quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Norberto Bobbio; relação entre estrutura e superestrutura

Quem desconhece o fato de que toda a história do marxismo é uma contínua alternância de interpretações diversas sobre a relação entre estrutura e superestrutura? De interpretações tendencialmente mais objetivas e materialistas , e de interpretações tendencialmente mais subjetivas e idealistas? Considero teorias marxistas todas as que, de algum modo, aceitam a dicotomia fundamental entre estrutura e superestrutura. E desse modo, fora do sistema marxista estão, por um lado, o materialismo vulgar (que reduz todo o movimento histórico ao momento estrutural), e, por outro, o idealismo (que atribui o movimento histórico exclusivamente às forças espirituais, independentemente das condições materiais em que atuam). É bastante evidente que Gramsci trava continuamente a sua batalha teórica em duas frentes, a do materialismo vulgar e a do idealismo: por isso, é impossível negar que ele leva em conta tanto o momento estrutural quando o superestrutural. Portanto, Gramsci situa-se no interior do sistema. Mas é, precisamente, um pensador original e não um repetidor, porque tem perfeita consciência de que o problema fundamental do sistema é o das relações entre estrutura e superestrutura. Trata-se de um problema extremamente difícil, e dizer, como alguns o fazem apressadamente, que se trata de uma relação de ação recíproca, é um modo de fugir ao problema: digamos mesmo, uma banalidade.

Norberto Bobbio (18/10/1909-9/01/2004), filósofo italiano. “Ensaios sobre Gramsci”, págs. 74-5. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2002.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Mago da avenida dá novo título à Tíjuca
Cidades não têm preparo para projetos
TCU suspeita de contratos da Aeronáutica
Grécia fora do euro divide economistas

FOLHA DE S. PAULO
Fracassa mutirão para solucionar homicídios
São Paulo quer Ficha Limpa, mas só para novo servidor
Dois jornalistas são mortos em ataque na Síria

O ESTADO DE S. PAULO
CNJ apura benefício indevido a juízes
Governo dará concessão para manutenção de estradas
Salto de investimento
Chávez admite que novo tumor pode ser maligno

VALOR ECONÔMICO
União muda o modelo de negócios para o trem-bala
Dinheiro do FGTS vai para o superávit
O caixa repleto de Kassab
STF amplia uso de ação penal por sonegação

CORREIO BRAZILIENSE
Os ministérios da burocracia
Sem limite à saúde nos planos

ESTADO DE MINAS
Até prefeito grila terra de reforma agrária
Saúde sem limites

ZERO HORA (RS)
Homicídios crescem 28% em janeiro no RS
Samba x Tango: R$ 1,3 bilhão parados na Fronteira

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Carnaval menos violento
Via-crúcis do SUS

Mitos e equívocos :: José Serra

As avaliações sobre a recente privatização de três aeroportos brasileiros têm misturado duas coisas: a questão política, enfatizada pela maior parte da oposição e retomada pelo PT, e a da forma e do conteúdo do processo.

Ao contrário do que se propalou, as privatizações dos aeroportos de Guarulhos, Brasília e Campinas (Viracopos) não são as primeiras dos governos do PT. Basta lembrar as espetaculares privatizações na área do petróleo, lideradas pelo megainvestidor Eike Batista, sob a cobertura da lei aprovada no governo FHC - alterada recentemente para pior -, e na geração e transmissão de energia elétrica.

Outra ação privatizante digna de menção ocorreu nas estradas federais, a qual fracassou, não obstante o clima de comemoração na época. Fez-se a concessão de graça, pôs-se pedágio onde não havia, mas os investimentos não chegaram, as estradas continuam ruins e o governo federal só faz perdoar as faltas dos investidores. Um modelo furado, que pretendia ser opção vantajosa ao adotado por São Paulo, com vista a dividendos eleitorais em 2010.

O padrão petista de privatização chega ao dinheiro público. O governo faz concessões na área elétrica e as subsidia, via financiamentos do BNDES e reduções tributárias. Não se trata de dinheiro do FAT, mas tomado pelo Tesouro à taxa Selic, repassado ao BNDES a custo bem inferior. Outro exemplo é o da importante e travada Ferrovia Transnordestina. O governo está pagando quase toda a obra, com dinheiro subsidiado, mas a propriedade da concessão é privada. Quem banca a diferença? O contribuinte, é lógico. Quem faz a filantropia? Os governos petistas, cujas privatizações são originais, ao incluírem grandes doações de capital público ao setor privado.

O outro grande exemplo - felizmente, ainda virtual - é o do trem-bala Rio-São Paulo, projeto alucinado que poderá custar uns R$ 65 bilhões, a maior parte de recursos diretos ou indiretos do governo federal e até mesmo dos Estados, via renúncia fiscal, ou dos municípios, que teriam de fazer grandes obras urbanas. O governo quer bancar também os riscos operacionais do empreendimento: se houver número insuficiente de passageiros, o Tesouro comparecerá para evitar prejuízo para o empreendedor privado!

Para alguns representantes extasiados da oposição, com as concessões dos aeroportos, "finalmente o PT se rendeu à privatização", como se este governo e o anterior já não tivessem promovido as outras que mencionamos. Poderiam, sim, ter lembrado o atraso de pelo menos cinco anos na entrada do setor privado na atividade aeroportuária - atraso ocorrido quando a agora presidente comandava a infraestrutura do Brasil.

As manobras retóricas do petismo são toscas. O primeiro argumento, das cartilhas online e de grandes personalidades do partido, assegura que não houve "privatização" de aeroportos, mas "concessão". Ora, no passado e no presente, os petistas chamavam e chamam as "concessões" tucanas (estradas em São Paulo, telefonia, energia elétrica, ferrovias, etc.) de "privatização".

Os PT argumenta ainda que a Infraero mantém 49% das ações de cada concessionária. Isso é vantagem? Em primeiro lugar, a estatal está pondo bastante dinheiro para formar o capital das empresas sob controle privado - sociedades de propósito específico (SPEs) - que vão gerir os aeroportos. Além disso, vai se responsabilizar por quase metade dos recursos investidos, sem mandar na empresa.

Mais ainda: pagará 49% da outorga (preço de compra da concessão) de cada aeroporto. O total de outorgas é de R$ 25 bilhões, número comemorado na imprensa e na base aliada. Metade disso virá do próprio governo, via Infraero! Isso sem contar os fundos de pensão de estatais, entidades sob hegemonia do PT, que predominam no maior dos consórcios, ganhador do Aeroporto Franco Montoro, em Guarulhos. Tais fundos detêm mais de 80% do grupo privado que comandará o empreendimento!

A justificativa de que a Infraero obterá os recursos para investimentos e outorgas da própria concessão é boba - até porque ela já está investindo nas SPEs e vai sacrificar seus retornos. De mais a mais, quais retornos? As outorgas são obrigatórias, enquanto as receitas são duvidosas. A receita líquida do aeroporto de Guarulhos foi de R$ 347 milhões em 2010. A bruta, R$ 770 milhões. A outorga dessa concessão será paga em 20 parcelas anuais de R$ 820 milhões... Mesmo que a receita líquida duplicasse, de onde iriam tirar o dinheiro para os investimentos? No caso de Brasília, a outorga exigirá cerca de 94 % da receita líquida...

Com razão, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ), favorável, como eu, às concessões, ponderou: "Com o que sobra é possível entregar a qualidade desejada? Difícil. Difícil até mesmo operar com os baixos níveis atuais, pois sobrará para as concessionárias muito menos dinheiro do que a Infraero tem hoje".

O que poderá acontecer? As possibilidades são várias: mudanças nos contratos, revisão, para cima, de tarifas, atrasos nos investimentos necessários, subsídios do governo e prejuízos para os cotistas dos fundos. Tudo facilitado pela circunstância de que a privatização (um tanto estatizada) tirará o TCU do controle e transparência de gastos com aeroportos...

Existe ainda um erro elementar e pouco notado. De todos os consórcios que entraram no leilão foi exigida a participação de uma operadora internacional de aeroportos. Mas os consórcios onde estavam as boas operadoras perderam a licitação. E as operadoras internacionais dos grupos que ganharam são de segunda linha...

A Presidência da República reclamou disso, como se não fosse o governo o responsável. O correto teria sido as operadoras internacionais serem introduzidas depois da licitação. Cada consórcio vencedor convidaria então uma operadora, a ser aprovada previamente pelo governo como condição para a homologação da concorrência. É uma sugestão que pode ser adotada nos futuros leilões. Por ora, fica o leite derramado...

*Ex-governador e ex-prefeito de São Paulo

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

As "memórias" do barão:: Merval Pereira

Já pensou, caro leitor, se coincidisse com o centenário da morte do Barão do Rio Branco - ocorrida no dia 10 de fevereiro de 1912 - a revelação de suas memórias, que por vontade expressa só poderiam ser divulgadas nessa ocasião? (No Globo a Mais de hoje, a história de como a morte do barão fez com que tivéssemos dois carnavais em 1912).

Pois o diplomata Paulo Roberto de Almeida, em seu blog Diplomatizzando, resolveu tornar verdadeiro esse sonho de todo historiador interessado na nossa diplomacia e está publicando as "Memórias", apresentando-se como o seu organizador, responsável pela "transcrição e modernização da ortografia, a partir de manuscritos encontrados nos papéis deixados pelo próprio". Ele relata que "dentre os muitos papéis deixados pelo barão no momento de sua morte, na mais completa desordem, encontrava-se um curioso caderno, que permaneceu obscuro durante muito tempo".

"De aparência anódina, capa oleada marrom, lombada preta, circundado por um barbante (um tanto sujo devido a um uso provavelmente constante), que por sua vez retinha um simples pedaço de papel com esta inscrição a lápis, na letra inconfundível de Paranhos: "Reservado; não tocar".

O diplomata conta sua suposta experiência em detalhes: que passou a lê-lo a partir de cópias fotostáticas e teve acesso ao "original" apenas uma vez, "graças aos zelosos guardiões do Arquivo Histórico Diplomático do Itamaraty, no Rio de Janeiro".

Ao abri-lo, "outro pedaço de papel, de igual feitura (provavelmente destacado às pressas do mesmo pedaço de papel que serviu para compor a nota na capa), também rabiscado a lápis, na mesma letra, com estas simples indicações: "Proibida a reprodução ou divulgação antes de cem anos de minha morte".

Nas páginas seguintes, "numeradas à mão, já começavam as anotações manuscritas do barão, algumas datadas, outras simplesmente localizadas no espaço (a maior parte do Rio, outras entradas feitas em Petrópolis), mas sem o cuidado de manter a estrita cronologia de um diário "normal".

E por que ele não queria que essas notas fossem divulgadas antes de pelo menos cem anos decorridos de sua morte?

"Presumivelmente porque tinha consciência do delicado de suas opiniões sinceras sobre pessoas, países, sobre fatos e percepções pessoais que mantinha nas mais diversas situações que enfrentava na labuta diária à frente da chancelaria, que já tinha sido a de seu pai e mentor respeitado."

Há dois bons exemplos nos "diários" do barão. No primeiro, escrito no dia 2 de maio de 1910, ele relata que o Brasil participará das comemorações do "centenário da independência argentina" no dia 10, "com uma delegação normal", isto é, por meio do ministro em Buenos Aires, "e não com alguma embaixada especial ou enviado extraordinário".

O barão reconhece que seus auxiliares classificam tal decisão de "erro monumental, uma descortesia gratuita, mais uma demonstração de birra pouco diplomática vis-à-vis nuestros hermanos, já que muitos outros países designaram plenipotenciários especiais, alguns a nível de ministros de Relações Exteriores, uns poucos até com o deslocamento de seus chefes de governo".

Como não podia externar sua opinião au grand large, o barão decidiu escrever "para a posteridade e a devida fidelidade a esta musa sempre tão conspurcada que atende pelo nome de História".

Para o Barão do Rio Branco, os argentinos festejavam, "com orgulho indevido", o 10 de maio de 1810, pois "o fato absolutamente verdadeiro é que no 10 de maio de 1810 não foi proclamada nenhuma independência argentina".

Segundo o relato do barão em suas "memórias", os argentinos "comemoram, na verdade, duas ou três datas, dependendo da utilidade", e a de 1810 serve para que anunciem "que ficaram independentes antes de nós".

Mas a independência só se firmou, escreve o barão, "e mesmo assim de maneira passavelmente confusa, depois que San Martin andou fazendo valer o que de fato vale na vida das nações: a crítica das armas, não as armas da crítica".

Outro bom exemplo está nos comentários que o Barão do Rio Branco faz sobre a classe política do país, tão incrivelmente atual.

Em abril de 1909, ele deixou claras as razões que o levaram a recusar, "de maneira peremptória, firme e irrevogável, o generoso oferecimento de uma candidatura, praticamente vitoriosa, à Presidência da República, certamente o cargo mais honroso que um homem público pode desejar, em qualquer país, em qualquer época".

(...) "Confesso, tanto intimamente, quanto aos que lerem estas linhas em algum tempo do futuro, que não tenho a menor vontade (...) de assumir um cargo que me obrigará a tratar com os mesmos políticos que, no íntimo, eu desprezo, que considero particularmente medíocres ou que julgo incapazes e incompetentes para conduzir um Brasil atrasado à posição que ele mereceria ocupar na cena internacional."

"Minha aspiração - sem pretender chocar os que lerem estas minhas memórias desabusadas, algumas décadas mais à frente - é a de que o Brasil possa dispor, no futuro, de homens políticos mais bem preparados para o cargo, tribunos competentes e educados, estadistas comprometidos com a dignidade das causas nacionais, sem essas nódoas de corrupção que nos maculam internacionalmente, sem o peso da ignorância abissal que infelizmente ainda marca muitos dos aventureiros e oportunistas que procuram cargos públicos, alguns inclusive por razões inconfessáveis".

As "memórias" do Barão do Rio Branco estão fazendo o maior sucesso no Itamaraty e na internet, pelas mensagens que seu "autor" tem recebido, e muitos capítulos ainda serão colocados no ar, "tudo baseado em fatos verdadeiros, em acontecimentos reais da vida do barão, situações e pessoas que existiram, de verdade, nenhuma personagem ficcional misturada com as verdadeiras, como ocorre com romances históricos", como explica Paulo Roberto de Almeida em troca de mensagens comigo, que o procurei para saber de detalhes de sua pesquisa e me deparei com um brilhante e bem-humorado trabalho que começou inocente, como uma "verdadeira farsa", e que se apresenta agora como uma "farsa verdadeira".

FONTE: O GLOBO

Sean Penn contra Meryl Streep:: César Felício

Na segunda-feira, o secretário de Defesa do Reino Unido, Philip Hammond, foi taxativo ao falar aos parlamentares na Câmara dos Comuns: a Argentina não representa uma ameaça séria do ponto de vista militar às ilhas Malvinas, ou Falklands. Como neste jogo de xadrez o Reino Unido joga com as pedras pretas, fica claro que a disputa pelas ilhas no Atlântico Sul podem ter muitos desdobramentos, e o bélico não é um deles.

A certeza de que não haverá guerra tem tornado a confrontação nas ilhas Malvinas uma alternativa tentadora tanto para o governo de David Cameron como para o de Cristina Fernández de Kirchner. Além do embate diplomático, factoides não faltaram de parte a parte: do envio do príncipe Harry para um treinamento militar à troca de um navio de guerra estacionado na região, do lado inglês, à transformação do ator Sean Penn em um protagonista na luta contra o colonialismo, do lado argentino, com direito a discorrer sobre o tema em uma declaração à imprensa ao lado do chanceler Hector Timerman.

Reino Unido e Argentina contam com dois governantes afeitos à retórica radical em meio a um contexto de dificuldades crescentes, em que a carta do nacionalismo é uma excelente forma de atenuar a resistência da opinião pública ao aprofundamento do modelo de Estado que cada um deles propõe. É uma cartada raramente usada na história do Brasil, um país sem disputas territoriais há mais de cem anos. O uso mais recente foi o do "Ame-o ou deixe-o", o slogan do qual o governo Médici lançou mão para insinuar que os exilados e banidos tinham menor sentimento patriótico.

Eleito com dificuldade em maio de 2010, o que obrigou a formar um governo de coalizão com o terceiro colocado, Cameron enfrentou um verdadeiro motim popular em Londres em agosto do ano passado. Tem respondido dobrando sua aposta conservadora: classificou a revolta social como "criminalidade pura e simples" e busca acelerar a implementação de sua agenda. No início do ano, comparou o sistema de saúde pública do país, talvez o mais abrangente e eficaz do mundo, como uma ave de rapina no pescoço dos empreendedores.

Cameron está pagando o preço de suas escolhas nas ruas. De acordo com a última pesquisa divulgada pelo "The Guardian", a aceitação de seu partido recuou de 40% para 36%, enquanto a dos trabalhistas subiu de 35% para 37%. É neste instante que recebe a ajuda de Cristina Kirchner. A ofensiva dos simbolismos argentinos para marcar os trinta anos da derrota militar latino-americana abriu uma oportunidade para Cameron incorporar um pouco da verve de Margaret Thatcher. Não com o brilho da atriz Meryl Streep, mas com a efeitos políticos análogos.

"Primeiros-ministros que são fracos em casa sonham em serem fortes fora. O fantasma de Thatcher paira sobre os conflitos. Nas Falklands, Maggie mostrou que ganhar glória militar rápida era infinitamente mais fácil do que resolver problemas domésticos", observou na semana passada Tony Parsons, colunista do tabloide inglês "Daily Mirror".

Reeleita em outubro com 54% dos votos, Cristina tem oferecido a seus eleitores um cardápio que passa por retirada de subsídios governamentais ao consumo, inflação em alta e desaceleração do crescimento econômico. A presidente necessita promover o ajuste para garantir que o país tenha caixa suficiente para impedir uma crise cambial, doa a quem doer. Implanta uma ortodoxia que passa por uma economia meticulosamente manietada por controles oficiais.

Não há pesquisas que mostram como anda a aceitação popular da presidente argentina, mas a reação acalorada dos ingleses à inócua decisão de dezembro do Mercosul de impedir que navios com bandeira da colônia atracassem em seus portos possibilitou a Cristina pela primeira vez em muito tempo falar em nome da nação e não da principal facção política do país.

No dia 8, ao denunciar formalmente na ONU o Reino Unido por promover uma escalada militar no Atlântico Sul, recebeu o apoio, entre outros, do líder do partido do principal candidato de oposição em 2015, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri.

É duvidoso que a questão malvinense tenha para Cristina o poder galvanizador que teria dado uma sobrevida à ditadura em 1982, caso a Argentina tivesse ganho a guerra. Àquela época, a oposição ao general Galtieri embarcou na aventura. Hoje, os intelectuais afastados da Casa Rosada questionam não apenas a oportunidade, mas o mérito da polêmica.

"Não temos ainda uma crítica pública do apoio social à guerra, que mobilizou a quase todos os setores da sociedade argentina. Uma análise minimamente objetiva demonstra a brecha que existe entre a enormidade dos atos e a importância real da questão", assinalaram 17 intelectuais oposicionistas, como Beatriz Sarlo, Vicente Palermo, Juan José Sebrelli e Marcos Novaro, no documento "Malvinas: uma visão alternativa".

No texto, os intelectuais afirmam que o princípio de autodeterminação deve valer para os habitantes da ilha, britânicos em sua essência. "É necessário por fim hoje à contraditória exigência do governo argentino de abrir uma negociação bilateral que inclua o tema da soberania, ao mesmo tempo que se anuncia que a soberania argentina é inegociável", afirma o texto, que define o slogan "Las Malvinas son argentinas" como uma "afirmação obsessiva".

"Como membros de uma sociedade plural e diversa que tem na imigração sua fonte principal de integração populacional não consideramos ter direitos preferenciais que nos permitam sobrepor aos que vivem e trabalham nas Malvinas há várias gerações, muito antes que chegassem ao país alguns de nossos ancestrais".

A reclamação kirchnerista pelas Malvinas faz uso de um nacionalismo conveniente à medida em que não gera consequências diretas. Em relação a outras causas em que o nacionalismo poderia afetar a economia nacional, o governo argentino não hesita em favorecer o investimento externo, como ocorre atualmente na mineração. Há questionamentos em todas as províncias mineradoras à extração de minérios a céu aberto, feitas por empresas invariavelmente estrangeiras. A tendência dos governadores, todos alinhados à Casa Rosada, é de garantir o espaço para os empreendimentos seguirem adiante.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Chávez ou o monopólio do engodo:: Clóvis Rossi

Foi inútil o oficialismo venezuelano tentar quebrar o espelho para esconder fatos

Começo reproduzindo a abertura de texto sobre a mídia venezuelana e Hugo Chávez, publicado há exatos dez anos: "O comportamento da mídia venezuelana na crise é um escândalo talvez sem paralelo na nem sempre nobre história da imprensa na América Latina. Os cinco principais canais privados mais nove dos dez grandes jornais abandonaram, quase totalmente, qualquer propósito informativo para se transformarem em aríetes (aliás, os principais) da tentativa de derrubar o presidente Hugo Chávez".

De lá para cá, Chávez tratou de virar o jogo, sufocando qualquer oposição e criando seu próprio sistema de informações, com as mesmas (ou piores) armas, o que gerou nefasta polarização.

O introito é para explicar por que desconfio sempre das informações que são publicadas na Venezuela, pelos aliados ou pelos adversários do presidente. Mas, no caso da doença de Chávez, foram os partidários do presidente os que se atiraram à tarefa de quebrar o espelho -o noticiário- para tentar esconder a triste realidade que mostrava.

A sequência foi mais ou menos assim: o jornalista Nelson Bocaranda ("El Universal") disparou uma série de tuítes, no fim da semana, recolhendo os rumores sobre a saúde de Chávez e sua inesperada viagem a Cuba. Depois, consolidou as mensagens em texto no seu blogue.

O "chavismo" reagiu com a virulência habitual: ninguém menos que o vice-presidente Diosdado Cabello usou igualmente o Twitter para dizer que, "quando o comandante aparecer trabalhando, Bocaranda e sua turma terão uma depressão interna, Chávez e o povo felizes, e eles amargurados".

É relevante acrescentar que Cabello parece ter sido escolhido vice-presidente como uma espécie de sucessor "in pectore" para o caso de a doença do presidente ser inabilitante a curto ou médio prazo. Em tese, portanto, é o homem mais apto para ter informações precisas sobre a saúde do "comandante".

Não tinha. Tanto que, quando Chávez "apareceu trabalhando", apareceu também para dizer que uma nova lesão surgira, "com altas probabilidades de que seja maligna, no mesmo lugar onde estava o tumor grande" [extirpado na primeira cirurgia].

Trata-se, então, da metástase anunciada há uma semana pelo colunista Merval Pereira em seu blog, com base em informações de médicos brasileiros que, como é óbvio, o jornalista não identificou? Pode ser, pode não ser. Uma informação precisa só surgiria se houvesse ampla transparência no tratamento do caso, como o fizeram, por exemplo, a então pré-candidata Dilma Rousseff e o já ex-presidente Lula.

Na Venezuela, no entanto, esse tipo de comportamento está proibido por um motivo simples: o tal socialismo do século 21 ou bolivarianismo ou como se queira chamar o modelo venezuelano não se institucionalizou, ao contrário do lulo-petismo no Brasil.

Chávez é a encarnação única de seu sistema, o que significa que este se enfraquece com o debilitamento do mandatário ou morre com ele, na pior das hipóteses. Caudilhismo tem esse defeito, entre tantos. Mas seria igualmente estúpido pretender ou curar ou matar o paciente a golpes de tuítes.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Por Serra, DEM aceita 'chapa pura' com tucanos

Julia Duailibi e Bruno Boghossian

Cúpula foi informada de que essa é uma das condições do ex-governador para concorrer

Líderes do PSDB favoráveis à candidatura do ex-governador José Serra à Prefeitura de São Paulo fizeram chegar a integrantes do DEM que a chapa puro-sangue é uma das condições para o tucano entrar na disputa eleitoral deste ano.

A cúpula do DEM queria a vaga de vice para apoiar o PSDB na eleição, num cenário em que o candidato não é o ex-governador. Mas, com Serra na disputa, a tendência é que o aliado também abra mão da indicação. Anteontem, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) disse que seu partido não pleiteará a candidatura de vice-prefeito, caso Serra concorra.

Serra, que analisa o cenário para decidir, teria predileção pela chapa com um vice do PSDB. Em 2006, quando disputou o governo de São Paulo, lançou como vice o tucano Alberto Goldman. A indicação lhe deu segurança para renunciar e disputar a Presidência da República em 2010.

A formação de uma chapa puro-sangue também daria condições para costurar um acordo com o vencedor da prévia do PSDB, marcada para o dia 4 de março. Apesar de três dos quatro pré-candidatos serem secretários estaduais - Andrea Matarazzo, Bruno Covas e José Aníbal -, a avaliação hoje no Palácio dos Bandeirantes é a de que a disputa interna está muito avançada e que implicaria um risco político ao governador Geraldo Alckmin desmarcá-la sem a garantia de que Serra vai mesmo disputar.

No domingo, Matarazzo esteve com Serra em Buenos Aires. Para os defensores da candidatura do ex-governador, se ele não se posicionar até antes da prévia, e a disputa se tornar inevitável, a saída será apostar as fichas em Matarazzo e, depois, costurar um acordo com ele para vice.

Nos últimos dias, Alckmin esteve com dois dos quatro pré-candidatos e afirmou que, se Serra decidir entrar na disputa antes da prévia, terá que convencê-los a abrir mão do processo.

Ontem, o governador voltou a dizer que a prévia está mantida e que os quatro pré-candidatos da legenda devem continuar em campanha. O tucano afirmou que Serra ainda não se decidiu, mas indicou que a definição deve ser feita depois da disputa.

"O Serra, se quiser ser candidato, será um grande candidato, como foi um bom prefeito, um bom governador e um bom ministro da Saúde", declarou. Ele ainda repetiu três vezes que "não há nenhum fato novo" sobre a disputa tucana e disse aguardar a decisão de Serra.

"Ser candidato é uma decisão primeiro de vontade, depois coletiva", afirmou Alckmin. "Se ele (Serra) resolver ser candidato, certamente vai transmitir ao partido, vai transmitir aos pré-candidatos, e nós vamos conversar. Você ter bons quadros é um bom problema", afirmou o governador, na tentativa de minimizar o mal-estar criado com os quatro postulantes ao cargo, que publicamente dizem que não pretendem desistir da disputa interna para abrir espaço para Serra.

O governador declarou também que as negociações para a formação de uma aliança entre o PSDB e o PSD de Kassab para a eleição estão abertas. "Eu sempre coloquei, desde o começo, que nós queremos estar juntos", declarou. A aproximação eleitoral do prefeito com o PT levou os tucanos a pressionarem Serra a entrar na disputa. /

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Sem decisão de Serra, Alckmin mantém prévias

Governador diz a pré-candidatos que, com indecisão do tucano, não impedirá a disputa interna

Daniela Lima e Daniel Roncaglia

SÃO PAULO - O governador Geraldo Alckmin disse aos pré-candidatos do PSDB que, enquanto José Serra não der sinal claro de que vai entrar na disputa pela Prefeitura de São Paulo, não fará nenhum movimento para impedir as prévias, marcadas para 4 de março.

Alckmin já conversou com José Aníbal, Ricardo Tripoli e Bruno Covas. O único pré-candidato que ainda não se reuniu com o governador é Andrea Matarazzo.

As reuniões ocorreram separadamente. Segundo relatos, o governador teria assegurado que, mantida a indefinição sobre a candidatura de Serra até as prévias, haverá a disputa interna.

Com esse discurso, ganha força a versão de que aliados do governador tentarão fazer com que Covas ou Matarazzo vença as prévias. Em tese, ambos abririam mão da candidatura em favor de Serra.

A atitude de Alckmin contraria a expectativa de alguns serristas, que esperavam atuação mais forte do governador contra a disputa interna.

Fogo amigo

O PSDB da cidade de São Paulo retirou na noite de ontem do site tucano Sua Metrópole vídeo em que Serra era chamado de "palhaço" por uma militante do partido.

"Está mais do que claro que maturidade nós temos. Quem não tem maturidade é José Serra. Ele está sendo palhaço, está brincando com a gente", disse Catarina Rossi.

Segundo Fábio Lepique, tesoureiro municipal do PSDB e um dos criadores da página das prévias, ela é pós-moderada e não permite ofensas.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Alckmin confirma prévia, mas admite mudança

Governador estimula os pré-candidatos, mas, sobre Serra, afirma que PSDB está pronto para analisar um "fato novo"

Silvia Amorim

SÃO PAULO - Faltando 11 dias para as prévias, e ainda sem resposta do ex-governador José Serra (PSDB) sobre sua decisão de ser ou não candidato a prefeito em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin confirmou ontem a realização da escolha entre os quatro pré-candidatos tucanos inscritos.

Alckmin disse que Andrea Matarazzo, Bruno Covas, José Aníbal e Ricardo Trípoli devem manter suas campanhas junto à militância.

E garantiu não ter recebido qualquer resposta do ex-governador. — Devem continuar (em campanha).

Está mantida a prévia para 4 de março — afirmou Alckmin, admitindo, porém, que o cenário poderá mudar,caso Serra anuncie sua decisão de se candidatar à prefeitura. — Não há fato novo.

Ser candidato é uma decisão, primeiro, de vontade. Depois, coletiva. Vamos aguardar. Tendo algum fato novo, o partido vai se reunir — completou.

Com a demora de Serra em tomar uma decisão, as prévias começam a se consolidar como o cenário mais provável.

As mesmas lideranças do PSDB paulista que, até antes do carnaval, se mostravam otimistas com a possibilidade de cancelamento das prévias e a aclamação de Serra disseram ontem que a probabilidade de isso se confirmar se reduz a cada dia.

Alguns admitiram não acreditar num posicionamento do ex-governador antes do fim de março.

Para ter tempo suficiente de pôr em curso uma operação de desmontagem das primárias, aliados do governador esperavam uma definição de Serra até o fim do carnaval. Dentro do partido continua grande a expectativa de que o tucano disputará a eleição. Se isso ocorrer, o trabalho será, primeiro, convencer o vencedor da prévia a abrir mão da vaga para o ex-governador. Segundo, convencer os militantes dos demais pré-candidatos a se engajarem na campanha eleitoral.

Aliados de Alckmin estão preocupados com o desgaste político que poderá sofrer o governador nesses dois processos. Ele tem sido considerado responsável pela construção da unidade em torno de Serra.

Alguns interlocutores do governador já defendem que esse processo seja um esforço conjunto com participação também do grupo do exgovernador.

Assim, o ônus de uma eventual derrota não recairia somente sobre Alckmin. Serra optou por passar o carnaval em Buenos Aires, na Argentina. No domingo, ele foi visto com um dos pré-candidatos do PSDB, Andrea Matarazzo, na capital portenha. Matarazzo e Bruno Covas são apontados como os menos resistentes a entregar o posto de candidato a Serra. Ambos negam que isso seja verdade.

Na semana passada, Matarazzo disse que a avaliação era "ofensiva". Bruno classificou a tese de "absurda". Na próxima segunda-feira o PSDB fará a última rodada de debates entre os quatro pré-candidatos e a militância.

FONTE: O GLOBO

Deputados do PSD devem eleição aos ex-partidos

Dos 47 parlamentares do novo partido que exercem mandato na Câmara, só um teve votação para se eleger por conta própria

Daniel Bramatti

Dos atuais 47 deputados federais do recém-criado PSD, 46 tiveram votos insuficientes para se eleger por conta própria. Eles só chegaram ao Congresso graças à votação de seus antigos partidos - que, além de ter as bancadas reduzidas, ainda correm o risco de perder pelo menos R$ 13 milhões por ano para a legenda capitaneada pelo prefeito Gilberto Kassab.

O fato de não ter uma bancada eleita com votos próprios fragiliza o argumento do PSD de que, como terceiro maior partido na Câmara, teria direito a fatias maiores dos recursos do Fundo Partidário e do horário de propaganda eleitoral.

Atualmente, a legenda de Kassab é tratada como "nanica" pela Justiça Eleitoral: recebe menos de 0,2% do Fundo Partidário. Isso porque 95% dos recursos públicos destinados ao financiamento dos partidos são divididos de acordo com o número de votos para a Câmara dos Deputados - e o PSD não participou da última eleição.

Pelo mesmo motivo, a bancada do partido não é contabilizada no rateio da propaganda eleitoral gratuita, proporcional ao número de deputados eleitos por cada legenda.

A situação pode mudar se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acolher uma ação que pede a redivisão do Fundo Partidário. Kassab e seus aliados alegam que os parlamentares, ao trocar de legenda, levam consigo os direitos relacionados à sua votação.

Um parecer da assessoria jurídica da presidência do TSE considerou que o pedido do PSD não é descabido. Mas nada garante que o parecer seja levado em conta pelos ministros que decidirão a questão, em data a ser definida.

O parecer da assessoria do TSE se baseia mais na Constituição do que na legislação específica sobre o assunto - que, se levada ao pé da letra, não deixa margem para a concessão de mais recursos para o PSD.

Para o advogado Eduardo Alckmin, que costuma defender o PSDB em processos no TSE, "é muito questionável" o direito de um parlamentar, ao trocar de partido, "carregar" com ele uma cota proporcional do Fundo Partidário, prejudicando sua antiga legenda. "Quem pode assegurar que os eleitores que contribuíram para a eleição daquele deputado estão de acordo com sua saída do partido?"

O especialista em legislação eleitoral destaca que, no passado, partidos obtinham e perdiam vantagens conforme suas bancadas cresciam ou se reduziam. "Esse era um dos motivos da farra da infidelidade partidária", afirma Alckmin.

Segundo cálculos feitos pelo Estado, com base em dados da Justiça Eleitoral, o maior prejudicado por uma eventual decisão do TSE a favor do PSD, em termos absolutos, seria o DEM, que perderia quase R$ 4,8 milhões por ano para o partido de Kassab (veja quadro). Seria uma redução de 23% na cota do DEM no Fundo Partidário. Em termos proporcionais, o PMN perderia ainda mais: quase 27%.

Quociente. A bancada do PSD não se elegeu por conta própria por não ter "puxadores de votos", ou seja, parlamentares que, graças a votação expressiva, acabam "emprestando" votos excedentes para eleger correligionários.

Dos 47 deputados do PSD que exercem mandato atualmente, apenas Rubens Moreira Mendes, de Rondônia, teve votação que superou o chamado quociente eleitoral - número de votos necessários para a conquista de uma vaga na Câmara. Os demais 46 pegaram "carona" na votação dos partidos aos quais estavam filiados.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Marina: movimento já sofre divergências

Juliane Menezes

RECIFE - O Movimento Nova Política, iniciado por Marina Silva logo após a sua campanha presidencial (2010), ainda nem foi lançado oficialmente em Pernambuco e já está passando por divergências internas. De acordo com fontes ligadas ao movimento, o Nova Política ainda não foi formalizado no Estado – evento que estava previsto inicialmente para o dia 7 de fevereiro – justamente devido a dissidências entre os partidários de Edilson Silva (PSOL) e de Sérgio Xavier (PV).

Edilson teria exigido que os membros do movimento fossem todos de oposição ao governo. Essa declaração atinge diretamente o principal parceiro de Marina Silva em Pernambuco, Sérgio Xavier, visto que ele é secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Governo do Estado. Edilson considera que a política do governador Eduardo Campos (PSB), que ele julga ser pautada por um “familismo” e por “displicência” com o meio ambiente (por conta do desmatamento em Suape e o projeto da construção de uma usina termelétrica no Estado,) não é compatível com os princípios do Nova Política, que defende a transparência e a sustentabilidade. Para ele, é “incoerente” que Sérgio Xavier seja ao mesmo tempo membro do Nova Política e do governo Eduardo, e disse achar “razoável” que o secretário saia do governo.

Fontes da direção do movimento afirmaram ao JC, no entanto, desconhecer tal posicionamento de Edilson e afirmam que ele não levantou essa questão durante as reuniões nacionais. Além disso, defenderam que o Nova Política não se trata de governo ou oposição, por ser aberto a qualquer pessoa, independentemente de estar vinculado a partidos políticos. Também julgam que Edilson “não conhece profundamente as questões do movimento” por não ter participado de sua fundação.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

CNBB cobra mais atenção à saúde

Na presença do ministro Alexandre Padilha, secretário-geral da entidade se disse apreensivo por corte orçamentário na pasta

BRASÍLIA - Ao lançar o tema da campanha da fraternidade deste ano, o financiamento público da saúde, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) expôs uma visão crítica do governo. Diante do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o secretário-geral da entidade, dom Leonardo Steiner, se disse preocupado com o tema.

As apreensões da CNBB ganharam intensidade depois do anúncio, por parte do Planalto, de que a saúde sofrerá um corte orçamentário de R$ 5,4 bilhões este ano.

– Não é exagero dizer que a saúde pública no país não vai bem – afirmou dom Leonardo.

Para o clérigo, apesar de ter sido aprovada no Congresso, a Emenda 29 – que realinha os percentuais a serem investidos em saúde por Estados, municípios e União – trouxe resultados "frustrantes", uma vez que o Planalto vetou a ampliação dos gastos federais no bolo dos investimentos no setor. Para evitar quaisquer constrangimentos, dom Leonardo demonstrou satisfação por receber o ministro. Ele arriscou dizer que Padilha deve concordar com a visão dos bispos em muitos pontos.

– O senhor ministro, que aqui está, deve também concordar comigo, porque nós já conversamos sobre essa necessidade (de investir mais em saúde), e é uma das grandes preocupações do senhor ministro – afirmou o religioso.

Ministro alega que cortes ficarão restritos a emendas

Padilha tratou de acalmar os bispos. Ele assegurou que a tesourada de R$ 5,4 bilhões não vai atingir nenhum dos programas do ministério. Disse ainda que o foco dos contingenciamentos vai recair sobre as emendas parlamentares.

O ministro agradeceu a escolha do tema de saúde para a campanha deste ano da CNBB e disse que será positivo que a sociedade discuta o "SUS real", que abraça também "a baixa qualidade de atendimento, às vezes da falta de compromisso, às vezes da omissão de atendimento".

Clérigos, o governo e a saúde

As relações entre a CNBB e o governo vão além da convergência de posições quanto à saúde. No governo Lula, houve momentos de fricção: o principal em 2010, após o governo lançar seu Plano Nacional de Direitos Humanos – cujo texto defendia avanços relativos ao aborto –, uma carta dos bispos chamou Lula de "Herodes", o personagem bíblico que teria ordenado a morte de crianças. Com Dilma, o tema aborto já voltou a tensionar as relações, a partir das posições da secretária de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci.

FONTE: ZERO HORA (RS)

Caserna reage a fala de ministra

Maria do Rosário insiste em punir responsáveis por crimes durante a ditadura e oficiais reclamam de revanchismo

Júnia Gama

Representantes das Forças Armadas reagiram às declarações da ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, de que a Comissão da Verdade poderá dar origem a um processo de condenações semelhante ao de outros países na América Latina. Em entrevista ao Correio, a ministra alterou o discurso suave em relação aos efeitos da comissão e defendeu a possibilidade de punição àqueles que tenham cometido crimes durante a ditadura militar.

Militares criticaram o que chamaram de "postura revanchista" de Maria do Rosário e afirmaram que, dificilmente, o prognóstico da ministra será cumprido devido a empecilhos jurídicos. Generais da ativa ouvidos pelo Correio acreditam que a confirmação da Lei de Anistia, pela Justiça, é uma barreira jurídica intransponível a processos que objetivem punir crimes cometidos no período. "O Brasil não é revanchista", afirmou um general. Mesmo assim, eles consideraram a declaração "preocupante".

Se os oficiais da ativa preferiram contemporizar, os da reserva reagiram duramente às palavras de Maria do Rosário. O general Luiz Eduardo Rocha Paiva externou a apreensão da classe com as declarações: "O poder modifica o direito e a verdade. É aí que os revanchistas estão investindo". O general defende que a Comissão da Verdade deveria investigar também crimes cometidos por guerrilheiros. "A investigação unilateral pela comissão vai satanizar os agentes do Estado, tenham ou não violado direitos humanos, e endeusar os assassinos, terroristas e sequestradores", aponta.

Na semana passada, a Presidência do Clube Militar, que reúne os oficiais da reserva, enviou um manifesto aos membros da entidade. O texto, assinado pelos presidentes dos clubes Naval, Militar e da Aeronáutica, cita a reportagem do Correio, a nomeação de Eleonora Menicucci para a Secretaria de Políticas para as Mulheres e uma das resoluções políticas do PT em seu aniversário de 32 anos, sobre o empenho no resgate da memória da luta pela democracia durante o período da ditadura militar.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Avessa a contatos políticos, Dilma fez só 11 reuniões com aliados até agora

Simone Iglesias e Maria Clara Cabral

BRASÍLIA - Em um ano e dois meses de mandato, a presidente Dilma Rousseff ganhou fama de ser uma governante avessa aos contatos políticos tradicionais de Brasília. Sua agenda oficial corrobora a tese.

Até agora, ela realizou apenas 11 encontros políticos registrados em agenda. Segundo registros oficiais, só 2 dos 594 congressistas foram recebidos individualmente, o deputado João Paulo e o senador Humberto Costa, do PT pernambucano.

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, também teve privilégio na agenda -quatro reuniões.

Os outros encontros ocorreram com bancadas e, na maioria, pautados pela crise que deu início a trocas de ministros por suspeitas de corrupção, a partir de maio. Foram três reuniões com líderes da base no Congresso e cinco com as bancadas de PT, PMDB, PTB, PR e PV.

Estão fora do cômputo as reuniões de coordenação no Planalto e as do Conselho Político, que incluem líderes dos partidos aliados e ministros.

Já o ex-presidente Lula, em seus primeiros 14 meses de governo, realizou 27 encontros políticos oficiais.

O tratamento distante dispensado por Dilma incomoda grande parte dos partidos aliados, que hoje somam 16.

Na opinião do dirigente de um desses partidos, a falta de tato político dela pode resultar, numa eventual crise, no abandono das legendas ao governo exatamente por não ter feito "um colchão" para protegê-la.

As reclamações já chegaram ao ouvido da presidente. Na última reunião do Conselho Político, dia 14, Dilma prometeu se reunir a partir de março com as bancadas, em grupos de deputados e senadores menores para poder fazer uma aproximação.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Falta de competitividade:: Celso Ming

Anos e anos de trocas mútuas de favor entre governo e setor produtivo esconderam dos brasileiros a dura verdade de que a indústria brasileira não é competitiva.

No passado, sempre que foi preciso dar um empurrão, o governo tratou de prover "mais câmbio" (aumentava as cotações do dólar ou de desvalorizar o real), para que o produto nacional ficasse mais barato em dólares. E, ao longo dos anos, inúmeros casos de perda de força foram tratados com medidas protecionistas convenientemente rotuladas de "política industrial". E isso foi tudo ou quase tudo.

A queda acentuada na participação da indústria no PIB (de 30%, em 1980; para perto de 17%, em 2011); a derrubada das exportações de manufaturados (de 57%, em 1998; para 36%, em 2011); mais do que isso, a redução de volume (quantum) de manufaturados exportados e a perda de espaço nesse quesito em âmbito mundial; e a forte entrada de produtos industrializados demonstram sobejamente que a indústria brasileira não é competitiva.

O governo brasileiro ainda reage ao que entende como processo de desindustrialização com medidas cosméticas. Dá certa isenção tributária a alguns setores (como está fazendo agora com a linha branca); reforça o protecionismo na indústria de veículos, no setor têxtil e nos brinquedos; providencia certa reserva de mercado, como também acontece com o setor de veículos; engana com tentativas de acirramento da defesa comercial; e, naturalmente, tenta provocar desvalorização cambial, nem sempre com sucesso.

Medidas protecionistas e mobilizações de defesa comercial, mesmo quando competentemente conduzidas, podem, no máximo, elevar em alguma coisa as vendas internas, mas não revertem a situação perdedora no mercado externo.

Ainda se veem reações irrealistas no governo e em dirigentes da indústria. São segmentos que ainda adotam o diagnóstico equivocado de que a "má fase" ou, mesmo, a "perda de competitividade" se deve unicamente à forte valorização do real, que encarece também excessivamente o produto brasileiro em dólares. Essa gente ainda insiste em remédios que atacam os sintomas, não as causas do problema.

Primeiramente, é preciso reconhecer com todas as letras que, com raras exceções, a indústria brasileira não tem competitividade. Ou, nos termos do Ipea, "enfrenta sérios problemas sistêmicos de competitividade". Insistir em jogar a culpa no jogo desleal dos chineses, na guerra cambial provocada pelos países ricos ou nas políticas protecionistas de algumas dezenas de países é tapar o sol com a peneira e ignorar a natureza dessa encrenca.

O problema tampouco se encontra na má qualidade do gerenciamento nem no câmbio insuficiente – embora sejam fatores que também concorrem para isso em alguma proporção. As razões da baixa competitividade da indústria se concentram no altíssimo custo Brasil. E isso – nunca é demais repetir – tem a ver com impostos demais; juros extorsivos; infraestrutura cara e ruim; altíssima tarifa de energia elétrica (a quarta mais alta do mundo); custo de mão de obra elevado demais em consequência do excesso de encargos; Justiça lenta e ineficiente; excesso de burocracia...

Uma das instituições que lideram a Indústria e que vem dando o nome certo à doença e defendendo a terapia adequada é a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Infelizmente, essa recomendação (necessidade de atacar corajosamente o custo Brasil) parece ter sido prejudicada depois que se soube que dirigentes da CNI pagaram consultorias esquisitas ao atual ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.

Durante mais algum tempo, o governo Dilma vai tentar cuidar do problema com remédios caseiros de sempre, especialmente com distribuição de um chamego aqui, um "cala-boca" ali e novas exigências de conteúdo local acolá. Difícil saber até quando será possível prosseguir com esse jogo.

Como na história infantil, a ração vai diminuindo e, em vez de se acostumar com redução da comida, o burro vai morrendo de fome.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Brasil realmente caro:: Vinícius Torres Freire

Moeda volta a ficar perto do nível de valorização dos tempos do Plano Real, ruim para a indústria

O real está a um passo de pisar de novo naquela faixa de preços dos tempos do Plano Real, entre 1994 e 1998, quando esteve hipervalorizado. A depender do jeito de fazer a conta, já pisou na linha vermelha.

Trata-se aqui da taxa de câmbio efetiva real. Grosso modo, é o cálculo do preço do real em relação a uma média das moedas de países com os quais o Brasil comercia, conta que considera ainda a inflação.

Em suma, os produtos brasileiros ficam cada vez mais caros dada a combinação de valorização nominal do real (do preço da nossa moeda em termos de dólar, euro etc.) e do aumento de preços em reais, superior ao de muitos de nossos parceiros comerciais.

E daí? Daí que 2011 já foi ruim para a indústria, que não cresceu.

O câmbio desfavorável facilitou importações, dificultou exportações ou limitou o aumento de preços (e de lucros) da indústria -se as fábricas daqui cobrarem mais, poderão perder mercado para importações.

Não bastasse o câmbio, muito importado está barato porque sobra produção no mercado mundial.

Enfim, o aperto no crédito aqui no Brasil reduziu a venda de bens mais caros, como carros.

Em 2012, o câmbio estará ruim. A economia mundial deve crescer menos. O crédito é uma incógnita, embora as famílias não pareçam ter muito mais folga para se endividar, mesmo com juros menores.

Quão ruim estará o câmbio para a indústria (nem toda ela, pois setores se beneficiam de máquinas, insumos e componentes importados baratos)?

Os economistas ligados à finança ("analistas") têm dado o chute informado de que o dólar valerá R$ 1,75 no fim do ano. Daqui em diante, a tendência seria de desvalorização do real. Por quê?

Nossas exportações não vão subir tanto de preço, o saldo comercial vai diminuir, o fluxo de dólares também, o investimento direto seria menor, dada a perspectiva de crescimento do Brasil, de parcos 3%. Além do mais, os juros estão em queda. Tudo isso seguraria a valorização do real.

A ver. Mas dólar a R$ 1,75 não é ainda um refresco para quem produz no país. As reduções de impostos para setores da indústria podem melhorar a rentabilidade ou permitir que as empresas segurem sua fatia de mercado. Mas, como se diz em tribunal de filme americano, isso também é "especulativo, protesto".

Por falar em especulação e chutes informados, os economistas mais certeiros da praça vêm reduzindo suas estimativas de crescimento para a indústria desde meados de janeiro -preveem agora uns 2%, 2,5%. Na comparação com 2011, é um progresso. Em si mesmo, é um ritmo bem medíocre.

Sim, o ano mal começou. "Oficialmente", teria começado ontem, Quarta de Cinzas. O empresariado em geral parece esperar o fim do trimestre antes de tocar o barco com mais força. Há a perspectiva de o governo investir mais neste ano, de a Petrobras pôr em prática os planos atrasados etc. O tempo na economia brasileira muda por vezes quase tão rápido quanto o de São Paulo.

Por fim, vale notar que, apesar de todas as maleitas da indústria, o pessoal do setor está admiravelmente silencioso, reclamando pouco -em público, ao menos. Ou ficaram roucos? Ou a coisa não está tão ruim?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Raio X na carga:: Míriam Leitão

O presidente Barack Obama tem pela frente dez meses ou quatro anos e dez meses de governo. Tem chances de ter novo mandato se continuar ajudado pela oposição republicana. Ontem, ele propôs uma reforma tributária para reduzir de 35% para 28% o imposto pago pelas empresas. Argumenta que é uma das maiores taxas do mundo e que isso tira a competitividade americana. Nisso os dois partidos concordam.

Há pouca chance de aprovar qualquer coisa em ano eleitoral e sem maioria no Câmara dos Representantes. A reforma é uma proposta para ser usada na campanha. O interessante é que apresentar proposta de reforma tributária - com a lista explícita de ganhadores e perdedores - seja parte da estratégia de marketing do partido. Aqui no Brasil, nas campanhas eleitorais, os candidatos prometem reforma tributária de forma vaga, nas ideias que divulgam todos ganham; quando assumem, esquecem a promessa e elevam a carga tributária.

Nos Estados Unidos, o presidente Obama está perseguindo há algum tempo o objetivo de tapar os buracos deixados na legislação tributária pelas isenções ou reduções de impostos feitas pelo governo de George Bush. Até agora, foi derrotado. Ontem, apresentou de novo a mesma ideia. Um dos grandes perdedores dessa proposta é a indústria de petróleo, que teve redução de impostos dada pelo texano Bush e ainda continua com essa inexplicável vantagem tributária.

Num mundo que combate as mudanças climáticas causadas em grande parte pelas emissões dos gases de efeito estufa, é espantoso que o maior consumidor incentive o consumo de combustível fóssil. O problema é que a alta no preço da gasolina é um fator determinante para a queda da confiança do consumidor. No ano passado isso foi testado. A gasolina subiu na bomba, a confiança caiu. Num momento como esse, a retirada de incentivos fiscais da indústria do petróleo pode elevar ainda mais o preço, reduzindo renda disponível das famílias. Mas, seja qual for a consequência econômica, isso é o certo a fazer. Em nome do meio ambiente, da lógica econômica, da justiça tributária.

Na abertura dos trabalhos legislativos o presidente Obama disse que há 100 anos a indústria de petróleo é incentivada. Para ser coerente, a proposta apresentada ontem de mudança tributária feita pelo governo Obama elimina esses incentivos. O Partido Republicano conseguiu recentemente derrubar essa proposta.

Analistas sem vinculação a qualquer dos dois partidos que dividem a cena política americana disseram ao jornal "The New York Times" que a carga tributária efetiva das firmas americanas é apenas ligeiramente acima dos seus competidores de países desenvolvidos. Descontando-se as isenções, reduções e incentivos, o imposto é bem menor do que parece. Recentemente, lembra o "NYT", ficou demonstrado que empresas como Google, Boeing e General Electric pagam pouco imposto.

Análises concluíram, segundo o jornal americano, que 115 das 500 empresas listadas no índice S&P pagaram num período de cinco anos menos do que 20% de impostos. Em 2008, um estudo do Government Accountability Office, a Controladoria Geral da União dos americanos, mostrou que 55% das companhias americanas não pagaram impostos durante um ano, pelo menos, no período estudado de sete anos.

A proposta de reforma tributária de Obama quer usar os tributos para os incentivos na direção mais racional, como a energia limpa. O que enfraquece o argumento é quando ele inclui o "carvão limpo" nesta lista dos que podem ser beneficiados. O chamado "carvão limpo" depende de uma tecnologia (CCS) altamente controversa.

No discurso do início do ano legislativo, Obama fez referência a incentivos para que empresas repatriem empregos. Na proposta, as multinacionais americanas podem ter que pagar impostos sobre seus lucros no exterior. Isso bate de frente com acordos para evitar a bitributação.

Como sempre, o diabo está nos detalhes, mas no movimento feito ontem pelo governo americano há coisas sobre as quais refletir na economia brasileira. Primeiro, reforma tributária prometida na campanha deve ser apresentada em algum momento. Lá, parece que eles seguem a ideia de antes tarde do que nunca; no Brasil, é antes nunca do que em algum momento. Segundo, quando se fala que a carga tributária das empresas é alta deve-se descontar os incentivos, isenções e outras transferências do governo para saber que empresas e setores estão realmente pagando muito imposto. No Brasil, uma boa pesquisa sobre isso pode revelar fatos surpreendentes. Terceiro, incentivo deve ser dado para direcionar a economia para um modelo sustentável. No Brasil, há casos espantosos de incentivo na direção inversa, como o concedido, anos atrás, para a importação de carvão da Colômbia para termelétricas do grupo X. Falei aqui recentemente do estranho fato de que a gasolina paga menos imposto do que o etanol.

É uma pena que mesmo sendo economista a presidente Dilma não tenha apetite para tocar uma boa reforma tributária que o país reclama e ela prometeu na campanha. Os EUA, que são primeira potência, acham que é preciso olhar detalhadamente os impostos para ver quem tem sido incentivado, e como aumentar a competitividade das firmas americanas.

FONTE: O GLOBO

Aos 80 anos de um mestre :: Eugênio Bucci

"Dizer que jornal é trabalho de equipe é dizer muito pouco. Jornal bem-sucedido é trabalho de uma orquestra de personalidades e ideias diferentes ou mesmo antagônicas, porém complementares, harmonizadas e equilibradas por normas ou metas comuns"  (Alberto Dines, em 'O Papel do Jornal')

Na profissão de jornalista, em que os princípios pessoais parecem não resistir aos dez primeiros anos de carreira, o nome de Alberto Dines reluz como um patrimônio inspirador. No dia 19 de fevereiro, domingo passado, ele completou 80 anos de idade. Também neste ano de 2012 ele comemora seis décadas de profissão: uma trajetória brilhante, acidentada, por certo, e modelar. Olhando para ele, hoje, a gente compreende o que significa ser jornalista - e gosta do que compreende.

Como todos nós, Dines cometeu erros. Ele mesmo reconhece. Durante o almoço, volta os olhos para cima, a cabeça indo de um lado para outro, num balanço leve, e conta dos tropeços, das vezes em que deu vazão à aresta mais cruel das palavras com o propósito de ferir, mais do que de informar. Acontece. Deixemos isso de lado. No legado que de fato importa, sua biografia é fonte de ensinamento: uma lição de trabalho intenso e extenso, com produção incessante, diária, e uma obra que vai da crítica cinematográfica a livros de pesquisa histórica, passando pela reportagem cotidiana, pela crítica de imprensa e pelos artigos de opinião. Dines é a prova de que a experiência não concorre necessariamente para diluir os princípios e de que o caráter não esmorece. No caso do jornalista, o caráter alimenta-se da independência intelectual e material, assim como se alicerça no cultivo da liberdade e do espírito crítico - portanto, ganha vigor com o passar do tempo.

Assim como os escritores realmente grandes são aqueles que ensinam a seus pares a arte da narrativa, o jornalista maior tem a capacidade de despertar vocações nos mais jovens. Dines também desperta vocações. Embora seja difícil afirmar que esta ou aquela vocação tenha nascido por influência deste ou daquele profissional, há pelo menos uma, nem que seja uma só, que deve ser creditada a ele. A coluna Jornal dos jornais, que Dines assinou na Folha de S.Paulo entre 1975 e 1977, motivou um adolescente, então estudante numa cidade da região da Alta Mogiana, no interior paulista, a firmar a decisão de trabalhar na imprensa e, pelo menos até o instante em que assinou este artigo - este aqui, que você lê agora -, aquele adolescente dos anos 70 não se tinha arrependido da escolha que fez.

Na velha coluna de Alberto Dines, que ajudou a firmar a crítica de mídia no Brasil, o adolescente da Alta Mogiana começou a se dar conta de que escrever na imprensa também era uma forma de pensar sobre a imprensa, e ele começou a achar aquele negócio interessante.

As mais belas reportagens renovam o lugar do discurso jornalístico dentro da cultura. É verdade que podemos dizer algo parecido sobre quase tudo, sobre a poesia, a arquitetura, o cinema e também sobre a medicina e até mesmo a engenharia: o engenho humano, onde quer que ele se manifeste, na arte ou na ciência, na técnica, na política ou na religião, tende a redefinir a si mesmo - o que, no fim das contas, é uma constatação um tanto óbvia, quase banal. Não teria por que ser diferente com o jornalismo - e, no entanto, é diferente. Sutilmente, mas é.

Na nossa profissão, que navega nas franjas do que é notícia, daquilo que é verdade hoje, mas não era verdade até ontem, os imperativos da velocidade, da aceleração e da mudança pesam muito mais. Mais que outras atividades, o jornalismo depende de saber se redefinir a cada dia. Ao registrar a História no calor da hora, a sangue-frio, o jornalista é agente da História, um catalisador do fato histórico em alta velocidade, o que faz dele um profissional das ideologias, mesmo quando guarda em si a convicção ideológica de que nada tem de ideológico. Se ele não desenvolve consciência sobre o que faz, corre o risco nada desprezível de estar a serviço de ideologias que não vê enquanto empina o nariz imaginando desconstruir as que vê. Se não acumula reflexão, dificilmente fará algo de útil ou de valioso.

Comparemos o jornalista com o cirurgião. Este, o cirurgião, pode muito bem se revelar um gênio do bisturi sem nunca ter dedicado um segundo sequer ao exame intelectual das relações entre seus atos e o sentido geral da civilização, ou sobre o emaranhado de sentidos que tece a fronteira instável entre saúde e doença. Para o jornalista, o mesmo grau de alienação constituiria falta grave. Se obstinadamente técnico, perde de vista o que há de controverso na cena humana, da qual lhe cabe fazer a crônica.

A imprensa ocupa-se mais das incertezas que das certezas. Sem método, sem critérios e sem pensamento (epistemológico) ela se perderia. A sua dupla condição - ter de fazer e ter de refletir - não é dúplice nem ambígua, mas íntegra. Aí se inscreve o significado mais fecundo da longa trajetória de Alberto Dines. Como professor universitário - que não tem diploma de nenhuma faculdade -, ele ajudou a lançar no Brasil, quando começou a dar aulas na PUC-Rio, ainda nos anos 60, as bases da disciplina Jornalismo Comparado. Como jornalista, no comando do Jornal do Brasil, ou na direção de revistas da Editora Abril em Portugal, ou ainda como fundador do Observatório da Imprensa, um marco pioneiro do jornalismo online no Brasil, criado há 15 anos, ensinou a credibilidade da imprensa laica, apartidária e plural.

Onde o mundo é uma gritaria, uma babel caótica, o grande editor identifica a orquestra passível de afinação. Também por isso a imprensa encarna com tanta intensidade o sonho democrático. Movido por esse sonho, o jornalista faz, pensa e depura o caráter. Não pode haver profissão melhor.

*Jornalista, é professor, da ECA-USP e da ESPM

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Liberdade de imprensa:: Graziela Melo

Já há algum tempo venho me inquietando com o destino da liberdade de imprensa em nosso país e na América Latina. Não sem razão. O PT, todos sabem, detesta a imprensa e vive “bolando” condições para impor censura, tipo “controle social da mídia” etc.

Agora o Correia, presidente do Equador, acaba de dar uma violenta chibatada na imprensa de seu país ao condenar os proprietários e um editorialista do jornal Universo, que tem mais de oitenta anos, a pena de três anos de prisão mais o pagamento de 40 milhões a ele próprio, Rafael Correia, pela publicação de matéria opinativa. Está no Estadão de ontem, quarta-feira de cinzas. Que é de cinzas, mesmo ´!!!.

A sentença foi imposta pela Corte Nacional de Justiça do Equador, que é controlada e manipulada pelo próprio Correia.

Bem, é o chavismo bolivariano que se alastra pelo continente

Brasil acanhado frente à Rio+20:: José Eli da Veiga

Muito se contradisse o negociador-chefe do Brasil para a Rio+20, embaixador André Corrêa do Lago, ao responder às excelentes perguntas da repórter especial do Valor Daniela Chiaretti (16/2, p. A13). Ele ressaltou que há 20 anos ninguém podia imaginar que a Convenção do Clima se tornaria a principal negociação econômica no mundo. Mesmo assim, rechaçou a hipótese de que a cúpula de junho tenha ênfase ambiental. Pior: serviu-se da conhecida parábola dos "três pilares" contra o terceiro princípio da Declaração do Rio: o de equidade entre necessidades desenvolvimentistas e ambientais.

Se ele mesmo diz que um tema eminentemente ambiental, como é a questão climática, acabou por gerar a principal negociação econômica do mundo, não deveria ao menos enxergar vasos comunicantes entre supostos "três pilares"?

Quando John Elkington lançou essa metáfora para sensibilizar executivos de multinacionais, ele se referia a lucro, gente e planeta, termos que em sua língua começam pela letra "p": "profit", "people" e "planet" (ver resenha do clássico de Elkington no Valor de 27/09/2011, p. D10). Não tinha como imaginar que, quinze anos depois, seu insight seria usado para se vender a ladainha de que as sociedades se apoiariam em três pilares distanciados e paralelos.

Muito antes da emergência do ideal da sustentabilidade, já se mostrava impossível separar o econômico do social e vice-versa. Além disso, quando se evoca o processo de desenvolvimento, não é possível ignorar a importância crucial de ao menos três outras esferas: política, cultural e psicológica. Boa pedagogia faz com que sejam evitadas em treinamentos empresariais, já que seu objeto não é o conjunto da sociedade. E se o truque for rebater tal crítica com a chicana de que todas as outras esferas seriam partes da dimensão social, então fica muito mais grave o problema da conexão que a economia mantém com a biosfera (ambiente), ambas reagindo a uma incomensurável imensidão que seria o "social". Enfim, por ser todo o alicerce do desenvolvimento humano, o ambiente não pode ser retoricamente rebaixado a mero fator de um trinômio.

Mesmo supondo-se que as dimensões do desenvolvimento sustentável pudessem ser reduzidas aos três pilares dos negócios, eles não seriam assimiláveis a pilotis de um prédio. Nesse reducionismo, a metáfora precisaria realçar o caráter poroso das intersecções. Afinal, os supostos "pilares" da sociedade são atravessados por fluxos que permanentemente se misturam. Uma osmose que torna a integração dos vetores de desenvolvimento o nó górdio do processo.

Ora, é exatamente essa integração que deveria demover o Brasil de assumir na preparação da Rio+20 o positivismo dos "três pilares". Essencialmente porque é o combate às desigualdades - tanto entre as nações (eufemisticamente chamadas de "assimetrias"), quanto nacionais (principalmente, mas não apenas de renda) - que dá a liga do desenvolvimento sustentável, seja quantos forem seus imaginários "pilares". Como as mais cruciais desigualdades são reproduzidas antes de tudo por razões ideológicas, o Brasil não deveria enfiar essa viola no saco.

Mas há outra revelação igualmente chocante na entrevista de nosso "sherpa": explícita afinidade com comportamento dos EUA, em contraposição ao da Europa, alvo de sistemática e repetida desqualificação.

Não é razoável que, quatro meses antes da abertura de tão relevante conferência, o governo anfitrião se mostre alinhado a algum dos polos, por mais direito que tenha em discordar de outros. Ainda mais deplorável, neste caso, é se aceitar que o tema da "governança internacional do desenvolvimento sustentável" se restrinja ao conflito norte-transatlântico sobre a eventual criação de mais uma agência especializada da ONU (a 16ª!) e de uma reforma de seu Conselho Econômico Social (Ecosoc).

Falando sério: poderá haver governança do desenvolvimento sustentável se ela não for assumida pelo G-20 (que inclui o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial)? Sem isso, será que ela poderia chegar à OMC e a poderosas instâncias do sistema das Nações Unidas que não respondem ao Ecosoc? Ou será que o desenvolvimento sustentável seria capaz de adquirir governança global sem engajamento da Corte Internacional de Justiça e, sobretudo, dos órgãos subsidiários do Conselho de Segurança?

Com certeza no final de junho sairá do Rio algum tipo de "upgrade" da sustentabilidade na hierarquia da ONU. Mas isso será, na melhor das hipóteses, um modestíssimo avanço na direção de sua efetiva governança global. Em tais circunstâncias, seria bem melhor se o Brasil aproveitasse a incomparável oportunidade histórica de ser o anfitrião de uma cúpula voltada a "repensar o desenvolvimento do mundo" (sic), para reerguer a bandeira branca da igualdade, em vez de se deixar levar a reboque em disputas sobre Ecosoc e programa ambiental (Pnuma). Mais: se mantivesse a altivez de não aderir ao polo que mais tem resistido à bandeira da sustentabilidade, nem rejeitar justamente o polo que mais se mostra disposto a levá-la a sério.

José Eli da Veiga é professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ). 

FONTE: VALOR ECONÔMICO

De volta o trem-fantasma

A gestão petista não desiste: está pronta mais uma proposta para ressuscitar a licitação do trem-bala. Uma montanha de recursos públicos e garantias de toda n fazem parte das novas regras sugeridas pelo governo para pôr o bilionário negócio de pé. Nesta viagem de trem-fantasma, o risco será todo do contribuinte.

Segundo o Valor Econômico, o novo edital já foi finalizado e espera agora aval de Dilma Rousseff. A licitação deve ocorrer em novembro. Será a quarta vez que o governo tentará colocar a obra em marcha. Nas anteriores, o interesse privado foi pouco. Agora, para viabilizar o empreendimento, o governo petista está matando os riscos no peito.

"Para viabilizar definitivamente o trem-bala, projeto que Dilma considera prioridade absoluta do governo, a União decidiu bancar - pelo menos parcialmente - os principais riscos associados à demanda, construção e operação", informa o jornal, na manchete de sua edição de hoje.

A União ficará com o risco cambial, o risco de construção e o risco de demanda. No primeiro caso, o BNDES concederá financiamento de até R$ 22 bilhões, em moeda nacional, que poderá ser, inclusive, usado para compra de equipamentos importados. Com isso, o tomador do empréstimo não se sujeitará a possíveis variações do dólar.

Embora seja uma obra privada, a participação do governo federal no trem-bala será acelerada. Caberá à estatal Etav, já criada com aporte de R$ 3,4 bilhões por parte da União, também contratar o projeto executivo do empreendimento. Com ele, espera-se ter uma base mais sólida para os custos, que hoje vão de R$ 34 bilhões a cerca de R$ 60 bilhões.

Mas, mesmo depois de a obra pronta, o investidor privado que se dispuser a ingressar no trem-bala ainda contará com o conforto do anteparo público. Vencerá a disputa quem pagar a maior outorga pela concessão, e não mais quem cobrar a menor tarifa do usuário. Entretanto, o valor a ser desembolsado corresponderá ao número de passageiros efetivamente transportados no sistema ao longo do contrato.

"Se a demanda ficar abaixo dos 46 milhões de passageiros estimados para 2024, ou dos 69 milhões que se espera em 2034, por exemplo, a concessionária pagará ao governo apenas pelo volume realmente verificado", explica o Valor. É uma forma de minimizar as incertezas em torno da demanda futura, "evitando que operadoras estrangeiras deixem de participar do leilão por receio de um volume de passageiros aquém do projetado nos estudos".

As regras fixadas pelo governo para o leilão do trem-bala são rocambolescas. A concorrência será feita em duas etapas: na primeira, serão escolhidos o operador e a tecnologia do trem; na segunda, o grupo responsável pelas obras civis. Os construtores arrendarão a estrutura para os operadores. Deu para entender? Claro que não: o objetivo é que ninguém entenda mesmo.

Se o trem de alta velocidade (TAV) fosse mesmo viável por si só, não seria necessário tanto contorcionismo e tamanha participação estatal. No início, a justificativa oficial era que o país necessitava de um meio de transporte desta natureza para fazer frente à movimentação de turistas na Copa e nas Olimpíadas. Pelo cronograma atual, a obra só ficará pronta em 2019, quando os dois eventos esportivos serão mera lembrança.

Quando a ideia do trem-bala foi lançada, a obra estava orçada em R$ 19 bilhões. Na melhor das hipóteses, já dobrará de preço; na pior, triplicará. O Ipea mostrou, em 2010, que esta montanha de dinheiro poderia ser muito melhor empregada: daria para expandir em um terço a malha ferroviária brasileira ou para construir 300 km de metrôs, beneficiando 15 milhões de pessoas por dia - ou praticamente o que o TAV deve transportar, num ano..
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Nada indica, porém, que o governo petista - seja antes com Lula, seja agora com Dilma Rousseff - esteja buscando formas mais eficientes de investir o dinheiro arrecadado do contribuinte. Pelo contrário. A cada nova proposta, mais recurso público é despejado no projeto e mais riscos são assumidos pelo contribuinte. Parece que o que interessa mesmo é ter nas mãos um contrato bilionário, atalho ideal para engordar cofres partidários.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela