domingo, 20 de maio de 2012

OPINIÃO DO DIA – Eduardo Graeff: CPI e exemplo

O PSDB precisa resolver: ou defende claramente o governador [Marconi Perillo], ou admite claramente que não tem condições de defendê-lo. Para fazer uma coisa ou outra, a direção do PSDB precisa ouvir o governador formalmente, examinar os fatos pertinentes e se pronunciar: ele é uma vítima inocente? Ou de algum modo, por ação ou omissão, tem culpa pela ingerência de Carlos Cachoeira no governo de Goiás? Juízo que é político, e não técnico-jurídico. A questão é se as ações e/ou omissões do governador são compatíveis com o que o PSDB entende por bom governo. Se alguém teme o que o governador tem a dizer, como afirmou o líder do PSDB no Senado, mais uma razão para que seu partido tome a iniciativa de ouvir - e tornar público - o que ele tem a dizer. Assim ficará claro que nem o PSDB nem o governador temem coisa alguma. Se a turma da Delta retarda o momento de ouvir os governadores na CPI, a direção do PSDB não precisa esperar sentada, deixando o governador Perillo irritado. Pode convidá-lo para se explicar na comissão de ética do partido. É o mínimo que devem ao governador, ao partido e, vale lembrar, aos seus eleitores.

Eduardo Graeff, E-agora, 19 de maio de 2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Novo golpe em aposentados frauda o crédito consignado
Presidente do BC: país está 200% preparado

FOLHA DE S. PAULO
Custo sobe e corrói lucro de empresas brasileiras
Comissão da Verdade: Dois personagens à procura de uma história
Matriz da Delta no Rio pagou empresa de fachada, diz PF
Parece marte, mas é Minas

O ESTADO DE S. PAULO
Governo quer cortar ICMS para baratear telefone
Delta pode perder R$ 1,2 bi em contratos com a União
Brasil já sente efeitos da desaceleração da China

CORREIO BRAZILIENSE
Maioria dos deputados é contra 14º e 15º salários
Mais brasileiros são barrados na Espanha
2020, o ano em que ficaremos à pé

ESTADO DE MINAS
Vidas secas
Bicheiro tinha o poder de um chefão mafioso

ZERO HORA (RS)
Casamento gay sai das gavetas
No limiar da Ditadura

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O poder sem segredos
Dividido, PT vai às urnas escolher candidato

A implosão de uma empreteira

Acusada de irregularidades e pagamento de propina, a construtora Delta, uma das maiores do país, agoniza. Nos bastidores, seu dono ameaça revelar segredos que comprometeriam políticos e outras grandes empreiteiras

Otávio Cabral e Daniel Pereira

É absolutamente previsível a explosão que pode emergir de uma apuração minuciosa envolvendo as relações de uma grande construtora, no caso a Delta Construções, e seus laços financeiros com políticos influentes. A empreiteira assumiu o posto de líder entre as fornecedoras da União depois de contratar como consultor o deputado cassado José Dirceu, petista que responde a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) no papel de "chefe da organização criminosa" do mensalão. Além disso, consolidou-se como a principal parceira do Ministério dos Transportes na esteira de uma amizade entre seu controlador, Fernando Cavendish, e o deputado Valdemar Costa Neto, réu no mesmo processo do mensalão e mandachuva do PR, partido que comandou um esquema de cobrança de propina que floresceu na gestão Lula e só foi desmantelado no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. A empreiteira de Cavendish é dona da maior fatia das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tem contratos avaliados em cerca de 4 bilhões de reais com 23 dos 27 governos estaduais. Todo esse império começou a ruir desde que a Delta foi pilhada no epicentro do escândalo envolvendo o contraventor Carlos Cachoeira. Se os segredos de Cachoeira são dinamite pura, os de Cavendish equivalem a uma bomba atômica. Fala, Cavendish!

Na semana passada, a CPI do Cachoeira aprovou a convocação de 51 pessoas e 36 quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico. Os números foram festejados pela cúpula da comissão como prova inconteste da disposição dos parlamentares para investigar os tentáculos da máfia da jogatina nos partidos políticos, na seara das empreiteiras e na administração pública. Sob essas dezenas de votações, no entanto, esconde-se a operação patrocinada pelo ex-presidente Lula e alguns políticos para impedir que a bomba atômica de Cavendish seja detonada. A estratégia é enaltecer as convocações e quebras de sigilo relativas a empresas e personagens já fartamente investigados pela Polícia Federal. Assim fica mais fácil despistar as manobras para evitar que Cavendish conte tudo — mas tudo mesmo — o que sabe sobre como obter obras públicas pagando propinas a pessoas com poder de decisão nos governos. Investigar a Delta, aliás, foi considerada a tarefa prioritária pelos próprios delegados da Polícia Federal que prestaram depoimento à CPI. Eles disseram que desvendar os mecanismos subterrâneos de concessão de obras públicas no Brasil seria o maior legado da CPI. Fala, Cavendish!

Deflagradas pela Polícia Federal, as operações Vegas e Monte Carlo revelaram o envolvimento do contraventor Carlos Cachoeira com políticos como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta na Região Centro-Oeste. Entre outras atividades, o trio agia para abrir os cofres dos governos estaduais e federal à empresa. Para tanto, ofereceria propina em troca de contratos. A PF colheu indícios desse tipo de oferta criminosa, por exemplo, em Goiás e no Distrito Federal. Foi com base nessa delimitação geográfica que os petistas defenderam uma investigação sobre a atuação da empreiteira apenas na Região Centro-Oeste — tese que saiu vitoriosa na semana passada. "Não há conversa gravada do Cachoeira com o Fernando Cavendish. A CPI não pode se transformar numa casa de espetáculo", bradou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). "A generalização beira a uma devassa", reforçou Paulo Teixeira (PT-SP). Os petistas cumpriram à risca as ordens dadas por Lula um dia antes, quando ele esteve em Brasília para a cerimônia de instalação da Comissão da Verdade. A ordem foi calar Cavendish. Mas o correto é o contrário. Fala, Cavendish!

O ex-presidente sabe do potencial de dano ao PT e a seus aliados caso Fernando Cavendish conte como a sua Delta conseguia seus contratos de obras e, em troca, pagava políticos. Numa conversa gravada com ex-sócios, Cavendish os incentivou a cortar caminho para o sucesso comprando políticos. Na tabela da corrupção da Delta, um senador, por exemplo, custaria 6 milhões de reais. A Delta tem obras contratadas por governadores pertencentes aos maiores partidos do país — PT, PSDB e PMDB. Será que essa onipresença da Delta explica as razões pelas quais a CPI decidiu não chamar para depor os governadores Agnelo Queiroz (PT-DF), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ)? O deputado Vaccarezza deu a resposta. "A relação do PMDB com o PT vai azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu", escreveu em idioma parecido com o português o deputado Vaccarezza numa mensagem de celular destinada ao governador Sérgio Cabral. Captada pelas câmeras de televisão do SBT, a mensagem revela de forma inequívoca o grande arranjo para calar o dono da Delta, amigo íntimo de Cabral. Portanto, é bom repetir a palavra de ordem que pode salvar a CPI do fracasso. Fala, Cavendish!

Nos bastidores, Cavendish tem falado. E muito. Ele usou interlocutores de sua confiança para divulgar suas mensagens. Uma delas foi endereçada aos políticos. Seus soldados espalharam a versão de que a empreiteira destinou cerca de 100 milhões de reais nos últimos anos para o financiamento de campanhas eleitorais — e que o dinheiro, obviamente, percorreu o bom e velho escaninho dos "recursos não contabilizados". Uma informação preciosa dessas deveria excitar o ânimo investigativo da CPI do Cachoeira. Os mensageiros de Cavendish também procuraram solidariedade na iniciativa privada. A arma foi ressaltar que o caixa dois da Delta, que serviu para financiar campanhas, segue um modelo idêntico ao de outras empreiteiras, inclusive usando os mesmos parceiros para forjar serviços e notas fiscais frias. A mensagem é: se atingida de morte, a Delta reagiria alvejando gente graúda. Como o navio nazista Bismarck, a Delta afundaria atirando. Faria, assim, um bem enorme ao interesse coletivo, mas seria mortal aos interesses privados. Os mensageiros de Cavendish têm espalhado que a mesma empresa fornecedora de notas frias da qual sua construtora se servia abastecia outras duas grandes empreiteiras. São essas ameaças, somadas à coloração suprapartidária dos contratos firmados, que azeitam a blindagem da Delta. Como saber se Cavendish está apenas blefando em uma clássica operação de controle de danos? Levando-o à CPI. Fala, Cavendish!

Desde a eclosão do escândalo, a Delta foi forçada a deixar as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), encomendadas pela Petrobras, e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), sob responsabilidade do Ministério dos Transportes. A polêmica sobre o destino da empreiteira pôs a presidente e o antecessor em rota de colisão pela segunda vez em menos de dois meses. Lula patrocinou a criação da CPI do Cachoeira ao considerá-la uma oportunidade de desqualificar instituições que descobriram, divulgaram e investigaram o esquema do mensalão, como a imprensa, o Ministério Público, o Judiciário e a oposição. Logo após a abertura da CPI, Fernando Cavendish passou a negociar a empresa com o grupo J&F, cujos donos eram parceiros preferenciais do governo Lula. A venda foi orquestrada pelo ex-presidente. O papel de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos oito anos de mandato do petista e atual CEO do J&F, na manobra ainda não está claro. Meirelles não comenta, mas sabe-se que ele, desde os tempos de BC, não assina nada que não tenha a chancela de seus advogados particulares.

O J&F tem 35% de suas ações nas mãos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mais que isso. Tomou emprestados mais de 6 bilhões de reais no banco. É, portanto, uma empresa semiestatal. Por meio de assessores, a presidente Dilma Rousseff deixou claro que seu governo não apoia a encampação da Delta pelo grupo J&F. A contrariedade de Dilma foi explicitada pela decisão das estatais de tirar a Delta de obras do Dnit e da Petrobras. Dilma determinou à Controladoria-Geral da União (CGU) que declare a empreiteira inidônea e, portanto, proibida de fechar contratos com a União. "O governo fará tudo o que estiver a seu alcance para esse negócio não sair", diz um auxiliar da presidente. Quem conhece Fernando Cavendish mais de perto garante que ele nem de longe vestiria o traje de homem-bomba. Mas como ter certeza de que tem potencial explosivo ou apenas quer minimizar os ataques a ele e a sua empresa? Levando-o à CPI. Vamos lá, coragem. Fala, Cavendish!

FONTE: VEJA, 23/5/2012

Jogo de interesses influencia rumo da CPI

Deputados, senadores e partidos formam alianças inusitadas para levar questões particulares a investigação ou barrá-las

Chico de Góis, Paulo Celso Pereira

BRASÍLIA. As duas primeiras semanas da CPMI que apura as ligações do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com parlamentares, governos e iniciativa privada foram marcadas por bate-boca, atuações solitárias, defecções nas bancadas e alianças improváveis. Só que boa parte desses fatos nada tem a ver com a investigação. Apesar de publicamente todos os parlamentares dizerem que estão focados no objeto da CPMI, o que se percebe é uma disputa pela defesa de interesses particulares.

Nesse sentido, está a aliança, inimaginável em outros tempos, do senador Fernando Collor (PTB-AL) com os petistas Cândido Vaccarezza (SP), Paulo Teixeira (SP) e Humberto Costa (PE) para expor aos holofotes da CPMI o jornalista Policarpo Jr., da revista "Veja". Collor e petistas vislumbram a possibilidade de desgaste da publicação que teve papel importante no impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto após a ditadura e na crise do mensalão.

Collor, ao mesmo tempo, é o alvo predileto de outros integrantes da CPMI. Caso do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que faz questão de expor, em cada reunião, suas divergências com o ex-presidente da República, e do senador Pedro Taques (PDT-MT), que gosta de citar artigos do Código Penal, da Constituição ou de qualquer outra legislação para contradizer o colega de Senado.

Até mesmo um correligionário de Collor expressou divergência com ele. O deputado Sílvio Costa (PTB-PE), que tem se notabilizado por falar alto, bater na mesa e querer ganhar no grito as discussões com o presidente da CPMI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), chegou a pedir, na quinta-feira passada, que Collor deixasse de ressentimentos e se reconciliasse com o Brasil. Conseguiu o silêncio do ex-presidente da República, que usualmente rebateria com agressividade.

As votações também têm revelado alianças informais marcantes. Os representantes do PDT, por exemplo, têm se posicionado junto aos oposicionistas do DEM e do PSOL defendendo a mais ampla apuração das denúncias. Os tucanos, antes parceiros inseparáveis do DEM e sempre à frente de denúncias de corrupção, agora se mostram relutantes, defendendo as investigações, mas recuando quando o tema é o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), candidato a dar explicações sobre seu relacionamento com Cachoeira.

Escancarada pela troca de mensagens entre o deputado Cândido Vaccarezza e o governador do Rio, Sérgio Cabral, na última quinta-feira, a aliança entre o PT e o PMDB quer livrar o governador de dar explicações sobre sua amizade com o ex-presidente da Delta Fernando Cavendish e também impedir as investigações sobre a construtora, responsável por diversas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Diante de tantos interesses em jogo, uma frase do deputado Silvio Costa, com sua teatralidade, talvez represente bem o que pode ser o fim da CPMI:

- Eu acho que vamos chegar muito longe, mas longe da investigação. É a lonjura a que vamos chegar.

FONTE: O GLOBO

Maioria dos contratos da Delta expira em 2012

Mais de dois terços dos termos assinados com os ministérios dos Transportes e da Integração terminam até dezembro

Roberto Maltchik

BRASÍLIA . Ameaçada de ficar impedida por até cinco anos de fazer novos negócios com qualquer órgão público, a Delta Construções tem mais de dois terços de seus 83 contratos com o governo federal previstos para encerrar até o fim do ano. Ao todo, os termos que encerram em 2012 - a maior parte voltada à conservação e manutenção de rodovias - representam R$ 2,45 bilhões, 68% de todo o dinheiro que a construtora contabiliza nas licitações que continuam vigentes em dois ministérios: Transportes e Integração Nacional. Com quase 30 mil funcionários, a Delta cresceu e se mantém exclusivamente com dinheiro público.

A carteira de contratos da Delta com o governo federal foi o principal atrativo para a J&F, holding do Grupo JBS, que tem o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no Conselho Consultivo, assumir a empresa, numa polêmica operação investigada pelo Ministério Público Federal. Não é à toa que os novos controladores anunciam que vão jogar pesado para impedir a rescisão de contratos e também evitar a declaração de inidoneidade, fundamentada nas provas recolhidas pela Polícia Federal em operação que identificou corrupção e tráfico de influência da Delta para tocar obras rodoviárias no Ceará. Um novo processo deve ser movido por causa da Operação Monte Carlo, que revelou a ligação da empresa com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

Ao todo, 58 contratos têm prazo de encerramento previsto até o fim de 2012. Os demais expiram entre 2013 e 2015, e seus valores somados alcançam R$ 1,17 bilhão. Entre os contratos vigentes da Delta, seis foram firmados no Ceará, dos quais quatro com o antigo superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), afastado depois da Operação Mão Dupla. São os contratos que, teoricamente, oferecem o maior risco de rompimento unilateral, alerta um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU).

O principal contrato vigente da Delta, da Transposição do Rio São Francisco, também foi assinado no Ceará com o Ministério da Integração Nacional, em 2008, com o valor total de R$ 265,3 milhões. Neste caso, a empreiteira integra o Consórcio Nordestino, que dispensou entre 800 e mil trabalhadores na última semana. A nova direção da empresa se limitou a informar que não comenta decisões da gestão anterior. Internamente, os novos controladores avaliam que a empresa cresceu de forma desordenada e com um modelo de gestão incompatível com o seu volume de negócios.

Para ministro do TCU, contratos são de risco

Um membro da Corte de Contas ouvido pelo GLOBO explicou que a rescisão unilateral de todos os contratos da Delta é uma possibilidade remota. Ele prevê que o governo pesará o risco das ações judiciais que poderão ser movidas pela Delta contra a União, e o prejuízo que tais rescisões podem gerar aos cofres públicos. Porém, segundo o ministro do TCU, onde ficar comprovado dolo da empresa, a rescisão é iminente. O mesmo ocorrerá se forem identificadas obras com abandono do canteiro ou gravíssimos atrasos de execução. Para ele, os contratos da Delta são considerados de "elevado risco".

- O governo também poderá alegar razões de interesse público, o que está expresso na Lei de Licitações. Porém, esse é um argumento subjetivo, arriscado. Não é uma decisão simples. É possível que o governo entre com alguns processos de rescisão unilateral, que, ao longo do tempo, podem virar acordos amigáveis - explica.

FONTE: O GLOBO

J&F tenta ganhar tempo e provoca tensão na CGU

Atraso na defesa retarda processo sobre idoneidade

BRASÍLIA. Nos últimos dias, a J&F quis ganhar tempo para apresentar sua defesa no processo de inidoneidade da Delta, o que provocou tensão com a Controladoria-Geral da União (CGU). Os advogados da empresa sustentam que a CGU errou um dígito no CNPJ da Delta ao publicar a notificação no Diário Oficial da União. O governo reconhece que houve um erro, mas antes da notificação, e assegura que o fato não teria tido nenhuma influência sobre o prazo, previsto inicialmente para encerrar na semana passada.

A CGU argumenta que a J&F pediu 25 dias para apresentar sua defesa, em vez dos dez previstos em lei. Ganhou cinco dias adicionais, e deve apresentar os argumentos até terça-feira. Para o órgão, se a J&F diz que o prazo foi dilatado em função do erro de dígito do CNPJ, está agindo de má-fé.

A Delta Construções não se pronuncia sobre os argumentos que poderá utilizar em sua defesa. Porém, especialistas ouvidos pelo GLOBO asseguram que a troca do modelo de governança e o afastamento dos ex-diretores estarão elencados.

Paralelamente ao processo, os contratos estão sendo minuciosamente auditados no Ministério dos Transportes e na CGU. A J&F também audita todos os contratos. O governo ainda desenha todos os cenários para impedir a paralisação de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), caso a Delta seja afastada do canteiro de obras.

FONTE: O GLOBO

Delta pode perder R$ 1,2 bi em contratos com a União

Sob ameaça de ficar impedida de celebrar novos contratos com a União, a Delta Construções, investigada pela CPI do Cachoeira, também pode perder R$ 1,2 bilhão a receber de contratos em andamento, informa Marta Salomon. O valor equivale a parcela não paga de obras federais programadas para sair do papel até dezembro de 2015. A contabilidade foi feita pelo Estado com base em dados da Controladoria-Geral da União. A Delta mantém 108 contratos de obras com a União.

Investigada na CPI, Delta pode perder R$ 1,2 bilhão em contratos com União

Empresa está no epicentro do escândalo

Marta Salomon

BRASÍLIA - Ameaçada de ficar impedida de celebrar novos contratos com a União, a Delta Construções, investigada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira, também pode perder R$ 1,2 bilhão a receber de contratos em andamento. O valor equivale a parcela não paga de obras federais programadas para sair do papel até dezembro de 2015.

A contabilidade foi feita pelo Estado a partir de dados fornecidos pela Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, a empreiteira que liderou o ranking de pagamentos do governo a empresas durante três anos - de 2009 a 2011 - mantém 108 contratos de obras com a União, a maioria deles com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), vinculado ao Ministério dos Transportes.

A suspensão de contratos depende de análise caso a caso, feita pelos ministérios envolvidos, em parceria com a CGU. Atrasos nas obras ou eventuais irregularidades são os principais critérios dessa análise.

Auditoria. Questionada sobre a continuidade das obras, a Delta informou que só se manifestará sobre os contratos celebrados sob o comando de Fernando Cavendish depois da conclusão de uma auditoria na empresa, cujo controle foi transferido à J&F Participações S.A., holding à qual pertence o frigorífico JBS.

O mais caro dos contratos em andamento da Delta com a União trata das obras de um dos trechos da transposição do Rio São Francisco, em Mauriti (CE). Fechado em 2008, o contrato com a Delta e duas outras empresas do Consórcio Nordestino foi prorrogado até agosto deste ano.

Do total de R$ 265,4 milhões do contrato, R$ 152,9 milhões foram pagos, mas menos da metade do trabalho foi concluída.

Relatório da CGU aponta problemas de execução, acompanhamento e gerenciamento desse trecho da transposição do São Francisco. "Foram verificadas ainda medições indevidas de serviços e baixa execução dos contratos em relação ao cronograma previsto, além de alterações significativas de contratos", diz a Controladoria.

Há vários contratos de construção e manutenção de rodovias com valores acima de R$ 100 milhões ainda em andamento. É o caso de três contratos com validade até 2013: dois lotes de duplicação e restauração da BR-101 e a adequação da BR-060, em Goiás. Nessas obras, a Delta trabalha em consórcio com as construtoras Queiroz Galvão, JM e CBEMI. O contrato da Delta com o prazo de conclusão mais distante - dezembro de 2015 - é a recuperação da BR-174, no Amazonas.

Irregularidades. Esses últimos contratos com a Delta não aparecem na lista dos 80 negócios fechados com a empreiteira sob fiscalização da CGU. O R$ 1,2 bilhão que a Delta ainda teria a receber em contratos em andamento com a União não inclui pagamentos retidos por irregularidades, como os R$ 10,3 milhões de pagamentos bloqueados no contrato de R$ 85,7 milhões para a reforma do terminal remoto de passageiros de Cumbica, em São Paulo.

O bloqueio foi determinado pelo órgão de controle interno da Presidência da República. A obra teve a dispensa de licitação contestada pela Justiça e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Construído às pressas, o terminal remoto ainda opera abaixo da capacidade, numa situação bem distante do caos aéreo previsto pela Infraero para contratar a Delta sem licitação.

Irregularidades como o superfaturamento e a má qualidade de obras provocaram a retenção de pagamentos de R$ 44,2 milhões pelo Ministério dos Transportes, que tampouco foram incluídos no total de R$ 1,2 bilhão de contratos em andamento ainda não desembolsados pela União.

A empreiteira já teve rescindido neste mês pela Petrobrás contratos de R$ 843,5 milhões para obras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). A Petrobrás alegou "baixo desempenho" da empreiteira.

Antes disso, a Delta havia anunciado a saída do consórcio responsável pela reforma do Maracanã, obra da Copa orçada em mais de R$ 800 milhões. Mais recentemente, a Delta deixou as obras da Ferrovia Oeste-Leste, que integra a carteira de projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Matriz da Delta no Rio pagou empresa de fachada, diz PF

Laudo da PF revela que a sede nacional da Delta enviou dinheiro a empresas de fachada investigadas pela polícia. O dado fragiliza o argumento da CPI do Cachoeira para limitar a apuração sobre a empresa à filial do Centro-Oeste. A Delta diz que a central só processa os pagamentos.

Laudo da PF fragiliza defesa da Delta em CPI

Dinheiro enviado a Cachoeira saiu da matriz da empreiteira, diz perícia

Documento enfraquece argumento de setores da CPI que não querem investigar operações da sede da empresa no Rio

Fernando Rodrigues, Rubens Valente

BRASÍLIA - Laudo da Polícia Federal revela que a empreiteira Delta enviou dinheiro a partir de agências bancárias no Rio a empresas de fachada no Centro-Oeste. Os pagamentos foram feitos via contas com o CNPJ nacional da Delta.

Isso fragiliza o argumento da CPI do Cachoeira para limitar a investigação sobre a Delta ao Centro-Oeste e mostra que a empresa não permitia operações financeiras sem o conhecimento da matriz.

Para o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), "não há indícios para a quebra ampla, geral e irrestrita [de sigilos] da Delta e do [seu dono] Fernando Cavendish".

Se a CPI quebrar o sigilo da empresa só em Goiás ou Brasília, não devem aparecer as operações com laranjas que, segundo o inquérito, alimentavam o grupo de Cachoeira.

Uma das empresas que a PF diz ser de fachada é a Pantoja Construções e Transportes, que recebeu R$ 26,2 milhões da Delta. O dinheiro saiu de contas em agências na av. Rio Branco e rua da Assembleia, no Rio, a 300 metros da sede da empreiteira.

Em abril, Fernando Cavendish, da Delta, disse que sua empresa "rodou nesses dois anos, 2010 e 2011, R$ 5 bilhões". Como "tem 46 mil fornecedores, esse dinheiro nesse universo é imperceptível".

O advogado da Delta, José Luis Oliveira Lima, diz que a empresa no Rio "recebe os relatórios dos responsáveis regionais". Com eles, "a central do Rio apenas processa os pagamentos para todo o Brasil".

Ocorre que a Delta tem CNPJ para o Centro-Oeste para liquidar gastos localmente. Nos pagamentos a empresas de fachada, o dinheiro era enviado por meio do CNPJ nacional e das contas no Rio. Segundo a PF, as quantias eram repassadas para o esquema de Cachoeira.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

STF 'fura' prazos para votar mensalão

Ministros previam julgamento do caso para o primeiro semestre, mas o ministro Lewandowski, revisor do processo, deve entregar seu voto no fim de junho

Felipe Recondo

BRASÍLIA - Mantido nas prateleiras e gabinetes do Supremo Tribunal Federal (STF) há quase sete anos, o processo do mensalão "furou" todos os prazos estimados pelos ministros da Corte e, agora, produzirá um efeito que muitos queriam evitar: a combinação de seu julgamento com eleição.

A agenda do julgamento depende do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo. Somente quando ele terminar o voto, a ação estará pronta para ser julgada. O ministro começou nessa semana a escrever seu voto com a ajuda de dez assessores. Concluirá o trabalho em meados de junho, como adiantou o Estado, o que permitirá o julgamento em agosto, às vésperas do início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV - no dia 21 de agosto.

Reservadamente, ministros fizeram cronogramas próprios para saber quando e por quanto tempo o processo seria julgado. Em todos os cálculos, as chances de julgamento no primeiro semestre se esgotou. Pelos cálculos do relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, haveria tempo suficiente para concluí-lo no primeiro semestre se Lewandowski liberasse seu voto até a semana passada, o que não ocorreu.

O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, queria marcar o julgamento para o início de junho. As sessões se estenderiam pela até julho. Mas o plano encontrou resistências. Joaquim Barbosa, por exemplo, avisou que está de passagem comprada para o início de julho. O ministro Marco Aurélio, que enfatiza que o mensalão é um processo como outro qualquer, também tem compromissos oficiais em julho.

Organização. Os ministros devem começar a definir, em sessão administrativa, as datas e a organização do julgamento. Ayres Britto cogitou fazer sessões diárias e seguidas para julgar o processo. Isso agilizaria o julgamento e viabilizaria a participação do ministro Cezar Peluso, que se aposenta até o final de agosto. Ministros afirmaram não ser possível suspender as sessões de turmas, que ocorrem às terças-feiras.

Ayres Britto, então, sugeriu levar as sessões de turma para segunda-feira. Assim, o plenário teria terça, quarta e quinta-feira para julgar o mensalão. Os ministros teriam a sexta-feira para tocar outros processos. Novas resistências.

Cumulativamente, Britto também cogitou fazer sessões durante o dia inteiro. Novamente os ministros contestaram o cronograma. Joaquim Barbosa afirmou não ter condições físicas para suportar essa rotina. E que depois de um julgamento pesado os ministros ficam cansados e não suportariam isso todo dia. As sessões ocorreriam então apenas em dois dias da semana - quarta e quinta-feira.

Apesar das discordâncias, Ayres Britto vai submeter aos demais ministros a organização do julgamento em sessão administrativa nesta terça-feira.

Caso chegou ao Supremo em 2005

O caso do mensalão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em julho de 2005 e é considerado um dos processos mais complexos que já passaram pela Corte, com mais de 50 mil páginas relatando o maior escândalo do governo Lula. Em 2007, o Supremo aceitou a denúncia contra os 40 réus propostas pelo Ministério Público Federal. Posteriormente, esse número caiu para 38, pois foram excluídos do inquérito o ex-secretário do PT Silvio Pereira, que fez um acordo com o Ministério Público, e o deputado José Janene, que morreu.

Ao longo dos anos, um sem-número de recursos movidos pelos diversos réus foram postergando o julgamento. Foi somente em dezembro de 2011 que o ministro Joaquim Barbosa concluiu o relatório do caso. O texto ficou com 122 páginas e foi encaminhado para a revisão do ministro Ricardo Lewandowski. A entrega do voto de Lewandowski é o último passo para o julgamento começar. Já se passaram quase sete anos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Indústria fraca atrasa retomada do crescimento

Economistas afirmam que custos de mão de obra seguem elevados

Efeito positivo da alta do dólar sobre a indústria poderá ter resultado apenas em 2013, diz especialista

Mariana Carneiro

SÃO PAULO - Projeções de analistas do mercado financeiro indicam que o governo conseguirá neste ano elevar a cotação do dólar, como vem pleiteando a indústria, e baixará a taxa de juros a piso inédito.

Ainda assim, o resultado será crescimento modesto, com chance de ser menor do que o do ano passado. O principal entrave é a indústria. Mesmo com dólar valorizado, o setor enfrenta dificuldades e retarda a retomada.

O desempenho fraco no primeiro trimestre levou economistas a projetarem um crescimento de 3,2% em 2012, próximo ao do ano passado (2,7%), o que foi considerado pouco pelo próprio governo.

Tendências e LCA já preveem expansão ainda menor: 2,5% e 2,6%. Na sexta, após divulgação da prévia do PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre, as revisões continuaram.

Estudo dos economistas Zeina Latif e Marcelo Gazzano mostra que a crise na indústria vai além de câmbio e juros. Está ligada ao custo da mão de obra, que continua a subir apesar da atividade fraca, e mina a competitividade.

"Desconfio que teremos uma decepção com a indústria", diz Zeina Latif.

A economista lembra que países como Chile e México também tiveram suas moedas valorizadas frente ao dólar, mas a indústria não parou. Isso indica, diz Latif, que o problema não é só o câmbio.

"O custo da mão de obra está numa trajetória ascendente desde 2010 e coincide com a estagnação da indústria e o aumento dos importados", afirma a economista.

Salário

No primeiro trimestre, a média do custo da mão de obra, calculado pelo BC, ficou 8,7% acima da média do mesmo período de 2011. Resultado dos aumentos salariais puxados pelo reajuste do salário mínimo (14%).

"A indústria não consegue repassar o aumento de custos. Tenho dúvidas se essa desvalorização do real compensará a perda", diz Latif.

Professor da UFRJ e assessor da diretoria de planejamento do BNDES, Francisco Eduardo Pires de Souza observa que o dólar subiu cerca de 20% desde o piso do ano passado, e se permanecer ao redor de R$ 2 pode reduzir os custos do setor em reais.

Ele diz que a competitividade aumenta por três meios: salários menores, ganho de produtividade com inovação ou câmbio desvalorizado.

Mesmo sem os dois primeiros, a desvalorização do real tem impacto. Mas sem resposta imediata. "Não será antes do segundo semestre e talvez só no ano que vem", diz.

Além da demora natural em refazer negócios, muitas indústrias passaram a ser importadoras de insumos e sofrerão aumentos de custos antes de trocar de fornecedor.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dividido, PT vai às urnas escolher candidato

Petistas definem, hoje, entre o prefeito João da Costa e o deputado Maurício Rands, o nome do partido na eleição do Recife. Clima hostil dominou campanha.

PT define seu destino

Disputa interna. Após dois meses de uma guerra fratricida, legenda escolhe entre João da Costa e Maurício Rands seu candidato à PCR

Bruna Serra

Com ares de primeiro turno da eleição municipal de outubro, o Partido dos Trabalhadores realiza hoje a sua prévia partidária, de onde sairá o candidato à Prefeitura do Recife. Após 60 dias de campanha, alguns bate-bocas e muitas alfinetadas, o militante chega ao dia D temendo pelo futuro da legenda no comando político da capital pernambucana. O clima tenso entre os dois pré-candidatos, o prefeito João da Costa e o secretário estadual de Governo, Maurício Rands, contaminou a organização do pleito. A Executiva municipal petista transformou-se em praça de guerra, onde qualquer reunião para definir os detalhes da votação travestiu-se de disputa visceral.

Entre as 33 mil pessoas que hoje integram o quadro de filiados do PT no Recife, aproximadamente 24 mil estão aptas a votar neste domingo. Após perder o prazo para solicitação das urnas eletrônicas junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a Executiva municipal, responsável pela organização, chegou a cogitar a contratação de uma empresa privada que implementasse votação. Depois de muito diálogo, os dirigentes conseguiram as 71 urnas que estarão distribuídas em 13 locais de votação, com destaque para as zonas no bairro de Ibura, de Casa Amarela e Santo Amaro, que concentram o maior número de eleitores militantes.

Por tratar-se de um domingo, o tribunal não pôde oferecer a mão de obra necessária para a fiscalização. Sendo assim, o partido foi obrigado a contratar mão de obra de uma empresa de tecnologia da informação, que treinou 160 mesários para fiscalizar a votação. Dois grupos designados pela equipe de cada pré-candidato trabalhará na fiscalização do pleito, ponto que, em se tratando de PT, certamente gerará confusão. Apesar do ambiente entre os militantes ser de provocação, o estatuto do partido permite que seja realizada propaganda boca de urna.

Acordo

João da Costa e Maurício Rands votarão logo pela manhã, mas como o local de votação dos dois é o mesmo, a Escola Estadual Divino Espírito Santo, na Caxangá, um acordo de cavalheiros foi estabelecido para evitar o encontro. O senador Humberto Costa e o ex-prefeito João Paulo também compartilham o mesmo local de votação. Por volta das 9 horas, irão à Escola Estadual Sizenando da Silveira para votar.

Assim como acontece nas eleições gerais, o fechamento das urnas está marcado para as 17 horas. A expectativa dos candidatos é de que em no máximo uma hora o resultado possa ser anunciado na sede da Executiva estadual. O prefeito aguardará a contagem dos votos na sede da Executiva municipal, junto com as lideranças que o apoiam. Já Rands assistirá a apuração no diretório estadual, ao lado do senador Humberto Costa. O deputado João Paulo não estará presente, pois viaja no final da tarde para África do Sul, em missão do Congresso Nacional.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Apoiadores protagonizam eleição em SP

PT enfrenta a "lulodependência" e PSDB tenta driblar rejeição de Kassab, seu maior aliado

Fernando Gallo, Bruno Boghossian

Dois cabos eleitorais de estaturas políticas distintas estão prestes a entrar em cena na disputa pela Prefeitura de São Paulo. A 40 dias do início da campanha, o PT prepara terreno para o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Fernando Haddad, um candidato praticamente desconhecido. No campo do PSDB, José Serra pretende apresentar como trunfo projetos lançados pelo prefeito Gilberto Kassab (PSD), mas enfrentará o desafio de driblar o alto índice de rejeição de seu aliado.

Com Haddad congelado no patamar de 3% das intenções de voto, a cúpula da campanha petista depende de Lula para impulsioná-lo, com base em pesquisas que mostram que o ex-presidente pode mobilizar quase metade do eleitorado a favor de seu apadrinhado. Lula seria o principal cabo eleitoral petista em São Paulo, uma vez que a presidente Dilma Rousseff ainda hesita em fazer demonstrações significativas de apoio ao pré-candidato.

No PSDB, Serra levará ao palanque um cabo eleitoral que tem como trunfo uma carteira de projetos vultosos e um orçamento de R$ 38 bilhões, mas que é desaprovado por 58% dos paulistanos. Kassab ainda traz na bagagem o peso do escândalo que envolve um diretor da secretaria municipal de Habitação, suspeito de enriquecimento ilícito.

Em cena. Lula entrou em campo na última sexta-feira, após um longo período de convalescência do câncer. Sua entrada em cena expôs a dependência que o PT de São Paulo tem do ex-presidente e a transição de geração que o partido vive na capital, sem grandes líderes que possam suprir suas eventuais ausências.

Sete meses transcorridos desde o diagnóstico da doença, em que não pôde se dedicar 100% à campanha de seu apadrinhado, Lula retoma as atividades sem que nenhum líder tenha emergido durante o tratamento para tomar as rédeas da pré-campanha. O próprio Haddad, sem capital político próprio, não tomava decisões importantes, como a definição da coordenação de campanha, sem consultar seu mentor.

O PT espera que a volta do ex-presidente, liberado pelos médicos para agendas mais intensas, turbine a campanha de Haddad não apenas do ponto de vista midiático, atraindo a atenção do eleitorado, mas também sob o prisma das costuras políticas - fechando as alianças que darão sustentação à campanha petista e elevarão o tempo de TV e rádio do PT nas eleições.

Especialistas ouvidos pelo Estado apontam as razões da "lulodependência" vivida pelo PT paulistano: o abatimento da velha guarda do PT paulista pelo escândalo do mensalão sem que o partido tivesse conseguido formar novos líderes em São Paulo, o alto cacife político somado ao estilo personalista e centralizador de Lula, e o consentimento dos petistas à liderança extrema do ex-presidente.

"O Lula centripetou tanto o partido e sua liderança que ele desestimulou a formação de novas lideranças", diz José Álvaro Moysés, professor de Ciência Política da USP. "O outro lado é que o partido permitiu isso. Ele impôs a candidatura da Dilma, todo mundo aceitou. Com Haddad, a mesma coisa. Um partido que reage assim não tem como criar outras lideranças."

Carlos Melo, do Insper, vê na crise do mensalão uma parte importante da "lulodependência" petista. "Essa geração que hoje está com 60 anos ou mais foi atingida pelo mensalão. Depois do Lula, viriam José Dirceu e José Genoino. Você tem uma lacuna", diz. "Ninguém tem a dimensão do Lula e ninguém se mobiliza para ter."

Peso. Pré-candidato apoiado pelo atual prefeito, Serra quer levar para a propaganda eleitoral obras e projetos inaugurados por Kassab - com destaque para aqueles iniciados no período em que o tucano estava na Prefeitura.

A equipe de campanha ainda não definiu a estratégia para apresentar a relação entre Serra e Kassab na TV, mas descarta afastar as imagens dos dois. "O Kassab continuou a gestão do Serra e foi reeleito com esse peso", afirma um tucano.

Em atos de campanha, os petistas usam a expressão "Serra-Kassab" para tentar colar no pré-candidato a rejeição do prefeito. Os tucanos ensaiam uma resposta: indicam que, neste segundo mandato, Kassab trocou boa parte da equipe que Serra havia deixado na Prefeitura.

Apesar do alto índice de rejeição de Kassab, Serra ainda consegue conquistar apoio entre os críticos do prefeito. Pretendem votar em Serra 20% dos eleitores ouvidos pelo Ibope que avaliam a gestão de Kassab como ruim ou péssima. Entre os paulistanos que rejeitam o governador Geraldo Alckmin (PSDB), apenas 6% declaram apoio a Serra.

Kassab ainda enfrenta o noticiário negativo envolvendo Hussain Aref Saab, que era responsável pela aprovação de obras imobiliárias na Prefeitura. Os tucanos reagem com o argumento de que o prefeito afastou exemplarmente o funcionário.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Legista da ditadura promete revelações na comissão

Acusado de falsificar laudos, Harry Shibata diz que sabia das torturas, mas nunca viu vestígios delas nos cadáveres

Tatiana Farah

DIREITO À HISTÓRIA

SÃO PAULO. Ex-diretor do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo nos anos 70, o legista Harry Shibata diz que tem revelações a fazer para a Comissão da Verdade, que apura os crimes da ditadura. Aos 85 anos, vivendo recluso em uma casa de dois pavimentos e piscina no Alto de Pinheiros, Shibata nega a maior acusação que pesa contra ele, a de falsificar laudos e atestados de óbitos para esconder torturas e mortes no regime militar.

O legista assinou a autópsia do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, que morreu sob tortura, mas teve sua morte divulgada como suicídio. É acusado de ter falsificado outros inúmeros laudos. Assinou o laudo de Sonia Maria de Moraes Angel Jones, que, depois de torturada, teve seus seios arrancados e foi estuprada com um cassetete. A versão do legista foi de morte em tiroteio.

Shibata é processado pelo Ministério Público Federal por ocultação de cadáveres por causa do encontro de ossadas de presos políticos no cemitério clandestino de Perus, em São Paulo. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, ele confirma que assinou o laudo de Herzog, mas nega ter visto o corpo.

- Eu não fiz a autopsia porque o segundo perito não participa. É praxe. Ele lê o laudo, conversa com quem fez o exame. Se ele estiver de acordo, assina. Eu não assinei como suicídio. O laudo dizia que ele morreu de asfixia por enforcamento. No caso do Vlado, ele morreu de asfixia mecânica por enforcamento. Se enforcaram ou não enforcaram, se é suicídio, homicídio ou acidente, não é função do legista. Isso é o inquérito que vai dizer.

Apesar de garantir que não viu o corpo de Vlado, o legista afirma que tem segredos para contar à comissão e à viúva de Vlado, Clarice Herzog, que mora a 300 metros de sua casa. Perguntado se faria uma revelação, respondeu:

- Se for chamado, sim. Eu não quero que você publique uma coisa antes que a Comissão da Verdade saiba. Para você, é um furo, para eles é um "atrapalho". Eu não sei o que eles vão procurar realmente.

Embora negue ter visto cenas ou vestígios de tortura nos presos políticos, Shibata diz que ela existe "em qualquer lugar do mundo":

- Eu não acredito que não exista polícia que não faça tortura - disse ele, que não descarta o método como forma de investigação: - Olha, se você tiver que pensar em termos de combater estuprador, assassino, a maldade, uma certa forma assim, cruel, eu não sei.

Shibata diz que nunca fez um laudo falso:

- Absolutamente. Nunca. Imagina. Eu tenho um juramento comigo mesmo. Eu sou espiritualmente muito doutrinado. E Jesus foi sempre quem pregou a verdade: "em verdade, em verdade, vos digo"- afirmou, dizendo que vai ter de "corrigir a mídia": - É tudo mentira.

O legista mais famoso da ditadura militar diz que nunca viu uma cadeira do dragão, usada nas torturas com eletrochoques.

- Como é a cadeira do dragão? Você tem ideia? Eu nunca vi - disse ele, concluindo, depois que a reportagem falou sobre os choques elétricos: - Ah, toma choque? É tipo cadeira elétrica, então? Se você está dizendo isso de cadeira do dragão, de choque... Choque não deixa vestígio.

Apesar de dizer que "honestamente falando" nunca encontrou vestígio de tortura, o legista confirma:

- Eu sabia que havia tortura, mas não entro no mérito.

Shibata nega que o IML tenha recebido orientação de não descrever o estado geral dos corpos autopsiados, ignorando marcas de tortura:

- Nunca houve essa intervenção. O que a polícia sempre pedia é que a gente tinha de receber a requisição policial, o pedido de autopsia. Se você tem um hematoma, se descreve o hematoma. Se ele caiu, se apanhou, não é função nossa.

Se depender de Harry Shibata, a localização dos desaparecidos na ditadura militar continuará uma incógnita.

- O que acontece muita vezes é que quem pratica esses atos, os pratica muito bem e a gente nunca vai saber. Desaparecido é desaparecido. Onde está, não sei. Especular a respeito de como foi feito o desaparecimento é difícil, né? Se o cara foi enterrado com o nome falso, acontece muitas vezes - disse ele, respondendo sobre as ossadas de Perus: - O problema não tem nada a ver comigo, nem com o IML. A função de enterro é do cemitério.

O legista afirma não ter conhecido a presidente Dilma durante o regime militar porque não acompanha política.

- Eu acredito que ela esteja fazendo uma boa gestão. Eu votei no Serra. Não conhecia a Dilma. Nunca ouvi falar dela nos anos 70. Sou meio apolítico. Quando Carlos Marighella morreu, eu que fiz a autopsia. Não sabia quem era. Ele morreu metralhado. Eu só soube depois, quando pediram para fazer o laudo imediato, porque havia pressa, a polícia pediu urgência no laudo.

Shibata conta que, por ordem do delegado-geral de Polícia, Celso Teles, não fez a autopsia no corpo do delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos maiores símbolos da repressão, supostamente morto ao cair de seu barco em Ilhabela, em 1979. Segundo afirma o delegado capixaba Cláudio Guerra no livro "Memórias de uma Guerra Suja", Fleury foi morto pelos próprios militares e o acidente foi forjado:

- O delegado-geral (Celso Teles) disse: "Olha, não precisa fazer autopsia". Estava tudo errado. Quando é morte violenta teria de ser chamado um legista. Mas chamaram um médico comum. A lei diz que onde não há médico-legista, o laudo deverá ser feito por dois médicos. Eu acho que é fantasiosa (a tese de assassinato), mas existe a suspeita porque não foi feita a devida autopsia.

FONTE: O GLOBO

'Quero é saber quem assassinou o Vlado'

Para viúva de Herzog, que não descarta encontro com legista, Shibata pode explicar o que aconteceu

Tatiana Farah

SÃO PAULO. A caminho do escritório, Clarice Herzog passa todos os dias na Rua Zapara, Alto de Pinheiros, em São Paulo, onde mora Harry Shibata. Não sabia que apenas 300 metros a separavam do homem que pode ajudar a elucidar a morte de Vladimir Herzog, o Vlado, até que o Levante Popular da Juventude promoveu um "esculacho" na porta do legista, em abril.

- Eu nem sabia que Shibata continuava vivo. Eu vi os cartazes nos postes da minha rua com a foto dele. Só então me dei conta. É o passado presente - disse Clarice, por telefone ao GLOBO.

A viúva de Herzog participou na semana passada da cerimônia de posse da Comissão da Verdade, em Brasília:

- Não adianta esperar que a comissão traga alívio para a mágoa, a dor e a perda. O que eu quero é saber quem assassinou o Vlado.

Para Clarice, Shibata tem a resposta. O legista deu a entender que sabe muito:

- Se a Clarice viesse aqui conversar comigo, eu a receberia com todo o prazer. Para ela, eu poderia até contar tudo o que eu realmente sei. Eu falaria com ela por uma questão de solidariedade.

Consultada pelo GLOBO, Clarice não descartou a visita ao legista.

- Mas eu ainda tenho de refletir sobre isso. Não sei se eu teria coragem de ir até lá.

Para ela, já foi doloroso descobrir quem era seu vizinho:

- Foi constrangedor. Ainda hoje, quando passo na rua dele para ir ao trabalho, eu lembro.

Não seria mesmo fácil esquecer. Shibata limpou as pichações deixadas pelo Levante no muro de sua casa, mas não conseguiu apagar o que foi escrito pelos jovens na calçada: "Suicídio?"

Vladimir Herzog morreu em 25 de outubro de 1975, nos porões do DOI-Codi, em São Paulo. A versão oficial dava conta de que ele havia se enforcado na cela. Recentemente, o fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, que trabalhava para a polícia paulista nos anos 70, admitiu à "Folha de S. Paulo" que a foto de Vladimir Herzog, morto em sua cela, foi uma fraude.

A apuração da morte de Vladimir Herzog é cobrada do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). No dia 30 de maio vence o primeiro prazo para que o governo se pronuncie sobre o caso. Esta semana, em entrevista exclusiva ao GLOBO, o ex-chefe da Operação Bandeirantes (Oban) Maurício Lopes Lima falou sobre Herzog:

- Eu acho que aconteceu o que não devia acontecer em hipótese nenhuma. Tirar a vida de uma pessoa, assim, não sei como foi... por suicídio ou o que foi, não é uma coisa certa - disse ele, que afirma ter deixado a Oban antes da prisão de Herzog. 

FONTE: O GLOBO

No Rio, 31 desaparecidos políticos na ditadura

Parentes das vítimas da repressão querem que a Comissão da Verdade exponha os nomes dos envolvidos nos crimes

Juliana Dal Piva

DIREITO À HISTÓRIA

Então um menino de 11 anos, Marcelo Rubens Paiva mal acordara e seu pai Rubens Paiva, 41 anos, já havia sido levado de casa por policiais, na manhã do dia 20 de janeiro de 1971. O universitário Stuart Angel Jones, 26 anos, vivia com identidade falsa por suas atividades no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) desde o fim de 1968, por isso, quando militares o levaram em 14 de junho do mesmo ano, a família sequer testemunhou a prisão. Dois anos depois, em outubro de 1973, o estudante Ramires Maranhão do Valle, 23 anos, militante clandestino do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), também foi preso pela polícia sem que ninguém visse. Como os outros, em dezembro, o major da reserva, Joaquim Pires Cerveira, 50 anos, teve destino semelhante. Todos eles desapareceram.

De acordo com o "Dossiê Ditadura - Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964/1985)", publicado em 2009, o Rio tem atualmente 31 nomes considerados desaparecidos políticos, sendo que em todo o Brasil, o número chega a 138. E está nesta lista uma das grandes expectativas em relação à recém-empossada Comissão da Verdade: saber o que realmente ocorreu com cada um deles. O jornalista Marcelo Rubens Paiva, 53 anos, ressaltou que sua família já está mobilizada para acompanhar de perto o trabalho da comissão.

- Eu acho que, se a comissão de fato começar pelos desaparecidos, é preciso chamar os responsáveis pela prisão e tortura. O caso do meu pai está bem documentado e é muito simples saber quem era o comandante - pontuou Paiva.

O engenheiro Romildo Maranhão do Valle, 60 anos, é irmão do estudante Ramires Maranhão do Vale, desaparecido em 1973. Ele contou que seu pai, mesmo aos 93 anos, também acompanha o desenvolvimento do processo. Os dois, no entanto, não têm grandes expectativas em relação à Comissão da Verdade, mas Valle é categórico ao revelar o que a família gostaria de ver como resultado:

- Nós queremos saber o que foi que houve, quando foi e quem foi responsável. E, é claro, que queremos justiça, algo parecido com o processo argentino, mas sabemos que um processo muito difícil - disse Valle.

Família Angel quer expor culpados
A jornalista Hildegard Angel perdeu a mãe, a estilista Zuzu Angel, e o irmão, Stuart, durante a ditadura militar. O assassinato de Zuzu foi reconhecido pelo Estado. Ela morreu em um acidente forjado pelos militares depois de passar anos investigando o desaparecimento do filho em 1971. Hildegard cobra pela família os detalhes sobre os últimos dias de vida de seu irmão.

- Estou impaciente e a nossa expectativa é que a verdade apareça. A gente quer os nomes dos responsáveis e queremos que isso seja apontado publicamente. A verdade tem que estar nos livros escolares, não podemos viver em um país de mentira - desabafou.

Além de identificar as circunstâncias dos desaparecimentos e os responsáveis pelos casos, a Comissão da Verdade terá que se deparar com o envolvimento da Operação Condor - aliança feita por países da América do Sul para achar exilados na região - na morte e ocultação de cadáveres de brasileiros e estrangeiros, aqui e fora do país. O major da reserva Joaquim Pires Cerveira é um destes casos. Cerveira estava em Buenos Aires quando desapareceu em 1973, mas, segundo testemunharam presos políticos, ele foi trazidos a sede do Doi-Codi/RJ.

- Nada repõe a perda, mas cada vez que alguém diz algo, dá alguma localização (do corpo), ocorre de novo a morte do meu pai. Nesses anos todos ele morreu várias vezes, mas nunca definitivamente - observou a filha Neusah Cerveira, 53 anos, professora universitária.

Ela própria contou que quando tentou publicar sua tese de doutorado realizada na Universidade de São Paulo (USP) sobre a Operação Condor sofreu dois sequestros, os quais só está denunciando agora.

Tanto ela quanto Romildo Maranhão foram chamados para reunião com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com familiares de outros desaparecidos citados no livro "Memórias de uma Guerra Suja". Na publicação, o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Cláudio Antônio Guerra, informou que alguns militantes teriam sido incinerados em uma usina de açúcar em Campos. O pai de Neusah seria um deles.

FONTE: O GLOBO

Chamando as coisas pelos seus nomes:: Renato Lessa

Há coisa de algumas semanas, um personagem sombrio, egresso do esgoto da memória nacional, deu seu testemunho a respeito do que andou a fazer durante a vigência do regime de exceção, implantado em março de 1964. Ex-delegado de polícia, o personagem ganhou notoriedade pela força de suas revelações sobre torturas, assassinatos e ocultamento de corpos de militantes da resistência ao descalabro. O livro encontra-se nas boas casas do ramo, e deve ser lido por quem tem estômago forte e um mínimo de apego à memória histórica. Se apenas, digamos, 10% do que diz correspondem à verdade, o efeito é estarrecedor.

O saudoso deputado Ulysses Guimarães bem sabia do que estava a falar quando declinou seu ódio absoluto às ditaduras. Se vivo estivesse, e houvesse lido o relato do abjeto personagem, teria ali encontrado fartos motivos para sua aversão, que incidia sobre um regime que fez do suplício e da eliminação física prática corrente e meio de sustentação. Não é preciso aderir ao modismo das teorias a respeito da “biopolítica” para reconhecer que regimes políticos são inteligíveis pelo que fazem com os corpos de seus súditos. Regimes cuja sustentação exige o suplício e o assassinato de oponentes têm tradicional acolhida conceitual na história do pensamento político: são regimes despóticos, tiranias e estados de exceção.

A Comissão da Verdade, instalada há poucos dias pela presidente Dilma Rousseff, tem diante de si um desafio e uma oportunidade decisivos para fixar uma narrativa a respeito de história recente do país. Há duas ordens imediatas de objetivos, para a fixação de tal narrativa, de natureza incontornável: (1) elucidar, tanto quanto for possível, os parentes, amigos e o País sobre o paradeiro dos desaparecidos e (2) desfazer a funda assimetria instituída pelos termos da anistia, que tornou públicos os nomes e os atos dos presos políticos e ocultou os de seus perpetradores.

A anistia concedida em 1979 abrangeu, além dos então presos políticos, possíveis perpetradores de “crimes conexos”. Pelo eufemismo, estavam cobertas as ações do aparelho de repressão à dissidência política. A assimetria reside no fato de que a anistia concedida ao primeiro grupo – opositores ao regime -, por razão lógica, só pode ser concedida aos que reconhecida e publicamente praticaram atos julgados atentatórios à segurança nacional. É claro que isso não impede que a eventual descoberta posterior de ocorrência de ato dessa natureza tenha como implicação a aplicação da anistia. Mas o fato é que a viabilidade do usufruto da anistia por parte da esquerda exigiu a ostensão personalizada dos beneficiados.

Os perpetradores de “crimes conexos” foram agraciados por uma anistia generalizada, inespecífica e despersonalizada. Suas identificações não foram definidas como necessárias para o usufruto do perdão. Trata-se, é evidente, de assimetria forte e apenas mentes paranoicas podem supor que a possível reposição da simetria seja algo aparentado a “revanche”.

Mas, além desses dois objetivos , há ainda a valiosa oportunidade para a elucidação da natureza do regime vigente no País entre 1964 e 1985. Mais do que o inestimável serviço de inscrever na memória nacional os nomes e os paradeiros dos desaparecidos e de seus verdugos – em seus respectivos nichos -, trata-se de pôr à disposição dos brasileiros novos elementos para interpretar seu passado recente. O efeito principal poderá ser o da elucidação do que significa um regime de exceção com a implicação de que os que ocuparam sua direção devem ser chamados pelos nomes apropriados: ditadores, e não “presidentes”, como se pudesse haver alguma analogia com os que ocuparam a direção do País por força de procedimentos legítimos.

Independentemente do juízo que se possa fazer a respeito de Dilma Rousseff como chefe de governo, seu gesto como chefe de Estado inscreve-se em um dos momentos fortes da história republicana. A qualidade da peça lida pela presidente e a condensação política presente no ritual – mais do que completo e generoso, a ponto de incluir um presidente indigno e impedido – parecem à altura do fato nada trivial de termos na chefia de Estado – e no comando supremo das Forças Armadas – alguém que sentiu no próprio corpo o que significa uma ditadura. O consenso reunido representa o reconhecimento desse aspecto crucial.

O desconforto dos chefes militares na cerimônia mostra, lamentavelmente, quanto as forças sob seu comando têm dificuldade em se distinguir do que foi feito por alguns de seus antecessores. A cena beira o absurdo, pois afinal nada há no comportamento corrente dos militares brasileiros que autorize temor corporativo diante das atribuições da Comissão.

Renato lessa é professor titular de Teoria Política da UFF, investigador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do Instituto Ciência Hoje

FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO

Tiro no pé:: Merval Pereira

O flagrante da mensagem do deputado petista Cândido Vacarezza garantindo imunidade ao governador do Rio, Sérgio Cabral, é mais uma confirmação de que essa CPI do Cachoeira está se revelando o maior erro dos últimos tempos do grupo político que está no poder.

Convocada estranhamente pela maioria governista, a CPI tinha objetivos definidos pelo ex-presidente Lula e pelo ex-ministro José Dirceu: apanhar a oposição com a boca na botija nas figuras do senador Demóstenes Torres e do governador de Goiás, Marconi Perillo, e desestabilizar o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, responsável pela acusação dos mensaleiros no julgamento do Supremo Tribunal Federal.

De passagem, queriam certos petistas criminalizar a revista "Veja" para criar um clima político que favorecesse a aprovação de uma legislação de controle da mídia, como vêm tentando, sem sucesso, desde o início do governo Lula.

Por enquanto, está dando tudo errado. Atentativa de constranger os ministros do Supremo resultou numa reação do Judiciário, que se viu impelido a não deixar dúvidas sobre sua independência.

A vontade de procrastinar o julgamento, quem sabe deixando-o para o próximo ano, quando dois novos ministros estarão no plenário para substituir Cezar Peluso e Ayres Britto, ficou tão explícita que o revisor do processo, o ministro RicardoLewandowski, viu-se na obrigação de anunciar que pretende apresentar seu voto ainda no primeiro semestre, permitindo que o julgamento comece logo em seguida.

Até mesmo uma frase banal, que queria dizer outra coisa, teve o efeito de levantar suspeitas.

QuandoLewandowski disse que o julgamento ocorreria "ainda este ano" sabe-se agora que não estava pensando em outubro ou novembro, mas a partir de junho, como fez questão de esclarecer.

Comrelação à imprensa, todos os esforços do senador Collor de Mello, o "laranja" da tramoia petista, têm sido em vão, e as relações do PT com o PMDB estão azedando, na definição de Vacarezza, porque o PMDB não está disposto a embarcar nessa aventura petista de tolher a liberdade de imprensa.

Por fim, a blindagem explícita do governador do Rio pode se transformar em uma faca de dois gumes, tornando inevitável sua convocação.

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Começa amanhã em Shangai, e prossegue na quarta-feira em Beijing, uma série de debates sobre o papel contemporâneo da China no mundo multipolar que se desenha e, mais genericamente, o dos Brics nesse novo contexto internacional.

Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul formam o mais famoso acrônimo da política internacional e têm sua importância geopolítica crescente no rearranjo do poder global, especialmente depois da crise financeira de 2008, que continua afetando as principais economias do mundo, notadamente Estados Unidos e União Europeia, abrindo espaços para os países emergentes.

A Academia da Latinidade, que reúne intelectuais de diversas partes do mundo para promover a aproximação das culturas, está na origem dessa iniciativa, sob a coordenação do cientista político brasileiro Cândido Mendes, seu secretário-geral.

A parte de Shangai se dedicará a debater as visões chinesa e latino-americana da modernidade, sob os auspícios do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências Sociais de Shangai, e está dividida em dois segmentos, separados por uma palestra de Cândido Mendes sobre a emergência do Brasil dentre os Brics.

No primeiro segmento serão debatidas as nuances das várias modernidades globais,"luzes e sombras", com palestras de Walter Mignolo, diretor do Centro de Estudos Globais e Humanidades da Universidade Duke, atualmente professor visitante da Universidade de Hong-Kong; Enrique Larreta, diretor do Institutode Pluralismo Cultural da Universidade Cândido Mendes; Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo. Eu participarei dessa parte falando sobre as relações da imprensa com o Estado noBrasil moderno.

O segundo segmento da mesa-redonda será sobre as conexões culturais em termos globais e suas importâncias nos contextos locais.

Javier Sanjinés, professor de Literatura latino-americana e de Estudos Culturais da Universidade de Michigan, falará sobre a cultura andina na fase pós-colonial; a cientista social Maria Isabel Mendes de Almeida, da PUC do Rio, falará sobre a juventude urbana no Brasil; Claudia Amengual abordará o tema "cultura e apolítica da linguagem" e Gerardo Caetano, historiador e cientista político espanhol, falará sobre a ideia de República na América Latina contemporânea.

De 23 a 25, a Academia da Latinidade promoverá em Beijing, com a cooperação da Universidade Tsinghua, sua XXV Conferência, desta vez centrada no tema "Humanidade e Diferença na Idade Global".

Tendo a China como referência, o debate pretende aprofundar as discussões sobre a emergência do multiculturalismo no mundo contemporâneo, e a busca de um diálogo no limite da "guerra de religiões", quando questões como os direitos humanos têm que ser discutidas além da visão de que eles representam uma "ideologia ocidental".

A Academia da Latinidade trabalha em parceria com a ONU na Aliança dasCivilizações - Cândido Mendes é o embaixador brasileiro - e o ex-presidente de Portugal Jorge Sampaio, atualmente Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações, enviou um vídeo especial para o encontro.

O encontro terá a participação de vários scholars chineses, como Si Han, especialista em História da Arte e Estudos Visuais, curador de Arte Chinesa noMuseu de Estocolmo; Tong Shijun, vice-presidente da Academia de Ciências Sociais de Shangai; Wang Ning, professor de Literatura Comparada na UniversidadeTsinghua; Xie Weihe, vice-presidente da Universidade Tsinghua.

Juntamente com intelectuais ocidentais como Gianni Vatimo, professor Emérito de Filosofia da Universidade de Turim; SusanBuck-Moors, cientista política da CUNY; Gilbert Hottois, professor de Filosofia Contemporânea na Universidade de Bruxelas; Daniel Innerarity, professor de Filosofia Política na Universidade do País Basco, debaterão temas como Tecnologia e a Civilização; Ocidentalismo e Pós-Ocidentalismo; Espaços de Diferenças.

FONTE: O GLOBO

"Cosa Nostra":: Dora Kramer

O que é a máfia?

Uma organização de alicerces criminosos que se sofistica, investe na formação de "quadros", infiltra-se nas instituições para conferir feição legal aos seus negócios. Ao longo do tempo senta praça no Estado mediante cooptação de agentes públicos e privados permeáveis aos atrativos da corrupção.

O que parece ser a rede montada sob a coordenação de Carlos Augusto de Almeida Ramos?

Pelos fatos já revelados, justamente uma organização originada na operação ilegal de bingos e caça-níqueis que se aperfeiçoou investindo em atividades de natureza lícita enquanto ampliava seus tentáculos formando relações e firmando contaminações na polícia, no Judiciário, no Ministério Público, no Executivo e, com especial desenvoltura, no Legislativo.

As gravações já conhecidas feitas pela Polícia Federal no curso das operações Vegas e Monte Carlo mostram a montagem de uma estrutura que já contava com a participação de parlamentares para influir até nas emendas ao Orçamento da União.

Previa a "compra" de um partido, articulava a eleição do senador Demóstenes Torres para a Prefeitura de Goiânia, incentivava sua aproximação com o governo federal na esperança de um dia vê-lo como ministro da Justiça. Infiltrou "agente" na Controladoria-Geral da União, usou de espionagem para monitorar investigações do Tribunal de Contas da União e contou com informantes no alto escalão da polícia.

É com esse cenário de contorno nitidamente mafioso que a CPMI "do Cachoeira" se depara. Seu trabalho é revelar à sociedade o que fazia essa organização, quem participava dela, como trabalhava e por que conseguiu crescer.

Ainda não dá para dizer se a comissão soçobrou de vez ou se há chance de prosperar, mas uma coisa é evidente: perde fôlego, patina e vive um momento ruim.

Já gastou quase um dos seis meses previstos para as investigações e até agora o que se viu foi dispersão e perda de tempo com discussões sobre convocações de um jornalista, do procurador-geral da República e de sigilos de documentos.

Adiam-se depoimentos, restringem-se alvos de investigações, mas, vá lá, pode ser parte da estratégia que venha a se revelar acertada adiante.

Não contribui para a seriedade dos trabalhos um deputado do PT (Cândido Vaccarezza) passar um recibo - literalmente por escrito - de que há na CPMI possibilidade de oferta de proteção, enviando mensagem por celular a um governador do PMDB (Sérgio Cabral Filho) para tranquilizá-lo quanto a uma possível convocação.

Muito menos nos termos utilizados. A frase "você é nosso e nós somos teu", além de um atentado idiomático, remete à existência de uma "coisa nossa" cuja natureza não se sabe exatamente qual seja.

Há uma expectativa de que o deputado venha a ser questionado ou deixe espontaneamente a comissão. Dúvida fica se a ideia seria preservar a confiabilidade da CPMI ou apenas salvar temporariamente as aparências.

De qualquer modo, a questão essencial permanece. A CPMI deslancha ou desanda?

Na segunda hipótese, o Congresso terá perdido a chance de reabilitação desse instrumento tão debilitado nos últimos tempos e pior: compactuado com a máfia que se propôs a investigar e preferencialmente desmontar.

Azedume. Quando Cândido Vaccarezza avisou ao governador Sérgio Cabral Filho que a relação do PT com o PMDB iria "azedar" na CPMI, o fez depois da tentativa frustrada de obter apoio dos pemedebistas para aprovar a convocação do jornalista Policarpo Júnior, da revista Veja.

O petista enviou vários torpedos pressionando parte da cúpula do PMDB que estava reunida naquele mesmo dia (quinta-feira) e avaliava que o partido não deveria ceder por dois motivos: para não perder o discurso de defesa da liberdade de imprensa e porque não tinha razão para comprar briga alheia.

Mais especificamente de Lula em nome de quem, na interpretação dos pemedebistas, Vaccarezza estaria atuando.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O dia dos 30 milhões:: Janio de Freitas

O provável é que protegidos da CPI respondam na Justiça o que estão dispensados de responder no Congresso

O teste não tarda: será na terça-feira, próxima reunião da CPI do Cachoeira. É quando se constatará ou se desmentirá um pretenso acordo do relator Odair Cunha, para adiar até esta semana a votação das convocações da Delta Construções (por um dirigente) e de seu "ex-dono" Fernando Cavendish.

Ambos foram excluídos das convocações de quinta passada, segundo o pretenso acordo, para facilitar o entendimento de PT-PMDB-PSDB que livrou de inquirição os governadores Agnelo Queiroz (PT), Sérgio Cabral (PMDB) e Marconi Perillo (PSDB).

Se a proteção for só por motivos partidários, que no fundo comprovam a culpa do protegido, até que sairá barato para os responsáveis pela imoralidade da CPI. Será outra de tantas repetições de uma ordinarice apelidada de política de partido.

Mas é impossível esquecer a afirmação de Cavendish, em seus recentes tempos de arrogâncias, segundo a qual "eu [ele lá] ponho 30 milhões na mão de qualquer um deles e tenho o que eu quiser". (Houve transcrições da frase com diferenças de forma, mas todas iguais no valor, na razão do seu uso e no resultado produzido.)

O provável é que os protegidos da CPI venham a responder nos tribunais, por força do inquérito policial, o que estão dispensados de responder no Congresso. Mas a Delta e Fernando Cavendish compõem uma das chaves para se esclarecer o "sistema Cachoeira". E, com isso, são chave de grande parte dos mecanismos e variedades de corrupção que minam o Congresso, corroem ministérios e deterioram governos com a gatunagem multibilionária nos cofres do dinheiro público.

Já estão expostas muitas indicações da ligação central da Delta com Cachoeira e sua rede. Indicações que vão desde o tráfico de influência na administração pública, com a finalidade de negócios mais do que suspeitos, à proteção contra tentativas de investigar as conquistas de contratos, adicionais e lucros formidáveis da Delta. Terça-feira a CPI chegará a uma encruzilhada.

Exceção. O senador Alvaro Dias, agora líder do PSDB no Senado, não pode ver um microfone de TV ou um gravador de repórter. Fala, fala, fala -e não diz nada. Afinal, uma fala sua produz efeito: "Se houver deliberação a respeito de Perillo, vamos dar o troco".

Deliberação, aí, é convocação pela CPI. Troco, é requerimento para convocação também dos governadores Agnelo Queiroz e Sérgio Cabral. No papel de guarda-costas do governador Marconi Perillo, Alvaro Dias facilitou o acordo de blindagem dos três governadores.

O próprio. Revira o estômago a última frase da mensagem do deputado do PT paulista Cândido Vaccarezza ao governador Cabral, captada por um câmera de TV: "A relação com o PMDB vai azedar na CPI. Mas não se preocupe você é nosso e nós somos teu". (Assim mesmo: "teu".) As tentativas faladas e escritas de Vaccarezza, depois, para revirar a frase, só confirmam: este empenhado protetor da Delta é um deputado azedo.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Sobre a Comissão da Verdade :: Celso Lafer

A Comissão Nacional da Verdade, cujos qualificados membros foram empossados na semana passada, insere-se no âmbito do que se denomina justiça de transição, que diz respeito aos modos como, na passagem de regimes autoritários para a democracia, uma sociedade lida com um passado de repressão e violência. Comissões de Verdade são uma instância ad hoc com objetivo básico de apurar, num prazo determinado (dois anos no caso desta), fatos sobre graves violações de direitos humanos. Partem do pressuposto de que podem oferecer mais benefícios para a consolidação da vida democrática de uma sociedade do que a judicialização de processos políticos.

A Comissão da Verdade não é o marco zero da justiça de transição no Brasil. Tem como antecedentes a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, do governo Fernando Henrique Cardoso, bem-sucedida experiência de reparação aos familiares de mortos e desaparecidos entre 1961 e 1985, e a Comissão de Anistia, que desde o governo Lula propicia medidas indenizatórias de reparação a pessoas atingidas por atos arbitrários cometidos antes da promulgação da Constituição de 1988.

A Comissão da Verdade deverá examinar e esclarecer graves violações de direitos humanos a fim de efetivar um direito à memória e à verdade histórica. Suas atividades não terão caráter jurisdicional ou punitivo. Ou seja, ela nem pune, pois não é justiça de transição retributiva (em consonância com a Lei da Anistia de 1979, que o STF considerou válida), nem indeniza, até porque da justiça de transição de reparação trataram as duas comissões acima mencionadas. Seu foco recairá sobre as circunstâncias que cercaram a vigência do regime autoritário e deverá cumprir papel de relevo para a afirmação dos valores democráticos, que é a sua razão de ser.

No que diz respeito à função da justiça, lembro que a comissão poderá receber testemunhos. A amplitude desses testemunhos lhe permitirá fazer uma justiça asseguradora das múltiplas vozes do sofrimento das vítimas e de seus familiares, a quem restituirá institucionalmente dignidade, por obra, para falar com Hannah Arendt, do poder redentor da narrativa e da diferença entre o descrever e o ouvir.

O papel da comissão não se confunde com o da anistia. Anistia, palavra de origem grega, significa esquecimento e tem proximidade semântica, e não apenas fonética, com amnésia. A anistia coloca-se desde Atenas, depois da vitória da democracia sobre a sangrenta oligarquia dos 30, sob o signo da utilidade política de apaziguamento das tensões de uma sociedade, e não sob o signo da verdade. Não é um perdão. É um esquecimento, juridicamente comandado, de atos cometidos de natureza penal. Esse esquecimento comandado, que alcança atos do governo e dos que a ele resistiram, foi, nesses termos, juridicamente reconhecido como válido pelo STF. Não exclui, no entanto, a afirmação de um direito de titularidade coletiva da cidadania brasileira, a memória da verdade factual de graves violações de direitos humanos. Para assegurar este direito a comissão foi criada.

A natureza da verdade que cabe à comissão apurar não é a verdade jurídica proveniente da judicialização de processos políticos. É, para recorrer novamente a Arendt, a verdade factual dos fatos e eventos, que é a verdade da política. Esta se caracteriza porque o seu oposto não é o erro, a ilusão ou a opinião, mas sim a falsidade da ocultação ou a mentira na manipulação dos fatos. Por isso seus modos de asserção não são os de evidência da verdade racional, mas o desvendamento dos fatos pelo testemunho e pelo acesso à informação escondida. Seu papel é, assim, e esta é a função principal da comissão, o de impedir o esquecimento por apagamento de rastros da violação de direitos humanos.

Para tanto ela deverá indicar as maléficas consequências, para a vida política democrática, do criptopoder, tanto no Estado quanto na sociedade, que age na sombra, porque tanto se oculta quanto oculta, isto é, esconde, pelo sigilo, o que fez em matéria de violência e violação de direitos humanos. Realçará, assim, a comissão, a validade do princípio de transparência do poder, que é constitutivo de um regime democrático.

A verdade factual a ser buscada com objetividade e imparcialidade pela comissão deverá ser uma contribuição para a História. Não é, no entanto, a História. O seu papel é constituir um local de memória da verdade factual da violação dos direitos humanos no Brasil no período que lhe incumbe averiguar, representativo de uma institucionalizada vontade de memória coletiva cidadã dos males dessa violação. Mas a memória não é História, pois escolhe, seleciona e é vivida no presente, com a preocupação do futuro.

A memória da repressão e o direito à verdade do sofrimento de suas vítimas são tanto uma comprovação de que não se manda impunemente quanto um componente indiscutível do que caracterizou o regime autoritário no Brasil. Este, no entanto, tem outros aspectos e escrever e interpretar sua história requer tomar em conjunto outras facetas do período, na coerência narrativa de uma síntese do heterogêneo. O que estou querendo dizer é que a avaliação histórica do período e de suas circunstâncias é uma indagação que passa por pesquisas e reflexões que não têm a característica da coisa julgada da verdade jurídica num processo penal. Explico-me com dois exemplos: o período do Estado Novo de Getúlio Vargas e a gestão presidencial de Floriano Peixoto foram períodos de significativas violações dos direitos humanos. Têm, no entanto, outras dimensões que a História vem examinando e avaliando de maneira mais ou menos positiva.

Em síntese, a factualidade para a qual contribuirá a Comissão da Verdade é o limite da liberdade de interpretação. Porém a realidade histórica é esquiva. Por ser humana, é equívoca e inesgotável, como observou Raymond Aron ao tratar dos limites da objetividade histórica.

Celso Lafer é professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores no governo FHC.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO