas em relação aos estrangeiros, que podem ser detidos por dias sem comunicação com família, advogados ou consulados. No Brasil, o 26 de janeiro irá gerar mais exigências para aprovação de obras e, provavelmente, um aperfeiçoamento institucional dos sistemas de vigilância para impedir obras clandestinas.

No Brasil, há muitos anos, vivemos uma guerra muito mais mortífera que a do Vietnã. Pelas informações disponíveis, 57 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito urbano e tráfego interurbano, só no último ano. Anualmente, as mortes no Brasil são cinco vezes o total de mortes de americanos no conflito do Vietnã. No "Vietnã" tupiniquim, 300 mil são acidentados e hospitalizados (em uma média de 9 dias/leito). Mais de 100 mil dos hospitalizados permanecem com sequelas e passam ao exército dos portadores de deficiência por invalidez permanente. Essas cifras deveriam escandalizar e amedrontar os brasileiros, porém, isso é considerado "da vida", logo, "natural".

É fácil demonstrar com que naturalidade esse morticínio é observado. Por exemplo, Adolfo Bento Neto, prefeito de Piedade de Caratinga, na região do Vale do Rio Doce, declarou que "quem trafega, hoje, pela rodovia (BR 474) tem a sensação de que nada foi investido, apesar de sucessivas reformas", e constata: "aparece um buraco, tampam com uma capinha o trecho todo, mas passa um mês e já está tudo do mesmo jeito" (O Globo, 29/1/2012). O prefeito tem razão, mas faltou falar que os buracos fazem desta rodovia um caminho de morte.

Insuficiência crônica de recursos para manutenção adequada de rodovias, ausência de controle de peso de carga de caminhões, falta de efetivo e recursos técnicos para a Polícia Rodoviária são dimensões consideradas "naturais". É, também, considerado "natural" que o Brasil transporte a maioria de suas cargas de longa distância pelo binômio caminhão-rodovia, apesar desse frete (por t/km) ser o dobro do ferroviário e o quádruplo do aquaviário.

O Banco Central brasileiro pratica o mais alto juro real primário e é complacente com o multiplicado "overhead" bancário. A má conservação dessa malha logística anacrônica e custosa é um corolário dos juros colossais de uma dívida pública que cresce de forma estéril. A concentração de recursos em nível federal e a anemia da rede metropolitana tem associado à explosão da população de veículos automotores o dramático e insuficiente investimento em sistemas de transporte coletivo sobre trilhos. Os especialistas dizem que seriam necessários novos 30 m2 de pistas de rolamento e áreas de estacionamento para cada novo veículo automotor urbano. Na metrópole do Rio, a frota automotora cresce 9% ao ano e é microscópica a ampliação do sistema sobre trilhos.

O congestionamento estimula a multiplicação da motocicleta, que é uma solução mais plástica e de menor custo individual, mas não existem motovias nem ciclovias, apenas estão sendo criadas faixas preferenciais para ônibus. Hoje, as emergências registram 7% mais acidentados por motos do que por automóveis. O governo federal badala o trem-bala entre Rio e São Paulo; no Rio, mas com uma fração dos recursos destinados ao trem-bala seria possível instalar metrô de superfície, que atenderia a mais de 60% da população. Em São Paulo, seria possível ampliar a rede de metrôs. Do ponto de vista de um "Vietnã" tupiniquim, nada mais assustador que dar continuidade a esses erros estruturais de planejamento estratégico e de atuação de curto prazo.

Todos sabem que o automóvel zero km perde 20% de seu valor patrimonial ao sair da loja, e alguém que compra um zero km pagando 90 prestações não percebe a brutal massa de juros que paga por um bem cujo valor depende da segunda-mão, da terceira e da geriatria popular. Com a moto acontece o mesmo, e na zona rural está um comprador que tende a aposentar o cavalo e o jegue. Se o morticínio do motoqueiro já é inquietante na região metropolitana, é um pesadelo imaginar a rede vicinal e os caminhos rurais com motos, sem nenhum controle: o "Vietnã" tupiniquim ganha uma nova dimensão.

O custo em vidas destruídas ou depredadas é um absoluto. É bom lembrar que, além das motos destruídas, das interrupções de trânsito, das pensões por invalidez, da sobrecarga na rede hospitalar, seria prioridade - e um bom negócio! - ampliar, em curto prazo, os gastos de manutenção e operação de trânsito e tráfego e, em longo prazo, mudar a logística de mercadorias e o transporte público sobre trilhos.

O brasileiro acha "natural" o risco de acidente motorizado e morre de medo do desabamento de um edifício.

Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do BNDES

FONTE: VALOR ECONÔMICO

É na política interna que se percebe o sentido da viagem:: José A. Guilhon Albuquerque

A questão de saber qual a relevância da visita da presidente Dilma a Cuba, tendo em vista nossos objetivos de política externa, deve ser precedida pela questão de saber quais os objetivos domésticos da viagem. A melhor maneira de encarar essa questão é refletir sobre as razões que levaram a presidente do Brasil a optar por visitar o Fórum Social e Cuba em vez do Fórum Econômico Mundial em Davos. Sobretudo sabendo-se que não se trata de uma alternativa excludente.

Não é qualquer um que pode ser convidado de honra a pronunciar um keynote speech - uma conferência especial - num fórum geralmente frequentado pelos grandes deste mundo. E Dilma era ansiosamente esperada, não apesar de poder frequentar livremente o Fórum Social ou ser recebida como compañera pelos irmãos Castro mas porque poderia sentir-se tão à vontade em Davos como em Cuba, tal como Lula.

Também não soaria ofensivo aos olhos do brasileiro comum, sobretudo a essa parte mais desvalida da população a quem Dilma deve sua vitória eleitoral, que nossa presidente fosse alvo de homenagem tão elevada. E não se trata de uma homenagem vã. A expectativa criada na comunidade internacional, sobretudo entre os que decidem no dia a dia os rumos da economia global, era a de aprender alguma coisa, com alguém que decide no dia a dia os rumos da sexta maior economia do mundo.

Salvo o setor do PT e da esquerda mais inconformado com o fim do bolchevismo, e ofuscado pelo futuro inglório de Cuba e da dinastia castrista, poderia ressentir-se com a visita a Davos e não se contentaria com os afagos de Dilma em Porto Alegre e Havana.

A imensa maioria do PT, e digo isso como um elogio, ficaria satisfeita com os dois destinos. Uma boa parte certamente veria o dever cumprido no roteiro latino-americano e sentiria orgulho com a visita ao Velho Mundo.

Mas o governo Dilma acabou de criar dois contenciosos com o PT. O primeiro resultou da opção "técnica" da presidente para o ministério de Ciência e Tecnologia, em vez de atender à reivindicação do PT para a pasta. Essa decisão "técnica" foi uma tentativa de se furtar à decisão política de optar entre manter um petista em substituição a Mercadante, ou "devolver" a pasta ao PSB, que se considera seu dono.

O outro contencioso é o "affaire" Haddad. Independentemente da palatabilidade do ex-ministro junto ao PT paulistano, é óbvio o desconforto entre seus grandes eleitores - a começar por Marta Suplicy - com a sem-cerimônia com que Lula lhes enfiou goela baixo um candidato de paraquedas.

Como todo esse ressentimento não pode se expressar contra o "Pai", é normal que se volte contra a regente. Quanto ao objetivo doméstico de aplacar o PT, não creio que possa ser alcançado com o simples cumprimento do que é tido como um dever: defender o que a maioria de seus membros considera a única democracia real do continente.

*É fellow no Centro de Estudos Avançados da Unicamp

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A política da irrelevância:: Rolf Kuntz

Sem o exotismo rústico de seu antecessor e sem disposição para conduzir uma diplomacia madura, a presidente Dilma Rousseff tende a tornar-se uma figura irrelevante no palco internacional, muito abaixo do papel esperado de quem governa a sexta maior economia do mundo. Ainda terá a vantagem de passar longe de cenas constrangedoras. Não prevenirá o ex-KGB Vladimir Putin para tomar cuidado com os governantes capitalistas, nada confiáveis. Não elogiará uma cidade da África por sua limpeza ("não parece africana", disse Lula). Não insistirá, perante uma plateia na Turquia, em explicar a velha identificação brasileira de "turco" e mascate. Não tendo sido sindicalista, ficará, talvez, livre da propensão, tão ostensiva em seu padrinho político, de agir e falar em qualquer parte do mundo como se estivesse num palanque de Vila Euclides. Mas isso parece menos garantido e talvez a expectativa, nesse caso, seja muito otimista. Se tivesse ido a Davos, disse o chanceler Antonio Patriota, a presidente Dilma poderia ter feito um discurso parecido com a fala de Sharan Burrow. Mas a comparação parece imprópria.

A australiana Burrow é secretária-geral da Confederação Internacional de Sindicatos, com sede em Bruxelas, e especialista em educação, relações industriais e políticas sociais. É uma figura internacional e age de acordo com suas funções. Convidada para um painel no Fórum Econômico Mundial, foi lá, desceu a lenha nos governos, falou horrores das condições atuais do capitalismo e enfrentou uma discussão dura com pessoas de peso político e intelectual. Deu seu recado num dos mais importantes foros internacionais de debates, onde se tratou, na mesma semana, de alguns dos assuntos mais quentes do momento - a crise europeia, as perspectivas da economia mundial, o drama do desemprego e o futuro do capitalismo. Políticos do primeiro time, tanto de países avançados quanto de emergentes, discutiram propostas, condenaram políticas e expuseram-se publicamente a críticas e pressões. E a presidente Dilma?

Convidada com insistência para ir a Davos e fortalecer a presença brasileira no Fórum Econômico Mundial, preferiu fazer um discurso ridículo no Fórum Social de Porto Alegre, recitando a velha ladainha contra o neoliberalismo e exaltando as maravilhas da América Latina. Como é normal entre os de seu grupo, esqueceu a história: nenhuma economia da região ganhou segurança sem passar por aqueles ajustes combatidos tradicionalmente pelo PT e pelos autointitulados desenvolvimentistas.

A presidente poderia ter ido a Porto Alegre e depois a Davos, como fez Lula há alguns anos. Mas preferiu bater ponto naquele circo esvaziado e muito menos importante que outro evento "paralelo", o Fórum Aberto de Davos, onde empresários, banqueiros e autoridades enfrentam um auditório às vezes agressivo. O megainvestidor George Soros esteve lá, num dos últimos anos, e se expôs a um monte de desaforos.

A presidente Dilma Rousseff escolheu a obscuridade e a omissão. Em Davos, milhares de políticos, empresários e acadêmicos envolveram-se durante cinco dias em intensas discussões sobre a crise e sobre as saídas possíveis. Entre as figuras públicas havia chefes de governo, ministros, presidentes de bancos centrais e dirigentes de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. A briga foi pesada. Chefes de governo, como o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, e servidores de primeiro escalão, como o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, pressionaram abertamente o governo alemão e outros da zona do euro para fazer muito mais pela solução da crise das dívidas. Figuras de todo o mundo, como o governador de Hong Kong, Donald Tsang, e o vice primeiro-ministro da Turquia, Ali Babacan, entraram no jogo. Os governos da zona do euro, disse o ministro turco, precisam de um ajuste muito mais sério para ganhar credibilidade. Além disso, devem a qualquer custo evitar a insolvência grega, porque um calote poderá abrir a porteira para um imenso desastre.

Apesar de um duro ajuste orçamentário, a economia turca cresceu 8,2% em 2010 e deve ter crescido uns 7% no ano passado. Babacan foi lá, deu seu recado, participou do jogo e mostrou - sem a arrogância brasiliense - a boa evolução da economia grega. A presidente Dilma Rousseff poderia ter feito algo semelhante. Talvez não o tenha feito por causa de um grave provincianismo ideológico ou por não se sentir à vontade entre interlocutores bem preparados e sem subordinação. Porto Alegre é muito mais confortável. Mas o Brasil não conquistará peso internacional no irrelevante Fórum de Porto Alegre, nem dependerá, para isso, de "movimentos sociais" financiados pelo Tesouro Nacional.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dedos e anéis da indústria:: Vinícius Torres Freire

Produção industrial parou de crescer em 2011, setores estão desaparecendo e crise global pode piorar o quadro

Os americanos viraram o ano mais animados com a economia deles. Trata-se da terceira onda de alívio mais ou menos precipitado, ou de mera propaganda ou ignorância, no pior dos casos.

Parece um assunto meio remoto para nós, brasileiros. Não deveria ser, pelo menos para quem ganha a vida na indústria, empresário ou trabalhador, e em ramos conexos.

De fato, a economia americana não voltou ao horror da recessão, bom para eles e, por tabela, para nós também. Mas certo estava o Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, ao aparecer na semana passada com um pintura bem mais desanimada do crescimento americano. E por "crescimento" entenda-se aqui a perspectiva para este ano ou também o que vem. No médio prazo, o cenário é muito nebuloso.

Os Estados Unidos vão apresentando melhoras, sim, com recaidinhas ou sinais de fraqueza ali ou aqui. Ontem, soube-se que o preço dos imóveis caiu no fim do ano (ou seja, a demanda é fraca, e o investimento no setor voltará um pouco antes do dia de são Nunca). A confiança do consumidor balança. Etc. Por essas e outras (de que nem desconfiamos), o Fed avisou que pode ou deve deixar a taxa de juros no zero até por volta de 2014.

Taxa de juros zero nos Estados Unidos ou perto disso no restante do mundo rico, crescimento baixo (EUA) e recessão na Europa, alta de custos no Brasil e sobra de produtos nos superexportadores China, Leste da Ásia e Alemanha são venenos para a indústria brasileira.

Juro zero nos EUA e perto disso no mundo rico tende a valorizar o real, tendência que voltou assim que passaram os medos piores com a Europa. Crescimento baixo no mundo causa um excesso de oferta de produtos industriais -com preços baixos. A inflação brasileira encarece o produto nacional. Etc.

O IBGE informou ontem que a indústria brasileira cresceu apenas 0,3% no ano passado. Que a produção da indústria de bens duráveis (carros, eletrodomésticos e assemelhados) encolheu 2%. Nem se mencionem os casos de depressão, como o encolhimento de quase 15% da indústria têxtil, provavelmente marcada para morrer, de mais de 10% na de calçados e couros, outra moribunda, e de 5% na de máquinas para escritório e equipamentos de informática.

No entanto, note-se que o consumo no varejo deve ter crescido uns 7% no ano passado (ainda não saíram os dados finais). Embora a conta e a comparação entre os desempenhos de varejo e indústria não possam ser reduzidos a tabelas de entradas e saídas, é evidente que importamos parte grande do nosso consumo de manufaturados.

Neste período de crise, curto em termos históricos e mesmo econômicos, os motivos imediatos da onda de importação e seu impacto na indústria são evidentes. Talvez alguns setores da indústria se tenham tornado inviáveis, coisa de que havia pistas mesmo lá em meados da década de 2000.

Problemas: 1) Quais partes da indústria são dedos, quais são anéis? O que pode ser feito, no curto prazo, além de protecionismo? Quais indústrias são viáveis por aqui? 2) O que se pode fazer a fim de conter o horrível encarecimento do Brasil (inflação alta, real forte) e "custos fixos" altos (impostos, infra ruim)?

O tempo está acabando.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Keynes, agora ilegal:: Celso Ming

Nada menos que 25 dos 27 países da União Europeia assinaram acordo anteontem, em Bruxelas, que consagrou a chamada regra de ouro. A partir dessa regra, Tesouros nacionais não poderão ter déficits superiores a 0,5% do PIB.

O objetivo aqui não é discutir a viabilidade da decisão - levando-se em conta a falta de instrumento de coerção (enforcement) que garanta a observância dos novos tratados após anos de atropelamento dos antigos -, mas examinar uma de suas consequências.

Essa resolução pode ser entendida como a condenação de John Maynard Keynes, maior economista do século passado, que, em seu tempo, recomendou como saída de crises de estagnação e desemprego a expansão de déficits públicos, ou seja, o aumento das despesas públicas. Como o acordo deve ir para a constituição dos 25 países, Keynes foi removido para a ilegalidade.

Mesmo entre os signatários do acordo, há consenso de que a austeridade não basta: é preciso crescimento que assegure empregos, produção e consumo.

As estatísticas da União Europeia apontam para 24 milhões de desempregados no bloco; na Espanha, quase um em cada quatro adultos em condições de trabalhar não tem o que fazer e 51% dos jovens qualificados não encontram emprego na área para a qual se prepararam. Outros dados acusam empobrecimento de 23% da população europeia. E o Fundo Monetário Internacional prevê para 2012 contração de 0,5% para o bloco do euro - o que mostra o tamanho da prostração em que se encontra a Europa.

O economista campeão de denúncias contra esses métodos de enfrentamento da crise é o Prêmio Nobel de 2008 Paul Krugman. Ele adverte que essa austeridade fiscal leva ao desastre.

O diabo é que hoje nenhum governo (não só os europeus) tem sido capaz de colocar em prática as recomendações de Keynes. Os Tesouros estão quebrados pelo endividamento excessivo, sem recursos para elevar investimentos e despesas públicas. E já não encontram no mercado financiamento a juros suportáveis.

A saída óbvia que evitasse brutal recessão seria monetizar dívidas, ou seja, seria emitir moeda. O efeito colateral disso seria inflação. Tida mais como solução do que como novo problema, a inflação provocaria a corrosão das dívidas. O risco conhecido é a perda do controle do processo e a hiperinflação que, no passado, foi a mãe das maiores tragédias econômicas - e políticas - da Europa.

No caso europeu, ainda que vista como saída técnica, a monetização enfrenta uma quase impossibilidade: a instituição emissora do euro não pode ser acionada pelos chefes de governo. O Banco Central Europeu está proibido pelos tratados de financiar os Tesouros. Mesmos os mais recentes truques usados por seu novo presidente, Mario Draghi, não obtiveram distribuição eficaz e minimamente equitativa das emissões pelos Estados-sócios.

Em artigo recentemente publicado pelo jornal Valor, o economista André Lara Resende, um dos teóricos do Plano Real, conclui melancolicamente que, "nas condições de hoje, o remédio keynesiano deixou de fazer sentido". O problema é que, junto com a proposta keynesiana para saída da crise, vai ficando inviabilizado todo o sistema de bem-estar social (welfare state) que construiu a Europa moderna.

CONFIRA

O crescimento acumulado da produção física da indústria em 2011 foi quase uma insignificância: de apenas 0,3%, como o gráfico está mostrando.

Tempo de recomposição. Enquanto isso, o consumo físico (descontada a inflação) deve estar crescendo alguma coisa em torno dos 3%. A ascensão de classe de consumo da população brasileira aumenta mais a demanda por serviços do que por produtos. E mesmo a demanda de produtos vem sendo cada vez mais suprida pelas importações. O principal problema da indústria brasileira hoje é o custo Brasil, que lhe tira competitividade.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Freio de mão:: Míriam Leitão

Na Europa, comemora-se o que foi evitado, como a crise bancária da Itália, no final do ano passado, pela ação do novo presidente do Banco Central Europeu. No Brasil, o que se lamenta são os obstáculos não removidos, como os que impedem o crescimento da indústria, que há quatro anos tem alta de apenas 0,5% em média. Toda vez que o país cresce um pouco mais, tem que puxar o freio de mão.

O autor da avaliação é o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. Ele continua achando que o ano pode ser melhor do que o que passou, mas lembra que há riscos na Europa e inexplicáveis atrasos no Brasil na área econômica:

- O italiano (Mario Draghi, novo presidente do BCE) conseguiu em dois meses o que o francês (Jean Claude Trichet, antecessor no cargo) não havia conseguido: deter o processo de contágio. No final do ano, o mundo parecia à beira do colapso. Agora, há sinais animadores. Draghi assumiu baixando os juros e aumentando a oferta de capital. Hoje já se sabe que nenhum cliente do BCE vai quebrar por falta de liquidez.

O outro italiano de mesmo nome, o primeiro-ministro Mario Monte, também já fez a diferença, mas não resolveu a crise.

- A Itália está reduzindo o déficit público, mas, se não houver crescimento, o país podem cair num populismo de esquerda ou de direita - disse José Roberto.

Ele acha que a agenda hoje na Europa é de ajuste com crescimento. O ajuste apenas só tornará as economias mais anêmicas; os incentivos ao crescimento não podem ser dados sem o ajuste, do contrário, agrava-se a crise de confiança dos governos endividados. Como resultado das políticas de expansionismo monetário do BCE, a moeda vai se desvalorizar:

- O euro vai se desvalorizar, é inexorável, e isso pode aumentar a competitividade dos países europeus. O problema é que tudo o que foi feito até agora não garante que a moeda está garantida. Se alguém disser que o euro vai quebrar, não tenho muitos argumentos contra. Há pelo menos três a quatro meses de muito desafio pela frente.

No dia 28 de fevereiro haverá a segunda rodada de empréstimos do BCE para os bancos. O Banco vai começar a aceitar papéis de maior risco como garantia para financiar os bancos, na esperança de que eles continuem rolando as dívidas dos países.

- Costumo dizer que o BCE já está quase aceitando como garantia tíquete-refeição e vale-transporte. A grande vantagem é que até agora a maior prioridade de todos os países é manter o euro - disse.

José Roberto define a Grécia como um caso perdido. Acha que ela não sai do euro agora, mas que em algum momento deixará a unidade monetária. Portugal estaria a meio caminho. Está na desconfortável situação de ser o segundo da fila, mas o país tem chances de se recuperar pelos estreitos laços que tem com o resto da Europa, seja em investimentos, mercado de trabalho, relações econômicas.

O Brasil não tem o problema de excessivo endividamento que aflige países europeus, e este ano vai crescer entre 3,3% e 3,5%, mas não está bem, diz José Roberto:

- O PIB da indústria cresceu apenas 0,5%, em média, nos últimos quatro anos e isso porque o país não está conseguindo aumentar a capacidade de competição da indústria. A demanda cresce e os non-tradables (produtos que não podem ser importados) aumentam o preço. Há três ou quatro anos que a inflação de serviços está acima de 7%, e no ano passado ficou em 9%. Na indústria, o aumento da demanda é coberto pela importação de produtos, componentes, peças, máquinas. A economia não está conseguindo aumentar a oferta e isso pelas velhas dificuldades de superar os obstáculos. O Brasil continua com um problema de oferta.

José Roberto está falando dos velhos e conhecidos gargalos - alto custo dos impostos que incidem sobre a folha salarial, logística deficiente, falta de trabalhadores, pesada carga tributária, custo de energia:

- As lideranças empresariais vão a Brasília atrás de caramelos fiscais, em vez de lutar por reformas que vão recriar a competição. Pedem e conseguem a mesma coisa dos anos 1950, como, por exemplo, o conteúdo nacional. O governo ainda não entendeu que a revolução que houve agora foi do software. Um pedacinho do governo faz esforços na direção certa, mas é minoritário. A gente procura quem inova e sempre encontra as mesmas empresas: Natura, Embraer, Petrobras; não sai muito disso. E para todo problema, as empresas pedem uma solução estatal. Estabelece-se, por exemplo, que a Petrobras tem que comprar com 65% de nacionalização. Seus fornecedores não conseguem atender, e a produção de petróleo não cresce.

Os Estados Unidos começam a melhorar lentamente:

- O mercado imobiliário já melhorou em Nova York e em Miami. No segundo, com a ajuda de brasileiros. O crédito voltou a crescer. A McKinsey detectou que na média o endividamento caiu, apesar de algumas famílias terem quebrado irreversivelmente. O desemprego vai cair devagar. Mesmo com o conflito no Congresso, os Estados Unidos vão crescer de 2% a 2,5% - diz José Roberto.

FONTE: O GLOBO

Gasto com juro da dívida cresceu 21%

No ano passado, R$ 236,7 bilhões foram usados para pagar credores que têm títulos do governo federal, Estados, municípios e estatais

Fernando Nakagawa e Adriana Fernandes

BRASÍLIA - O setor público nunca gastou tanto para pagar os juros da dívida. No ano passado, R$ 236,7 bilhões saíram dos cofres públicos para a conta corrente dos credores que têm títulos emitidos pelo governo federal, Estados, municípios e empresas estatais, um novo recorde. A despesa, que cresceu 21% em um ano, é explicada especialmente pela subida da taxa básica da economia, a Selic, no primeiro semestre de 2011 e também pelo avanço da inflação.

Relatório do Banco Central divulgado ontem revela que a conta de juros paga no ano passado pelo setor público já é 21 vezes maior que o orçamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, que prevê R$ 11 bilhões neste ano.

Em 2011, a conta de juros era 15 vezes maior que o destinado à ação que constrói casas populares pelo País.

"Em reais, as contas têm tendência de elevação. Mas é preciso um olhar mais analítico", ponderou o chefe do departamento econômico do Banco Central, Túlio Maciel, ao comentar que a despesa com os juros correspondeu no ano passado a 5,7% do tamanho da economia medido pelo Produto Interno Bruto (PIB).

"A conta já foi maior no passado. Em 2007, por exemplo, somou 6,1% do PIB."

Otimista, o representante do Banco Central acredita que a despesa deve cair em 2012. Com inflação mais bem comportada e a taxa Selic em trajetória de queda, a conta deve cair mais de R$ 30 bilhões para um nível próximo de R$ 200 bilhões este ano. "Nesse sentido, as projeções são bastante favoráveis", diz Maciel.

Validade. O economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa, reconhece que a conta de juros deve recuar nos próximos meses. A boa notícia, porém, tem prazo de validade, já que a economia mais aquecida deve aumentar a inflação em breve.

"Isso vai obrigar o Banco Central a voltar a elevar o juro no início de 2013. Aí, a conta de juros volta a subir", diz.

Com a conta recorde de juros, o esforço do governo em economizar para pagar credores da dívida não foi suficiente. Em 2011, foram reservados R$ 128,7 bilhões para essa despesa no chamado "superávit primário".

O valor, porém, foi pouco mais da metade do total da conta de juros. Por isso, o ano terminou com o caixa no vermelho em R$ 107,9 bilhões.

Quando o governo não economiza o suficiente para pagar toda a conta de juros, como no ano passado, há o chamado "déficit nominal".

Dívida líquida. O Banco Central também divulgou que a dívida líquida do setor público - que é a dívida descontada dos créditos que o governo tem a receber, como as reservas internacionais - terminou o ano passado em R$ 1,5 trilhão, o equivalente a 36,5% do tamanho da economia brasileira. Um ano antes, correspondia a 39,1%.

Pelas contas de Túlio Maciel, 2012 deve terminar com o indicador ainda mais baixo, em 35,7%.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oposição vê incoerência em falas da presidente

Já parlamentares da base aliada, sobretudo o PT, saíram em defesa de Dilma e afirmaram que declaração "moderada" foi "sensata e coerente"

Rosa Costa

BRASÍLIA - A reação da presidente Dilma Rousseff quando questionada sobre a violação dos direitos humanos em Cuba mobilizou a oposição e organizou a linha de defesa dos petistas.

O presidente do PSDB, deputado federal Sérgio Guerra (PE) afirmou que vê com "preocupação" a postura adotada pela presidente Dilma na ilha onde a ditadura se perpetua há mais de 50 anos. O tucano entende que a presidente está sendo, no mínimo, incoerente com a posição que adota no Brasil. "Ao mesmo tempo que aponta numa direção, ela caminha em outra direção oposta ao justificar a ditadura Castrista", alegou.

O líder do DEM, senador Demóstenes Torres (GO), afirmou que a manifestação era "algo vergonhoso para a diplomacia brasileira". "A presidente entende que, se for de esquerda, não é ditadura, pode matar, como tem ocorrido naquele país", disse. No mesmo diapasão foi o líder do partido na Câmara, ACM Neto (BA). "A presidente está preocupada é em encobrir as graves violações de direitos humanos que existem em Cuba, porque esse país é governado por pessoas aliadas a ela."

Em 2010, a oposição criticou o silêncio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva na visita oficial a Cuba após morte de um preso político.

Linha de defesa. O PT reagiu em bloco e apoiou a presidente. "A declaração é sensata e correta. Realmente há violação de direitos humanos em todos os países e a exigência de cumprimento dos direitos humanos também tem para todos os países. Não tem de se fazer uma luta ideológica, mas continuar na exigência do cumprimento", disse o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP).

O líder da sigla no Senado, Humberto Costa (PE), considerou "moderada" as palavras de Dilma. "É uma fala adequada ao posicionamento que o Brasil tem em relação a toda a América." O petista, no entanto, criticou o embargo americano àquele país, por entender que não se trata mais de um problema político ou ideológico mas, sim, "uma questão de humanidade".

Os parlamentares da base governista também consideraram as declarações coerentes. O líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR), disse concordar com a decisão de Dilma de não usar o discurso em defesa dos direitos humanos para "sacrificar nenhum país do mundo". "Todos os países têm problemas de direitos humanos, Cuba tem problema, o Brasil tem um ministério de direitos humanos para evitar que isso ocorra." Com o discurso planejado, Jucá foi diplomático: "Não quero fazer comentário sobre política interna de outro país. Deveríamos festejar o fato de o Brasil conceder visto a todos que pediram e não discutir a agenda da presidente."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Analistas se dividem entre 'seguir normas' e 'defender direitos'

Ex-chanceler ataca a "relativização dos direitos humanos" e historiadora diz que Dilma não poderia ferir regras diplomáticas

Gabriel Manzano

A presidente Dilma Rousseff acertou ao cumprir as regras diplomáticas de respeito ao governo que a recebe, ou errou por recuar de uma posição que ela própria já disse considerar inegociável? A pergunta dividiu, ontem, estudiosos da diplomacia brasileira. "Ela errou ao relativizar os direitos humanos, que devem ser tratados como um valor absoluto", sustentou o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia. "Como mandatária de um país sendo recebida oficialmente, ela não poderia interferir nos assuntos internos daquele governo", ponderou a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da USP.

Um terceiro especialista, o professor Reginaldo Nasser, da PUC-SP, vê a presidente "no fio da navalha", como quem "tem medo de criar atritos com a esquerda em seu governo". Nasser parte de uma análise geral - a de que, em política externa, Dilma "dá a impressão de que não quer mexer em nada". Como exemplos, ele lembra que, nas rebeliões árabes de 2011, o Brasil não se manifestou contra os governos do Egito e da Líbia. "Ao ficar neutro, ficou na prática do lado dos ditadores."Há uma diferença no caso de Cuba, segundo ele: "Ali não há um movimento organizado de oposição, há dissidentes". É fundamental, acrescenta o professor, lembrar que há uma provável estratégia do Brasil nas relações com Cuba: o País "está interessado em criar agora uma base diplomática para ter um papel maior na Cuba que resultar das mudanças em curso".

Lampreia, que comandou o Itamaraty durante o governo FHC entre 1995 e 2001, tem críticas duras à presidente. "Na prática, ao relativizar os direitos básicos das pessoas, ela nega o que disse e dá razão aos ditadores, na forma como agem contra as oposições." "O fato é que em Cuba há pessoas morrendo. E o governo cubano se abstém de assinar tratados internacionais sobre direitos humanos. Aceitar a afirmação de que o dissidente morto era um preso comum é um desaforo", conclui o ex-chanceler.

Maria Aparecida de Aquino insiste que, se a presidente fizesse críticas a Cuba "estaria ferindo todas as normas diplomáticas". Ela "poderia dizer o que pensa em alguma reunião multilateral". Para a professora, Dilma acertou ao dar o visto à blogueira Yoani Sanchez antes de viajar, e não na volta. "Isso valeu mais que qualquer declaração. Ali ela mostrou o seu ponto de vista."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO