segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Norberto Bobbio: Gramsci e fragmentação

Não. Gramsci não é um escritor fragmentário: para quem escreve fragmentos, o fragmento é um fim em si mesmo. Nas notas gramscianas, aquilo que parece ser um fragmento para o leitor de hoje nada mais é do que a peça de um mosaico cujo desenho final o autor jamais perde de vista. O que dá um caráter fragmentário às notas dos Cadernos é pura e simplesmente a incompletude, isto é, o fato de que o mosaico ou melhor os mosaicos (pois as pesquisas empreendidas por Gramsci eram diversas , ainda que coligadas entre si) , permaneceram incompletos. Se Gramsci tivesse sido verdadeiramente um escritor fragmentário, seria ilegítima toda e qualquer extrapolação de teses gerais, ou mesmo teorias, das suas notas. Em vez disso, a importância da obra gramsciana está precisamente no fato de que a recomposição dos assim chamados fragmentos possibilitou a reconstrução de verdadeiras teorias (ainda que às vezes mais esboçadas do que finalizadas) sobre a relação entre filosofia e política, entre teoria e práxis, entre Estado e sociedade civil, entre partido e massa, entre intelectuais e política, etc.: estas teorias ou esboços de teorias constituem a novidade e ao mesmo tempo o interesse de uma leitura global e sistemática das suas notas do cárcere. Excetuando o fato de que Gramsci jamais escreve o fragmento pelo fragmento, algumas notas por si mesmas já contêm teorias in nuce, para as quais faz-se necessário um estilo sintético, em que Gramsci é mestre.

Norberto Bobbio (18/10/1909-9/01/2004), filósofo italiano. “Ensaios sobre Gramsci”, pág. 136. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2002.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Samba, cravo e canela
Para 55% gravidez não é planejada

FOLHA DE S. PAULO
Lentidão no MEC poupa de corte cursos mal avaliados
Hora do Brasil

O ESTADO DE S. PAULO
Manobra contra prévias irrita tucanos históricos

CORREIO BRAZILIENSE
Bloco dos fichas sujas cada vez aumenta mais
Consumo exige mais ações para proteger o verde

ESTADO DE MINAS
Vereador topa pagar para trabalhar. Por que será?
Força-tarefa para cidades históricas

ZERO HORA (RS)
Obras contra secas levam ao menos 10 anos

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Olinda no reino da fantasia
Ministério Público

A metástase da mediocridade:: Carlos Guilherme Mota

Esse mal-estar civilizacional vem da sistemática política de desidratação de utopias que alimenta os tais 'projetos para o País'

O grande historiador Eric Hobsbawm gosta muito de nós, e do Brasil. Em uma de suas obras, porém, menciona São Paulo e a Cidade do México como das mais inabitáveis do planeta. Um amor ambíguo, vê-se, como quase todos os amores. Em outra obra, a conhecida A Era dos Extremos, o historiador "muy amigo" diz que o Brasil é um "monumento à irresponsabilidade social", única referência ao País.

Como discordar? A irresponsabilidade política e ideológica continua a ser uma das marcas do atual debate político-ideológico brasileiro, tanto no Estado como na cidade de São Paulo, urbe em que já floresceram algumas das mais significativas de nossas lideranças, como Franco Montoro e Mário Covas. Vale recordar também que São Paulo ofereceu à Nação figuras como Jânio Quadros, Paulo Maluf e Celso Pitta…

O problema não ocorre apenas neste Estado e nesta capital, pois quanto ao resto do País, o aterrador artigo "As cidades e o sertão", do professor Luiz Werneck Vianna, sobre a nomeação de Aguinaldo Ribeiro (PP) para o Ministério das Cidades, publicado na página 2 do Estado em 14 de fevereiro, dá-nos a medida do buraco em que estamos todos metidos neste infernal "modelo" político de "governo de coalizão". Um modelo, em verdade, fruto do velho coronelismo, enxada e voto, ou atualizando a tese do saudoso Victor Nunes Leal, do mandonismo, curral e mídia eletrônica…

Hoje cresce a irresponsabilidade dos políticos frente aos problemas da cidade de São Paulo, do Estado e do País, um dos traços mais graves de nossa vida em sociedade. De fato, vem ocorrendo um fenômeno novo, sociologicamente detectável, que é a mediocridade das elites dominantes (PT incluído), doença psicossocial cuja metástase vai se tornando incontrolável. Pois o fato é que o tom geral, o colorido da cena política é de uma indefinição que só a mediocridade dos novos e já velhos postulantes à Prefeitura consegue explicar. E dos atuais governantes, inclusive o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin, que se comportam como se estivessem operando em aldeias do interior no século 19: com muito esforço, alcançarão os padrões da Primeira República, sem diminuirmos aqui as figuras de um Prudente de Morais ou de um Rodrigues Alves…

Se, com método e rigor, Alckmin mediocrizou a máquina do Estado, por seu lado Kassab, um dos beneficiários eleitorais da tal bolha da classe C, esvaziou o conceito de política ao (in)definir que seu partido não é de direita, nem de centro nem de esquerda, nem novo... (Saudades do PFL, em que bem ou mal localizavam-se figuras como os ilustrados professores Marco Maciel e Claudio Lembo, corações jansenistas). Figuras com algum brilho, como Guilherme Afif Domingos, transformam-se em figurantes de teatros sem palco, pilotos sem avião, professores sem aula. Envelhecem apenas, enquanto em Brasília Michel Temer, representante do Marais, estiola-se à sombra da Presidência, sem lançar uma singela ideia para um novo projeto de Nação.

Desidratação. O ex-presidente Lula, por sua vez, desidratou o debate político-ideológico que polarizaria os partidos de esquerda, a começar pelo PT domesticado, ao fazer crer à Nação e suas elites que as lutas de classes desapareceram da realidade, amortecendo os enfrentamentos para a real democratização de um país sem populismos. Mas teve ele o mérito de levantar um nome sério para disputar a Prefeitura paulistana, Fernando Haddad, retirado do bolso do colete. Que não é mau, pois ciente do tamanho do problema nacional: o da Educação.

Os tucanos, com o pouco apetite para a política que sempre demonstraram, aguaram a hipótese de um partido socializante moderno, oferecendo hoje à cena local e nacional um modesto rol de nomes embaçados, provocando as broncas do ex-presidente Fernando Henrique, desiludido, voz solitária nesse segmento de burgueses desencontrados. O bem formado José Serra, com um eleitorado significativo, continua a ser o carismático de si próprio, dividindo sempre a base tucana.

Quanto aos outros partidos, à exceção do ambíguo e pouco socialista PSB, cuja ambição pelo poder inquieta a todos, prepara-se para ser uma alternativa… Questão de tempo? Os partidos mais à esquerda, como o PSOL, crescem pouco nessa sociedade de consumo e espetáculo.

Enquanto isso, a vida econômico-financeira do País corre paralela a esse mundo dos Polichinelos, centrada em seus negócios, com quadros competentes e meio-sorriso de desprezo à galáxia da mediocridade que, sem outra palavra, ainda insiste em se autodenominar de "política". Política, para quem não lembra, foi conceito de alta significação, dos gregos a Churchill, De Gaulle, Mandela…

Para explicar esse mal-estar civilizacional basta-nos constatar a sistemática política de desidratação de utopias usada para alimentar os tais "projetos para o País". A deseducação cresce até nas boas escolas e universidades, sem professores para impor limites ao uso de celulares em plena aula. E sem educação não há que se falar em sociedade civil, nesta anticidade que é a São Paulo atual.

Súditos-contribuintes. O que está em jogo hoje é o futuro desta cidade. Teses e novas ideias sobre ela fervilham, e urbanistas competentes, como Raquel Rolnik, não nos faltam. Nada obstante, os sucessivos ocupantes do Ministério das Cidades se comportam como se nada tivessem a ver com a problemática urbana, "dimensão crucial da vida contemporânea" como advertiu Luiz Werneck Vianna, que diz respeito a todos nós, súditos-contribuintes e ainda não cidadãos.

Só que os candidatos a prefeito não discutem temas, teses, questões nacionais e internacionais (importantes nesta cidade cosmopolita). Programas não são comparados, nem de longe considerados. Evitam-se questões fundamentais, como transporte, saúde, espaços públicos, saúde. Por que não se inspiram na postura de figuras e políticas dos prefeitos de Nova York, São Francisco, Paris, Roma, Londres, Xangai, Tóquio? Esse silêncio é suspeito. Em muitos sentidos. Qual o por quê desse silêncio? Em larga medida, creio, por falta de nível, conhecimento e coragem dos candidatos, e também para não fecharem posições que comprometam mais conciliações espúrias no futuro próximo, sempre negociável.

A falência do atual modelo político se deve, pois, à progressiva deseducação dessa precária sociedade civil, ainda caudatária do padrão civilizacional marcado pelo passado/presente estamental-escravista. Romper com ele é romper com um sistema ideológico ainda marcado pela casa grande & senzala, inclusive nos projetos de condomínios, guetos de apartamentos de "alta classe" para os yuppies do capitalismo selvagem de periferia.

No Brasil, por causa dos mecanismos da Conciliação, que datam de 1850 e perduram nesses odiosos "governos de coalizão", os partidos perderam importância, esvaziados de seus conteúdos propriamente ideológicos, programáticos, civilizatórios. Suas lideranças abriram mão da crítica, da renovação urbana, da resistência à pseudomodernização selvagem, e por isso perdemos o futuro, afundados nesta sociedade de massas deseducadas, em que o espetáculo fica por conta dos Big Brothers Brasil, Datenas e igrejas de massas. O que falta é liderança efetiva, arejada e firme, para articular um projeto nacional moderno. Democrático, mobilizador, confiável.

Carlos Guilherme Mota é historiador, professor emérito da FFLCH-USP, professor da Universidade Mackenzie. Autor de Educação, Contraideologia, Cultura , (Ed. Globo)

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO

De novo, Serra! ?:: Ricardo Noblat

"Serra será candidato do PSDB a prefeito para não ser o coveiro do partido". (Geraldo Alckmin, governador de São Paulo)

O que o PSDB queria de José Serra depois de sua derrota para Dilma Rousseff na eleição presidencial de 2010? Muita distância! Fatia expressiva do partido abandonara Serra ainda ao longo da campanha.

As demais lhe deram as costas tão logo a Justiça Eleitoral terminou a computação dos 44 milhões de votos obtidos por ele no segundo turno.

Foi voto à beça para quem cometeu tantos erros assombrosos e enfrentou o presidente da República mais popular da História recente do país. Nem por isso o PSDB reconheceu os méritos do seu candidato. Pelo contrário.

Tratou-o com crueldade. Serra não tinha mais futuro, dizia- se em voz baixa. Deveria vestir o pijama e sair rapidinho de cena.

Fernando Henrique Cardoso apressou-se em decretar: "O candidato óbvio do partido a presidente da República em 2014 é o senador Aécio Neves (MG)". Criticado por sua demora em decidir assuntos importantes, o PSDB radicalizara.

Sua estrela mais reluzente comunicava que há candidato escolhido para a eleição presidencial de daqui a três anos. Alvíssaras!

Tolice! Era um cala-boca em Serra. Dilma sequer tomara posse e ele já estava ocupado com o seu novo esporte favorito: falar mal de Aécio, que não se empenhara em Elegê-lo.

Aécio é um político fraco, sem garra, sem disposição para a briga, adverte Serra.

Faz a política da conciliação.

Não conseguirá barrar a reeleição de Dilma. Ou a eventual volta de Lula.

Pois bem: esqueça tudo o que escrevi até aqui. Serra está novamente em alta dentro do PSDB. De norte a sul, de leste a oeste do país, o partido o pressiona para que aceite a ingrata missão de ser candidato a prefeito de São Paulo. Somente ele seria capaz de vencer as forças arregimentadas por Lula para eleger prefeito Fernando Haddad (PT).

Haveria pelo menos dois fortes motivos para Serra recusar ser candidato a prefeito em outubro próximo.

A rejeição ao seu nome na cidade de São Paulo ultrapassou a casa dos 30%. E ele só pensa naquilo — concorre r à Presidência da República pela terceira vez. Eleito prefeito, não daria para repetir o truque de 2008 — renunciar ao cargo e sair candidato a outro.

De pouco tempo para cá, Serra começou a descobrir que haveria uma penca de bons motivos para ser candidato a prefeito. O PT está em expansão por toda parte.

Se fizer o sucessor de Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, poderá tomar do PSDB o governo do estado em 2014. Seria um desastre de graves proporções para o partido. E a ser debitado na conta de Serra.

Para ele, interessa em primeiro lugar combater o PT administrativa e institucionalmente.

Em segundo lugar, sustentar a boa reputaç ã o q u e c o n s t r u i u . E m 2010, ele derrotou Dilma na capital paulista e no estado.

E mais: nos dois turnos. A prefeitura serviria também para reaglutinar sua turma.

Político que nada tem a oferecer aos seus seguidores acaba esquecido.

De resto, como prefeito de São Paulo, Serra comandará o terceiro maior orçamento do país. O pretendente a candidato do PSDB à sucessão de Dilma mendigará por sua ajuda. E se ele estiver certo quanto à apregoada fraqueza de Aécio não terá desperdiçado a chance de ser de novo candidato a presidente. E aí, Serra? Vai encarar?

Como sempre, ele só dirá algo em cima da hora. É do seu feitio. Em 2006, por exemplo, o candidato a presidente seria ele, escolhido pelo restrito colégio de cardeais do partido.

No minuto derradeiro desistiu de ser candidato. Geraldo Alckmin foi anunciado como tal. Depois do anúncio, Serra quis voltar atrás. Fernando Henrique e Aécio não deixaram.

Em 2010, um dos salões do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do estado, estava repleto de jornalistas para ouvir Serra admitir oficialmente que disputaria com Dilma a Presidência da República. Ele e amigos conversavam numa sala contígua.

A dada altura, Serra ouviu um forte argumento contrário à sua pretensão de ser candidato. Hesitou. Quis recuar. Era tarde.

FONTE: O GLOBO

Caciques e pierrôs:: José Roberto de Toledo

A articulação pré-carnavalesca da eleição paulistana virou folia de caciques. Petistas e tucanos se alternaram como pierrôs e arlequins. No papel da disputada Colombina, o prefeito Gilberto Kassab e sua alegoria partidária, o PSD, foram o destaque do desfile. Mas a farra pode terminar em cinzas.

Lula rasgou a fantasia petista da democracia interna, ditou para o partido seu candidato e quais deveriam ser os aliados. Como o Pierrô da marchinha, acabou chorando a perda da Colombina para o Arlequim tucano. José Serra apareceu depois do baile terminado para bagunçar o coreto petista.

O PSDB até que tentou incluir os índios na festa, só não conseguiu encontrá-los. Os militantes-eleitores ora não sabiam para que partido militavam, ora não moravam nos endereços anotados nos registros partidários. Ao seu estilo, os tucanos contrataram uma empresa para tentar encontrar o militante perdido. Mas nem a privatização impediu a desmoralização das prévias pelo "serranismo".

O carnaval de cúpula dos partidos é embalado por uma versão ultrapassada da dança dos votos. Presume que caciques comandem eleitores para a urna como gado para o matadouro. O raciocínio por trás das articulações parece pueril.

"O PT precisa conquistar parte do eleitorado conservador para eleger seu candidato a prefeito, logo, vamos nos aliar a Kassab que ele trará os votos que faltam". Ou: "Serra polarizará a eleição com o PT e a rejeição do eleitor paulistano ao petismo dará a vitória ao PSDB".

Tudo preto no branco, simples e equivocado. As consequências podem vir a ser as prognosticadas, mas não exatamente por causa das premissas que as embasam. A decisão do voto é um processo mais matizado do que bicolor.

Das forças que comandam uma eleição, a mais importante é a satisfação do eleitor com o status quo. Governantes bem avaliados tendem a se reeleger ou influir positivamente na escolha de seu sucessor. Não é o caso de São Paulo. Hoje, um dos principais vetores eleitorais paulistanos é a vontade de mudar.

Outro cenário. Há quatro anos, Kassab partiu da impopularidade para a reeleição. Desta vez, porém, o prefeito não será protagonista da campanha de TV, não disporá do mesmo tempo de propaganda de 2008 (salvo o "tapetão") nem terá um boneco como cabo eleitoral. A tendência é a avaliação do governo municipal permanecer negativa, atraindo mais críticas dos adversários, num ciclo vicioso. Nesse cenário, ganham pontos os candidatos reconhecidamente de oposição. Quem ficar no meio do caminho, temperando críticas e elogios, é candidato a repetir Geraldo Alckmin (PSDB) em 2008 e acabar fora do segundo turno.

Outro drive importante é a capacidade de mobilização. O PT é o maior partido brasileiro e paulistano, em simpatizantes. Desde 2000, os candidatos petistas a prefeito e a presidente tiveram de 33% a 42% dos votos válidos no primeiro turno na cidade. Mas a reação é proporcional à força.

Nas últimas oito eleições municipais e/ou presidenciais, em apenas duas o PT viu seu candidato superar metade dos votos válidos em São Paulo: Marta Suplicy, em 2000, e Lula, em 2002. Ambos simbolizavam a mudança. Até hoje, o PT paulistano só acomodou seu piso alto ao teto baixo quando estava na oposição: elege, mas não reelege.

Já os tucanos não têm um patamar constante de votação. De 1996 a 2010, a performance de seus candidatos a prefeito e presidente variou de 16% a 62% no primeiro turno na cidade. Em metade das vezes, ficaram abaixo de um terço dos votos válidos, mas na outra metade foram os mais votados.

É um sinal de que não há polarização automática entre PT e PSDB em São Paulo. Os tucanos dependem das circunstâncias, de quem são os outros concorrentes: eles tendem a perder para um candidato forte situado à sua direita, como perderam para Paulo Maluf, Celso Pitta e Kassab.

Nome conhecido. Um terceiro fator relevante é a fama do candidato. Um nome conhecido tem velocidade inicial mais alta e costuma liderar pesquisas na pré-campanha. É o caso de Serra. Mas como a eleição de 2010 mostrou, reconhecimento não é igual a intenção de voto. Além disso, quem é reconhecido também é mais rejeitado.

No caso do ex-prefeito, soma-se a desconfiança por ele ter quebrado sua palavra e abandonado a prefeitura com menos de dois anos no cargo. Finalmente, Serra não poderá adotar um discurso de oposição a Kassab. Terá que endossar seu ex-vice, apesar da impopularidade.

Ao considerar sua entrada tardia na disputa, Serra deve levar em conta que ela é desejada por tanta gente que dá até para desconfiar. O PT gostaria de disputar o segundo turno com um candidato com a sua rejeição. Alckmin ganharia com sua eleição, mas principalmente com sua derrota. Essa disputa tucano-petista abre espaço para um candidato que atraia a oposição conservadora. É a avenida que Gabriel Chalita (PMDB) tentará trilhar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Perdão pela crise:: Rubens Ricupero

Tão logo passem os piores efeitos na economia, os sabichões voltarão com a arrogância de sempre

Noventa e quatro vezes pediu o papa João Paulo 2º perdão pelos crimes cometidos pelos cristãos ao longo de 2.000 anos. Seria demais esperar que ao menos uma vez as organizações internacionais e os economistas convencionais admitam a parte de responsabilidade que lhes cabe na crise financeira em que mergulharam o mundo?

Quando for publicada esta coluna, estarei iniciando desse modo o discurso de abertura no Palais des Nations em Genebra da reunião para celebrar os 30 anos do início do Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento da Unctad, um dos raríssimos estudos que advertiram sobre a ameaça que se avizinhava.

Em visita à London School of Economics, em 2008, a rainha Elizabeth 2ª fez a pergunta inocente que estava em todos os lábios: "Como foi que ninguém havia previsto a crise?". Após meses de silêncio embaraçado, um grupo de economistas britânicos se desculpou: "Majestade, o fracasso em prever o momento, a extensão e a gravidade da crise e em evitá-la (...) foi, sobretudo, uma falha da imaginação coletiva de muitas pessoas brilhantes (...) em entender os riscos que corria o sistema como um todo".

Os sabichões, alguns ganhadores do Nobel, seguros da infalibilidade de seus cálculos sobre o sistema financeiro, haviam tomado seus desejos pela realidade e tinham sido culpados de "hubris", a soberba que desafia os deuses. Em relação às advertências prevalecera naqueles anos uma "psicologia da negação".

Essa é a verdadeira explicação para a imprevisão e as suas devastadoras consequências. Nem todos estiveram cegos para os perigos da orgia de liberalização financeira. A Unctad, no começo dos anos 1990, em pleno auge do triunfalismo da globalização como ideologia (para distingui-la da versão autêntica e histórica), já previa que a década se caracterizaria pela frequência, intensidade e caráter destrutivo das crises financeiras e monetárias.

Poucos prestaram atenção. No Brasil, os mestres do "saber superficial, pretensioso e tendencioso" (mas de grande prestígio em Washington e Davos), julgavam a Unctad um dinossauro em extinção. Ao contrário do Fundo Monetário Internacional, que na véspera da crise asiática de 1997 proclamava em seu relatório: "O futuro da economia mundial é cor-de-rosa"! Ou que, um ano após o início da atual crise, insistia que tudo não passava de perturbação passageira.

Não é o feio pecado da "alegria do profeta" que me leva a dizer tais coisas. É que, tão logo passem os piores efeitos da crise, esse pessoal, hoje de rabo entre as pernas, há de voltar com a arrogância de sempre. Basta atentar na teimosia do FMI em só aceitar controles de capital como último remédio, e não como arma normal do arsenal para evitar crises.

Não foi a falha de imaginação ou inteligência a culpada da imprevisão. A causa é a ideologia, o disfarce de interesses de classe e setores sob roupagem científica. Os que dão as cartas no Departamento do Tesouro e equivalentes na Europa são os mesmos homens do setor financeiro que prepararam a crise. E o único arrependimento que deles se pode esperar é o daqueles que choram o tempo todo no trajeto para depositar no banco seus bônus milionários.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Carnaval :: Aécio Neves

Segunda-feira de Carnaval. Escrevo na sexta anterior, antevendo que o manto democrático da festa já terá descido sobre as ruas.

Em uma mágica que nós, brasileiros, conhecemos bem, as asperezas do cotidiano terão sido colocadas em suspenso, ao ritmo contagiante da irreverência.

Toda a alegria é bem-vinda, embora devam ser respeitados os que preferem utilizar esse momento para os ritos de recolhimento ou introspecção.

A verdade é que, por uma razão ou por outra, esses são dias que se descolam da realidade. Por isso, não serei eu hoje a insistir em falar dela, com seus abismos e contradições.

Muitos já se dedicaram a estudar o caráter simbólico do Carnaval. Lembro aqui o mineiro de Montes Claros, Darcy Ribeiro, antropólogo e educador, militante incondicional da vida e do humor. Não por acaso um visionário que, com a ajuda do traço do gênio Niemeyer, implantou no coração do Rio o palco do Carnaval que encanta o mundo -o Sambódromo, também pensado como um "escolódromo" para os demais dias do ano.

Pois é, Darcy tinha o senso agudo da brasilidade e perscrutou, no Carnaval, a ambiguidade dos desiguais provisoriamente iguais, hiato ecumênico, porém insuficiente para todos os que lutam pelo sonho de um país justo.

Ao toque do tamborim, acredito que ele era um dos que tratavam de trocar a reflexão pela festa. Mas, lá no fundo da alma de folião, devia permanecer doendo-lhe a clamorosa consciência acerca de uma sociedade partida ao meio, da desassistida solidão dos mais pobres, dos resquícios de uma exclusão herdada da escravatura.

Como já disse, não é hora de ficar resmungando sobre a realidade, nesses dias e noites em que o exercício de racionalidade abre alas para os adereços da paixão e da euforia.

Rompida a alvorada da quarta-feira de cinzas, os nobres fictícios de tantas passarelas, sobre as quais escoam hoje país afora, os cordões do Carnaval, irão, com justiça e razão, continuar reivindicando a construção de avenidas mais amplas e generosas, por onde passará um país mais digno e mais próximo daquele que os brasileiros merecem.

Concordo com os que pensam que o Carnaval é um evento mais complexo do que parece. Acredito que sua diversidade e sua irreverência tantas vezes crítica não entorpecem, não iludem -pelo contrário, iluminam, revelam e expõem fantasias que não amortecem, mas desafiam a realidade.

Esteja você onde estiver, bom Carnaval! E que depois dele possamos nos reencontrar com a nossa realidade mais alegres, mais solidários, mais dispostos a ousar e a sonhar. Porque disso também é feito um país: de solidariedade, de ousadia e de sonho.

Aécio Neves é senador (PSDB-MG)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A gerente do loteamento – Editorial: O Estado de S. Paulo

Contrariando mais uma vez sua reputação de boa administradora, a presidente Dilma Rousseff anunciou a intenção de controlar pessoalmente a execução dos projetos considerados estratégicos. Para isso visitará as obras e acompanhará os dados de execução por meio de um novo sistema de informações em tempo real. O sistema será implantado até o meio do ano, segundo se informou depois de sua reunião com os ministros e líderes partidários integrantes do conselho político do governo. A presidente deixou clara, de acordo com participantes do encontro, sua "obsessão" pela melhora da gestão governamental e dos serviços prestados ao público.

Essa "nova gestão" começou na semana passada, com a verificação do andamento das obras de transposição do Rio São Francisco e de construção da Ferrovia Transnordestina, explicou o secretário do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Maurício Muniz. A presidente deverá, segundo ele, visitar outras grandes obras de infraestrutura, como as de grandes hidrelétricas na Amazônia.

Há um evidente equívoco nessa concepção de gerência. Visitas presidenciais a canteiros de obras podem ser politicamente importantes e até estimular a aceleração dos trabalhos, mas não servem para mais que isso. Da mesma forma, nenhum sistema de acompanhamento centralizado na Presidência pode substituir a ação de administradores ligados diretamente à elaboração e à execução dos programas e projetos. A presidente Dilma Rousseff deveria ter aprendido essa lição elementar, quando foi nomeada gerente do PAC e encarregada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de supervisionar os principais investimentos do governo federal.

O titubeante ritmo de execução dos planos é uma clara demonstração da indigência administrativa do governo federal. Com frequência, os projetos empacam antes do início da execução, por falhas técnicas e legais na elaboração, apontadas pelos órgãos de controle do setor público. Quando, enfim, saem do papel, deficiências de outros tipos impedem sua conclusão em prazos razoáveis. Os números não deixam margem para ilusão quanto à qualidade gerencial. No ano passado, os desembolsos destinados ao PAC foram 21% maiores que os de 2010, mas, apesar disso, o total pago - R$ 28 bilhões - ficou muito longe do valor autorizado no orçamento, de R$ 40,4 bilhões.

A baixa qualidade da administração pode ter várias causas, mas duas são especialmente importantes. Em primeiro lugar, o PT jamais deu importância, no governo federal, a requisitos de competência e de produtividade. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais de uma vez defendeu a ampliação dos quadros de pessoal como se isso fosse um avanço. Ele e seus companheiros sempre desprezaram o debate sobre questões de eficiência, como se essa não fosse uma contrapartida necessária do aumento dos quadros e da folha de salários. Em segundo lugar, a preocupação do governo sempre foi, desde 2003, a ocupação da máquina pelo partido e por seus aliados. A combinação de incompetência com malfeitos resultou naturalmente dessa atitude.

Vários ministros acusados de graves irregularidades foram demitidos desde o ano passado, mas os critérios de nomeação pouco ou nada mudaram. De modo geral, os partidos conservaram suas cotas ministeriais e a presidente continua fiel aos compromissos de loteamento e de aparelhamento, apesar de seu discurso a favor de escolhas técnicas. O velho critério das alianças continua valendo, por exemplo, para a nomeação do presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A escolha de Rubens Rodrigues dos Santos para o posto já foi confirmada por decreto publicado no Diário Oficial da União.

Na semana anterior, o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes, havia apresentado dois nomes ao governo e saiu vitorioso. Arantes ganhou destaque no noticiário, recentemente, ao polemizar com o ministro da Fazenda sobre quem foi o responsável pela escolha do recém-afastado presidente da Casa da Moeda. Diante desses fatos, como levar a sério a decantada "obsessão" da presidente pela qualidade administrativa?

Kassab confirma seu apoio a Serra

Prefeito, porém, não descarta aliança com PT caso ex-governador tucano decida não concorrer

Cobiçado pelo PT e pelo PSDB, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), disse no sábado, em Recife, que apoiará incondicionalmente o ex-governador José Serra (PSDB), caso ele decida se candidatar à sua sucessão. Mas, se o tucano não se candidatar, Kassab afirmou ser "muito possível" que ele e seu partido apoiem o candidato do PT, Fernando Haddad.

– No passado fomos adversários, não inimigos, mas, como uma aliança se faz olhando para a frente, é muito possível que possa existir essa aliança, se os partidos assim entenderem – declarou o prefeito.

Segundo ele, as relações com o PT "são as melhores possíveis" e uma aliança entre PSD e PT "não vai a contragosto".

– Mas, se Serra for candidato, ele terá meu apoio incondicional – repetiu.

O prefeito paulistano afirmou também que há uma possibilidade remota de o PSD lançar candidatura própria, com Guilherme Afif Domingos. Ele mesmo, porém, declarou considerar isso "difícil", pelo fato de o partido ser muito novo.

Kassab foi a Recife assistir ao desfile do bloco carnavalesco Galo da Madrugada, a convite do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Antes de seguir para o camarote do Estado, os dois se reuniram por cerca de meia hora no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano.

Após o encontro, Kassab chamou o governador de "meu líder" e disse que Campos, "em nível nacional, é a grande liderança da nova geração e está se preparando".

Eduardo Campos lembrou que o PSD e o PSB mantêm uma aliança nacional, de apoio à presidente Dilma Rousseff, mas declarou que a decisão sobre quem os socialistas apoiarão em São Paulo será tomada pelo partido no Estado.

FONTE: ZERO HORA (RS)

Kassab reafirma disposição para apoiar tucano se ele for candidato

Fábio Guibu

RECIFE - O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), disse anteontem, em Recife, que apoiará incondicionalmente o ex-governador José Serra (PSDB), caso ele decida se candidatar à sua sucessão.

No entanto, se o tucano não se candidatar, Kassab afirmou que será "muito possível" que ele e o seu partido apoiem o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad.

"No passado, fomos adversários, não inimigos, mas, como uma aliança se faz olhando para a frente, é muito possível que possa existir essa aliança, se os partidos assim entenderem", disse.

"As relações com o PT são as melhores possíveis, [a aliança] não vai a contragosto", afirmou Kassab. "Mas, se Serra for candidato, ele terá meu apoio incondicional", repetiu.

O prefeito paulistano afirmou também que há uma possibilidade remota de o PSD lançar candidatura própria, com Guilherme Afif Domingos. Ele mesmo, porém, declarou considerar isso "difícil", pelo fato de o partido ser muito novo.

Pernambuco

Kassab veio ao Recife na sexta-feira para assistir ao desfile do bloco carnavalesco Galo da Madrugada, a convite do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).

Antes de seguirem para o camarote do Estado, os dois se reuniram por cerca de meia hora no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano.

Após o encontro, Kassab chamou o governador de "meu líder" e afirmou que Campos "é a grande liderança da nova geração e está se preparando".

"Tenho nele total tranquilidade de poder confiar a minha condição de liderado", destacou o prefeito.

Eduardo Campos lembrou que o PSD e o PSB mantêm uma aliança nacional, de apoio à presidente Dilma Rousseff, mas declarou que a decisão sobre quem os socialistas apoiarão em São Paulo será tomada pelo partido no Estado.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Serra busca estratégia para vencer rejeição

Aliados do ex-governador sugerem que ele acompanhe evolução de pesquisas antes de definir candidatura à prefeitura

Ideia é manter nome do tucano em evidência até a definição sobre a disputa para aplacar a rejeição do eleitorado

BRASÍLIA - O ex-governador José Serra (PSDB) já começou a discutir com antigos colaboradores pesquisas para avaliar a viabilidade de sua candidatura à Prefeitura de São Paulo nas eleições deste ano.

Com base em pesquisas qualitativas feitas com pequenos grupos de eleitores, assessores de Serra disseram que é possível reduzir os altos índices de rejeição do eleitorado que ele enfrenta hoje.

Mas isso vai depender de quanto tempo ele terá para fazer propaganda na televisão, e, portanto, da capacidade que os tucanos terão de atrair outros partidos para a campanha do ex-governador.

Segundo a sondagem mais recente do Datafolha, concluída em janeiro, 33% dos eleitores de São Paulo dizem que não votariam de jeito nenhum em Serra. No cenário mais favorável para sua candidatura, ele tinha 21% das intenções de voto em janeiro.

Serra está sob forte pressão do PSDB para concorrer à prefeitura, mas ainda condiciona o lançamento de seu nome à construção de um cenário que lhe dê conforto para lidar com os riscos que a eleição deste ano oferece para sua carreira política.

Colaboradores do ex-governador sugeriram que ele acompanhasse a evolução das pesquisas por mais tempo antes de tomar uma decisão. Até lá, ele tentaria manter seu nome em evidência, como favorito do PSDB, para começar a aplacar a avaliação negativa do eleitorado.

Mas os tucanos temem perder o apoio do prefeito Gilberto Kassab (PSD) se Serra demorar muito para se definir, o que romperia a coalizão que controla a capital desde que Serra se elegeu prefeito com Kassab como vice, em 2004.

A indefinição dos tucanos levou Kassab a abrir negociações com o PT no início deste ano para apoiar o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, mas as conversas foram interrompidas nos últimos dias, depois que Serra indicou que estava reconsiderando sua candidatura.

Apesar do esforço do governador Geraldo Alckmin para manter seus tradicionais aliados, a costura da coligação que poderia sustentar Serra não está alinhavada.

Serra teme a repetição de problemas ocorridos na eleição de 2008, quando o PSDB se dividiu em dois grupos. Uma ala aderiu à campanha de Kassab à reeleição e outra apoiou o lançamento de Alckmin como candidato.

Alckmin não conseguiu nem chegar ao segundo turno, e agora Serra teme que algo parecido ocorra com ele. "Serra quer a garantia de que não será abandonado pelo PSDB. Ele não vai. É o nosso candidato", afirma o presidente nacional da sigla, Sérgio Guerra.

Serra espera que Alckmin encontre uma solução para evitar que o desfecho das prévias para escolher o candidato a prefeito não vire um obstáculo a sua candidatura.

Quatro pré-candidatos se inscreveram para as prévias, que estão marcadas para o dia 4 de março. Quando elas foram convocadas, Serra dizia que não tinha interesse na eleição, e por isso outros candidatos se apresentaram.

Hesitação

O lançamento da candidatura de Serra ainda divide seus principais aliados. Uns defendem que ele concorra mesmo se houver risco de derrota, com o argumento de que ele manterá assim seu nome em evidência.

Outros acham que Serra só deveria concorrer se as condições forem favoráveis. Para outros, ele deveria se preservar para a eleição presidencial de 2014, quando poderia concorrer pelo PPS se o PSDB preferir lançar o senador Aécio Neves (MG).

Hoje, a maior pressão pela candidatura de Serra parte do Palácio dos Bandeirantes. Uma vitória do PT pode comprometer os planos de Alckmin para se reeleger governador nas eleições de 2014.

Para tucanos, a discussão pública da candidatura de Serra serviu para atrair aliados e impedir que avançasse o namoro de Kassab com os petistas. Mas a volta de Serra ao palco acabou valorizando o passe de Kassab para Haddad e o PT.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Manobra contra prévias irrita tucanos históricos

PSDB manobra para esvaziar prévias, e históricos do partido já acusam desgaste

Julia Duailibi, Sonia Racy

Sem nunca ter realizado disputa interna para escolher um candidato, a cúpula do PSDB paulistano trabalha agora para transformar o mecanismo que o próprio partido apontou como o mais "democrático" em um mero jogo de cena. Nas bastidores, líderes tucanos articulam para que o vencedor da prévia, marcada para março, segure a cadeira até a entrada do ex-governador José Serra no palco como candidato. Por conta de manobras como essa, tradicionais quadros tucanos já rechaçam a condução do processo pela direção do partido no Estado.

"O PSDB vai definhar se continuar sendo apenas um clube parlamentar e uma federação de "caciquias" estaduais. Esse papel o PMDB faz mais e melhor. Se quer se conectar com a sociedade, como seus dirigentes dizem querer, o PSDB precisa se conectar com seus filiados, para começar. As prévias em São Paulo representam um passo na direção certa", afirmou o cientista político Eduardo Graeff, secretário-geral da Presidência no governo FHC (1995-2002).

Defendida pelo governador Geraldo Alckmin há mais de oito meses como uma saída para o partido escolher o candidato, num cenário em que Serra dizia que não iria concorrer (em janeiro ele avisou aliados que estava fora da disputa), a prévia acabou se tornando um problema com a aproximação do prefeito Gilberto Kassab (PSD) do PT.

Serra já analisa cenários para ser candidato a prefeito, mas ainda não se decidiu. Ele pretende usar o carnaval para pensar sobre a possibilidade. Os tucanos, por sua vez, gostariam que ele se decidisse antes da realização da prévia, marcada para 4 de março. Como não há uma garantia de que isso aconteça, a cúpula decidiu bancar a consulta e, em seguida, trabalhar para convencer o vencedor a guardar o lugar para Serra. Conforme informou ontem à tarde a coluna Direto da Fonte, Serra foi visto em Buenos Aires junto de Andrea Matarazzo, secretário estadual da Cultura e um dos pré-candidatos inscritos na prévia.

A proposta da cúpula tucana é montar uma "chapa pura" com Serra como candidato e Matarazzo na vice, já que o DEM e o PSD, potenciais aliados do PSDB, não se entendem sobre a possibilidade de indicar o vice.

Os democratas não aceitam a possibilidade de Kassab escolher um nome.

Reação. Neste mês, Alckmin tentou segurar a prévia e pediu a interlocutores que convencessem Serra a ser candidato. O processo interno, porém, foi amadurecido pelo diretório estadual e os pré-candidatos, Matarazzo, Bruno Covas, José Aníbal e Ricardo Tripoli, reagiram à manobra.

"Cancelá-las ou invalidá-las, a esta altura, não seria só perder a oportunidade de avançar. Seria um atestado de irrelevância das bases do partido, passado por sua cúpula. Um retrocesso", afirmou Graeff.

"Ao contrário do que desejam as aves de mau agouro e outros animais silvestres, esclareço que o PSDB da capital tem rumo, e as prévias estão mantidas", disse Fabio Lepique, tesoureiro do PSDB estadual e ex-subprefeito de Vila Mariana.

"Quando o Covas lançou o Geraldo (Alckmin) em 2000, ele não chegava a 1% (das intenções de voto). Tem que ter coragem", afirmou o ex-deputado Arnaldo Madeira, ao defender a criação de novas lideranças. "(Alckmin) Quase foi para o segundo turno, aí surgiu uma nova liderança", completou ele (leia entrevista abaixo).

Semana passada, deputados estaduais pediram a Serra que saísse candidato e que a prévia fosse cancelada, num movimento que despertou a ira dos militantes envolvidos na campanha dos pré-candidatos. A ação chegou a ser chamada de "golpe".

Diante da reação negativa, Alckmin trabalha agora para realizar o processo e para que o vencedor apoie Serra, caso ele aceite concorrer. "É mais fácil negociar com um do que com quatro", afirmou um líder paulista.

A ação também divide os tucanos. "Só seria legítimo se o candidato anunciasse, antes das prévias, que pretende abrir mão. Mas Serra nunca deu sinal de que quer ser candidato a prefeito. Na verdade, Serra é a penúltima preocupação de quem quer atropelar as prévias. A última preocupação é a Prefeitura", disse Graeff. "Usar os filiados do PSDB de São Paulo como peões do xadrez da política estadual e nacional já é ruim. Fazer a cidade de São Paulo de peão nesse jogo é, francamente, uma arrogância sem limite", acrescentou.

Racionalidade. Para o deputado Duarte Nogueira, o partido tem que ir "na linha da racionalidade". "Se vários quiserem disputar a prévia, vamos ter que fazer. Mas tem o Serra na disputa, que ainda não decidiu. Se ele não quiser, temos prévia. Se ele resolver, vamos discutir", afirmou.

Xico Graziano, ex-secretário de Meio Ambiente da gestão José Serra no Bandeirantes (2007-2010), disse que "as prévias viraram um processo irreversível. O que vai acontecer depois, só a dinâmica da política vai dizer".

"Temos que fazer as prévias. O processo teve a participação intensiva de muitas lideranças. Acho que é um processo democrático e a melhor forma de o partido escolher. Se um nome da dimensão de um José Serra quiser disputar, o partido deve pensar sobre qual caminho adotar", afirmou o líder do PSDB na Câmara Municipal de São Paulo, Floriano Pesaro.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Arnaldo Madeira: 'É a falta de rumo que assola o partido tucano há alguns anos'

Chefe da Casa Civil de Alckmin em 2003, tucano acha "inconcebível" pedir, sete meses depois, que pré-candidatos desistam

Um dos quadros tradicionais do PSDB, o ex-deputado Arnaldo Madeira, que foi líder do governo na Câmara no governo Fernando Henrique Cardoso e secretário da Casa Civil de Geraldo Alckmin (2003-2006), avalia que a polêmica sobre a prévia evidencia a "falta rumo no partido".

"É a falta de rumo que assola o PSDB há alguns anos, não é de agora. Esse é o fato mais notável. O partido está sem direção, está perdido nacionalmente e em lugares como São Paulo, único lugar em que o partido existe para valer", disse. Abaixo, a entrevista.

O sr. acha que o partido deve desmarcar prévias e esperar uma decisão de Serra?

Deixar os caras sete meses trabalhando as prévias e agora fazer uma coisa desse tipo? É uma coisa inconcebível para mim. Aí é falta de rumo. O partido não sabe para aonde vai. Essa falta de rumo assola o PSDB há alguns anos, não é de agora. Esse é o fato mais notável. O partido está sem direção, perdido nacionalmente e em lugares como São Paulo, único lugar em que o partido existe para valer. Você tem toda uma militância que fica trabalhando oito, nove meses envolvida com candidaturas. Aí, de repente, um desavisado fala: "Vamos parar com tudo, não queremos prévia, fala para o Serra ser candidato". Serra, tanto quanto eu sei, continua sem dizer que quer ser candidato. E, para ser candidato a prefeito, talvez mais do que para qualquer outro nível de governo, o cara precisa ter vontade.

O partido deve mesmo realizar a consulta prévia?

Foi o partido que as marcou. Que eu saiba, o Serra não colocou condição para não ter prévias. O pessoal é que está dizendo: "Vamos suspender as prévias e falar com ele". Ninguém me falou: "Conversei com o Serra, e ele disse que uma condição para ser candidato é retirar a prévia."

Se ele resolver ser candidato, deve disputar a prévia?

O partido não vai fazer isso. Um dos males do PSDB é o seguinte: você tem uma direção que anuncia prévia, marca a prévia, e um governador que estimula as prévias. De repente, bate um desespero e aí colocam que o nome tem de ser o Serra.

Serra deve ser o candidato?

Eu acho que o partido tomou uma posição. Tomou, tomou.

Não dá para voltar atrás?

A não ser que os quatro pré-candidatos digam que não querem mais disputar. Mas até onde sei eles continuam trabalhando.

O sr. acha que é um momento de mudança de geração?

Está tudo apontando para isso. Todos os candidatos que estão aí colocados são mais jovens.

O Serra deveria anunciar logo se pretende concorrer?

Eu não sou o Serra. Ele tem lá os critérios dele.

Que lhe parece fazer a prévia e, depois, o candidato vencedor abrir mão para o Serra?

Não acho um caminho saudável. Feita a prévia, fica difícil voltar atrás. Agora, que eu acho que o partido está à deriva, sem dúvida. Marca uma prévia e agora fica falando em anular, a ponto de um líder de bancada soltar nota pedindo para os pré-candidatos retirarem? Pessoalmente, acho que o partido tem uma figura nova que pode ser um candidato excepcional, que é o Andrea Matarazzo. Agora, tem que ter coragem. Vai ter 3% ou 4% nas pesquisas, é assim mesmo. Esse processo é desgastante para o partido. Criou-se um cenário ruim, e o Serra é o menos culpado disso.

De quem é culpa?

É uma culpa coletiva. Talvez quem menos tenha culpa seja o Serra, porque ele estava lá, dizendo que não era candidato. Quando o Kassab disse que iria somar com o PT, bateu a paúra total. Voltaram para o Serra. Ele estava o tempo todo anunciado dizendo que estava voltado para o País. Acho até que ele estava certo. Então, quem são os responsáveis? Quem está à frente do partido. Não é quem está na base. / J. D.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Mais de 400 mil espanhóis vão às ruas contra reforma trabalhista

Nas principais cidades do país, manifestantes protestaram contra as medidas de austeridade anunciadas pelo governo

Empossado em dezembro, o primeiro-ministro da Espanha, o conservador Mariano Rajoy, enfrentou ontem os primeiros protestos públicos contra seu governo. Mais de 400 mil espanhóis, segundo estimativas dos sindicatos, teriam se reunido em diversas manifestações realizadas pelo país contra a reforma e a liberalização do mercado de trabalho e contra novas medidas de austeridade adotadas em Madri.

As manifestações foram organizadas por duas centrais sindicais, as Comissões Operárias (CCOO) e a União Geral dos Trabalhadores (UGT) em Madri e outras 56 cidades do interior. Na capital, os protestos se concentraram em grandes avenidas no entorno da Estação de Atocha e da praça Porta do Sol, dois dos mais importantes pontos turísticos do centro.

Um dos focos de insatisfação dos espanhóis é o novo pacote de corte de gastos e de aumento de impostos, da ordem de € 15 bilhões. As medidas de rigor fazem parte de um total de € 40 bilhões que o governo busca economizar com o objetivo de cumprir as metas de redução do déficit fiscal acertadas com as autoridades da União Europeia.

Mas o principal objetivo de descontentamento é a reforma do mercado de trabalho. Na última sexta-feira, o Conselho de Ministros, presidido por Rajoy, aprovou a primeira parte da reforma, com medidas para a redução do custo de uma demissão. Em lugar de 45 dias de indenização geral, as empresas terão de pagar o equivalente a 33 dias de trabalho por ano que o trabalhar passou na companhia. Se o empregador comprovar que passa por dificuldades no balanço do trimestre, sem apresentar lucro, a indenização poderá ser reduzida a 20 dias. Em qualquer hipótese, o ressarcimento não ultrapassará 24 meses. Também a lista de demissões consideradas como justa causa será aumentada.

As medidas adotadas pelo governo Rajoy visam a enfrentar o desemprego na Espanha, a quarta maior potência da zona do euro, cuja economia sofre com um desemprego recorde de 22,85%. Entre jovens, a taxa chega a 48%. Para o ministro da Economia, Luis de Guindos, as medidas são extremamente agressivas para flexibilizar o mercado de trabalho. Ontem, Rajoy defendeu a reforma. Segundo ele, as mudanças na lei do trabalho corrigem injustiças. "O governo do Partido Popular implantou em sete semanas mais reformas que os socialistas em sete anos", afirmou.

Além dos protestos em Madri, mobilizações contra pacotes de austeridade foram organizadas em várias capitais europeias. Em Paris, uma reunião aconteceu próximo à Torre Eiffel.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Novo pacote de ajuda para a Grécia

Ministros de Finanças da zona do euro devem votar hoje mais G 130 bilhões

BRUXELAS, ATENAS e PEQUIM - Ministros de Finanças da zona do euro devem aprovar hoje um segundo pacote de apoio econômico para a Grécia, medida que autoridades esperam
que seja suficiente para encerrar quatro meses de instabilidade social e turbulência nos mercados que abalaram Atenas. Diplomatas e economistas não esperam, porém, que o pacote resolva os problemas econômicos da Grécia, algo que pode levar uma década ou mais. A expectativa é que o pacote ajude a reestruturar a enorme dívida do país, conceda mais suporte financeiro e mantenha os gregos dentro da zona do euro.
Em teleconferência ontem, autoridades dos ministérios das Finanças da zona do euro e do Banco Central Europeu (BCE) discutiram os detalhes finais do pacote de C 130 bilhões.
Apesar do alto grau de ceticismo quanto à capacidade da Grécia de cumprir seus compromissos, como o corte de gastos de C 3,3 bilhões e a aprovação de aumentos de impostos, autoridades afirmaram ontem que a tendência é de aprovação do pacote hoje.
— No momento, a situação parece ir exatamente em direção a este caminho — disse a ministra das Finanças da Áustria, Maria Fekter.

Japão e China participarão da ajuda do FMI à Europa

Um representante da zona do euro, em contato com assessores ministeriais envolvidos na teleconferência, afirmou que, apesar de ainda haver detalhes a serem resolvidos sobre alguns números, eles não são grandes o suficientes para inviabilizar a aprovação do acordo.

Segundo o ministro alemão de Finanças, Wolfgang Schäuble, a Grécia deveria aceitar ajuda da Alemanha para criar um sistema de impostos mais eficiente. Só que a Grécia vem rejeitando os pedidos alemães para a indicação de um “comissário de orçamento”, alegando que isso poderia infringir a soberania nacional.

Às vésperas da aprovação do acordo, houve manifestações ontem em Atenas, mas, ao contrário das anteriores, foram protestos pacíficos. Caso o acordo não venha a ser aprovado hoje, a Grécia pode decretar calote no próximo dia 20 de março, quando vence uma parcela de C 14,5 bilhões.

O jornal britânico “Financial Times” informou ontem, citando fontes, que a Grécia deve fazer a troca da sua dívida com credores privados entre os dias 8 e 11 de março. A operação gira em torno de C 200 bilhões.

Atendendo a pedidos do Fundo Monetário Internacional (FMI), Japão e China anunciaram ontem que estão dispostos a apoiar o fundo, mas deixaram claro que os países da zona do euro precisam fazer esforços adicionais.

O FMI está buscando angariar US$ 600 bilhões em novos recursos.

A China, que vinha apresentando resistência para liberar ajuda financeira, é vista como um país com poder de fogo para socorrer os membros da zona do euro em crise, devido aos US$ 3,2 trilhões que tem em reservas cambiais.

FONTE: O GLOBO

Petróleo e a mancha do ufanismo::Bruno Covas

A Petrobras derramou, em um ano, quase dois acidentes da Chevron em pequenos vazamentos; há desprezo pelo ambiente no governo federal

No curto período de quatro meses, o Brasil foi cenário de três vazamentos de petróleo: o acidente na bacia de Santos, o primeiro do pré-sal; o da Chevron, na bacia de Campos, com o volume equivalente a 2.400 mil barris lançados ao mar, em novembro de 2011; e o da praia de Tramandaí, no litoral do Rio Grande do Sul, em janeiro de 2012.

Só a perícia poderá apontar causas e definir responsabilidades. É mais do que óbvio, no entanto, o horizonte perigoso projetado pela mistura entre o clima de ufanismo carnavalesco que ronda a nova era do petróleo no Brasil e o menosprezo endêmico do governo federal às questões ambientais.

Fiquemos apenas nos acidentes da Petrobras, cujo volume de petróleo e de derivados vazado tem crescido de forma preocupante, como aponta o próprio relatório de sustentabilidade da empresa.

A gigante nacional derramou, em um ano, quase duas vezes mais do que o volume do acidente da Chevron, no Rio de Janeiro. Excluindo os países africanos, o Brasil é certamente o campeão em número de incidentes. São pequenos vazamentos, mas cada vez mais frequentes.

Sob a ótica das autoridades federais, a imagem que fica é a de que exploração econômica e preservação ambiental são fenômenos excludentes. E que, na dúvida, o primeiro item deve prevalecer.

Indícios dessa concepção anacrônica não faltam. Os temas dos quatro projetos encaminhados pelo governo para formatar o marco regulatório do pré-sal, por exemplo: alteração da partilha de produção, criação do fundo social, capitalização de petróleo e criação da Petrosal.

Ou seja, nenhuma concepção foi formulada sobre a questão ambiental -fato inusitado em um país cujas autoridades, até poucos anos atrás, gabavam-se, mundo afora, do potencial verde de sua matriz energética.

O governo poderia ter exigido um centro nacional de excelência para prevenir e mitigar acidentes dessa natureza. Mais: poderia ter detalhado planos mais rígidos de emergência, procedimentos para interrupção de descarga de óleo e programas de treinamento, entre uma miríade de alternativas que transformariam o país em modelo da exploração ambientalmente correta de uma energia não renovável.

O acidente na bacia de Santos traz um agravante. O governo de São Paulo, por meio de sua agência ambiental, a Cetesb, apontou ao Ibama várias inconsistências do estudo da Petrobras no processo de licenciamento do sistema de produção e de escoamento de petróleo e gás natural do polo pré-sal, na bacia de Santos.

Segundo os técnicos da Cetesb, a Petrobras não atendeu plenamente a análise de vulnerabilidade e de comportamento do produto derramado. Ela também não estabeleceu adequadamente procedimentos de comunicação para contenção e recolhimento do óleo derramado.

O documento também aponta falhas no monitoramento e na dispersão mecânica e química de manchas de óleo, erros nos procedimentos para limpeza das áreas atingidas e nas ações para coleta e disposição dos resíduos gerados. O documento pode ser visto no site da Cetesb.

O governo de São Paulo se propõe a participar um movimento para a criação de um centro de excelência para prevenir e mitigar acidentes dessa natureza.

Colocamos à disposição instituições como o Centro Paula Souza, o Instituto Geológico e o IPT para que esse grande desafio seja superado. As universidades públicas paulistas (USP, Unicamp e Unesp) também poderiam se engajar. A união de esforços precisa conter, de forma rápida, esse número inaceitável de acidentes ambientais.

Bruno Covas, 31, advogado e economista, é secretário estadual do Meio Ambiente

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

As chances do anti-Chávez

Pela primeira vez unidas, as oposições venezuelanas escolhem Henrique Capriles para enfrentar o coronel nas urnas com a proposta de reconduzir o país à normalidade política e econômica

Tatiana Gianini

CARACAS - No domingo 12, os venezuelanos elegeram o candidato que tentará impedir o quarto mandato consecutivo de Hugo Chávez no pleito presidencial de 7 de outubro. Para evitarem a pulverização do eleitorado insatisfeito com o governo chavista, os partidos de oposição submeteram à consulta popular cinco pré-candidatos. O escolhido foi o caraquenho Henrique Capriles Radonski, governador do estado de Miranda, onde se situa a capital, Caracas. Capriles obteve mais de 1,9 milhão de votos, 64% do total válido. O advogado solteiro de 39 anos é oriundo de uma família de empresários e filho de mãe judia, apesar de ter sido criado como católico. Ou seja, ele tem o perfil talhado para ser atacado por Chávez, cuja retórica costuma ser pontuada pelo antissemitismo e pelo preconceito contra a classe média alta. Na semana passada, Chávez disse que Capriles representa o "capitalismo ianque" e as velhas elites políticas do país.

Capriles começou a carreira em 1998 como deputado do tradicional Copei (Partido Social-Cristão), que muitos venezuelanos associam aos caóticos e corruptos governos anteriores ao de Chávez. Exatamente por isso, dois anos depois decidiu fundar o partido Primeiro Justiça, com a pretensão de fazer uma oposição jovem e livre de máculas do passado. Entre 2000 e 2008, Capriles foi prefeito de Baruta, um distrito de Caracas. Desde então é perseguido pelo chavismo. Em 2002, foi acusado de ter participado da invasão da Embaixada de Cuba – na verdade, ele foi até a sede diplomática para impedir que manifestantes depredassem o local. Ficou quatro meses preso. A boa gestão em Baruta lhe deu força para disputar o governo de Miranda, em 2008, derrotando o chavista Diosdado Cabello, atual presidente da Assembleia Nacional. Capriles foi punido pela vitória: o orçamento do estado foi cortado e o governo nacional tirou de sua administração todos os hospitais e postos de saúde.

A reação do governo às primárias da semana passada mostra que a competição pela Presidência será agressiva e repleta de difamações. Na véspera da votação, um canal estatal divulgou um suposto boletim de ocorrência policial de 2000 afirmando que Capriles foi preso em flagrante fazendo sexo com outro homem num carro. A equipe de marqueteiros do opositor, comandada por brasileiros, quer atrair os votos de venezuelanos que simpatizam com Chávez mas estão insatisfeitos com o seu governo, cujo legado ao país se resume a inflação, desabastecimento de produtos, blecautes e altas taxas de criminalidade. Por isso, a orientação é pegar leve com o presidente na campanha. Capriles vai virar saco de pancada de Chávez.

"Disputa será desigual"

Na terça-feira 14, após a cerimônia em que foi confirmado como candidato da oposição à Presidência da Venezuela, Henrique Capriles Radonski concedeu a seguinte entrevista a VEJA:

Como o senhor enfrentará Hugo Chávez nas urnas?

Depois da participação nas primárias de domingo, ganhar de Chávez no pleito de outubro será fácil. Se cada um dos venezuelanos que saíram de casa para escolher o candidato da oposição conseguir o apoio de outros dois eleitores, teremos 9 milhões de votos e chegaremos à Presidência.

A pressão e a intimidação do governo sobre os eleitores não serão um problema?

A disputa com o governo será desigual, mas até agora ganhei todas as eleições de que participei. Venci com muito esforço, com muito trabalho, com muito corpo a corpo com os eleitores. Não gosto de atos como o de hoje, em um salão fechado. Prefiro ir para a rua. Vou visitar cada canto da Venezuela, como não se faz desde 1998 (quando Chávez foi eleito).

Chávez aperfeiçoou-se no jogo sujo contra os adversários nas últimas eleições. Vai ser diferente desta vez?

As eleições são decididas nas urnas. Se não fiscalizarmos os locais de votação, perderemos. Temos de nos organizar para converter essa força demonstrada nas primárias em um esforço para supervisionar os votos em todas as seções eleitorais.

O senhor afirmou que o governo usa a renda do petróleo, ou seja, dinheiro público, para financiar a reeleição de Chávez. Como fazer frente a uma campanha com recursos tão ilimitados?

Não me preocupo com o poder financeiro do governo nacional. Quando fui candidato no estado de Miranda, estávamos em grande desvantagem. O outro candidato a governador distribuía geladeiras, lavadoras e televisores. Cheguei a pensar que perderia, mas acabei vencendo, porque eu tinha um projeto. Vou ganhar também agora. Quero garantir um bom governo à Venezuela.

Qual vai ser a prioridade de seu governo?

Educação. Minha experiência em Miranda mostrou que essa é a base do progresso.

O que o senhor pretende fazer com as empresas expropriadas por Chávez?

É preciso revisar caso a caso, mas em geral as expropriações são um fracasso competitivo que se converteu em um instrumento político.

O senhor diz ter Lula como modelo, mas o próprio ex-presidente brasileiro classificou Chávez como o melhor governante que a Venezuela já teve. Isso não é contraditório?

O Brasil é um país com democracia, com alternância de poder. O presidente não pode passar a vida toda governando. Eu acredito na necessidade de trocar o ocupante do cargo de tempos em tempos. O Brasil é um exemplo de progresso e de respeito a essa regra.

FONTE: REVISTA VEJA

Os Desaparecidos:: Affonso Romano de Sant'Anna (Fragmentos)

De repente, naqueles dias, começaram
a desaparecer pessoas. Estranhamente
desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Ia-se colher a flor oferta
e se esvanecia.
Eclipsava-se entre um endereço e outro
ou no táxi que se ia.
Culpado ou não, sumia-se
ao regressar do escritório ou da orgia.
Entre um trago de conhaque
e um aceno de mão, o bebedor sumia.
Evaporava o pai
ao encontro da filha que não via.
Mães segurando filhos e compras,
gestantes com tricots ou grupos de estudantes
desapareciam.
Desapareciam amantes em pleno beijo
e médicos em meio à cirurgia.
Mecânicos se diluíam
mal ligavam o torno do dia.
Desaparecia. Desaparecia-se muito
naqueles dias.

Desparecia-se a olhos vistos
e não era miopia.Desparecia-se
até à primeira vista. Bastava
que alguém vissse um desaparecido
e o desaparecido desaparecia.
Desaparecia o mais conspícuo
e o mais obscuro sumia.
Até deputados e presidentes evanesciam.
Sacerdotes, igualmente, levitando
iam, aerefeitos, constatar no além
como os pecadores partiam.
.....................................................
Se fosse ao tempo da Bíblia,eu diria
que carros de fogo arrebatavam os mais puros
em mística euforia. Não era. É ironia.
E os que estavam perto,em pânico, fingiam
que não viam.Se abstraíam.
Continuavam seu baralho a conversar demências
com o ausente, como se ele estivesse ali sorrindo
com suas roupas e dentes.

Em toda família à mesa havia
uma cadeira vazia, a qual se dirigiam.
Servia-se comida fria ao extinguido parente
e isto alimentava ficções
-nas salas mentes
enquanto no palácio, remorsos vivos
boiavam
-na sopa do presidente.

As flores olhando a cena, não compreendiam.
Indagavam dos pássaros, que emudeciam.
As janelas das casas, mal podiam crer
-no que não viam.
As pedras, no entanto,
gravavam os nomes dos fantasmas,
pois sabiam que quando chegasse a hora
por serem pedras, falariam.

O desaparecido é como um rio:
- se tem nascente, tem foz.
Se teve corpo, tem ou terá voz.
Não há verme que em sua fome
roa totalmente um nome.O nome
habita as vísceras da fera
como a vítima corrói o algoz.

E surgiram sinais precisos
de que os desaparecidos, cansados
de desaparecerem vivos
iam aparecer mesmo mortos
florescendo com seus corpos
a primavera de ossos.
...........................
Desaparecia-se.Desaparecia-se muito
naqueles dias.
Os atores no palco
entre um gesto e outro e os da platéia
enquanto riam.
Não, não era fácil
ser poeta naqueles dias.
Porque os poetas, sobretudo,
-desapareciam.

* Este poema foi recitado na voz de Tônia Carrero no CD "Affonso Romano de Sant'Anna por Tônia Carrero" da Coleção "Poesia Falada".