terça-feira, 10 de abril de 2012

OPINIÃO DO DIA – Antonio Labriola: verdadeiro, falso, justo e injusto.

Na verdade, a História não se apóia sobre a diferença entre verdadeiro e falso, ou justo e injusto, menos ainda sobre a mais abstrata antítese entre possível e real – como se as coisas permanecessem de um lado e tivessem do outro lado as próprias sombras e fantasmas, nas idéias. Ela está sempre toda de um lado e se apóia inteira sobre o processo de formação e transformação da sociedade – o que pode ser percebido em sentido objetivo e independentemente de nossa aceitação ou repulsa. Ela é umas dinâmica de gênero especial – como convém dizer aos positivistas que tanto se deleitam com tais expressões e freqüentemente não vão além da própria nova palavra que põem em circulação. Hoje as várias formas de concepção e de ação socialistas que apareceram e desapareceram no curso dos séculos, com tantas diferenças nos motivos, na fisionomia e nos efeitos, são todas estudadas e explicadas pelas condições específicas e complexas da vida social em que se produziram.

LABRIOLA, Antonio (1842-1904), professor de filosofia da Universidade de Roma, ensaio escrito em 1895. O manifesto comunista – Marx e Engels. Boitempo Editorial, p.90. São Paulo, 2005.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
STF analisa desde 2005 jogo que beneficiaria Cachoeira
Brasil e EUA dão passo para acabar com visto
Prefeitos aceleram inaugurações eleitorais

FOLHA DE S. PAULO
EUA criam mais dois consulados no Brasil
Comissão do Senado propõe legalização de prostíbulos
Polícia eleva uso de bafômetro em estradas paulistas
Dnit decide manter contratos de obras e reajustar valores

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma cobra de Obama ação contra 'tsunami monetário'
EUA terão mais dois consulados e já falam em acabar com visto
Governistas e oposição articulam CPI do Cachoeira
Bancos querem garantias para cobrar menos

VALOR ECONÔMICO
Lei da Flórida ameaça obras de US$ 2 bi da Odebrecht
Cade não vai mais avaliar consórcios em licitações
Diálogo truncado
Bolsa endurece critérios para Novo Mercado
Julgamento de tributação de coligadas volta ao início

CORREIO BRAZILIENSE
Apagão na segurança derruba a cúpula da PM
A parceira, o reeleito e o tsunami no caminho
Brasil e EUA acertam o fim do visto
Lei Seca: Especialistas sugerem mudança em projeto
População paga caro na farmácia

ESTADO DE MINAS
Mineiros mais perto dos Estados Unidos
Reconhecimento dos americanos causa euforia em Minas
Em visita a Obama, Dilma ataca protecionismo cambial

ZERO HORA (RS)
Consulado no RS deve emitir mais de 500 vistos por dia
Governo e oposição apostam em CPI
Como o corte de juros chega ao consumidor

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Dilma e Obama se comprometem a dispensar o visto obrigatório
Mais um banco público derruba taxas de juros

Governistas e oposição articulam CPI do Cachoeira

Líderes dos partidos governistas e de oposição começam hoje a coleta de assinaturas no Senado e na Câmara para criar uma comissão parlamentar mista de inquérito destinada a apurar as ligações políticas do empresário de jogos de azar Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, que está preso. Como vários partidos têm parlamentares citados pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, cada um acha que poderá implicar o outro na CPI e com isso colher dividendos nas eleições deste ano e em 2014.

Governistas e oposição defendem CPI

Partidos, do PT ao PSDB, acreditam que poderão colher dividendos com uma investigação sobre as relações de Carlinhos Cachoeira

Christiane Samarco, João Domingos, Ricardo Brito

BRASÍLIA – Líderes dos partidos governistas e de oposição começam hoje a coleta de assinaturas no Senado e na Câmara para criar uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) destinada a apurar as ligações políticas do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cacheira.

Como vários partidos têm parlamentares citados pela Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, cada um acha que poderá implicar o outro na CPI - que seria a primeira do governo Dilma Rousseff - e com isso colher dividendos eleitorais este ano e em 2014.

Em entrevista publicada ontem pelo Estado, o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), disse que "todos os políticos importantes de Goiás tiveram algum tipo de relação ou de encontro com Cachoeira". Mas o PSDB de Marconi investe na CPI apostando que as ligações do contraventor vão além dos limites de Goiás e podem bater às portas do Palácio do Planalto.

"Quem chegou a colocar um pé nos Estados Unidos certamente colocou os dois em Brasília", disse o líder tucano no Senado, Álvaro Dias (PR), ao lembrar que os vazamentos só mostraram personalidades do Congresso. "Faltam as do Executivo".

Dias entende que seria ingenuidade supor que a ambição de Cachoeira não chegue a Brasília e ao governo federal. Ele disse que só a Delta Construções S.A. recebeu R$ 4,13 bilhões do governo federal entre 2007 e 2012. "Isso, só num CNPJ", afirmou o senador, referindo-se à empresa que, segundo a PF, teria ligações com Cachoeira em Goiás.

Indiferente ao objetivo maior do PSDB, que é usar a CPI para envolver o Planalto, o líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), disse que a intenção de seu partido é estender a investigação para além do envolvimento do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) com Cachoeira. "Centralizar a apuração em uma só pessoa não é questão de injustiça, mas de falta de justiça", afirmou.

O petista já se articulou com o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), e contará com a ajuda de peemedebistas como Vital do Rego (PB) para a coleta das assinaturas.

Já o líder do DEM na Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), avalia que, ao se livrar de Demóstenes, seu partido ficou à vontade para entrar nas investigações de uma CPI. "Dois dos nossos principais nomes em Goiás e no Brasil são o deputado Ronaldo Caiado e o vice-governador José Eliton. Eles nos garantiram que nunca tiveram nada com Cachoeira. Tanto é que foram figuras das mais importantes na decisão de abrir o processo de expulsão do senador Demóstenes", afirmou ACM Neto. "Estou preparado para a briga. Vou atrás das assinaturas".

No PT. Um dos principais quadros do PT goiano, o deputado Rubens Otoni, aparece em duas fitas de vídeo em conversas comprometedoras com Cachoeira. Numa delas, aparentemente recebe um pacote com R$ 100 mil. Mas isso não intimida o PT, que já preparou até o discurso de defesa para explicar o encontro. "Trata-se de filmes de 2004 (quando o petista buscava recursos para a campanha de prefeito de Anápolis). Desde então, ele vem sendo chantageado pelo Cachoeira. E aquilo é um caso de caixa 2, que já prescreveu", disse o líder do PT Jilmar Tatto (SP). O senador tucano Aloysio Nunes (SP) é outro que defende a CPI. "Quem não deve não teme", disse ele.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Superintendente do Incra no DF é afastadosob suspeita de favorecer contraventor

Cachoeira teria pago propina para registrar fazenda em área de preservação ambiental

Roberto Maltchik

BRASÍLIA. O superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Distrito Federal, Marco Aurélio Bezerra da Rocha, foi afastado do cargo, após seu nome ser citado em investigação da Polícia Federal sobre o grupo do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A investigação mostrou que Carlinhos Cachoeira teria pago propina a servidores do instituto para conseguir a liberação do registro da "Fazenda Gama", uma área de preservação ambiental de quatro mil hectares, próxima à pista do Aeroporto Juscelino Kubitscheck, em Brasília.

De acordo com a portaria publicada ontem no "Diário Oficial da União", Bezerra da Rocha também foi afastado do cargo efetivo de agente de portaria. Na semana passada, o Incra informou que afastaria de seus quadros os servidores que participaram do processo de liberação do registro da área, em abril do ano passado. A portaria, assinada pelo presidente do Incra, Celso Lacerda, diz que o afastamento é cautelar e ocorrerá enquanto a liberação do registro para o imóvel estiver sob investigação. Durante este período, ele continuará recebendo salário normalmente.

Na semana passada, o Incra exonerou o assistente de administração Auro de Souza Arrais, do cargo em comissão de chefe de divisão. Ele fazia parte do quadro de pessoal da Superintendência do Distrito Federal e Entorno, e está envolvido no processo de demarcação da área em que a fazenda está situada. O órgão abriu processo de sindicância, e já pediu à Polícia Federal cópia integral do inquérito. O Incra reconheceu na semana passada que conhecia as suspeitas sobre os processos de certificação de imóveis rurais na Superintendência do Distrito Federal desde setembro de 2011.

Cachoeira negociou promoções de policiais no DF

Novas escutas colhidas pela Polícia Federal mostram a influência do bicheiro Carlinhos Cacheira na Polícia Militar de Goiás. Nas conversas, divulgadas ontem pelo "Jornal Nacional", da TV Globo, Lenine Araújo de Souza, que seria um dos homens de confiança de Cachoeira, aparece negociando promoções de policiais com o coronel Carlos Antônio Elias, ex-comandante geral da PM.

No diálogo, Lenine diz que as promoções teriam que acontecer antes que o outro governo assumisse. O coronel Elias concorda e sugere uma troca: "se não, passa da hora. Me ajuda daí, que eu vou fazendo força daqui também". Depois que Lenine fala sobre uma possível ajuda a um segundo policial, o militar diz: "Tá defendendo gente boa, aí. Vamos pegar esses meninos e ajudar eles". (sic)

Segundo o "Jornal Nacional", um dos policiais foi promovido a coronel. Mas o ex-comandante alegou que a promoção seguiu as normas da Polícia Militar do estado.

FONTE: O GLOBO

Servidor do Planalto também sob suspeita

Assessor da Secretaria de Relações Institucionais teria ligações com bicheiro

Fernanda Krakovics

BRASÍLIA. O assessor do Palácio do Planalto que tem supostas ligações com bicheiro Carlinhos Cachoeira é o subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, Olavo Noleto. Ele é um petista histórico, de Goiás, e foi trabalhar no Palácio do Planalto em 2003, na Casa Civil, quando a pasta era comandada por José Dirceu.

A presidente Dilma Rousseff pediu explicações aos ministros Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais), depois que a notícia foi publicada na coluna Nhenhenhém, do GLOBO, no sábado.

Os ministros já tinham conversado com Noleto. Ele teria afirmado a Ideli e Carvalho que, assim como todos que circulam no meio político goiano, conhece Cachoeira, mas teria negado defender os interesses do bicheiro ou ter envolvimento com sua quadrilha. Oficialmente, o Planalto afirmou que Noleto não tem relações com Cachoeira nem foi apresentado a ele.

Na conversa com Ideli e Carvalho, segundo fontes do governo, Noleto disse que o bicheiro lhe ofereceu um iPad de presente, mas que recusou a oferta. Mas o Planalto nega a informação e afirma que Noleto não recebeu nenhuma proposta de Cachoeira.

Cachoeira foi protagonista do primeiro escândalo de corrupção do governo Lula, em 2004. Em vídeo, o então presidente da Loterj Waldomiro Diniz aparece negociando propina com o bicheiro. Quando a fita foi divulgada, Waldomiro era subchefe de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, pasta comandada por José Dirceu.

A suposta proximidade entre Noleto e Cachoeira reforçou a preocupação do Planalto com a iniciativa do PT de tentar criar CPIs para investigar o envolvimento de políticos com o bicheiro. Além da exploração política do fato pela oposição, mesmo sem provas concretas, o governo teme que as CPIs saiam de controle.

FONTE: O GLOBO

Gurgel rejeita pedido de PSD por mais verba

Sigla pediu maior cota do fundo partidário ao TSE e também quer mais tempo de propaganda

Mariângela Gallucci

BRASÍLIA - O procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel, deu parecer contrário ao pedido do PSD, do prefeito paulistano Gilberto Kassab, para ter acesso a uma fatia maior na distribuição do fundo partidário. A solicitação da nova sigla por mais verba será julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Se a corte seguir o parecer de Gurgel, o PSD deverá enfrentar dificuldades na eleição municipal deste ano. Por analogia, a decisão também deixará a sigla sem tempo competitivo na propaganda eleitoral gratuita de rádio e TV, crucial nas negociações para alianças.

Em recente manifestação sobre o pedido do PSD, o PT, que foi preterido por Kassab na disputa em São Paulo após a entrada do tucano José Serra na disputa, posicionou-se contra o repasse de mais recursos à nova legenda. Para o PT, apenas as siglas que obtiveram votos na última eleição para a Câmara têm o direito de participar da divisão da maior parte do fundo.

Essa também é a opinião de Gurgel. No parecer entregue ontem, o procurador disse que só partidos que obtiveram votos na última eleição para a Câmara podem receber parte dos 95% do fundo. O PSD só foi registrado em 2011. Como consequência, recebeu em outubro, por exemplo, só R$ 42.524,29, referentes à cota igualitária de 5% do fundo que é dividida entre todos os partidos.

"A despeito de constituir a terceira maior bancada, com 52 deputados federais, o Partido Social Democrático, criado somente em 27/9/2011, ainda não se submeteu ao teste das urnas, não participou das últimas eleições gerais realizadas em 3 de outubro de 2010", disse Gurgel.

O procurador lembrou de uma decisão recente do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, que rejeitou um pedido do PSD para ser incluído na distribuição das vagas nas comissões permanentes e temporárias da Câmara. Conforme Britto, os partidos que têm direito à representação nas comissões são que os passaram pelo "teste das urnas". "O partido autor da presente ação de segurança não participou de nenhuma eleição popular. Não contribuiu para a eleição de nenhum candidato. Não constou do esquadro ideológico ou de filosofia política de nenhuma eleição. Não submeteu a nenhum corpo de eleitores o seu estatuto ou programa partidário. Ainda não passou pelo teste das urnas, enfim, porque não ungido na pia batismal do voto", disse o vice-presidente do STF na ocasião.

Lula e Kassab. Kassab se encontrou ontem com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após sessão de fonoaudiologia no Hospital Sírio-Libanês, e conversou aproximadamente 50 minutos com Lula. O teor da conversa, porém, não foi revelado.

Colaborou Daiene Cardoso

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Parecer eleva pressão sobre a vice de Serra

Aliados do pré-candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, José Serra, avaliam que a decisão do procurador-geral-eleitoral, Roberto Gurgel, não influencia as discussões sobre a indicação para o cargo de vice na chapa tucana. Gurgel sugeriu ontem ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que rejeite pedido do PSD para maior participação na distribuição do Fundo Partidário.

A decisão da Procuradoria tem relação direta com a discussão do tempo de TV no horário eleitoral gratuito, que baliza as negociações sobre as alianças.

O PSDB corteja aliados para formar um amplo leque de alianças que garanta a Serra um bom tempo de TV. Assim que o plenário do TSE votar a distribuição dos recursos, o PSD, do prefeito Gilberto Kassab, vai apresentar um pedido sobre o horário eleitoral, para aumentar sua participação na propaganda gratuita.

Serra e aliados querem discutir a indicação do vice apenas em junho. Pretendem postergar a polêmica com os demais partidos, entre eles o DEM, que quer condicionar a coligação à indicação de um nome para o cargo. Os tucanos vão esperar a manifestação do TSE sobre o tema. Para eles, a decisão da Justiça não seguirá, necessariamente, o mesmo entendimento de Gurgel.

Serristas dizem ser justo que Kassab escolha o vice e defendem o nome do secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider. Mas como hoje o DEM ainda tem mais tempo na propaganda eleitoral que o PSD, a legenda diz que, sem o cargo, apoiará o deputado Gabriel Chalita, pré-candidato do PMDB.

Embora tucanos digam que o DEM blefa, já traçam cenários sem o apoio do aliado. Neles, Serra teria o terceiro tempo de TV, com o apoio do PP, PSD, PV e, talvez, PPS. O suficiente, dizem, para um nome conhecido.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Por aliança, Haddad diz ter dado mais verbas ao PSB

"Sou um socialista", afirma ex-ministro

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - Num esforço para romper o isolamento e fechar sua primeira aliança, o pré-candidato do PT a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, aumentou o assédio ao PSB.

Ele foi ontem a um seminário da Juventude Socialista e exaltou os governadores Cid Gomes (Ceará) e Eduardo Campos (Pernambuco), com quem disse ter mantido uma relação "muito intensa" como ministro da Educação.

"Se vocês olharem os convênios [do MEC], verão uma forte presença nos governos do PSB", afirmou o pré-candidato. "Eu diria até mais do PSB que do PT."

Em seguida, Haddad disse que o volume de repasses se deveu à iniciativa dos governadores, "antenados com o futuro", e não a um privilégio concedido pelo ministério.

"Sou um socialista e estou filiado a um partido trabalhista", gracejou. "A verdade é que PT e PSB têm tudo a ver."

Afastado das negociações com a cúpula nacional do PSB, Haddad tenta atrair os vereadores socialistas para neutralizar o flerte da direção estadual da sigla com o adversário José Serra (PSDB).

"Defendemos a aliança com o PT. Mas a decisão será do nosso presidente nacional, Eduardo Campos", disse o vereador Juscelino Gadelha.

O PSB nacional cobra o apoio do PT em diversos municípios com mais de 150 mil habitantes em troca da aliança em São Paulo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Para Serra, dar vice a indicado de prefeito é 'justo', dizem aliados

Tucano espera que Alckmin ajude a conter DEM, que também quer a vaga

Daniela Lima, Evandro Spinelli

SÃO PAULO - Pré-candidato do PSDB à Prefeitura de São Paulo, o ex-governador José Serra confidenciou a aliados que acha justo dar a vice de sua chapa a um nome indicado pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD).

Hoje, o ex-governador trabalha para resolver disputas políticas em torno da vaga, cobiçada pelo PSD, pelo DEM e pelo PSDB.

Kassab deixou à disposição de Serra ao menos dez pessoas de sua confiança, entre secretários municipais e políticos filiados ao seu partido, mas explicita uma predileção pelo ex-secretário municipal de Educação Alexandre Schneider.

Schneider tem a simpatia de Serra. O tucano avalia bem a gestão do ex-secretário, que deixou a pasta no início deste mês para poder disputar a eleição -como vice de Serra ou candidato a vereador.

Mas o acerto com Kassab esbarra nas pretensões do DEM, aliado histórico dos tucanos. O partido está rompido com o prefeito desde o ano passado, e reivindica a vaga de vice para apoiar Serra.

Em 2011, Kassab declarou guerra ao DEM ao deixar o partido para fundar sua sigla, o PSD. Por isso, o DEM diz que não integrará a coligação do PSDB se Serra optar por um nome indicado por Kassab.

Em resposta, o ex-governador explicitou que não aceitará vetos ao nome que escolher. E, para conter a pressão do DEM, conta com o governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Serristas esperam que Alckmin cobre a fatura por ter sido o único entre os governadores do PSDB que trabalhou para conter o avanço do PSD em São Paulo, se posicionando ao lado do DEM.

Alckmin ainda fortaleceu o partido, entregando a Secretaria de Ação Social a Rodrigo Garcia (DEM-SP), político que o DEM apresenta como opção de vice para Serra.

Há ainda dois nomes do PSDB que se apresentam como opção para Serra: o do ex-secretário de Cultura Andrea Matarazzo, amigo e antigo aliado do ex-governador, e o do secretário estadual de Meio Ambiente, Bruno Covas, pupilo de Alckmin. Os dois eram pré-candidatos do PSDB a prefeito, mas deixaram a disputa interna do partido após a entrada de Serra.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Prefeitos aceleram inaugurações eleitorais

De janeiro a março, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) participou de 67 eventos, 24 a mais do que no mesmo período de 2011. Inaugurou até um coreto que serviu de cenário para Odorico Paraguaçu em "O Bem-Amado". Em São Paulo, Gilberto Kassab (PSD) aposta em pacote de obras para melhorar sua avaliação e ajudar o tucano José Serra. Já em Recife, João da Costa (PT) chegou a ser notificado pela Justiça Eleitoral por propaganda antecipada.

Paes acelera obras e inaugura até coreto

Candidato à reeleição, prefeito já participou de 67 eventos desse tipo entre janeiro e março; em 2011, foram 43

Cássio Bruno

O coreto da Praça Washington Luiz, em Sepetiba, Zona Oeste do Rio, no passado, serviu de cenário para os discursos do prefeito fictício Odorico Paraguaçu, na novela "O Bem Amado", interpretado por Paulo Gracindo. O mesmo local foi um dos escolhidos pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB), pré-candidato à reeleição, para fazer parte de um roteiro com 67 inaugurações, reinaugurações, visitas e solenidades de início de obras apenas entre janeiro e março deste ano, a sete meses antes das eleições de outubro. Em uma delas, o vereador e aliado Elton Babu (PT), ao lado de Paes, disse que iria ajudá-lo a se reeleger.

Segundo a agenda pública de Paes, no mesmo período de 2011, foram 43 eventos desse tipo. O ritmo acelerado do prefeito em ano eleitoral inclui a entrega de clínicas da família, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), escolas, e até pista de skate. Nos palanques, Paes está sempre acompanhado de vereadores da base e que vão tentar a reeleição.

A inauguração da reforma do coreto em Sepetiba foi em 6 de fevereiro e contou com a presença do prefeito e de aliados, como o vereador Adilson Pires (PT), pré-candidato a vice na chapa de Paes, e do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB). No mesmo dia, Paes visitou um canteiro de obras, também em Sepetiba, onde discursou:

- Se não fosse vocês, se não fosse o voto e a confiança de vocês, eu não tinha sido eleito prefeito. Devo a minha eleição à população da Zona Oeste.

Em 6 de janeiro, Paes inaugurou uma UPA, em Sepetiba, de R$ 3,5 milhões. O bairro é reduto eleitoral do vereador Elton Babu, irmão do ex-deputado estadual e ex-policial Jorge Babu (PTN), acusado pelo Ministério Público de comandar uma milícia na Zona Oeste e expulso da Polícia Civil por crimes de formação de quadrilha. Elton e Jorge Babu participaram da solenidade com o prefeito. O vereador declarou:

- A gente (da Zona Oeste) é sofrido. Mas hoje temos o Executivo, que está olhando pela gente com o maior carinho. Sepetiba vai mudar. Santa Cruz vai mudar. Não tenho dúvidas nenhuma. As minhas emendas, prefeito, não sei se vão dar tempo (de aprovar) este ano, mas estamos juntos com o senhor. Vamos reeleger o senhor.

A atitude de Elton provocou constrangimento. De acordo com a lei eleitoral, políticos só podem pedir votos a partir de 6 de julho. A pena pode ser multa ou a cassação do registro de candidatura.

- Em tese, prefeitos deixam as suas realizações para o ano eleitoral. Dependendo do caso, cabe investigação, com direito de defesa, para saber se houve abuso de poder econômico. No caso de reeleição, o governante é o candidato. Que disputa com direitos iguais é essa? - indagou o promotor Rodrigo Molinaro, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias Eleitorais do Ministério Público do Rio.

Agenda de Paes é retirada do site da prefeitura

Em 10 de fevereiro, Paes iniciou obras do Cimento Social, no Morro da Mangueira e no Andaraí, ao lado do ministro da Pesca, Marcelo Crivella (PRB). No total, a prefeitura desembolsou R$ 9,8 milhões. Em 2008, o projeto foi embargado no Morro da Providência pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob acusação de uso eleitoral pelo ministro, então candidato a prefeito.

Paes também inaugurou, no dia 23 de março, uma clínica da família em Parada de Lucas, orçada em R$ 3 milhões, com a presidente Dilma Rousseff e o governador Sérgio Cabral (PMDB). Lá foi elogiado por Dilma e Cabral. Os dois também estiveram com Paes na visita ao canteiro de obras do corredor viário TransCarioca, de R$ 1,5 bilhão.

A agenda de Paes, com o histórico de compromissos, foi retirada do site da prefeitura. Em nota, Paes diz que o volume de inaugurações, reinaugurações, visitas e solenidades de início de obras reflete os altos investimentos feitos na cidade, e que obedece ao cronograma de entrega. Sobre Elton Babu, ele não quis comentar.

FONTE: O GLOBO

Aliança com ex-tucano divide PT em Curitiba

Grupo se nega a apoiar Fruet, que criticou Lula

Jean-Philip Struck

CURITIBA - A costura de uma aliança entre PT e o ex-deputado federal Gustavo Fruet, hoje no PDT, provocou um racha entre os petistas de Curitiba.

De um lado estão os defensores da candidatura própria à prefeitura; de outro, o grupo favorável à aliança com Fruet, que foi sub-relator da CPI dos Correios e crítico feroz do PT na era Lula (2003-2010). Nessa época, ele era deputado federal pelo PSDB.

A disputa no PT se acirrou após acusações de suposta compra de votos de filiados pela ala pró-Fruet.

Treze petistas partidários da aliança com o PDT divulgaram nota de repúdio à "forma destrutiva" com que militantes defendem "sua visão de organização partidária".

O apoio a Fruet é arquitetado pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e por sua mulher, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.

A ala contrária é liderada pelo deputado Dr. Rosinha.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Manuela D'Ávila abre vantagem em Porto Alegre

Sérgio Ruck Bueno

PORTO ALEGRE - Uma pesquisa de intenção de voto realizada pelo Ibope e publicada domingo pelo jornal "Zero Hora" mostrou crescimento da pré-candidata do PCdoB à Prefeitura de Porto Alegre, a deputada federal Manuela D"Ávila. O atual prefeito, José Fortunati (PDT), que vai concorrer à reeleição, aparece em segundo lugar, enquanto o pré-candidato do PT, o deputado estadual Adão Villaverde, oscila entre a quarta e a quinta posição, conforme o cenário, com apenas 2% a 3% da preferência do eleitorado.

Pelo levantamento, Manuela chega a 37% em dois dos quatro cenários apresentados, nos quais Fortunati aparece com 28% e 29%, apesar da aprovação de 72% dos entrevistados em relação ao modo como ele está governando a cidade. Nos outros dois, a deputada do PCdoB tem 36% e o prefeito também soma 28% e 29%. Nas quatro possibilidades o deputado estadual de DEM, Paulo Borges, fica em terceiro lugar com 6% e 7%.

Num eventual segundo turno, Manuela chegaria a 43%, contra 38% de Fortunati, 14% de votos brancos e nulos e 5% de indecisos. A pesquisa foi realizada de 29 de março a 1º de abril com 602 pessoas, admite margem de erro de quatro pontos para mais ou para menos e foi registrada no Tribunal Regional Eleitoral sob o número RS-00006-2012.

Em setembro do ano passado, o Ibope fez uma pesquisa com sete cenários e em cinco deles Manuela e Fortunati se enfrentavam, com vantagem mais apertada para a deputada, que somou de 27% a 35% e tinha uma dianteira de 2 a 6 pontos percentuais. Agora a margem aumentou para 7 a 9 pontos.

Em setembro, o prefeito somente liderava, com 32%, quando o adversário mais direto era o deputado estadual Raul Pont (PT), que somava 13%. Ele empatava em 28% a 28% quando a adversária mais próxima era a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, também do PT. Manuela não era citada nesses dois cenários.

Na pesquisa deste fim de semana, o ex-deputado federal Ibsen Pinheiro é mencionado como candidato pelo PMDB em dois cenários, nos quais fica em quarto lugar, com 4% e 5%. Quando ele é substituído pelo vereador Sebastião Melo, o partido sequer pontua. Já o deputado federal Nelson Marchezan Júnior aparece na quarta e na sexta posição, com 4% e 2%, respectivamente. O contingente de votos brancos e nulos varia de 11% a 12%, enquanto os indecisos somam de 7% a 9%.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Raul Henry reclama discurso da mudança

Se os defensores da candidatura de Maurício Rands (PT) argumentam que é possível mudar a “cara” da gestão mantendo o atual “projeto político”, o deputado federal Raul Henry (PMDB), pré-candidato à Prefeitura do Recife, já começou a combater esse discurso. Em entrevista à Rádio JC/CBN, o prefeiturável classificou a tese dos petistas de “contraditória” e chamou para as oposições a responsabilidade de fazer o discurso da “mudança” na campanha.

“Há dois discursos predominantes, o da continuidade e o da mudança. E quem tem legitimidade para fazer o discurso da mudança é a oposição, independente de quem venha a ser o candidato do PT”, disse, num recado a Rands. O peemedebista contabiliza como pontos favoráveis à oposição a falta de unidade da seara governista e os índices de rejeição amargados pela administração atual. “Mas não subestimo o candidato do PT, seja ele quem for”, ressaltou.

Embora a reconheça as divergências que residem entre os oposicionistas, Henry ponderou que todos os partidos compartilham do mesmo projeto. A afirmação se estende, inclusive, ao PSDB, acusado inicialmente de ter procurado o “isolamento” por ter lançado em caráter irrevogável a candidatura do deputado estadual Daniel Coelho (PSDB). “No momento certo, a gente vai conversar. Não há coordenação, mas nossa estratégia é comum e o PSDB está dentro desse projeto”, avalia.

O peemedebista também procurou minimizar a ausência do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) das articulações e voltou a cogitar uma aliança com o governador Eduardo Campos (PSB), mas somente após as eleições municipais. “Está muito claro para todos nós que o governador deve apoiar o candidato do PT, o que não impede que tenhamos uma conversa civilizada, fraterna. Mas não descarto a possibilidade de haver uma aliança no futuro. Só que, neste momento, ele está de um lado e eu estou do outro”, assinalou.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Violência, greves e denúncias isolam Agnelo

Raquel Ulhôa, Fernando Exman e Lucas Marchesini

BRASÍLIA - Abandonado e criticado por antigos aliados políticos em meio a uma crise institucional, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), trocou ontem o comando da Polícia Militar. A medida, que se segue a uma série de mudanças na cúpula de sua administração, ocorreu depois que uma operação tartaruga dos policiais provocou uma expressiva alta dos índices de violência na capital federal durante o feriado da Semana Santa. Foi a segunda troca na chefia da PM desde o início do ano.

Nesse período, foram registrados 11 homicídios, um latrocínio, 13 sequestros relâmpago e 17 tentativas de homicídio. Uma das mortes ganhou maiores contornos políticos: um servidor do Banco Central foi atingido no peito por uma bala, após um assalto a uma lanchonete localizada no Plano Piloto. O presidente do BC, Alexandre Tombini, chegou a enviar uma carta à família do servidor para lamentar o episódio.

Na avaliação da cúpula do governo Agnelo, tais indicadores resultaram da falta de controle do comando da Polícia Militar sobre a tropa, que durante o feriado praticamente sumiu das ruas de Brasília. A operação tartaruga foi anunciada pelos policiais às vésperas do Carnaval, na esteira da greve da polícia baiana. Mas só nos últimos dias pôde ser sentida nos lugares mais nobres da capital. Em substituição a Sebastião Gouveia no comando da PM, será nomeado para o cargo Suamy Santana, considerado um "linha dura".

Agnelo vê no movimento uma ação patrocinada por setores da oposição. No entanto, dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal demonstram que a violência já vinha aumentando. Foram registrados 722 homicídios, 49 latrocínios e 675 sequestros relâmpago em 2011. No ano anterior, ocorreram 638 assassinatos, 42 latrocínios e 504 sequestros relâmpago.

A situação política de Agnelo também se deteriora devido a rumores de que a investigação da Polícia Federal sobre a exploração ilegal de jogos de azar pelo empresário Carlinhos Cachoeira pode atingir a equipe direta do governador do Distrito Federal, o que é negado por integrantes da cúpula do governo local. Ontem, os senadores Rodrigo Rollemberg (PSB) e Cristovam Buarque (PDT), que foram aliados do petista na campanha eleitoral de 2010, fizeram críticas contundentes à administração do petista. Apontaram o aumento da violência, o descumprimento de acordos com professores da rede pública, que estão em greve, incompetência e escândalos. O tom foi de rompimento.

Da tribuna do Senado, Rollemberg disse que a população do Distrito Federal vive uma "sensação de completo abandono" e que a situação na capital, em qualquer área, "beira a tragédia". Citando os números que comprovam o aumento da violência no DF, comparou o cenário ao de uma "guerra civil". E acusou o governador de nada fazer para enfrentar situação e de viajar em plena crise, em vez de reunir assessores e a bancada federal em busca de soluções.

"O que é mais trágico, mais preocupante, assustador, é que tudo indica que, em 2012, vamos superar os números vergonhosos de 2011, porque, apenas no mês de março, nós tivemos, no Distrito Federal, 88 homicídios. É um cenário de guerra, um cenário de guerra civil", discursou Rollemberg, citando, ainda, a existência de cracolândias espalhadas por todo o Distrito Federal.

Em aparte, Cristovam foi além da crítica à má gestão. "Este é um governo de propaganda e de escândalos", disse. Para o senador, o governo de Agnelo está "emperrado e destruindo Brasília". Segundo ele, é preciso um "plano de salvação" para a capital.

"Estamos com desgoverno no Distrito Federal, da mesma maneira como estivemos em 2010, e o atual governo não se diferencia dos anteriores", continuou. Ele se referiu ao ano em que o DF viveu uma crise política grave, em decorrência do envolvimento do ex-governador José Roberto Arruda em escândalos de corrupção, que o levaram a perder o cargo e à prisão.

Segundo Cristovam, ele e Rollemberg estavam ali fazendo autocrítica. "Nós oferecíamos ao povo um novo caminho. Que novo caminho é esse? De escândalo, propaganda e uma obra [de um estádio de futebol, em construção para a Copa do Mundo]. É um caminho velho, de certa maneira menos competente do que a gente via no passado."

Cristovam afirmou que há "descontentamento geral dos servidores", que levou à situação atual, de greve de professores e "operação tartaruga" por parte da polícia. Segundo o senador, Agnelo conhecia as reivindicações dessa categorias e assinou documento comprometendo-se a atendê-las. "Ele precisa escolher: não cumpre compromissos ou é incompetente, porque não sabia o que assinava."

Nas últimas semanas, Agnelo levou para o primeiro escalão de sua equipe dois nomes ligados ao governo federal. Swedenberger Barbosa, que é ligado ao ex-ministro José Dirceu, deixou a Secretaria-Geral da Presidência da República para assumir a Casa Civil do governo do Distrito Federal. Já Luiz Paulo Barreto, ex-secretário-executivo do Ministério da Justiça, foi nomeado secretário do Planejamento e Orçamento do GDF.

Integrantes da cúpula do governo distrital negam que as mudanças representem uma intervenção do Palácio do Planalto no governo de Agnelo, mas notam uma preocupação do PT com o que pode ocorrer daqui para a frente. Argumentam que as mudanças mostram o esforço de Agnelo para dar um maior peso e capacidade de gestão ao primeiro escalão de sua administração. Segundo eles, Agnelo decidiu mudar o perfil de seu secretariado para garantir que o governo deslanche, depois de ter usado seu primeiro ano de mandato para "arrumar a casa". Auxiliares do petista afirmam que Agnelo teve de limpar o CNPJ de todos os órgãos e empresas do governo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

PSD a perigo:: Merval Pereira

O PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, acaba de receber duro golpe da Procuradoria Geral Eleitoral, cujo chefe, Roberto Gurgel, negou o tempo de televisão requerido pelo partido, acatando na integralidade os argumentos do DEM e de mais 20 outros partidos que entraram na Justiça contra a pretensão do novo partido de ficar com o tempo de televisão de seus filiados.

Tudo indica que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, se houver o julgamento, será na mesma direção, confirmando que o tempo de televisão pertence aos partidos que disputaram as últimas eleições, e não aos eleitos individualmente, não sendo possível, portanto, transferi-lo para a nova legenda ainda virgem eleitoralmente.

Se essa tendência for confirmada pelo TSE, ou mesmo se não houver um julgamento em prazo hábil, o PSD ficará sem a mercadoria mais valorizada que existe no mercado partidário brasileiro, o tempo de televisão.

Com isso, pode perder muitas adesões ou mesmo se inviabilizar, pois disputará as eleições municipais e, sobretudo, também as eleições congressuais de 2014 sem participar da propaganda eleitoral de rádio e televisão.

Muitos parlamentares que pretendem se candidatar a deputado - estadual ou federal - e senador em 2014 certamente procurarão uma nova legenda, pois não terão tempo de propaganda eleitoral gratuita em rádio e TV.

De imediato, o lugar de vice na chapa tucana em São Paulo pode ser ameaçado, e a reivindicação do DEM fica fortalecida pelo tempo de televisão que o partido tem a oferecer, o terceiro maior depois do PT e do PSDB.

Como comenta o presidente do DEM, senador Agripino Maia, sem tempo de televisão um representante do PSD só entrará na chapa "com o desgaste da prefeitura".

Agripino Maia atribui a uma manobra de Kassab os boatos que surgiram nos últimos dias de que o DEM se dissolveria ou seria absorvido por outro partido, o PSDB ou o PMDB.

Com o direito ao tempo de televisão de propaganda intocado, o DEM considera que tem ainda um bom trunfo para negociar apoios.

Mas, por seu lado, o DEM também trará o desgaste do recente episódio do senador Demóstenes Torres, embora o tenha expelido da legenda com a rapidez que não se vê em seus adversários.

Também as alianças que o PSD vem firmando pelo país podem ficar prejudicadas diante desse fato novo.

O ex-presidente Lula parece ter saído do tratamento para a cura do câncer na laringe disposto a cuidar mais de si do que de seu partido.

Nada mais evidente de seu estado de espírito do que a foto que divulgou ontem, da visita que recebeu no Hospital Sírio-Libanês do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Como se sabe, partiu do pragmatismo de Lula a ideia de fazer uma aliança entre PT e PSD para dar ao candidato de 3% Fernando Haddad uma maior consistência política.

A irritação da senadora Marta Suplicy, que já fora escanteada na pretensão de se candidatar novamente à prefeitura, só fez aumentar, e ela anunciou que não subiria no palanque ao lado de Kassab.

Por essas trapaças da política, quem a salvou foi seu arqui adversário tucano José Serra, que, decidindo-se afinal a se candidatar à prefeitura, tirou Kassab dos braços do PT, que ficou a ver navios e passou a criticar aquele com quem namorara publicamente até pouco tempo antes.

Lula tem uma equipe de assessoria que o acompanha o dia inteiro, inclusive um fotógrafo oficial, e as fotos de encontros no Hospital Sírio-Libanês ou no Instituto Lula são divulgadas obedecendo a uma estratégia política.

Como então poderá o PT dirigir suas baterias contra a gestão da prefeitura de São Paulo se o prefeito Gilberto Kassab parece tão próximo de Lula?

Há também outro dado interessante: fora de São Paulo, o PSD de Haddad está apoiando o PT em vários estados, cena típica desse pandemônio em que se transformou a política partidária brasileira.

Os petistas e os tucanos mais radicais (é incrível, mas existem tucanos radicais) já não haviam gostado da foto recente em que o ex-presidente Fernando Henrique abraça Lula no Sírio-Libanês.

Os tucanos, porque consideraram que a confraternização emitia sinais desencontrados para os eleitores, e houve até mesmo quem visse na visita tentativa de desestabilizar a candidatura de Serra.

Já os petistas consideraram que Lula abraçado a Fernando Henrique retirava o peso das críticas à gestão dos tucanos em São Paulo.

Tudo bobagem. Aquela foto mostrava apenas dois velhos conhecidos, quase amigos, que já estiveram juntos em várias ocasiões das suas vidas políticas, e distanciados outras tantas, reencontrando-se na solidariedade da doença.

Um reencontro, aliás, facilitado pelo comportamento da presidente Dilma Rousseff, que soube quebrar o gelo das relações entre o ex-presidente tucano e o governo petista.

Já o encontro com o prefeito Gilberto Kassab pode ter uma conotação simplesmente formal, mas certamente a conversa teve conotações políticas.

Essa disposição de Lula de não se dedicar integralmente à atividade dos palanques, que já teria sido comunicada a seus correligionários, tem de imediato uma vítima principal, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, que perde seu único apoio relevante.

É claro que Lula continuará orientando a campanha de seu escolhido para tentar tirar do PSDB a hegemonia da política paulista, mas vencer a eleição para a prefeitura paulistana já não parece ser sua prioridade, mais preocupado em preservar sua saúde e manter viva a imagem de líder popular que muitos consideram ter mudado a face social do país.

Desse ponto de vista, preservar a memória de sua carreira política pelo Instituto Lula parece mais importante do que se manter na atividade política frenética que vinha levando até ser atingido pela doença.

FONTE: O GLOBO

Teoria da gangorra:: Dora Kramer

Boa parte das análises sobre o aumento da avaliação positiva da presidente da República na última pesquisa do Ibope (77% contra 72% na anterior) atribui o fato ao recente confronto entre a maneira de Dilma tratar seus aliados no Congresso e a forma como eles gostariam de ser tratados.

Na mesma pesquisa, porém, apenas 4% dos consultados disseram ter tomado conhecimento das escaramuças. Ora, se tão ínfima parcela prestou atenção à chamada "crise com a base aliada", pela lógica não se poderia dar tanto peso ao contraponto entre Executivo e Legislativo no cálculo da apreciação popular à presidente.

O mais provável é que não haja uma ligação tão direta assim entre uma coisa e outra, bem como os índices relacionados à pessoa da presidente não refletem a alta desaprovação (60% em média) ao modo de o governo lidar com a saúde, educação, segurança pública e cobrança de impostos.

Existe a insatisfação pontual que, no entanto, não prejudica a sensação de satisfação geral.

Muito embora o governo considere que o resultado da pesquisa esteja ligado à percepção de atuação ética rigorosa e por isso se sinta injustiçado quando se apontam equívocos no modo de Dilma se relacionar com o Congresso.

Os políticos, por sua vez, dizem que se sentem "usados" por ela para construir boa imagem junto ao público. De onde se conclui que concordam com a tese de que a presidente "cresce" na proporção direta ao "decréscimo" da confiança no Parlamento.

É uma visão parcial da cena, cuja consequência pode levar ambas as partes a conclusões deformadas sobre seus respectivos erros e acertos.

O governo a não arrumar o que precisa ser arrumado, fazendo da dinâmica do conflito permanente um modo de vida, e o Congresso a se encolher ainda mais na ilusão de que estará vacinado contra a indiferença indignada que lhe dedica a população caso se submeta aos ditames da popularidade.

O raciocínio, guardadas as circunstâncias diferentes, vale para os partidos aliados e vale também para a oposição.

Pela interpretação de que existe uma gangorra hipotética em que o Executivo vai ao alto porque o Legislativo vai abaixo, Dilma poderia dar um descanso à marca de espetacular administradora - um tanto desgastada pela realidade dos atrasos e fracassos na execução de obra e projetos - para surfar na onda da santa guerreira no combate à corrupção.

Uma miragem dos dois lados. O profundo poço em que se enfurnam os políticos vem sendo cavado há tempos e guarda muito mais relação com suas próprias fragilidades do que com a cenografia presidencial.

Dele só têm chance de sair com alteração profunda de procedimentos, começando por ter agenda própria referida no interesse público. Difícil? Pois é, mas não há outro modo de conquistar respeito.

Já o governo não tem condições de se escorar apenas na bandeira do rigor ético por dois motivos. Um deles a própria pesquisa do Ibope aponta: muito pouca gente anda dando valor a esses valores.

O outro diz respeito à realidade que emergirá quando, e se, muito mais gente começar a prestar atenção no assunto: a presidente Dilma mudou em relação à forma de seu antecessor, mas no conteúdo manteve tudo em seus devidos lugares errados.

De camarote. Em 2010 a candidata Dilma Rousseff mal participou da própria campanha. Nela, o papel principal coube ao então presidente Luiz Inácio da Silva.

Não será, portanto, das campanhas municipais que a presidente Dilma participará diretamente.

Por falta de vocação para líder de torcida, por carência de disposição de perder tempo em confrontações com a Justiça Eleitoral e porque as alianças partidárias serão tão heterodoxas que, ao frequentar um palanque para agradar a determinado aliado, Dilma corre o risco de desagradar a vários outros.

Note-se, porém, que a equidistância dirá respeito à figura da presidente, mas não necessariamente à estrutura de governo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Arrastão :: Eliane Cantanhêde

Do governador Marconi Perillo à repórter Christiane Samarco: "Todos os políticos importantes de Goiás tiveram alguma relação com Cachoeira".

É, evidentemente, uma tentativa de "hedge": já que "todos" tiveram, por que o próprio Perillo não teria? Mas é também uma confirmação dos tentáculos de Cachoeira, o empresário suprassetorial, suprapartidário e de mil e uma utilidades.

Daí por que tem tudo a ver o pedido do senador Vital do Rego, corregedor e ex-quase presidente do Conselho de Ética do Senado, para o Supremo liberar informações sobre parlamentares envolvidos com o esquema do Cachoeira.

A resposta do ministro Ricardo Lewandowski foi correta: isso só pode ser feito via Comissão Parlamentar de Inquérito. E foi suficiente para o chute inicial numa CPI. O senador Walter Pinheiro (PT-BA) já está em campo coletando assinaturas.

Como dito aqui desde o início, esse Cachoeira é mesmo uma torrente de escândalos. É por isso que um senador pede a relação de envolvidos, outro começa a coletar assinaturas e todos se dizem indignados, mas, no fundo e no raso, ninguém quer, de fato, CPI. O risco é surgirem cobras e lagartos -além de tucanos, petistas, democratas, peemedebistas. Uma cachoeira de implicados.

Demóstenes caiu do pedestal, partiu-se em pedaços, virou pó. Ou renuncia ou será cassado, é questão só de timing. Ele precisa ganhar tempo enquanto tenta anular as provas no Supremo, sob alegação de que o suspeito era Cachoeira, e ele, um senador, não poderia ser gravado durante meses a fio.

Demóstenes, portanto, já era. A questão é que não apenas "todos os políticos importantes de Goiás" mas uma multidão de poderosos em sabe-se lá quantos Estados está enrolada, sob suspeição.

Quem sai na chuva -e vai à cachoeira- é para se molhar. O Congresso está encharcado, tremendo de frio.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Fraco desempenho de Haddad inquieta o PT:: Raymundo Costa

Bate nos nervos do PT a falta de resposta da candidatura Fernando Haddad nas pesquisas de opinião. Por esta época, nas eleições de 2010, a candidata Dilma Rousseff já estava com 30% nas sondagens eleitorais, muito embora tenha entrado na corrida presidencial assim como Haddad entrou agora na eleição para prefeito de São Paulo: desconhecida e sem nunca antes ter participado de uma disputa eleitoral.

São situações diferentes, é claro. Em março de 2010, o ex-presidente Lula já estava há quase dois anos trabalhando ativamente pela candidatura de Dilma. Na realidade, em setembro de 2009 Dilma tinha 15% das intenções de voto, foi a 17% em dezembro e alcançou os 30% em março, segundo pesquisa Ibope.

Outra preocupação do PT é a falta de garra do candidato, o que Dilma demonstrou ter de sobra nos debates da sucessão presidencial. À época, os tucanos contavam que José Serra, mais experiente, daria um baile nos debates, o que não ocorreu. As manifestações de Haddad, nesta pré-campanha, parecem o que efetivamente são: respostas prontas redigidas por marqueteiros.

Troca de candidato agora seria uma derrota para Lula

É alta a carga de ansiedade no PT, mas tanto no partido quanto no Palácio do Planalto não se cogita até agora substituir o candidato, como se especula entre deputados e senadores, mesmo se o ex-ministro da Educação continuar patinando nas pesquisas. Na cúpula petista o limite para Haddad se mexer nas pesquisas é junho. Limite no sentido de viabilização eleitoral, nunca de mudança do candidato.

No Palácio do Planalto não se espera que Haddad, até agosto, dê grandes saltos na pesquisa, como aconteceu com Dilma entre setembro de 2009 e março de 2010 (o ano da eleição presidencial). Entre auxiliares próximos da presidente também afirma-se que não há risco de Haddad ser substituído por outro candidato. Os dirigentes petistas não abririam o jogo se Haddad tivesse prazo de prescrição. Mas tudo indica que essa é realmente a posição do PT: a retirada do ex-ministro seria uma "grande" derrota de Lula, num momento pessoal difícil para o ex-presidente da República.

Haddad é uma aposta pessoal de Lula que o PT encampou, apesar de o partido não ter a mesma visão de Lula sobre o poder de fogo do ex-presidente para eleger o prefeito da cidade de São Paulo. Ao contrário das outras grandes capitais, o governo federal é praticamente invisível em São Paulo. As principais universidades, por exemplo, são USP e Unicamp. Não há hospital federal que se sobressaia ao cenário local. Desde 1985, São Paulo nunca elegeu um prefeito alinhado pessoal e partidariamente com o presidente da República.

Há uma "inquietação natural", reconhece a cúpula do PT, e até julho Haddad deve ficar no sereno. O partido perdeu na Justiça Eleitoral o tempo de televisão a que tinha direito neste semestre, inserções e um programa que pretendia usar para tornar mais conhecido o candidato. A ideia é apressar as negociações com os aliados e começar a apresentar boas notícias, para ver se Haddad reage nas pesquisas até junho.

Está em curso uma diligência para apressar o anúncio da aliança com o PSB. Mais que o apoio do partido vale o tempo de televisão que ele pode agregar a Fernando Haddad na propaganda eleitoral. Qualquer 15 segundos é mais importante para o ex-ministro do que o apoio formal de partidos sem peso eleitoral em São Paulo. Eles não significam votos, apenas tempo no horário gratuito para tornar mais conhecido o candidato do partido.

Apesar da ansiedade de parlamentares e militantes, na cúpula há certa tranquilidade porque avalia-se que o candidato do PT terá o desempenho histórico do partido na cidade, em torno dos 30%. Ou seja, seu candidato provavelmente estará no segundo turno, o que já poderá ser considerado uma vitória de Lula. Se Haddad for para o segundo turno contra José Serra e perder, o PT não perde com o antigo, perde com o novo e sai da eleição com uma nova alternativa para as eleições seguintes. A incógnita, nos cálculos do PT, é o candidato do PMDB, Gabriel Chalita.

O; senador Lindbergh Farias (PT-RJ) é uma alternativa real para a disputa do governo do Rio de Janeiro, em 2014. Em princípio, o candidato da aliança PT-PMDB é o vice-governador Luiz Fernando Pezão. A quase dois anos da eleição, Pezão dá sinais de que é candidato de um dígito, tanto que já se fala no PMDB e no Palácio do Planalto em outra opção no campo do governador Sérgio Cabral: José Mariano Beltrame, o secretário de Segurança Pública que carrega no currículo as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Ocorre que há dúvidas sobre a intenção do secretário de seguir carreira política.

Atualmente, o ex-governador Anthony Garotinho lidera as pesquisas de opinião para o governo do Rio de Janeiro, com algo em torno dos 30%. Lindbergh aparece na faixa dos 20% e Pezão, dos 2%. A avaliação no PT é que não há possibilidade de Pezão chegar à frente de Lindbergh em 2014. O PT acha que chegou a hora de ter um candidato competitivo ao governo do Rio, Estado onde o partido perdeu o rumo após a intervenção do diretório nacional, em 1988, para deletar a candidatura do ex-deputado Vladimir Palmeira e apoiar Garotinho na eleição para o governo estadual. Lindbergh, nas eleições municipais, ameaçou sair candidato, mas se engajou na reeleição de Eduardo Paes (PMDB). O prefeito não deve deixar o cargo para concorrer em 2014 - seu projeto é fazer bonito na Olimpíada de 2016 e chegar como candidato franco favorito nas eleições seguintes. O próprio Lindberg acha que Paes "será um foguete em 2018". Sua chance, portanto, seria agora, em 2014.

O ex-presidente da UNE já abriu mão de ser candidato, na eleição passada, a pedido do ex-presidente Lula. Num momento de renovação política do PT nacional, ele trabalha para chegar a 2014 como candidato do próprio Cabral e de Lula, seu padrinho político, que tem compromisso com o candidato de Cabral. Esse candidato, por enquanto, é Pezão.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Discutir a relação:: Míriam Leitão

Do que exportamos para os Estados Unidos, 30% são petróleo. Mas importamos muito combustível. O total exportado para lá era 25% de tudo o que o Brasil vendia em 2002; de lá para cá, despencou para 10%. Os Estados Unidos são o maior déficit de nossa balança comercial. O comércio entre Brasil e EUA está mudando muito nos últimos tempos e a própria relação entre os dois países está em rápida evolução.

Para a revista "Economist", "o Brasil nunca foi tão importante para os Estados Unidos quanto agora, e os Estados Unidos nunca foram tão pouco importantes para o Brasil". O que a revista inglesa quer dizer é que os americanos já tiveram um peso relativo maior na nossa economia, política, comércio, e nós fomos ignorados por eles.

Atualmente, o Brasil, com seu mercado, seu peso econômico, ficou mais importante do que era para os Estados Unidos; por outro lado, eles deixaram de ser o nosso maior parceiro comercial, desde 2009. A China agora é o maior parceiro.

Nos anos 1980 e 1990 tivemos dificuldade com nossa dívida externa, em parte herdada do governo militar, e precisamos deles para renegociar nossas obrigações. Hoje, o Brasil é um país com sua dívida externa saneada e nossas contas fiscais são melhores do que as deles.

Mesmo com todas essas mudanças, as coisas são o que são: o Brasil tem um PIB de US$ 2,5 trilhões, e eles, de US$ 15 trilhões. Eles estão em crise mas são uma economia seis vezes maior do que a nossa. Continuam sendo, ainda que endividados, os maiores compradores do mundo, o mercado que mais movimenta a economia global, pela intensidade de consumo.

O melhor seria se a presidente Dilma Rousseff se concentrasse nos assuntos que realmente nos interessam e fizesse uma viagem pragmática. O Brasil tem que ter cada vez mais pretensões de ser consultado em questões estratégicas internacionais e dar sua contribuição na busca do equilíbrio global. Mas há uma intensa agenda bilateral para ser tratada que não deve ser deixada de lado, principalmente se for para o Brasil entrar em bolas divididas que não deveria entrar. Ir para Washington para defender o programa nuclear do Irã seria uma extraordinária perda de tempo.

Agenda não nos falta. Recentemente, eles suspenderam compras de aviões da Embraer e foram levantadas dúvidas sobre o suco de laranja. A relação comercial com os americanos tem dados supreendentes, temos um déficit crescente com os Estados Unidos. As importações brasileiras saíram de US$ 11,3 bilhões em 2004 para US$ 33,9 bilhões em 2011. Aumentaram 200%. Ao mesmo tempo, as exportações continuaram oscilando no mesmo patamar, entre US$ 20 bi e US$ 25 bilhões (vejam no gráfico). Isso fez o déficit em 2011 atingir o recorde de US$ 8,1 bi.

O setor de derivados de petróleo é um dos culpados por esse rombo comercial. Até 2007, o Brasil era superavitário com os americanos na compra e venda de etanol, gasolina e diesel. Fechou aquele ano no azul em US$ 124 milhões. Daí pra frente, o que se viu foi um aumento muito forte das importações. A compra de etanol saltou de US$ 13 milhões em 2007 para US$ 790 milhões em 2011. A de gasolina, de US$ 86 milhões para US$ 796 milhões, enquanto a de diesel foi de US$ 219 milhões para US$ 2,07 bilhões. Com isso, o que em 2007 era superávit no setor de derivados virou um enorme déficit de US$ 3,08 bi em 2011.

O Brasil lutou muito, e durante décadas, para derrubar as barreiras comerciais impostas pelos Estados Unidos ao etanol, mas quando as barreiras caíram, em vez de termos o produto e explorar a chance, passamos a importar. Os Estados Unidos passaram a comprar mais do nosso petróleo, não por um esforço de venda do Brasil e mais por decisão deles. Ainda bem, porque do contrário nosso déficit seria maior, dada a dimensão das nossas compras de combustíveis.

Os Estados Unidos são um país altamente deficitário no comércio, porque mesmo em crise são grandes importadores. Por isso é estranho o Brasil manter um déficit crescente no comércio com eles. A visita da presidente Dilma a Washington pode ser um bom momento para encontrar formas de aumentar a capacidade de fornecer para o mercado americano, o mais desejado do mundo.

FONTE: O GLOBO

"Hermanos" americanos do norte:: Vinicius Torres Freire

Em vez das chorumelas, Brasil deveria ter projeto para tirar vantagens de relação maior com os EUA

A visita de Dilma Rousseff a Barack Obama deu ensejo a uma enxurrada de análises sobre o estado das relações entre Brasil e EUA. As opiniões mais comuns da terapia desse casal davam conta de que:

1) As relações vivem um marasmo medíocre, pontuado por atritos e contenciosos não lá muito graves, mas não muito mais do que isso;

2) Brasil e EUA têm relações econômicas extensas, relativa simpatia político-cultural e, pois, relações boas e prontas para melhorar.

3) Isto posto, tanto para quem acha que o copo está cheio como vazio, as visitas recíprocas de presidentes não vão dar em grande coisa, como só acontece nessas ocasiões de fotos e salamaleques mesclados a alfinetadas.

De fato, essas visitas tendem a não render nada mesmo quando não há projeto diplomático maior. Mas as ditas relações bilaterais vão muito bem, se considerada a quantidade de guerras, rolos, conflitos e problemas com os quais os Estados Unidos têm de lidar pelo mundo afora. Os americanos têm problemas no norte da África, no Egito em especial, com Israel e cia., com Irã, Iraque, Paquistão, Afeganistão, China e Coreias, para ficar apenas nos mais difíceis e nem mencionar atritos ora adormecidos com a Rússia.

Os aliados dos americanos no comando da velha ordem mundial, os europeus, estão economicamente encrencados e agastados, de leve, com Obama desde que seu governo quis lhes dar conselhos de administração fiscal e monetária.

Logo, o Brasil é um paraíso tropical. Ainda mais relevante, os brasileiros adoram os Estados Unidos, com a exceção mais extremada de apenas umas dúzias de esquerdistas juvenis arcaicos (muitos deles no governo Dilma, aliás) e uma meia dúzia de críticos sérios do Império.

O comércio entre Brasil e EUA é de peso, os investimentos recíprocos são grandes, consumimos muita cultura americana, do lixo à alta ciência, deixamos muito dinheiro em lojas e hotéis de lá (e, agora, até em imobiliárias e universidades).

Mas os governos do Brasil gostam de criar encrencas contraproducentes com os EUA (e vice-versa).

Dizem, por exemplo, que a política americana de imprimir dinheiro para evitar uma depressão no pós-crise de 2008 é "protecionista" (não é. O efeito colateral disso nos prejudica, certo, mas essa é outra história). Mas não cria caso com a China, que manipula mesmo sua moeda -aliás, atrelada ao dólar desvalorizado de que nos queixamos.

Mas com quem o Brasil mais tem condições de negociar acordos maiores de intercâmbio? Não é com a China, ou com a esclerosada Europa. Nem com nossos "hermanos" ou com a ainda pequena África.

É com os Estados Unidos.

Sim, além do vício do unilateralismo (e a beligerância costumeira), a diplomacia americana é ruim, a dedicada ao Brasil em particular. O governo dos EUA é descentralizado, é difícil negociar com eles (têm agências e Congresso independentes). Além do mais, os EUA não vão criar um atrito com os europeus, por exemplo, por causa do Brasil.

Enfim, pode ser que ofereçamos um plano ambicioso de trocas cruzadas de acordos políticos e econômicos, entre outros, e os EUA nem se importem. Mas temos um plano para conseguir mais vantagens comerciais, tecnologia e parcerias políticas dos americanos? Não.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O trio mortal:: Yoshiaki Nakano

Em qualquer análise comparativa da macroeconomia brasileira com os demais países do mundo, três fatos colocam o Brasil como um "outlier". O Brasil tem mantido, nas últimas duas décadas, a maior taxa real de juros entre todos os países do mundo e a maior carga tributária entre países de renda per capita similar. Nos últimos dez anos foi o país que mais apreciou a sua moeda. Esse trio está destruindo a industria brasileira, colocando a nossa estrutura produtiva numa rota de especialização regressiva e, aos poucos, vamos estrangular a nossa "galinha de ovos de ouro": o dinâmico mercado doméstico.

Os dois preços fundamentais da macroeconomia, taxa de câmbio e taxa de juros, estão completamente fora do lugar e o governo apropria quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) entre impostos e outras receitas. Com o governo gastando mal e investindo uma parcela ínfima, crescemos 2,7% no ano passado e o nosso desempenho no futuro não poderá ser melhor. Ou seria muito pior, não fora o grande prêmio de loteria que recebemos do exterior, com grande ganho em termos de troca a partir de 2003.

O mais contrastante é que o Brasil havia se tornado "a bola da vez". É óbvio que para o especulador financeiro nosso país se tornou o paraíso: a conjugação da maior taxa de juros com a maior apreciação do real, resulta em retornos recordes. O problema é que esse fantástico afluxo de capitais do exterior não moveu nenhum milímetro a nossa taxa de investimento produtivo, que se mantém oscilando abaixo dos 20% do PIB.

Corremos o risco de regredir para a economia primário-exportadora, como fomos durante o século XIX

Mas não foi só isso que tornou o Brasil a "bola da vez". Muitos investidores mais de longo prazo passaram a acreditar no "grande potencial de crescimento da economia brasileira". Uma economia de dimensão continental em pleno "bônus demográfico", com mercado doméstico em forte expansão com a incorporação de mais de 40 milhões de pessoas para a classe média nos últimos dez anos, com complexa e moderna estrutura produtiva manufatureira e agropecuária, dotado de riqueza natural de fazer inveja frente a um mundo voraz, tornando os termos de troca extremamente favoráveis e ainda com potencial imenso de produção de energia verde e grande reserva de petróleo no pré-sal.

Diante desse potencial, qualquer analista que acreditasse que o Brasil teria um mínimo de competência para fazer políticas racionais voltadas para o crescimento econômico, apostaria mais em nós do que na China, India ou Rússia. Infelizmente, quando olhamos para a nossa triste realidade, nos deparamos com o trio mortal, (taxa real de câmbio apreciada, taxa de juros estratosférica e carga tributária crescendo ano após ano), arrastando o país para o limite inferior do seu potencial de crescimento.

Se o Brasil praticasse taxa de câmbio, taxa de juros e carga tributária próximas às da China e India, com certeza, poderíamos crescer, no mínimo, tanto quanto esses países, pois temos um potencial maior e um mercado doméstico mais dinâmico.

O trio mortal é persistente há muitos anos e um alimenta o outro. No passado, podíamos culpar o grande déficit público e o excessivo endividamento publico como os responsáveis pela elevada taxa de juros praticada no Brasil. Mas isso não é mais verdade, a situação fiscal melhorou muito. A taxa real de juros sofreu queda ao longo dos anos, mas encontra um piso que a mantém num nível recorde mundial. A explicação para isso é óbvia e muito simples: o Banco Central utiliza, inacreditavelmente, a taxa de juros paga pelos títulos públicos de longo prazo no "overnight", deslocando toda a curva de juros para cima. Se as nossas taxas de juros fossem equivalentes às internacionais, poderíamos reduzir a despesa pública e a carga tributária, em pelo menos, 4 a 5 pontos percentuais do PIB. Os investimentos, por sua vez, poderiam aumentar os mesmos pontos percentuais do PIB, o que aceleraria o crescimento da economia brasileira para 5%. Como o governo, ao longo dos anos, aumenta a carga tributária e realoca recursos de setores mais produtivos (indústria de transformação) para setores com menor produtividade e, menor dinamismo (serviços públicos etc), compromete o aumento de produtividade total da economia brasileira, isto é, o crescimento econômico.

A elevada carga tributária (não recuperável) e a elevada taxa de juros comprometem a competitividade da indústria brasileira, fazendo com ela perca participação, tanto no mercado doméstico (com invasão das importações), como no externo (nossas exportações perdendo espaço para países com política cambial mais agressiva). O diferencial de taxa de juros torna atrativo investir em reais, atrai um influxo de capitais especulativos de curto prazo tão grande do exterior que torna uma missão quase impossível administrá-los para controlar a taxa de câmbio.

Some-se a isso, o grande salto nos termos de troca e daí a tendência persistente à apreciação da taxa de câmbio no Brasil. O que agrava definitivamente a competividade da indústria de transformação brasileira. Com isso, ela está praticamente estagnada desde 2006, enquanto a demanda doméstica vem crescendo em torno de 6%. Como o setor com maior potencial de crescimento da produtividade - a indústria de transformação - não cresce, a produtividade média também não cresce e perdemos a maior arma para contrabalançar a tendência de apreciação da taxa de câmbio, em função do aumento de preços das commodities. Hoje a indústria de transformação representa apenas 15% do PIB.

Se mantivermos o trio mortal, o nosso futuro será regredirmos para uma economia primário-exportadora, como fomos no século XIX, conjugado com um imenso e inchado setor de serviços à la Grécia, Portugal ou Espanha.. Até que uma crise maior nos acorde.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Marx, 193*:: John Lanchester

Se se quer pensar sobre o que Marx teria feito do mundo de hoje, deve-se começar por lembrar que Marx não foi empirista. Nunca foi dos que creem que se possa chegar à verdade usando fulgurantes fragmentos da experiência, ‘dados de pesquisa’, como os chamam os cientistas, reunindo-os num retrato-colagem da realidade. Posto que isso é o que muitos de nós fazemos quase todo tempo, aí está uma diferença fundamental entre Marx e o que chamamos de senso comum, noção que Marx detestava, porque via o senso comum como o modo como uma específica ordem política e de classe converte a sua realidade construída, em conjunto aparentemente neutro de ideias que são apresentadas como dados da ordem natural. O empirismo, porque recolhe as suas provas da ordem existente de coisas, é inerentemente dado a aceitar como realidades, coisas que não passam de prova dos vieses e das pressões ideológicas subjacentes.

Para Marx, o empirismo sempre confirmará o status quo. Teria portanto detestado muito especialmente a moderna tendência de argumentar a partir de ‘fatos’, como se ‘fatos’ fossem porções neutras da realidade, livres das marcas d’água da história, das interpretações, dos vieses ideológicos e das circunstâncias do modo como foram produzidas.

Eu, por outro lado, sou empirista. Nem tanto porque creia que Marx erre sobre os efeitos de distorção das pressões ideológicas subjacentes; mas porque não me parece possível encontrar ponto de vista livre daquelas pressões. Então, passa a ser dever de cada um fazer o melhor possível do que consiga ver, e, sobretudo, nunca fingir que não vê os dados mais desconfortáveis e/ou contraditórios. Mas essa é uma profunda diferença entre Marx e meu modo de falar sobre Marx, que Marx consideraria filosoficamente e politicamente completamente inválido.

Considerem-se essas passagens do Manifesto Comunista, que Marx escreveu com Engels em 1848, depois de ser expulso da França e da Alemanha por seus escritos políticos:

O capitalismo submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou cidades enormes.

O capitalismo [...] não deixou que restasse nenhum outro nexo entre homem e homem além de um cru interesse individual, de um invisível pagamento à vista”.

O capitalismo foi o primeiro a mostrar o que pode conseguir a atividade humana. Conseguiu maravilhas que ultrapassam em muito as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas, conduziu expedições que deixam à sombra todos os anteriores êxodos de nações e cruzados. O capitalismo criou forças produtivas mais massivas e colossais que todas as gerações anteriores juntas.

O capitalismo não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e, portanto, os meios de produção e com eles todas as relações da sociedade. Revolução ininterrupta da produção, perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, incerteza perene e perene agitação distinguem a época capitalista de todas as anteriores. Todas as antigas indústrias nacionais preexistentes foram destruídas e são diariamente destruídas. Em lugar das velhas necessidades, satisfeitas pela produção do campo, descobrimos novas necessidades, que exigem, para serem satisfeitas, produtos de terras e climas distantes.

Crises comerciais põem em risco, cada vez mais ameaçadoramente, a existência de toda a sociedade capitalista. Nessas crises, grande parte não só dos produtos existentes, mas também das forças produtivas previamente criadas, são periodicamente destruídas.

Difícil não concluir desses fragmentos selecionados que Marx foi extraordinariamente presciente. Realmente, teve o mais espantosamente acurado insight da natureza e trajetória e direção do capitalismo. Três aspectos que se destacam aqui são o tributo que Marx paga à capacidade produtiva do capitalismo, que excede muito a de qualquer outro sistema político-econômico jamais conhecido; a reconstituição da ordem social que acompanha aquela capacidade produtiva; e a tendência inerente do capitalismo às crises, a ciclos de crescimento e quebradeira.

Mas, nesse ponto, tenho de confessar que não reproduzi as frases exatamente como Marx as escreveu: onde escrevi “capitalismo”, Marx escreveu “a burguesia”. Estava falando sobre uma classe e o sistema que serviu ao interesse dela, e fiz parecer que estivesse falando só sobre um sistema. Marx não usa a palavra “capitalismo”. A palavra jamais aparece na primeira parte de Das Kapital. (Confirmei isso com um comando “localizar palavra” e encontrei três ocorrências, nos três casos erro de tradução ou uso impreciso do plural (al. Kapitals – em alemão, Marx jamais fala de algum Kapitalismus). Dado que Marx é amplamente e muito justamente considerado o maior crítico do capitalismo, aí está uma omissão que dá o que pensar. Seus termos preferidos foram “economia política” e “economia política burguesa”, os quais, para ele, englobavam tudo, de copyrighs à ideia contemporânea de direitos humanos e até o próprio conceito de indivíduo autônomo independente.

Minha opinião é que Marx não usou a palavra “capitalismo”, porque essa palavra implicaria que o capitalismo seria um dentre vários sistemas concorrentes possíveis – e Marx não acreditava nisso. Ele não achava que fosse possível ultrapassar o capitalismo, sem uma virada radical da ordem social, política e filosófica existente.

Nisso, acertou: nenhum sistema alternativo prosperou, e a Economia, como disciplina acadêmica, passou a ser estudo do capitalismo. “Economia” e “Capitalismo” são tratados como um mesmo objeto. Se algo existisse que se pudesse considerar como desafio teórico sério e sustentável à hegemonia do capitalismo dentro da Economia, depois do que se chamou “socialismos realmente existentes” – normal seria que tivesse aparecido à tona depois do derretimento quase terminal do sistema econômico global em 2008. E só apareceram sugestões de pequenas intervenções apenas cosméticas, paliativas, para melhorar um pouco o sistema existente, na direção de torná-lo um pouco menos imprevisível e perigoso. O que há atualmente é esse híbrido monstruoso, “capitalismo de estado” – expressão muito usada pelo Socialist Workers Party britânico para descrever a União Soviética, e que, há poucas semanas lá estava também, na capa da revistaEconomist, aplicada às atuais condições econômicas da maior parte do mundo. Trata-se aí de uma paródia de ordem econômica, na qual o que é público em geral padece todos os riscos e perigos; e o setor financeiro leva todas as recompensas – forma extraordinariamente pura do que costumava ser chamado de “socialismo para os ricos”. Mas “socialismo para os ricos” sempre foi expressão usada exclusivamente como piada. A verdade é que, hoje, o modo como realmente opera a economia global é, sim, um socialismo para os ricos.

O sistema financeiro, do jeito que está hoje, é ameaça existencial à democracia ocidental, muitíssimo mais preocupante que qualquer ameaça terrorista. Até hoje, nenhuma democracia jamais se implantou por ação de terroristas, mas se as caixas de autoatendimento dos bancos pararem de repente de cuspir dinheiro será evento de tal magnitude que os Estados atualmente organizados como democracias entrarão em risco de colapso. Apesar disso, os governos agem como se pouco pudessem fazer para evitar o cataclismo. Governos têm poder para nos prender em solitárias e para nos mandar para a guerra, mas não têm poder para tocar em nenhum dos fundamentos da ordem econômica. Portanto, o cuidado que Marx tomou, ao omitir a palavra “capitalismo”, porque antevia que não havia alternativa dentro da atual ordem social, pode ser apresentado como caso em que sua bola de cristal mostrou-lhe imagens de super, super, mega alta definição.

Marx dá extrema atenção à questão do valor (de onde vem?), de como se trocam mercadorias, o que é o dinheiro? É pergunta muito simples, mas, antes de Marx, a ninguém ocorrera perguntar tão claramente; e é o tipo de questão que já não se propõe em nível profissional ou institucional, porque a atual ordem de coisas é considerada absolutamente garantida. Mas é pergunta básica e importante, melhor dizendo, são duas perguntas: o que é o dinheiro? e de onde vem o valor do dinheiro?

Há muitas centenas de páginas sobre o assunto em Marx e muitas dezenas de milhares de páginas em comentários e análises do seu trabalho, motivo pelo qual esse resumo pode ser caricatamente simples e resumido. O modelo de Marx funciona assim: as pressões da concorrência sempre forçarão para baixo o custo do trabalho; os empregados por isso sempre recebem o menor salário possível, sempre o mínimo necessário para mantê-los trabalhando, e nada mais. O empregador então vende a mercadoria não pelo que custa produzir, mas pelo melhor preço que consiga: preço que, por sua vez é submetido às pressões da concorrência e por isso, com o tempo, tende sempre a diminuir. Mas, enquanto tudo isso acontece, há uma diferença entre o quanto o trabalhador recebe por seu trabalho e o preço que o empregador obtém pela mercadoria, e essa diferença é o dinheiro que o empregador acumula e que Marx chamou de “mais-valia”, ou “sobrevalor”.

Para Marx, todo o capitalismo repousa sobre a mais-valia: no capitalismo, valor é aquele ‘a mais’ criado pelo trabalho. É o que faz aumentar o custo da coisa. Nas palavras de Marx, “preço é o nome em dinheiro [ing. money-name] do trabalho objetivado numa mercadoria.” E examinando essa questão, Marx criou um modelo que nos permite examinar a estrutura profunda do mundo e ver o trabalho que existe escondido em todos os objetos que nos cercam: tornou possível para nós ler o trabalho nos objetos e nos relacionamentos.

A teoria da mais-valia também explica, para Marx, por que o capitalismo tem a tendência inerente de andar na direção de crises. O empregador, como o empregado, sofre pressões de concorrência, e o preço de tudo que vende sempre será empurrado para baixo por novos concorrentes que chegam ao mercado. O modo que o empregador quase sempre escolhe para escapar dessas pressões é usar máquinas para tornar os trabalhadores mais produtivos; tentará extrair mais dos trabalhadores, empregando número sempre menor de trabalhadores que terão de produzir mais. Mas ao tentar aumentar a eficiência da produção, pode acontecer de ele destruir o valor, muitas vezes porque produz excesso de bens sem obter lucro suficiente, o que leva a um excesso de bens que têm de competir entre eles, o que leva os mercados a quebrar, o que leva à destruição de capital, o que leva ao início de outro ciclo. Um dos traços mais elegantes do pensamento de Marx é que a teoria do valor da mais-valia leva direta e explicitamente à previsão de que o capitalismo sempre terá ciclos de crise – crescimento e quebradeira.

Há óbvias dificuldades com os argumentos de Marx. Uma delas é que tantos bens e mercadorias do mundo contemporâneo são agora virtuais (no sentido de digitais computacionais) que não é fácil ver onde está o trabalho acumulado. As aulas de David Harvey sobre O Capital , por exemplo, a melhor iniciação para qualquer um que esteja estudando o mais importante livro de Marx, são de valor imenso, mas também são encontráveis, gratuitas, na internet, e assim, se você comprar aquelas aulas em formato de livro impresso – recolhem-se informações muito mais depressa lendo, que ouvindo –, a mais-valia que você estará acrescentando às aulas é, sobretudo, sua.

A ideia de o trabalho estar escondido nas coisas e de o valor das coisas advir do trabalho congelado nelas é ferramenta explicativa inesperadamente poderosa, no mundo digital. Considere-se a [empresa] Facebook. Parte de seu sucesso vem do fato de que as pessoas sentem que elas e seus filhos estão seguros gastando tempo ali, que é lugar ao qual se vai para interagir com outras pessoas, mas não é fundamentalmente perigoso, do mesmo modo que novas tecnologias são consideradas perigosas – como se considerava perigoso, por exemplo, o VHS, quando foi lançado no mercado. Mas a percepção de que o ambiente Facebook é, talvez a melhor palavra seja “higienizado”, é sustentada por dezenas de milhares de horas de trabalho mal pago de trabalhadores do mundo em desenvolvimento que trabalham para companhias contratadas para localizar e excluir imagens ofensivas os quais, segundo um marroquino que reclamou publicamente da exploração, recebem 1 dólar por hora de trabalho de rastreamento das tais imagens ofensivas. É exemplo perfeito de mais-valia: quantidades imensas de trabalho mal pago, criando a imagem higiênica de uma empresa que, quando se lançar na Bolsa de Valores espera estar valendo $100 bilhões.

Quando se começa a procurar esse mecanismo em operação no mundo contemporâneo, encontrâmo-lo por todos os lados, quase sempre sob a forma de mais-valia que eu, você, nós – o cliente de uma empresa, o consumidor – criamos. O check-in online e o despacho de bagagens nos aeroportos, por exemplo. O check-in online é processo que genuinamente aumenta a eficiência da experiência aeroporto e, assim, nos custa menos tempo: tempo que você pode gastar fazendo outras coisas, algumas delas economicamente úteis para você. Mas o que as empresas aéreas fazem é empregar tão pouca gente para supervisionar o despacho da bagagem, que não sobra tempo algum para ser economizado pelo consumidor. Se se olha, vê-se que, porque as empresas aéreas têm de empregar mais gente para supervisionar os clientes que não fizeram o check-in online – ou nenhum avião decolaria no horário previsto – as filas dos que não fizeram o check-in online andam muito mais depressa, o que serve de propaganda para o check-in online. As empresas aéreas estão transferindo a própria ineficiência para o cliente, mas o que também estão fazendo é transferir o trabalho para você, enquanto vão acumulando, elas mesmas, o valor da mais-valia. Acontece cada dia mais frequentemente. Cada dia que você enfrenta um menu de telefone ou um serviço interativo de voice-mail, você está doando seu valor de mais-valia às pessoas com as quais negocia. O modelo de Marx nos convoca constantemente a ver o trabalho codificado nas coisas e nas transações à nossa volta.

Ano passado, o canal National Geographic exibiu matéria sobre como seria “o mais típico ser humano do mundo”, para comemorar o nascimento da sétimo-bilionésima pessoa nascida no planeta. O único traço que se podia assegurar que seria encontrado nessa pessoa é que seria destra. (De fato, embora seja indiscutivelmente certo que o mais típico ser humano do mundo é destro, é interessante, porque a média de pessoas canhotas aproxima-se de 10%, mas parece ser mais alta em sociedades onde se observa nível mais alto de violência. Ninguém sabe por que, mas não surpreende, porque não se conhece a razão pela qual alguém nasce canhoto.) Que “o mais típico ser humano do mundo” seja homem, é desenvolvimento relativamente recente. Nascem mais meninos que meninas, na proporção de 103-106/100, porque morrem mais meninos na infância, que meninas, e, para equilibrar a proporção de gêneros da espécie, é preciso que haja mais bebês do sexo masculino. Mas a moderna medicina, em muitas partes do mundo, já fez retroceder muito acentuadamente a mortalidade infantil e, agora, a diferença de nascimentos está sendo alimentada também por outras distribuições demográficas, graças às quais historicamente tem havido mais mulheres que homens, porque as mulheres vivem mais, também nesse caso por razões que permanecem inexplicadas.

Além disso, e tendência muito, muito, muito mais sombria, a crescente prosperidade e as habilidades tecnológicas levaram a enormes disparidades na taxa de nascimentos – que só pode ter a ver com o aborto seletivo de crianças do sexo feminino. A proporção entre os sexos, principalmente em muitas partes da Ásia, já ultrapassou, de longe, quaisquer possíveis padrões biológicos. Na China e na Índia, dados censitários indicam que o nível nacional aproxima-se de 120/100. Em 2020, a China terá entre 30 e 40 milhões de homens a mais que mulheres, com menos de 19 anos. Para criar horizonte comparativo, 40 milhões é o número total de norte-americanos do sexo masculino na mesma faixa etária. Assim sendo, dentro de oito anos, a China estará na situação de ter o equivalente a toda a população de homens jovens dos EUA, que serão solteiros estruturais, se se pode dizer tal coisa. Um dos aspectos mais sombrios disso tudo é que ‘a escolha preferencial pelo filho’, como se lê nos termos frios da literatura especializada, aumenta conforme aumenta a renda e a modernização avança – o que implica dizer que, na China, está aumentando muito rapidamente. Haverá falta de muitas dezenas de milhões de moças.

O tal, então, é homem. Ganha menos de £8000 anuais. Tem telefone celular, mas não tem conta em banco. Faz sentido, pelo modelo de Marx de como o capitalismo chegaria ao ponto de não conseguir pagar as contas: o tal ‘homem típico’ não tem conta bancária, porque o trabalhador típico é proletário que nada tem para depositar em banco; não tem capital; tem de vender a própria força de trabalho pelo melhor preço que consiga. Tem 28 anos – essa é a idade média da população mundial, o sujeito médio. E se você entende que a pessoa mais típica do mundo pertence ao grupo étnico mais numeroso, já entendeu também que ele é chinês han. Assim sendo, o ser humano representativo em 2012 é chinês han de 28 anos de idade, sem conta em banco, mas com celular, que ganha menos de 12 mil dólares anuais. Adivinhe quantos seres humanos satisfazem exatamente esse critério hoje? Nove milhões. E pode-se apostar que seu sobrenome é Li, o sobrenome mais abundante no mundo hoje. Há tanta gente com sobrenome Li no mundo, quanto as populações de Grã-Bretanha e França somadas.

Parece-me que Marx não veria, nesse quadro, nada que desmentisse seu modelo (Marx detestava a palavra “modelo”).

Marx previu que se desenvolveriam um proletariado que sempre fez a maior parte do trabalho do mundo e uma burguesia que sempre seria, de fato, a proprietária dos frutos do trabalho dos proletários. O fato de que os proletários estejam no mundo em desenvolvimento, longe das vistas da burguesia ocidental, em nada compromete o quadro acima – há quem fale de “proletariado externo”. Tomemos, para estudo de caso, a mais valiosa empresa do mundo, que, nesse momento, é a Apple.

O último trimestre da Apple foi o mais lucrativo de toda a história de todas as empresas em todos os tempos: obteve $13 bilhões em lucros sobre $46 bilhões em vendas. Seus produtos bons-de-venda são produzidos em fábricas cuja proprietária é a empresa chinesa Foxconn. (A Foxconn fabrica o Kindle da Amazon, o Xbox da Microsoft, o PS3 da Sony e centenas de outros produtos que compramos com nomes de outras empresas na embalagem e no produto – não é exagero dizer que a Foxconn fabrica todos os aparelhos eletrônicos do mundo.)

O salário inicial na Foxconn é $2/hora; os empregados vivem em dormitórios de 6/8 camas por quarto, pagando por isso aluguel de $16/mês; a fábrica em Chengdu, que fabrica os iPads, trabalha 24 horas/dia, emprega 120 mil trabalhadores – imagine: uma fábrica onde trabalha toda a população de Exeter – e não é, sequer, a mais fábrica da Foxconn. A maior é a de Shenzhen, com 230 mil trabalhadores, que trabalham 12 horas/dia, seis dias por semana. Em resposta a um recente escândalo sobre número de suicídios, a empresa disse que o número de suicídios entre empregados da Foxconn é hoje inferior à média chinesa; e que, diariamente, a Foxconn rejeita milhares de candidatos a um emprego, duas informações rigorosamente corretas e verdadeiras. Aí está o mais chocante de tudo. Essa empresa oferece condições equivalentes ou melhores que muitas empresas de manufatura que oferecem empregos na China, onde são produzidos muitos bens consumidos em todo o mundo e onde a vida, na opinião dos trabalhadores chineses, é preferível, se a alternativa for a vida rural. E, tudo isso, por uma ironia que não encontra palavra que a manifeste, no maior e mais poderoso Estado nocionalmente comunista.

Não creio que se possa dizer que haja aí condições de trabalho iguais às do século 19, mas chegam bem perto do que Marx previu que seria um proletariado alienado, cuja trabalho lhe é saqueado e convertido em lucros de outras pessoas. Pode-se facilmente supor que nosso Sr. Lee, o homem típico da humanidade em 2012, de 28 anos e destro, trabalha numa dessas fábricas da Foxconn.

Os desafios à correção do que Marx escreveu sobre onde estaríamos hoje aparecem quando se examinam as coisas mais de perto. Se se olha o grande quadro do mundo, sim, muito do que Marx previu já aconteceu. Há uma burguesia afluente e internacional, mas que, no Ocidente, é a maioria da população; e há uma força de tralha lho proletária que vive, sobretudo, na Ásia. Acrescente a isso a regularidade das crises econômicas, a crescente concentração de riqueza entre os que já são ricos e as crescentes pressões sobre a burguesia internacional visíveis em todos os cantos – a ‘austeridade’ sobre a qual tanto se lê. Há a ideia generalizada de que já não há paraísos seguros, que não há como escapar da mudança econômica, que o capitalismo anda depressa demais e que os humanos não conseguem acompanhá-lo. Se você é funileiro e, para arranjar trabalho, tem de conseguir diploma de engenheiro de computação, para o que você tem de voltar a estudar quando já chegou à metade de sua vida produtiva, não é fácil. Pois são mudanças dessa escala que vêm implícitas nas mudanças dos modernos mercados de trabalho. Isso, precisamente, foi o que Marx quis dizer quando anteviu um mundo no qual “tudo que é sólido desmancha-se no ar”. Não é difícil portanto convencer-se de que as previsões de Marx foram acertadas num determinado nível de impressionismo em grandes pinceladas.

O erro mais óbvio na versão do mundo que Marx nos legou tem a ver com a classe. Há alguma coisa semelhante a um proletariado marxiano clássico disperso pelo mundo. Mas Marx previu que esse proletariado seria força cada vez mais centralizada e organizada: por isso, aliás, precisamente, o proletariado se mostraria tão perigoso para a sobrevivência do capitalismo. Criando as condições pelas quais o trabalho com certeza se organizaria e se reuniria em coletivos, o capitalismo estaria cavando a própria cova. Mas não há conflito global organizado entre as classes: não há proletariado global organizado. Nada há que seja, sequer, semelhante. O proletariado faz fila para arranjar trabalho na Foxconn, não para organizar greves ali, e o maior perigo que ameaça a China, que é onde, em certo sentido, vive o proletariado do mundo, é a desigualdade causada por fraturas entre o novo proletariado urbano e a miséria que deixam para trás, no campo. A China também enfrenta tensões entre o litoral e o centro, e problemas cada dia maiores de corrupção e mau governo que irrompem regularmente, conhecidos como Incidentes de Grupo em Massa IGM [ing. Mass Group Incidents, MGI] – basicamente, protestos antiautoridade que ocorrem regularmente por toda a China e só raramente são notícia na imprensa ocidental. Mas esses fenômenos nada têm a ver com classe e, considerada a ênfase que Marx dá à luta de classes organizadas, pode-se arquivar essa na gaveta das previsões que não se confirmaram.

E por que não? Creio que por duas razões principais. A primeira é que Marx não anteviu, como afinal ninguém anteviu e não me parece que alguém pudesse ter antevisto, a variedade de formas que o capitalismo viria a assumir. Fala-se do capitalismo como uma coisa, mas ele surge em vários diferentes sabores, envolvendo diferentes modelos. O estado de bem-estar contemporâneo – moradia, educação, comida e atenção à saúde para os cidadãos, do nascimento à morte – é desenvolvimento que obriga a questionar as bases da análise que Marx oferece do que seja o capitalismo.

Minha opinião é que Marx teria olhado nos olhos o estado de bem-estar, e lhe passaria pela cabeça a suspeita de que, sim, sua análise poderia estar sendo abalada nos fundamentos, exatamente porque o estado de bem-estar é muito diferente do capitalismo que Marx conheceu diretamente em seus dias, e a partir do qual extrapolou. Talvez argumentasse que aconteceu apenas que a sociedade britânica, toda ela, tornou-se parte de uma burguesia global, e que o proletariado vive agora em outros países. É argumento possível, mas difícil de defender, se se consideram as desigualdades que existem e crescem também na sociedade britânica. Mas o capitalismo escandinavo de bem-estar é muito diferente do capitalismo controlado pelo Estado que há na China, o qual, por sua vez, é quase completamente diferente do capitalismo de livre mercado & salve-se quem puder que há nos EUA, o qual é outra vez diferente do capitalismo nacionalista e pesadamente socializado que há na França, o qual difere, por sua vez do híbrido estranho que temos na Grã-Bretanha , no qual nossos governos são dedicados devotos do livre mercado e, mesmo assim, há áreas de bem-estar e assistência aos quais os governos não se atreveram a dar atenção. Cingapura é dos países de mercado mais confessadamente livres do mundo, que aparece sempre na cabeça ou perto da cabeça das listas de mercados pesquisados e definidos como liberalizados e, mesmo assim, o Estado é o maior proprietário de terras do país e uma vasta maioria da população é atendida por um sistema socializado de moradias. É a capital mundial dos livres mercados e das reuniões de condôminos. Há muitos diferentes capitalismos e não há garantia alguma de que uma análise que os tome em conjunto, como se se tratasse de um único fenômeno, continue válida.

Um dos modos de observar isso é observar a variedade e a complexidade dos nossos interesses nesse sistema.

Em fevereiro, todos os trabalhadores da Foxconn receberam aumento de 25% do salário básico, de repente, de um dia para o outro. Não foi efeito de um surto de organização e protesto da força de trabalho: foi efeito de um artigo sobre as condições de trabalho lá, publicado no New York Times. Pressões éticas, recebidas do Ocidente, são das forças mais potentes, capazes de introduzir melhorias nas condições de trabalho na fábrica em Shenzhen. (...)

Aí está algo que Marx não previu e tem a ver com algo que não poderia ter sido previsto: a diversidade de interesses e papéis, no capitalismo contemporâneo. Marx falou sobre pessoas, de fato, sobre as classes, como distribuídas em trabalhadores e proprietários dos meios de produção, e deixou algum espaço de manobra, porque disse que somos ‘portadores’ desses papéis, diferentes aspectos dos quais podem estar em jogo em diferentes momentos, do que resulta que um proletário pode descobrir-se em competição com outros proletários mesmo que seus interesses de classe estejam alinhados. Mas fato é que, no mundo contemporâneo, somos seres muitíssimo mais fragmentados e contraditórios que isso. Muitos trabalhadores têm investimentos de aposentadoria e pensões aplicados em empresas cujo projeto de lucro depende de reduzir ao mínimo o número de empregados; um dos fatores que levaram à bolha do crédito e à explosão da bolha do crédito foram os fundos de pensão, à procura de ganhos mais estáveis para pagar as apólices de pensão para futuras gerações de trabalhadores aposentados, a tal ponto que, em muitos casos, vivemos uma situação na qual as pessoas perdiam os empregos por causa de perdas em jogadas financeiras tentadas para assegurar pensões futuras para os mesmos trabalhadores (considerados como classe). Muitos de nós somos escravos do salário, beneficiários do estado de bem-estar, fundadores daquele estado, ao mesmo tempo em que somos atuais ou futuros aposentados e pensionistas que, por isso ou por algum outro motivo, somos burgueses donos dos meios de produção, pode-se dizer, como prescreve o manual. É muito complicado. E as intensas pressões éticas que vez ou outra conseguem dobrar as grandes empresas empregadoras são sintoma dessa complexidade e multiplicidade de interesses.

Chama a atenção o quanto raramente as empresas usam, para defender-se, o mais simples – e pelos critérios do capitalismo clássico, o mais verdadeiro – argumento de autojustificação: ‘nosso papel ético é gerar lucros para nossos acionistas, oferecer empregos e pagar impostos. O resto é problema do governo e dos eleitores’. Mas nunca dizem isso, talvez intuindo que nós todos intuímos que os conflitos internos de interesses que nascem das inter-relações muitos estreitas que ligam todos a tudo tornam o mundo muito mais complexo que isso.

Por mais complexo que seja o modelo do mundo de Marx, o mundo moderno é ainda mais complexo e complicado. Essa evidência exerce forte pressão em mais uma área, que Marx reconheceria, com o auxílio de um de seus ditos favoritos, herdado de Hegel: a quantidade altera a qualidade. Significa que você pode ter um sistema explicativo que dê conta de determinados fenômenos – nesse caso, o modo como o capitalismo produz produtos, que anda na direção contrária de seu próprio movimento de acumular e explorar –, sem que a explicação altere a rota geral da viagem. Mas as coisas mudam quando os fenômenos começam a aparecer muito repetidas vezes, acumulam-se, deixam de parecer exemplos contraditórios isolados e passam a impor-se como desmentido básico, crucial, das ideias centrais.

Alguma coisa desse tipo aconteceu com as contracorrentes que fluem por dentro do capitalismo.

Tomem-se as medições estatísticas básicas de vida, mortalidade infantil e expectativa de vida. Em 1850, a expectativa de vida na Grã-Bretanha, ano em que o Manifesto Comunista foi publicado em inglês, era de 43 anos, menos que a expectativa de vida, hoje, no Afeganistão que é a menor dentre todos os países não atingidos pela epidemia de AIDS. Na Grã-Bretanha hoje a expectativa de vida já ultrapassa os 80 anos e cresce tão rapidamente que, ocultado nas estatísticas, há um fato realmente muito estranho: uma mulher que, hoje, tenha 80 anos, tem 9,2% de chances de chegar aos 100 anos; para uma mulher de 20, a chance é de 26,6%. Pode parecer estranho que alguém 60 anos mais jovem, tenha chance apenas três vezes melhor de chegar aos 100 anos, mas o que se vê aí é como se dá o progresso rápido. A mortalidade infantil, que se usa para aferir várias coisas (nível de desenvolvimento médico e tecnológico, força dos laços sócias, grau de acesso aos serviços médicos para os pobres, acolhimento, por uma sociedade, das necessidades de outros), é algo que teria merecido de Marx o mais dedicado interesse.

Na Grã-Bretanha vitoriana, morriam 150 crianças por mil nascimentos. Hoje, o índice de mortalidade infantil na Grã-Bretanha é de 4,7 por mil. É melhoria de 3.191%. (Vários países saíram-se melhor: a GB é o 31º país em mortalidade infantil – a mais baixa mortalidade infantil do planeta acontece naquele país onde todos vivem reunidos em reuniões de condôminos: 1,92 por mil.) A taxa global de mortalidade infantil é de 42,09 por mil, um terço do que se via na Grã-Bretanha nos dias de Marx. A AIDS tem efeito terrível nesses números: Botswana, por exemplo, tem expectativa de vida de 31,6 anos, mas, segundo dados da ONU, se se remove o impacto da AIDS, a expectativa de vida sobe para 70,7 anos.

Até que ponto dados desse tipo desafiam as ideias de Marx? Esses dados mascaram desigualdades significativas – o exemplo notório em Londres é que, se se considera a linha Jubilee, de Westminster para leste, a expectativa de vida para os homens diminui um ano por cada uma das estações de trem, nas oito primeiras estações – mas, deixando isso de lado, o quadro geral é que quase todos vivem vidas mais longas, em melhores condições de saúde. Se isso é verdade, pode ser verdade que o capitalismo, sempre e confiavelmente, gere miséria? Pode ser verdade que o sistema seja destrutivo, se as pessoas que nele vivem simplesmente vivem mais? As Metas de Desenvolvimento do Milênio, por exemplo, anunciadas na virada do novo século, com objetivos que visam a reduzir em dois terços a mortalidade infantil e em três quartos a mortalidade materna até 2015, a partir de 1990 (há uma espécie de golpe de mão, ao fixarem o ponto de partida em 10 anos atrás, no passado), reduzir o número de seres humanos que vivem na miséria absoluta, dobrar a percentagem de crianças que completam, pelo menos, a escola fundamental. É possível ignorar conquistas dessa magnitude? Sistema que consiga isso pode ser definido como sistema que só produz, e nada produz além de, miséria? O próprio Marx disse que houve momentos nos quais o modo capitalista de produção pôde transcender-se, como quando se inventou a empresa por ações. Outras provas dessa possibilidade de autotranscendência teriam exercido forte pressão sobre seus modelos intelectuais.

Um último desafio ao modelo de Marx, e também ao quadro que previu para o futuro, está em algo que o próprio Marx viu muito claramente e muito profeticamente: o extraordinário poder produtivo do capitalismo. Marx viu como o capitalismo pode transformar a superfície do planeta e tem impacto na vida de todos os seres humanos vivos. Mas há uma falha, ou uma mácula, bem próxima do coração dessa análise.

Marx viu os dois polos fundamentais da vida econômica, e social e política, como o trabalho e a natureza. Não viu essas duas coisas como estáticas; usava a metáfora de um metabolismo para descrever o modo como o trabalho modela o mundo e nós, por nossa vez, somos modelados pelo mundo que fizemos. Quer dizer: os dois polos, trabalho e natureza, não permanecem fixos. Mas o que Marx não concede é o fato de que os recursos naturais são finitos. Ele sabe que não há natureza que não seja modelada pelo que pensamos sobre ela, mas não partilha da nossa consciência contemporânea de que a natureza pode ser esgotada.

É traço do pensamento marxiano que às vezes é considerado cômico, mas muito mais próximo está de uma tragédia; e no coração dessa tragédia está o fato de que o poder produtivo, expansionista, devorador de recursos, do capitalismo é tão grande, que não é sustentável em nível planetário. Todo mundo quer viver vida de burguês do Primeiro Mundo, que todos veem como é, porque todos assistem pela televisão, mas o mundo não conseguirá chegar lá, porque teremos queimado os recursos do planeta antes de chegar lá. Vivemos hoje a maior crise do capitalismo, de todos os tempos, e aí está, evidente no fato, inegável, de que a natureza é finita.

A maioria dos marxistas tem resistido e relutado, feito o possível para não entrar nessa questão, e por muito boa razão: porque o problema dos recursos no mundo, hoje – seja comida, água ou energia, poder, em resumo, em todos os sentidos –, tem a ver com distribuição desigual, não com o estoque total. Há quantidades mais que suficientes desses recursos no mundo, para todos nós. Intelectuais e ativistas na tradição marxista têm insistido nesse ponto, e têm razão, mas temos também de encarar o fato de que o mundo caminha para consumo cada vez maior, cada um com demanda sempre crescentes de recursos. E todos ao mesmo tempo. Esse fato é o mais mortal oponente do capitalismo. Para citar só um exemplo, de só um recurso, o consumo de água nos EUA é de 377 litros/pessoa/dia. Não há água suficiente no planeta, para que todos os seres humanos levem essa vida.

A questão portanto é se o capitalismo conseguirá gerar novas formas, como tem conseguido gerar até agora, e aparecerá com mecanismos baseados na propriedade e no mercado que forcem mudança de rota, na via direta e aparentemente inevitável rumo à crise à qual chegará; ou se nada mais saberá inventar; caso em que passaremos a necessitar de outra ordem social e econômica completamente diferente. A ironia da história é que essa nova ordem pode vir a ser, em muitos aspectos, a ordem que Marx imaginou, mesmo que tenha previsto via diferente para chegarmos lá.

Quando Marx disse que o capitalismo continha as sementes de sua destruição, não falava sobre mudança climática nem guerras por recursos naturais. Quem se sinta desapontado, frustrado, ante as dificuldades que temos pela frente, que se console com a evidência de que foram nossa adaptabilidade imaginativa e nosso engenho que nos levaram tão longe tão depressa – e tão depressa que, agora, temos de desacelerar e ainda não sabemos como fazer.

Como Marx escreveu no final do primeiro volume de O Capital, “o homem distingue-se dentre todos os animais, pela natureza flexível e sem limites de suas necessidades”. Necessidades ilimitadas, sim, vemos por aí, muitas, é o que não falta, e elas nos arrastaram ao ponto a que chegamos. Só falta trabalhar duro na parte da flexibilidade.
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* Dia 5/5/2012, dentro de um mês, portanto, Marx chegará aos 194 anos [NTs].

FONTE: London Review of Books, vol. 34, n. 7 (ed. 5/4/2012), pp. 7-10