sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Jürgen Habermas: A Europa é antes de tudo um projeto constitucional

Nesta crise atual, indaga-se muito sobre razão de ainda nos atermos ao projeto da União Europeia, vale dizer, ao antigo objetivo de uma “união politica cada vez mais estreita”, no momento em que se esgotou justamente aquele motivo originário de impedir guerras na Europa. Há mais do que apenas uma resposta a essa questão. Adotando o ponto de vista de uma constitucionalização do direito das gentes, o qual, para além do status quo, aponta com Kant para um futuro estado jurídico cosmopolita ´(kosmopolitischerRechszustand), gostaria de apresentar em seguida uma interpretação nova mais convincente: a União Europeia pode ser concebida como um passo decisivo no caminho para uma sociedade mundial constituída politicamente. As energias despendidas pelos defensores do projeto europeu no penoso caminho que levava ao Tratado de Lisboa foram dissipadas no conflito que se criou em torno das questões sobre uma constituição política, se desconsiderarmos, porém, as consequências jurídico-constitucionais do “governo voltado à economia” ora planejado, essa perspectiva se recomenda hoje com base em outras duas razões. Por um lado, o debate contemporâneo se reduzia a buscar saídas imediatas para as atuais crises dos bancos, da moeda e da divida, perdendo-se de vista dimensão da politica, por outro, falsos conceitos políticos impedem que se perceba a força civilizadora da juridificação democrática – e com isso a promessa que desde o inicio esteve associada ao projeto de uma constituição europeia.

(Cf. Sobre a constituição da Europa, São Paulo, Unesp, 2012).

Manchetes dos principais jornais do País

O GLOBO
Temporais de janeiro voltam a castigar o Rio
Esforço maior para se aposentar
Condenado assume na Câmara
Cúpula chavista se reúne em Cuba
125% mais presos por embriaguez

FOLHA DE S. PAULO
Dilma recorre a manobra inédita para fechar contas
Turismo vira feudo de Kassab no governo de Haddad em SP
Temporal no RJ deixa um morto e mil desalojados
Favorito para a Câmara rejeita ordem do STF para cassações
SP vai facilitar internação à força de dependentes
Chávez tem insuficiência respiratória, diz governo

O ESTADO DE S. PAULO
Governo manobra e garante R$ 16 bi para cumprir meta
Intervenção cambial é a maior desde 2008
Usuário de crack terá internação involuntária

VALOR ECONÔMICO
União usa fundo soberano para cumprir meta fiscal
Atraso nos projetos de telecom para Copa
Governo apura reclamações contra bancos
PSDB prepara discurso para eleição de 2014

BRASIL ECONÔMICO
STF e Congresso criam impasse no rateio de impostos entre estados
Brasil afugenta a pesquisa clínica, diz Antônio Britto
Importador não se ajustou ao fim da guerra fiscal
Mercado vê bolsa em 70 mil pontos
Para FMI, acordo para evitar abismo fiscal nos EUA não é suficiente

CORREIO BRAZILIENSE
Ainda dá para você comprar sem o novo aumento
Rio de desespero
Governo faz manobra e fecha contas
Genoino toma posse e diz não se constranger
Marina articula sigla e deve disputar GDF

ESTADO DE MINAS
Funil apertado para os cotistas na UFMG
Condenado, Genoino toma posse na Câmara
Chuva mata e desaloja 2 mil no Rio

O TEMPO (MG)
Crimes concentram-se entre 18h e meia-noite na Grande BH
Muito poder para o presidente
Genoino toma posse sem dor de consciência
Chuva mata uma pessoa e desaloja 3.000 no RJ

GAZETA DO POVO (PR)
Um terço dos eleitores já não lembra em qual vereador votou
Dois anos depois, Rio revive drama causado pela chuva
Genoino volta com a “consciência serena dos inocentes”
Falta plano de saneamento em 90% das cidades
Fruet contraria discurso e nomeia Bertoldi
Clima preocupa abastecimento de energia no país
Cristina reivindica Malvinas em carta aberta

ZERO HORA (RS)
Ataque na Serra nasceu de aliança de bandos na Pasc
Número de acidentes e mortes cai na Capital
Ao assumir, José Genoino diz sentir-se “confortável”

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Qualquer fera pode pedir para rever a redação
Lei seca ficará ainda mais dura no Carnaval
Condenado, José Genoino toma posse na Câmara
Morte e centenas de desabrigados pela chuva no Rio

Condenado assume na Câmara

Dizendo ter a "consciência tranquila dos inocentes", o petista José Genoino, condenado no julgamento do mensalão por corrupção ativa e formação de quadrilha, tomou posse ontem como deputado federal. Entre os 17 parlamentares que assumiram o mandato, estava Colbert Martins, preso na Operação Voucher, da PF

Condenado e com mandato

Ao tomar posse na Câmara, Genoino se agarra à Constituição para justificar decisão

Evandro Éboli, Isabel Braga

Sem arrependimento. Ao assumir o sétimo mandato, Genoino disse ter "a consciência tranquila dos inocentes"

ECOS DO MENSALÃO

BRASÍLIA - Sob aplausos, o ex-presidente do PT José Genoino (SP), com outros 14 suplentes, tomou posse ontem como deputado na Câmara, em cerimônia restrita aos parlamentares que assumiam e a seus familiares. Mais tarde, outros dois parlamentares também foram empossados. O mais visado entre os novos deputados, Genoino disse que assume seu sétimo mandato com a consciência dos inocentes e citou cinco vezes a cláusula pétrea da Constituição que considera culpado só quem teve processo transitado em julgado. Esse trecho da Carta, que ficou o tempo inteiro a seu lado, foi seu argumento de defesa.

- Tenho a consciência serena e tranquila dos inocentes. Mais cedo ou mais tarde a verdade aparecerá - disse Genoino, em entrevista coletiva após sua posse, já sem apresentar o abatimento dos dias da condenação.

Genoino foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do mensalão, a seis anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha. Ele evitou falar sobre isso, dizendo apenas que o processo continua. Entre os empossados, foi o único efusivamente aplaudido, num gesto de desagravo dos colegas petistas que prestigiaram a posse.

O ex-deputado Colbert Martins (PMDB-BA), preso na Operação Voucher, que investigou desvios de recursos no Ministério do Turismo em 2010, tomou posse, sozinho, mais tarde. Na época, ele era secretário nacional de Turismo.

- Foram muitas palmas para o Genoino, até eu bati palma. É o exercício da democracia. Se ele está aqui, foi o povo que o elegeu. Evidentemente, não há como negar o constrangimento, mas foi o Supremo quem decidiu (condená-lo). Ele merece respeito pela sua história - disse o deputado Osvaldo Reis (PMDB-TO), que também foi empossado ontem.

Petistas vão a posse para prestigiar Genoino

Na entrevista, Genoino recebeu apoio de parlamentares petistas, que fizeram questão de se perfilar atrás dele, num gesto de solidariedade. Estavam presentes o ex-presidente do PT Ricardo Berzoini (SP), o líder do partido na Câmara e seu irmão, José Guimarães (CE), Sibá Machado (AC) e José Mentor (SP).

Genoino disse, antes do início da entrevista, que não vive sem a política e fez uma retrospectiva de sua vida, desde a perseguição da ditadura até integrar o governo. Mas fugiu das perguntas sobre o mensalão.

O petista minimizou possível resistência de parlamentares à sua presença na Câmara dos Deputados e disse que sempre se deu bem com os colegas no Congresso:

- Não provoco nem me intimido. Tenho longa experiência e sempre respeitei a todos. Sem revanchismo. Sinto-me confortável porque estou cumprindo as regras e as normas do meu país. Fui eleito suplente por 92.326 votos em 2010, em plena pré-campanha condenatória.

Genoino também falou sobre como conviveu, nestes últimos meses, com o julgamento do mensalão, encerrado em novembro:

- As noites, às vezes, são longas. Mas a minha paciência é mais longa que os momentos de escuridão.

"não serei motivo para crise entre poderes"

O deputado afirmou que acatará qualquer decisão do STF, mesmo que discorde dela:

- Respeito os poderes, mesmo discordando de certas decisões. Sim, vou cumpri-las, porque quem respeita cumpre.

Questionado sobre a crise entre o Supremo e a Câmara por conta da polêmica sobre a perda de mandato dos quatro deputados condenados no mensalão (ele, Valdemar Costa Neto, Pedro Henry e João Paulo Cunha), respondeu:

- Não serei motivo para crise entre poderes.

Disse que será um parlamentar como sempre foi, de debates, de ideias e de plenário. E que atuará na defesa dos governos Lula e Dilma.

O parlamentar disse também que, por onde anda, tem recebido apoio das pessoas.

- Conheci os dois lados da política: o da poesia e o do sangue. O lado do sangue está devidamente exposto.

E afirmou ainda que recebe apoio nas ruas:

- Por onde eu ando, recebo manifestação de apoio e solidariedade.

O petista afirmou ainda que não consegue viver sem a política, com ou sem mandato.

- Faço política porque tenho causas e sonhos.

Com a renúncia dos 26 deputados que assumiram no dia 1º como prefeitos, eleitos nas últimas eleições, 23 suplentes foram efetivados no cargo, e três deputados tomaram posse como suplentes. Genoino, assim como Bernardino de Oliveira (PRB-PR) e Renato Andrade (PP-MG), assumiu o cargo pela primeira vez nesta legislatura, por isso teve que tomar posse ontem. Genoino e Oliveira já foram deputados; Andrade foi eleito pela primeira vez.

Fonte: O Globo

Investigado por improbidade também assume como deputado

Colbert Martins chegou a ser preso durante investigação no Turismo

Isabel Braga, Evandro Éboli

Juramento. Denunciado pela PF, Colbert, à esquerda, participa da cerimônia de posse ao lado de Eduardo Gomes

BRASÍLIA - Denunciado e preso pela Operação Voucher, da Polícia Federal, em agosto de 2011, quando secretário nacional de Turismo, Colbert Martins (PMDB-BA) assumiu ontem novo mandato, o seu quarto na Câmara. O esquema desmantelado pelos agentes da PF desviava recursos de emendas parlamentares do Ministério do Turismo. Ao todo, 38 servidores da pasta foram presos e levados para um presídio no Amapá, onde se concentraram os desvios de convênios entre entidades e o ministério.

A denúncia sustou sua candidatura à prefeitura de Feira de Santana (BA). Ele chegou a se lançar pré-candidato um mês antes de ser preso. Colbert Martins administrou duas vezes o município.

Deputado nega desvios

Colbert foi denunciado por improbidade administrativa, por conta de um convênio no Amapá. Ele argumenta não ter cometido qualquer irregularidade e diz que assinou a última parcela do convênio, que já tinha sido preparado e concluído em outra gestão.

- O processo está em andamento. A denúncia foi recebida, fiz a defesa por escrito, mas até hoje não fui ouvido. Eu quero é que esse julgamento aconteça logo. Passaram-se um ano e cinco meses e até agora eu não fui ouvido - afirmou Colbert, logo após tomar posse em solenidade na presidência da Câmara.

Ele tomou posse no final da tarde, mas não no mesmo grupo empossado na cerimônia que incluía José Genoino.

- Tenho interesse em ser julgado logo, sou inocente. Tenho absoluta tranquilidade do que fiz. A justiça que tarda é das piores - completou Colbert Martins.

O deputado já foi filiado ao PPS, partido da oposição, e filiou-se ao PMDB recentemente, que é da base do governo.

- O Tribunal de Contas da União (TCU) já avaliou minha participação, a Controladoria Geral (CGU), também. Manifestaram-se a meu favor. Eu tinha acabado de assumir a secretaria (do Ministério do Turismo) e dei andamento aos processos que estavam parados desde dezembro.

Colbert assume como suplente na vaga do deputado Maurício de Trindade, que licenciou-se para assumir a Secretaria de Desenvolvimento Social da prefeitura de Salvador (BA).

Colbert pede reparação

Colbert quer, além do julgamento célere, reparação em relação ao constrangimento que ele e outros sofreram neste processo. Na época, foram divulgados fotos das pessoas detidas, inclusive a da identificação, sem camisa, já dentro da unidade penitenciária.

- A exposição de que fui vítima foi injusta. Quero que isso seja visto e reparado.

Fonte: O Globo

Favorito para chefiar Câmara diz que desobedecerá ao STF

Decisão sobre mandato de réus do mensalão é do Legislativo, afirma peemedebista

Para Alves, prerrogativa é 'inequívoca', apesar de o Supremo ter definido por 5 a 4 que a cassação deve ser automática

Catia Seabra

BRASÍLIA - Favorito para comandar a Câmara dos Deputados a partir de fevereiro, o líder da bancada do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), disse ontem que, se eleito, não pretende cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal pela cassação automática do mandato dos condenados no julgamento do mensalão.

No mês passado, o STF determinou que os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) percam o mandato imediatamente após o fim do julgamento -o que ocorrerá após a análise dos recursos.

A decisão também afeta agora José Genoino (PT-SP), que era suplente e tomou posse ontem na Câmara.

Em entrevista à Folha, Henrique Alves, candidato favorito à presidência da Câmara, afirma que o Congresso não abrirá mão da prerrogativa de dar a palavra final. Isso inclui votação secreta no plenário da Casa, onde uma cassação só ocorre com o apoio de pelo menos 257 dos 513 deputados.

Segundo Henrique Alves, a "Constituição é clara" e, portanto, cada Poder deve ficar "no seu pedaço".

"Não [abro mão de decidir]. Nem o Judiciário vai querer que isso aconteça. Na hora em que um Poder se fragiliza ou se diminui, não é bom para a democracia."

O deputado afirmou ainda que "algum mais desavisado pode ter esquecido", mas a Constituição de 1988 foi elaborada pelos congressistas.

"Cada palavra, vírgula e ponto ali foram colocados por nós. Então, temos absoluta consciência de nossos direitos, deveres, limites e prerrogativas. A questão da declaração da perda do mandato é inequívoca que é do Parlamento", afirma o peemedebista, em plena campanha pela presidência da Casa.

Para ele, o placar apertado da sessão do STF pela cassação -5 votos contra 4- só reforça seu argumento.

"O Supremo, que trouxe essa polêmica, metade dele concordou que fosse do Legislativo a última palavra. Cabe, realmente, ao Poder Legislativo a declaração da perda do mandato", afirmou, acrescentando que todo o rito de um processo de cassação tem de ser aplicado.

A decisão sobre a prerrogativa de cassar mandatos legislativos é motivo de tensão entre Congresso e STF desde o mês passado. Marco Maia (PT), atual presidente da Câmara, também disse que não cumpriria a decisão.

Ministros do STF reagiram à declaração do petista. "O equivocado espírito de solidariedade não pode justificar afirmações politicamente irresponsáveis, juridicamente inaceitáveis, de que não se cumprirá uma decisão do Supremo Tribunal Federal revestida da autoridade da coisa julgada", disse Celso de Mello durante sessão do STF.

Para ele, eventual descumprimento pode configurar o crime de prevaricação.

Em resposta, o presidente da Câmara atribuiu a declaração do ministro ao seu estado de saúde. Na ocasião, Celso de Mello se recuperava de uma forte gripe.

A tensão manteve-se até quatro dias antes do Natal, quando não estava descartada a hipótese de o presidente do Tribunal, ministro Joaquim Barbosa, acolher pedido de prisão imediata dos condenados. Marco Maia cogitou até a hipótese de oferecer abrigo aos deputados.

Afirmando que essa "não é para ser uma guerra de Poderes", Henrique Eduardo Alves diz que, passado o "momento de emoção", confia no senso de responsabilidade do Legislativo e do Judiciário.

"Queremos um Judiciário forte, também, respeitado. Não precisa ser popular. Mas forte, respeitado por todos nós. Então, cada um no seu pedaço. Na hora em que o STF chegar às suas decisões, vamos cumprir as nossas obrigações, formalidades legais que devem ser apreciadas."

Fonte: Folha de S. Paulo

É legítimo assumir o mandato após a condenação pelo Supremo?

Sim. - Cláudio Gonçalves Couto

É curioso que haja dúvida sobre a legitimidade de José Genoino assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados, após sua condenação pelo STF no processo do mensalão. É curioso porque os que acalentam dúvida em relação à legitimidade da posse normalmente têm certeza sobre a legitimidade da condenação, embora o arcabouço jurídico que justificou uma seja o mesmo que possibilita a outra. Portanto, se a decisão de condenar é legítima, já que baseada na lei, que razões haveria para ilegitimar a posse, também baseada na lei?

A legislação brasileira prevê que a condenação apenas será efetuada após a publicação do acórdão pelo STF e, depois, após o julgamento de todos os recursos interpostos pelos réus ou pelo Ministério Público. Como nada disso aconteceu ainda, a posse de Genoino deve ocorrer, já que ele é o próximo na lista de suplências da coligação pela qual concorreu a uma cadeira de deputado federal, para a qual uma vaga foi aberta.

Decerto se pode questionar a correção de nossas leis, sua desejabilidade, adequação aos problemas do País etc. Todavia, mesmo que consideremos a necessidade de que a legislação seja alterada, enquanto isso não advir é o respeito às leis vigentes que garantirá que o Estado de Direito vigore no Brasil. Mesmo porque a vigência do império da lei requer, primeiramente, que apenas decisões baseadas na legalidade existente ocorram e, em segundo lugar, que outras decisões de Estado se deem mediante alguma forma de norma jurídica (governo sub lege e per lege). Logo, impedir a posse de Genoino neste momento significaria desrespeitar a lei e, portanto, atentar contra o Estado de Direito.

Genoino tem não só direito de tomar posse, mas obrigação - pois alega inocência. E o Estado tem o dever de dar-lhe posse em respeito aos seus eleitores e aos de sua coligação.

Não. - José Alvaro Moisés

Eu não tenho dúvidas de que José Genoino prestou um grande serviço à luta contra a ditadura no Brasil. Sua participação na Guerrilha do Araguaia foi um ato de coragem, que mostrou que ele compreendeu, naquela ocasião histórica, que era necessário fazer sacrifícios pessoais por uma causa coletiva maior. Sua participação na formação do PT também teve dimensões memoráveis; a crença na formação de um partido de esquerda - que muitos de nós também queríamos que fosse democrático - fazia muito sentido nos anos que antecederam a queda do muro de Berlim.

Mas a sua participação no mensalão não me leva, de forma alguma, a ser solidário com ele nesse episódio. Eu penso que o próprio Genoino compartilha da avaliação que agora, finalmente, Rui Falcão fez daqueles fatos, designando-os como "equívocos" do PT ou dos seus dirigentes nos últimos dez anos - os quais fizeram até o ex-presidente Lula pedir desculpas ao povo brasileiro.

A decisão de Genoino de assumir o mandato de deputado pode ser uma estratégia de defesa, mas ela é contraditória com o fato de ele recorrer da decisão do STF. Se mesmo condenado vai usar os mecanismos jurídicos legais para recorrer e, assim, deixar para conhecer mais tarde a decisão final da Justiça, deveria também esperar para se decidir a assumir um mandado cuja finalidade principal é zelar pelas leis do País. Como pode alguém que foi condenado por ter fraudado a Constituição querer assumir o papel de legislador? A decisão afeta a legitimidade do Congresso.

A questão não é jurídica, mas moral e ética, e, por favor, isso não deve ser visto como um retorno ao "udenismo". A esquerda deveria ser a primeira a zelar para que, na democracia, os valores republicanos sejam preservados. A ideia de que o mensalão se justifica porque os outros partidos faziam o mesmo é o fracasso de uma das mais importantes ideias da origem do PT.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Porta dos fundos - Merval Pereira

Já é um absurdo que deputados condenados pelo Supremo continuem exercendo seus mandatos como se nada tivesse acontecido. Há casos desses na Câmara. Absurdo maior, porém, é dar posse a suplente condenado pela última instância do Judiciário por corrupção ativa e formação de quadrilha. A posse do ex-presidente do PT José Genoino é absolutamente legal, pois o processo ainda não transitou em julgado, mas é totalmente aética e revela, ao mesmo tempo, a falta de compromisso do PT e da própria Câmara com o exercício da política no sentido mais alto, definido como a busca do bem comum, priorizando interesses particulares e corporativos.

No julgamento do mensalão, o ministro Celso de Mello deu o tom histórico ao definir a dimensão da decisão, que sacramentou com seu voto, pela cassação dos mandatos dos parlamentares condenados no processo como consequência da perda de direitos políticos. Essa perda dos mandatos está diretamente ligada à gravidade dos crimes cometidos contra o Estado, e mais uma vez ficou ressaltado o sentido de todo o julgamento: a defesa das instituições democráticas. Celso de Mello chamou a atenção para o fato de que as decisões do colegiado são sempre do Supremo, não havendo vencidos nem vencedores. A votação de 5 a 4 pela interpretação da cassação automática passa a ser a da Corte, que tem a última palavra em termos constitucionais e, como lembrou Rui Barbosa, pode até mesmo "errar por último".

Por isso mesmo, alertou em seu voto, seria "inadmissível o comportamento de quem, demonstrando não possuir necessário senso de institucionalidade, proclama que não cumprirá uma decisão transitada em julgado emanada do órgão judiciário que, incumbido pela Assembleia Constituinte de atuar como guardião da ordem constitucional, tem o monopólio da última palavra em matéria de interpretação da Constituição".

O ministro tocou no ponto certo quando advertiu que "reações corporativas ou suscetibilidades partidárias associadas a um equivocado espírito de solidariedade não podem justificar afirmação politicamente irresponsável e juridicamente inaceitável". Diante da condenação de seus principais representantes no julgamento do mensalão, o PT decidiu politizar a última decisão, em torno dos mandatos legislativos dos condenados, para retaliar o STF, criando uma crise entre os poderes onde não existia disputa política, mas de interpretação do texto constitucional.

A posição do presidente da Câmara, deputado petista Marco Maia, de considerar que cabe ao Legislativo a última palavra em caso de cassação de mandatos tem respaldo em interpretações jurídicas, tanto que, mesmo que os nove ministros tenham votado pela perda dos direitos políticos dos condenados, quatro deles consideraram que caberia à Câmara a decisão final quanto à perda de mandato.

Mas, diante da decisão da maioria da Corte, não há, numa democracia, justificativa para anunciar que ela não será acatada. A posse de Genoino é mais um lance dessa disputa de alas petistas contra a dura realidade que enfrentam, e só cria novo embaraço à já constrangedora situação da Câmara. As ameaças de Maia são apenas retóricas, pois não caberá a ele a decisão sobre o assunto. Henrique Alves, do PMDB, deve ser eleito para presidir a Câmara e é ele que terá a tarefa de convencer seus pares de que a última palavra neste caso é do STF. A posse do réu condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha é tola tentativa de retomar a história do ex-guerrilheiro José Genoino, que, como já defini aqui, se transformou em um perverso formulador da História ao se dizer vítima de novos torturadores da imprensa, que, em vez de pau de arara, usariam a caneta para lhe infligir sofrimentos.

Transformar a liberdade de expressão e de informação em instrumentos de tortura mostra bem a alma tortuosa desse político equivocado, metido em bandidagens para impor projeto político "popular" ao país. Assim como entrou pela porta dos fundos da Câmara para tomar posse de um mandato que moralmente já perdeu, Genoino sairá pela porta dos fundos da História direto para a cadeia.

Fonte: O Globo

Coices e relinchos - Nelson Motta

A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, ideias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão politica no Brasil.

A outra é responder acusando o adversário de já ter feito o mesmo, ou pior, e ter ficado impune. São formas primitivas e grosseiras de expressão na luta pelo poder, nivelando pela baixaria, e vai perder tempo quem tentar impor alguma racionalidade e educação ao debate digital.

Nem nos mais passionais bate-bocas sobre futebol alguém apela para a desqualificação pessoal, por inutilidade. Ser conservador ou liberal, gay ou hetero, honesto ou ladrão, preto ou branco, petista ou tucano, não vai fazer o gol não ser em impedimento, ser ou não ser pênalti. Numa metáfora de sabor lulístico, a politica é que está virando um Fla x Flu movido pelos instintos mais primitivos.

Na semana passada, Ferreira Gullar, considerado quase unanimemente o maior poeta vivo do Brasil, publicou na "Folha de S.Paulo" uma crônica criticando o mito Lula com dureza e argumentos, mas sem ofensas nem mentiras. Reproduzida em um "site progressista", com o habitual patrocínio estatal, a crônica foi escoiceada pela militância digital.

Ler os cento e poucos comentários, a maioria das mesmas pessoas, escondidas sob nomes diferentes, exigiria uma máscara contra gases e adicional de insalubridade, mas uma pequena parte basta para revelar o todo. Acusavam Gullar, ex-comunista, de ter se vendido, porque alguém só pode mudar de ideia se levar dinheiro, relinchavam sobre a sua idade, sua saúde, sua virilidade, sua aparência, sua inteligencia, e até a sua poesia. E ninguém respondia a um só de seus argumentos.

Mas quem os lê? Só eles mesmos e seus companheiros de seita. E eu, em missão de pesquisa antropológica. Coitados, esses pobres diabos vão morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Das diferenças - Miriam Leitão

Não existe torturador moderno. A expressão é uma contradição em termos. Todo torturador é medieval, porque só pessoas pertencentes a um tempo de trevas podem acreditar que alguma ordem será defendida com a dor dos outros. Existe jornalista enfático, agressivo, insistente, irritante, bom ou incompetente, mas é só um jornalista. Ele pode ser respondido ou ignorado.

José Genoino chegou com sua filha Mariana ao Congresso na quarta-feira. (Que moça bonita e que fortes as demonstrações que ela já deu de amor ao pai). Claro que seria cercado pelos jornalistas, que fariam perguntas. Se eles não as fizessem seriam estranhos, mais ou menos como padeiros que não fazem pães. Isso não significa que todos fizeram as perguntas cabíveis.

Pelo relato do Globo, o repórter, ao qual Genoino respondeu, perguntou como é que ele se sentia por não poder deixar o país, enquanto ele, o repórter, podia. Colocação inadequada. A leitura da transcrição do diálogo mostra que o jornalista não tentava se informar, tirar uma boa resposta, usar as declarações para esclarecer algum eventual leitor. Ele repetia "eu não fui condenado a nada, o senhor foi" ou "eu posso deixar o país, o senhor não". Com 40 anos de jornalismo, considero que isso não é uma entrevista. É mau jornalismo.

O problema é que, em outros momentos, e com menos motivos para se irritar, Genoino usou a mesma expressão, dando a entender que considera a imprensa - toda ela - um grupo de "torturadores". A palavra é forte e o deputado conhece a perversidade embutida em seu significado. Nenhum problema com as críticas aos jornalistas, mas o que preocupa é o fato de que esse tipo de reação firma a convicção de que bom mesmo é um país sem imprensa, ou com uma imprensa controlada.

Genoíno, por temperamento, acha que tem que lutar sempre, mesmo quando está em clara desvantagem, como agora. Mas desta vez ele já foi julgado pelo STF, que decidiu que os condenados nessa ação que tiverem mandatos vão perdê-los.

Formalmente, Genoino pode assumir o mandato, mas ele sabe que sua decisão tem o custo de provocar polêmica. Até aí, tudo bem. O que ele não deveria é seguir a estratégia de confrontação com o Supremo que foi insinuada pelo seu colega de partido, deputado Marco Maia. Não deveria também acreditar que essa prisão - se ele for preso ao fim do processo - será igual à que sofreu durante a ditadura militar. Agora, o país vive o estado de direito, ele teve amplo direito de defesa, o Supremo Tribunal Federal julgou de forma transparente e com base nos autos. Felizmente, ontem, ele disse que acatará a sentença, mesmo discordando.

Ele pode e deve esgotar todos os recursos de defesa, mas seria bom se não confundisse os dois processos a que respondeu. Se o fizer, estará informando à geração mais jovem, que não viu a ditadura, que não existe diferença entre o regime baseado no arbítrio, e aquele que se sustenta no império da Lei. Estará dilapidando um patrimônio importante do país, construído com o sacrifício de tantos, inclusive dele mesmo.

Esse é o ponto mais relevante de toda essa reação dos condenados da Ação Penal 470 e seus apoiadores. Quando o ex-ministro José Dirceu convoca a resistência contra a decisão, quando líderes petistas criticam o Supremo e o chamam de "tribunal de exceção", quando Marco Maia avisa que dará "asilo" aos deputados condenados, o resultado é o de enfraquecer as instituições, e confundir as mentes dos mais jovens sobre a diferença entre estado de direito e o governo ditatorial.

Muito mais gente do que Genoino supõe lamenta que ele esteja nessa situação. Só que ele não é um perseguido político; ele responde pelos fatos revelados na Ação Penal 470.

Um dos deputados suplentes a assumir o mandato, o ex-líder sindical Paulo Fernando dos Santos, do PT-AL, chegou à sandice de comparar Genoino a Jesus Cristo e a Mandela. "Jesus foi condenado à morte e é referência até hoje. Mandela ficou preso por mais de 30 anos, e virou o líder que virou". É apenas uma declaração sem qualquer sentido, mas revela o quanto o PT se afastou do que deveria ter feito desde o início: entender onde foi que errou, para corrigir. O importante, portanto, não é uma briga com um eventual repórter, é que o comportamento dos petistas está enfraquecendo a democracia brasileira.

Fonte: O Globo

Dois episódios e apenas um impasse - Fabiano Santos

O ano de 2012 terminou de maneira um tanto quanto confusa na política brasileira. Já em meados de setembro até o fim de outubro, com a conjugação do período eleitoral nos municípios ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Penal 470 (o chamado mensalão), fortes emoções haviam sido experimentadas pela parcela politicamente engajada da população. Contudo, episódios ainda mais intensos e potencialmente explosivos acabariam ocorrendo de novembro a dezembro do ano findo. Em primeiro lugar, o STF decide por maioria que a condenação no processo do mensalão implica a imediata perda do mandato dos réus donos de cadeiras no parlamento. Tal decisão é tomada em meio a um posicionamento firme de diversos parlamentares, incluindo-se o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, de não acatar qualquer sugestão de extinção de mandato que não seja oriunda das próprias Casas Legislativas. Logo em seguida, a presidente Dilma Rousseff acaba por vetar parcialmente a nova lei dos royalties, aprovada após longas idas e vindas da Câmara para o Senado e vice-versa. Pressão exercida por grande parte das bancadas estaduais e líderes partidários faz com que o plenário do Congresso Nacional, no qual as duas fazem sessão conjunta, vote maciçamente pela urgência em se apreciar o veto à lei, sobrestando infindável lista de vetos antepostos pelo Executivo a decisões do Legislativo desde o governo Itamar Franco e que não haviam ainda merecido consideração por esta última Casa. Parlamentares de Estados produtores apelaram ao STF sob a alegação de que não existiria a figura da "urgência" para a votação de vetos, significando que a apreciação dos vetos parciais à nova lei dos royalties somente poderia ser feita após a manifestação do plenário a respeito dos mais de 3 mil ainda a espera de alguma decisão.

Decisão sobre mandatos é a que pode gerar crise

A princípio estaríamos diante de dois impasses institucionais importantes, impasses, ademais, a envolver ator até recentemente pouco visível no embate político mais duro: o Judiciário e, dentro deste, seu órgão máximo, o Supremo Tribunal Federal. Digo a princípio porque existem boas razões para crer que apenas a questão envolvendo os mandatos parlamentares pode de fato redundar em impasse institucional. Invertamos a ordem de ocorrência e consideremos em primeiro lugar o episódio federativo. De que forma interpretar o papel exercido pelo juiz Luiz Fux ao determinar que o Congresso deveria apreciar todos os vetos "engavetados" antes de se passar à derrubada dos vetos à lei dos royalties? Ora, minorias representadas no parlamento apelaram ao Supremo alegando existir vícios constitucionais em iniciativas da maioria, vícios que, uma vez não sanados, comprometeriam interesses essenciais dessas mesmas minorias. Não custa lembrar que a ação de vetar é tomada pelo Executivo, por seu representante máximo, no caso, a presidente Dilma Rousseff, eleita pela maioria absoluta dos votos dos brasileiros. Ou seja, a decisão do magistrado envolve um conflito entre o Executivo e Legislativo, e no interior do próprio Legislativo, entre maiorias e minorias eventuais, sobre a constitucionalidade de decisões tomada pela maioria. O juiz, no caso, entendeu que a maioria atropelou direitos e procedimentos, elementos fundamentais do processo democrático. O que houve no episódio, portanto, não caracterizou de forma alguma intromissão na dinâmica parlamentar. Envolveu sim um debate entre os Poderes, ao STF cabendo a responsabilidade de dirimir dúvidas a respeito da interpretação do texto constitucional, tendo em vista preservar direitos e interesses essenciais de minorias.

Bem distinta é a situação criada a partir do segundo episódio, a que envolve a perda de mandatos populares. Tal episódio, na verdade, é decorrência de um processo mais longo e tortuoso cuja face visível se dá no julgamento do mensalão, isto é, num contexto no qual os juízes se tornam avaliadores da conduta legal de políticos eleitos. Desnecessário discutir se no caso específico a decisão em torno da culpabilidade dos réus foi ou não acertada, dadas as provas apresentadas, as teorias mobilizadas etc... O interessante é analisar a natureza da relação que se estabeleceu entre os atores políticos e a percepção que estes desenvolveram sobre a sua função. Ora, no caso do mensalão uma inesperada relação de hierarquia acabou surgindo da prerrogativa dos juízes do Supremo de julgarem o comportamento dos representantes do povo. Em várias falas, os juízes assumiram mais do que a tarefa de ajuizar se houve ou não culpa dos réus, ao advogarem para si ajuizar sobre a moralidade da conduta dos réus enquanto representantes. Vejam que a relação de hierarquia entre os poderes, com a predominância do Judiciário, é necessária para a validação do papel autoassumido por boa parte dos juízes. Segundo a teoria subjacente a esta autopercepção, pelo fato de ser juiz, e mais, juiz do Supremo, o ator adquire condições morais e conhecimentos técnicos necessários para avaliar, e avaliar de maneira infalível, a boa ou má conduta dos políticos eleitos, Destituir mandatos nada mais seria do que o desdobramento lógico de tal teoria e de tal autopercepção.

Dos dois casos, somente o segundo encerra potencial de efetivo impasse institucional. Torna-se relevante então saber se a judicialização da política tem no Brasil extrapolado o campo do diálogo entre os Poderes, na interessante acepção de Thamy Pogrebinschi, para adentrar o perigoso terreno de teorias salvacionistas. Na democracia, o soberano é apenas um, o eleitor. E este não deve ser tutelado por ninguém, por nenhuma corporação, por mais bem intencionados e eruditos que sejam seus membros. Clarear a política brasileira em 2013, portanto, significa mais do que buscar soluções para impasses entre Judiciário e Legislativo, aparentes ou genuínos. Significa, sobretudo, definir até onde pode o Judiciário intervir no âmbito da representação política.

Fabiano Santos é cientista político, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Fonte: Valor Econômico

Chuvas e trovoadas - Eliane Cantanhêde

As manchetes dos jornais de ontem, terceiro dia do novo ano, não foram nada animadoras, muito pelo contrário.

Folha: "Triênio de Dilma deverá ser o pior da América do Sul". "O Globo": "Balança comercial tem o pior resultado em dez anos". "O Estado de S. Paulo": "Reservatórios do NE estão abaixo do nível de segurança". E, para completar, ou arrematar, "Correio Braziliense": "Aumentos em série abrem o novo ano".

Pode-se ler com uma visão míope e persecutória: é a imprensa golpista atacando o pobre e indefeso governo. Ou pode-se ler com um olhar realista, como alerta, para reflexão e análise. Números não mentem, ou melhor, raramente mentem.

No caso do PIB, é fato que o Brasil cresceu em 2012 menos do que a média da América do Sul e do que os países emergentes (entre eles, os Brics), e a perspectiva para 2013 não é para soltar fogos. A ver.

No caso da balança comercial, os dados são oficiais, do próprio governo. No dos reservatórios, o alerta nem chega a ser novidade. E os aumentos em série no DF atingem escolas, material escolar, aluguéis, viagens, seguro de carro, DPVAT, taxas de limpeza urbana e de água. Que atirem a primeira pedra os Estados que estão em situação muito melhor.

Afinal, se o crescimento da economia é pífio, o da inflação não é tanto assim. Como a gente vem dizendo há algum tempo, prevalece no Planalto um certo desdém pelo centro da meta inflacionária. O que vale, agora, na prática, é o teto.

Tudo parece ser compensado com a -justa, aliás- comemoração pelos índices invejáveis de emprego, na contramão do desemprego recorde da Europa, por exemplo. Mas esse não é o único indicador relevante e, no contexto de redução de investimentos, da balança comercial e do fluxo cambial, também pode não se manter sólido como uma rocha.

E as chuvas e deslizamentos nossos de cada ano estão só começando.

Fonte: Folha de S. Paulo

O ano novo dentro de você - Fernando, Gabeira,

"É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre", diz a propaganda da TV, usando o verso do poeta Carlos Drummond de Andrade, que faria 100 anos em 2012. O anúncio usa o último verso do poema de Receita de Ano Novo.

Aceito a orientação do poeta e concordo com ele quando diz que não precisa fazer listas de boas intenções nem acreditar, parvamente, que por decreto de esperança, a partir de janeiro, as coisas mudem e seja tudo claridade. Há algo novo de Drummond para cá. Ele escreveu: "Ao telefone, perdeste muito, muitíssimo tempo de semear".

Hoje o telefone é um instrumento de trabalho. Mas nos aeroportos, ruas e estradas perdemos muito tempo de semear. Nos aeroportos há espera no saguão, nos ônibus que nos conduzem a bordo e nas poltronas, antes de o avião decolar. Nas ruas de quase toda grande cidade brasileira o trânsito é infernal. Não vejo esperança no horizonte. O governo continua isentando a indústria de carros e estimulando a venda em 70 prestações.

No meu tipo de trabalho, o melhor guia não é um poeta, mas um treinador de futebol. Gentil Cardoso dizia: "Quem não se desloca não recebe". É sempre possível atenuar usando bike ou motoneta no lazer e nas tarefas domésticas. Mas com equipamento pesado nas costas, sem carro ou avião, não posso deslocar-me e receber a bola. Quase nunca é possível usar o saguão de um aeroporto para trabalhar. Os portões de embarque mudam constantemente. É preciso interromper e sair rápido para não perder o voo.

São lamentos de um trabalhador. Quem sabe o PT não os leva em conta, apesar de estar me deslocando sempre a serviço da mídia golpista, da elite reacionária, enfim de todos esses vilões que reaparecem toda vez que os companheiros são colhidos em mais um escândalo.

A favor do governo, no tema mobilidade, lembro que Dilma decidiu privatizar dois aeroportos e prometeu construir 18 regionais. Se tudo der certo, ainda não será neste ano que poderemos colher os frutos. Foram tão lentas as decisões, faz tanto tempo que a demanda crescente expõe a vulnerabilidade dos aeroportos.

No caso dos automóveis, a sensação que tenho é de que Dilma alimenta a utopia de um carro para cada pessoa. No futuro próximo muito mais gente vai compreender como é insustentável essa política. As ruas ensinam. Dilma não as tem frequentado nestes dois anos.

Os companheiros caminham para o modelo econômico com ênfase no papel do Estado, na criação de empresas oficiais e formação de um setor fortemente apoiado pelo BNDES. A discussão econômica é central no momento. O PT venceu as eleições, o governo tem apoio da maioria, é legítimo que tente o seu caminho. O fato é que a economia não cresceu no último ano. O caminho está errado? É uma leitura equivocada da crise econômica de 2008? Esse é o debate mais frequente. Mas existe outro, também essencial: que empresas o BNDES está financiando e em que condições?

Baseado no fato de que o dinheiro é público, o Ministério Público já fez essa pergunta e o BNDES afirmou que tais dados são sigilosos. E a lei de acesso aos dados do governo? Não pegou? Como ter uma visão desse complexo econômico construído com financiamento público sem saber para onde e em que quantidade vão os recursos?

Dilma sempre associou sua imagem ao interesse pela energia. Mas como na campanha foi chamada de mãe do PAC, talvez tenha atravessado os papéis e se sinta mãe onde era técnica. A energia no Brasil é cara. O forte calor aumentou em 8% o consumo no Sudeste. Uma redução no preço será um alívio para todos. Do ponto de vista eleitoral, baixar o preço da energia é ótimo para o governo. Mas não precisa ser um desastre para quem critica sua tática. Basta defender uma redução cuidadosa, sobretudo nesta conjuntura.

Preocupados em resistir ao julgamento do mensalão, os companheiros não se deram conta de que a luz andou apagando aqui e ali, que os reservatórios estão baixos e a chuva real será menor que a esperada. Uma queda de braço no momento pode ser ruim para todos. A popularidade a autoriza. Mas popularidade, com tudo o que implica, é como um vinho que deve ser consumido com moderação.

Na esfera política, os amplos setores do PT que resistem ao julgamento do mensalão estão se queimando. Parecem um pouco aqueles dirigentes de escola de samba que não se conformam com o resultado do júri e batem boca, com o palco já desmontado. O conforto eleitoral estimula avaliações amadorísticas do quadro político pós-mensalão. José Dirceu aparece de punho erguido em foto de jornal. Ele vê o mensalão como um elo na história das lutas da esquerda. O punho erguido foi a saudação dos comunistas. Um atleta negro americano o ergueu ao vencer a Olimpíada. O gesto era usado contra Franco na Guerra Civil Espanhola. O mensalão não pertence à história de lutas da esquerda, mas ao seu extenso rosário de erros. Independente do juízo sobre o comunismo, todos sabem a diferença entre La Passionária e o Delúbio Soares.

Genoino vai para o Congresso, onde nada poderá fazer nos meses em que espera os recursos no STF. Não há condições políticas, nem mesmo psicológicas. Porém ele aceita um cargo público que consome R$ 136 mil/mês. É como se alguns peixes do oceano político não respeitassem mais o momento de submergir.

Drummond tem razão: despertar o ano novo que cochila em você, mesmo porque nas altas esferas o sono ainda é profundo.

O ano terminou com o presidente da Câmara, Marco encarnando o fim do mundo Maia, enfrentando o Supremo. Ele é um produto dos intrincados mecanismos de disciplina e lealdade do PT. Sonha ser dirigente de um clube de futebol. Para não dizer que sou negativo diante do companheiros, esse sonho pelo menos eu apoio, dependendo, é claro do clube escolhido.

Os chineses falam de tempos interessantes como aqueles em que há convulsões sociais, tormentas, revoluções. Espero tempos engraçados, tomando-se o humor em todas as suas dimensões, inclusive as dolorosas.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Um olhar sobre o Parlatino - Roberto Freire

Muito se fala hoje a respeito da importância da integração regional e da discussão dos problemas comuns aos países da América Latina, mas pouco se tem feito de concreto para que a região avance de forma consistente.

Em tempos de dificuldades econômicas globais e até de ameaças pontuais à democracia em alguns de nossos vizinhos, o Brasil, ao invés de exercer a liderança inescapável que lhe cabe no continente, vem tendo uma participação discreta, por exemplo, em uma organização regional das mais importantes: o Parlamento Latino-Americano (Parlatino), de cuja Assembleia Ordinária participei no final do ano passado, na Cidade do Panamá.

Fundado em Lima, no Peru, em 1964, o Parlatino é formado por parlamentares eleitos de 23 países da América Latina. No encontro realizado no Panamá, deputados, senadores e legisladores de cada uma dessas nações discutiram temas relacionados à integração regional e aprovaram projetos de lei que tratam de questões como a preservação dos idiomas indígenas, a proteção das mulheres e crianças contra a violência, os direitos humanos, a renda básica de cidadania, entre outras, que serão enviados para análise de Congressos e Assembleias Nacionais.

Uma questão central foi a moção apresentada pela deputada argentina Nancy González que defendia a suspensão do Paraguai do bloco, com a justificativa de que o ex-presidente Fernando Lugo teria sido vítima de um golpe ao sofrer um processo de impeachment.

A petição foi rejeitada pela ampla maioria, com 98 votos contrários, 60 favoráveis e 26 abstenções. Com base no princípio da autodeterminação dos povos e da não intervenção em assuntos internos de outros países, lembrei em meu discurso que, quando membro da juventude comunista do PCB, fui às ruas para criticar a exclusão de Cuba da Organização dos Estados Americanos, seguindo rigorosamente esses mesmos pressupostos. Recordei, ainda, que todos haviam apoiado o ingresso de Cuba no próprio Parlatino, no momento em que o país estava afastado do órgão, evocando o argumento de que não deveríamos nos envolver em problemas enfrentados por outras nações.

No caso paraguaio, o governo brasileiro descumpriu categoricamente esses princípios. Pode-se questionar se o ex-presidente do Paraguai teve tempo hábil para apresentar sua defesa perante o Congresso daquele país, mas a decisão tomada pelo Senado e, mais tarde, referendada pelo Poder Judiciário, é soberana. Infelizmente, grande parte dos próprios Congressos Nacionais não se dá conta da importância das reuniões de órgãos como o Parlatino para o fortalecimento da integração regional.

O Brasil exemplifica esse descaso: atualmente, o país está ausente do Conselho Político e das instâncias administrativas da organização. O Congresso e o governo brasileiros não podem se limitar ao discurso vazio que anuncia em prosa e verso a liderança de nosso país no continente.

É preciso deixar a retórica e as bravatas de lado e agir, prestigiando não só o Parlatino como outros fóruns regionais. E, sobretudo, honrando as tradições democráticas e o compromisso republicano que sempre deveriam pautar nossa política externa.

Deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fonte: Brasil Econômico

Marina articula sigla e deve disputar GDF

De olho em 2014 e ancorada nos 611 mil votos recebidos no DF quando concorreu ao Planalto, ex-senadora corre para formar novo partido, que hoje já teria adesão de 14 parlamentares.

Marina estuda disputar o GDF

Ex-presidenciável corre para criar uma legenda e apoiadores admitem que uma das possibilidades é concorrer no Distrito Federal, onde superou Dilma e Serra em 2010

Karla Correia

Ainda amparada pelo capital político dos quase 20 milhões de votos obtidos na disputa presidencial de 2010, Marina Silva passará janeiro e parte de fevereiro empenhada em engrossar as fileiras do partido que pretende lançar com foco nas eleições de 2014. Ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, ela espera consolidar uma bancada de 14 parlamentares que, segundo "marineiros", já teriam se mostrado alinhados com os planos de criação da sigla. Marina trabalha com um calendário apertado para a oficialização do partido, que terá de sair do papel até outubro para poder disputar cargos no próximo ano. Entre as possibilidades, discute-se até uma eventual candidatura ao Governo do Distrito Federal (GDF).

Na mira de Marina estão nomes como os dos deputados Alessandro Molon (PT-RJ), Reguffe (PDT-DF) e Walter Feldman (PSDB-SP). "Até fevereiro, nós devemos ter uma conversa definitiva sobre esse tema", diz o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ), um dos parlamentares sondados pela ex-ministra. Os senadores Randolfe Rodrigues (PSol-AP) e Cristovam Buarque (PDT-DF) também são citados por apoiadores de Marina como quadros desejados pela cúpula da futura legenda. Apesar de ainda não ter nome, o partido será pautado por temáticas ambientais e voltadas para a ética.

O projeto é acalentado por Marina desde meados de 2011, quando se desfiliou do PV em meio a uma série de desavenças com caciques da legenda pela qual se lançou candidata a presidente da República. O Movimento por uma Nova Política, lançado na sequência de sua saída do PV, agremia os simpatizantes do ideário da ex-ministra. "Existem muitos militantes descontentes com a estrutura de seus respectivos partidos e buscando algo novo. É em cima desse clima de descontentamento, dessa necessidade de uma nova proposta na política, que nós estamos trabalhando", diz Pedro Ivo Batista, um dos principais apoiadores de Marina e assessor do instituto que leva o nome da ex-ministra.

Uma das alternativas no caminho do novo partido seria uma fusão com o oposicionista PPS, que deve reafirmar sua proposta a Marina na próxima semana, durante a primeira reunião da sigla neste ano. A princípio, a ideia é descartada pela ex-ministra. "A posição da maioria dos marineiros é que as estruturas partidárias que existem hoje não contemplam as nossas propostas, não nos sentimos representados pelo formato atual dos partidos", explica Pedro Ivo.

A criação de mecanismos permitindo o lançamento de candidaturas apartidárias está entre as bandeiras acalentadas pela futura legenda. A participação de cidadãos não filiados na definição dos rumos do partido é outra inovação discutida entre os elaboradores do programa da sigla. Mas, apesar das discussões adiantadas sobre a estrutura partidária, candidaturas para 2014 ainda são um assunto delicado. A começar, por causa da própria Marina.

Cenários

A ex-ministra hesita em declarar qualquer intenção sobre a corrida presidencial de 2014 e, internamente, afirma que não quer ser vista pelo eleitorado como uma "política profissional", que dependeria de um cargo eletivo para expor suas propostas. Uma das possibilidades aventadas seria o lançamento de Heloisa Helena para disputar a presidência no próximo ano. Hoje vereadora de Maceió pelo PSol, Heloisa Helena já declarou a intenção de abandonar o partido que ajudou a fundar para aderir ao projeto de Marina Silva.

Segundo interlocutores, uma das propostas em estudo por Marina é disputar o GDF em 2014 — na disputa presidencial de 2010, ela foi a mais votada no Distrito Federal. Com 611.362 votos (41,96% dos votos válidos), ficou à frente de Dilma Rousseff e de José Serra. "Apesar de toda a resistência, ela sabe que não vai poder se manter afastada da primeira linha da política sem que isso afete a força do partido que pretende criar", diz um apoiador.

"Existem muitos militantes descontentes com a estrutura de seus respectivos partidos e buscando algo novo. É em cima desse clima de descontentamento, dessa necessidade de uma nova proposta na política, que nós estamos trabalhando" Pedro Ivo Batista, assessor do Instituto Marina Silva

Memória

Conflitos partidários

Elemento surpresa das eleições de 2010, quando se candidatou ao Planalto pelo PV, Marina deixou o partido em julho de 2011, apenas dois anos depois de se filiar à legenda já com a vaga garantida para a corrida presidencial. Outros 15 membros da sigla assinaram a carta de desfiliação com Marina. "A direção do partido, em sua maioria, disse não à democratização de suas estruturas institucionais, ao diálogo com a sociedade e a um projeto autônomo de construção partidária", dizia o documento.

A formalização da saída de Marina do PV foi a plataforma de lançamento do Movimento por uma Nova Política, apresentado como o embrião da legenda que a ex-ministra pretende consolidar neste ano. Essa será a quarta agremiação de Marina. Além do PV, ela já integrou o extinto Partido Revolucionário Comunista (PRC) e foi filiada ao PT entre 1986 e 2009.

Fonte: Correio Braziliense

PSB com estratégia armada para 2014

Mesmo sem admitir abertamente a intenção de disputar a Presidência no próximo ano, governador Eduardo Campos revela planejamento nacional dos socialistas

Bruna Serra

Com o controle do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e um modelo de gestão com aprovação popular, o governador de Pernambuco e presidente nacional da legenda, Eduardo Campos, segue preparando o terreno para uma eventual disputa eleitoral em 2014 - apesar de negar publicamente qualquer pretensão de enfrentar a presidente Dilma Rousseff (PT) na sucessão presidencial. A semente do programa de governo que o PSB pretende oferecer ao Brasil já está sendo plantada. A Fundação João Mangabeira, ligada ao partido, ganhará o País, a partir de abril, para colher experiências exitosas de gestão pública e para monitorar o desempenho dos prefeitos e governadores socialistas.

"A fundação vai com técnicos especialistas para ir colhendo também o retorno de quem assumiu e está diante de desafios que a gente não tinha enxergado. Também para identificarmos se têm experiências que podem servir de referências (ao País). Ainda agora, dia 30, despachei com a direção da fundação aqui (no Recife) e eles vão fazer um circuito por todo Brasil", revelou Eduardo Campos, ontem, durante a cerimônia de cessão à Prefeitura do Recife do terreno para construção do Hospital da Mulher.

O governador fez questão de frisar que não haverá distinção partidária no estudo a ser realizado pela entidade socialista e que experiências exitosas desenvolvidas por agentes públicos de qualquer partido serão observadas. Isso, de certa forma, amplia a capacidade de um presidenciável em formar alianças, além de conhecer o Brasil e estreitar relações com políticos de todas as colorações partidárias. "Acho que a gente não deve ter preconceito se é um partido A ou B. Se a ideia é boa, serve ao povo. Nós devemos ter a capacidade de adaptá-la à nossa realidade. Tem as circunstâncias locais que devem valer, tem a questão cultural. Mas há valores que podem ser apropriados", defendeu, demonstrando todo seu jogo de cintura político.

Por fim, o governador disse que a recomendação aos prefeitos - que vão alardear pelo Brasil afora a marca de gestores eficientes que o PSB está querendo imprimir em seus quadros - é cumprir as promessas feitas ao povo. "O mais importante é cumprir os compromissos que assumiram com a população. Fazer o povo participar da gestão, ser transparente, fugir das práticas tradicionais, inovar na gestão pública e valorizar uma gestão eficiente em que o povo controle os recursos públicos", afirmou o governador, deixando no ar uma dica do discurso que vai oferecer aos brasileiros. "Conteúdo, porque não é só uma questão de gestão. Você pode estar gerindo bem na direção errada. É gerir bem na direção correta. Vencer o patrimonialismo, apostar no controle social e na participação popular".

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Governo faz manobra para levantar R$ 16 bi e cumprir meta fiscal de 2012

Operações contábeis com recursos do Fundo Soberano, BNDES e Caixa garantem superávit, mas afetam credibilidade da política fiscal

Adriana Fernandes

BRASÍLIA - Nos últimos dias de 2012, o Ministério da Fazenda fez uma série de manobras para aumentar receitas e cumprir a meta fiscal. O governo pôs em prática uma gigantesca operação de triangulação financeira com o uso do Fundo Soberano do Brasil (FSB), Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que garantiu o ingresso de pelo menos R$ 15,8 bilhões nos cofres em dezembro.

O dinheiro reforçou o superávit primário - a economia feita para pagar as despesas com juros da dívida -, mas minou ainda mais a credibilidade da política fiscal brasileira.

A operação consumiu a maior parte dos recursos depositados no Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE) - onde estavam aplicados os recursos do FSB. O Tesouro resgatou, em 31 de dezembro, R$ 12,4 bilhões do FFIE, reduzindo o patrimônio para R$ 2,85 bilhões, de acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários.

Manobras. Portarias do Ministério da Fazenda, editadas no último dia de 2012, mas publicadas somente nesta quinta-feira no Diário Oficial da União, revelaram como as operações foram feitas.

A operação começa com o BNDES. O banco comprou ações da Petrobrás que estavam no FFIE e pagou com títulos públicos. O Tesouro transformou esses papéis em dinheiro, no valor total de R$ 8,84 bilhões.

Ao trocar os títulos por dinheiro, os recursos foram contabilizados como ‘caixa’ do governo, engordando as contas públicas.

O BNDES também antecipou mais R$ 2,31 bilhões em dividendos à União. Ao mesmo tempo, o governo reforçou o caixa do banco, antecipando a liberação da última parcela - de R$ 15 bilhões - de um empréstimo de R$ 45 bilhões do Tesouro. Esse dinheiro só seria liberado em 2013.

A Caixa completou as manobras, com antecipação do pagamento de dividendos no valor de R$ 4,6 bilhões. O banco, que registrou lucro de R$ 4,1 bilhões até setembro, pagou volume recorde de R$ 7,7 bilhões de dividendos à União em 2012. Para compensar, o governo aumentou o capital da Caixa em R$ 5,4 bilhões, com ações da Petrobrás.

Essas manobras, que são conhecidas como "contabilidade criativa", foram feitas para fechar as contas em dezembro e tentar garantir o cumprimento da meta fiscal de R$ 139,8 bilhões.

O governo recorreu às manobras, mesmo depois de ter usado outro expediente polêmico: o abatimento dos gastos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da meta fiscal. Mesmo com o desconto dos R$ 32 bilhões do PAC, faltavam ainda cerca de R$ 20 bilhões para cumprir a meta de 2012.

Esse valor será alcançado com a ajuda da engenharia financeira do Tesouro. O valor exato que será usado dos R$ 15,8 bilhões obtidos com as manobras contábeis só será conhecido no fim do mês, quando o governo fechar a contabilidade de 2012.

Moribundo. Todo esse malabarismo contábil está sendo bombardeado até mesmo dentro da área econômica do governo. A avaliação de importantes integrantes da equipe econômica, ouvidos pelo Estado, foi de que o Tesouro, desta vez, se excedeu na "contabilidade criativa", minando a credibilidade da política fiscal. A percepção, segundo essas fontes, é que o superávit primário pode ter perdido definitivamente seu valor como indicador da política fiscal.

Além disso, ficou difícil qualquer avaliação sobre a qualidade do resultado, com influência negativa também sobre as contas públicas em 2013 e nos anos seguintes. "O superávit primário, que estava moribundo, agora foi sepultado", disse um integrante da equipe econômica.

Uma área importante do governo avalia que essa maquiagem contábil não faz sentido econômico e que seria melhor ter reduzido a meta fiscal.

Desde o início de 2012, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, afirmavam que a meta seria cumprida para ajudar o BC na redução dos juros. O compromisso só foi abandonado depois que o BC reduziu a taxa Selic para o menor valor da história e indicou a manutenção dos juros por um "período prolongado". Procurada pelo Estado, a Fazenda não se manifestou.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Esforço maior para se aposentar

Especialistas dizem que a mudança nos planos de previdência fechada, como os fundos de pensão de estatais e empresas privadas, exigirá contribuição até 37% maior para a pessoa ter o mesmo benefício

Peso extra para se aposentar

Mudança em fundos de pensão exige contribuição até 37% maior para ter mesmo benefício

Lucianne Carneiro, Renata Cabral

A aposentadoria deve ficar mais cara para os participantes de planos de previdência fechada, como os fundos de pensão de estatais e empresas privadas. Com a redução na meta atuarial - que é o rendimento necessário para que o fundo consiga pagar a seus beneficiários ao longo dos anos - determinada pelo governo, os trabalhadores podem ter que contribuir até 37% a mais por mês, segundo estimativa da planejadora financeira e professora da Fundação Getulio Vargas Myrian Lund. Pelos cálculos da especialista, uma pessoa com 30 anos terá que aumentar de R$ 1.231,63 para R$ 1.697,22 sua contribuição para conseguir uma renda de R$ 10 mil (sem considerar a inflação) ao se aposentar com 65 anos. Para quem tem 40 anos, o aporte mensal terá que subir de R$ 2.501,54 para R$ 3.103,72.

A meta atuarial terá que ser reduzida gradativamente a partir deste ano, de 6% ao ano mais inflação para 4,5% mais a inflação, num prazo de seis anos (até dezembro de 2018). A mudança foi aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) e já está em vigor. A redução da taxa básica de juros da economia, no entanto, torna esse rendimento cada vez mais difícil. O setor de previdência fechada reúne hoje cerca de 2,3 milhões de trabalhadores ativos no país.

- A meta atuarial teve que mudar por causa dos juros mais baixos. Essa é a nova realidade dos planos de previdência, e o esforço tem que ser maior para todo mundo - afirma Myrian.

Para se ter ideia da importância dos rendimentos para o valor que se recebe na hora da aposentadoria, cerca de 65% do valor do benefício são pagos com o retorno obtido com os investimentos, segundo o secretário-geral da Funcef, Geraldo Aparecido, se considerarmos a meta atuarial de 6%. Com a redução para 4,5%, a fatia será muito menor. Novos aportes das estatais nos fundos não estão descartados.

Alguns fundos de pensão se anteciparam e já reduziram um pouco sua meta. A Funcef, dos funcionários da Caixa, reduziu de 6% para 5,5% essa taxa em 2010. Já a Petros aprovou a redução para 5,5% na última reunião de 2012 de seu Conselho Deliberativo. E a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, informou que já pratica meta de 5% para o plano de benefício definido da instituição (em que o trabalhador sabe antecipadamente valor da aposentadoria) e de 5,5% para o Previ Futuro, plano de contribuição definida. A meta da Valia, da Vale, por sua vez, é hoje de 5,5%, afirma Maurício Wanderley, diretor de investimentos e finanças da instituição.

- Com a mudança, os participantes de contribuição variável terão o benefício reduzido lá na frente, ou terão que aumentar o esforço para garantir o mesmo benefício, seja aumentando a contribuição ou retardando a aposentadoria - diz Aparecido.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), José Ribeiro, muitos fundos estão preparados.

- Essa é uma tendência de longo prazo que deve persistir, a menos que o Brasil ande para trás, o que ninguém quer.

Fonte: O Globo

Palavras de um poeta para o mundo de hoje - Washington, Novaes,

"Por que é que o tempo carrega consigo não sei que misterioso germe, que aos poucos vai nos dando a impressão de que crescemos, e nos dilatamos, quando na verdade nos dissolvemos, nos liquefazemos, nos perdemos. Por que é que o tempo não é apenas o ar que nos envolve, numa marcha luminosa para a imperecível unidade?"

Esse trecho de uma carta escrita aos 22 anos de idade, em 1946, pelo poeta, escritor, jornalista, psicanalista Hélio Pellegrino a seu amigo Otto Lara Resende (Lucidez Embriagada, organização de Antônia Pellegrino, Planeta, 2004) é uma amostra do pensamento candente e brilhante que carregou e expandiu pela vida afora e que o teria conduzido, nesta semana, aos 89 anos de idade, se estivesse vivo (morreu em 1985). Hélio foi uma das pessoas mais brilhantes do seu tempo, homem de muitas paixões, engajado até o fundo de sua alma em todas as questões que o cercavam, em todas as áreas. E sempre envolvido num diálogo admirável com seus três amigos de adolescência - Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, "os quatro mineiros", como eram chamados.

Fundador, ao lado de Mário Pedrosa, do PT (que pensaria hoje do partido que ajudou a criar?), Hélio teve participação decisiva também nos episódios pós-movimento militar de 1964 e fez parte da Comissão dos Cem Mil, aclamada pelos participantes, que foi negociar com o presidente Costa e Silva, no Palácio do Planalto, a libertação dos presos políticos. Ali, o confronto começou logo na portaria, quando os vigilantes quiseram impedir a entrada dos estudantes que eram membros da comissão, alegando que não usavam gravata. Hélio imediatamente retirou a sua e retrucou: "Não têm gravata, mas têm dignidade". Entraram. Mas quando general-presidente se retirou da sala, indignado com as exigências, e o chefe da Casa Militar advertiu "vocês vieram cutucar a onça com vara curta", Hélio não perdeu um segundo para a resposta: "Coronel, nós já conversamos com o dono da porcada; é só".

Já na mira da repressão, por seus artigos candentes na imprensa, e chamado de "psicanalista dos comunistas", também em artigos, pelo escritor, seu amigo e compadre Nelson Rodrigues, Hélio esteve preso durante meses e só não foi condenado a anos de prisão, num Inquérito Policial-Militar (IPM), porque Otto convenceu Nelson a depor a favor do réu, alegando que o qualificativo que usava era apenas "expressão literária".

Até no terreno da psicanálise Hélio provocou crise, ao denunciar, numa reunião da sociedade de que fazia parte, o acumpliciamento silente desta com a ditadura e até com a presença, em seus quadros, de um participante de torturas, já denunciado pela também psicanalista Helena Besserman Vianna. O episódio custou a Hélio e ao também psicanalista Eduardo Mascarenhas uma expulsão temporária da sociedade.

Ele não separava a psicanálise das vivências do cotidiano, sociais ou políticas. Juntamente com a psicanalista Catarina Kemper, sua mestra e de tantos outros, criou a Clínica Social de Psicanálise do Rio de Janeiro, onde os profissionais dedicavam algumas horas por semana a atender, sem remuneração, pessoas que não podiam pagar. Essa solidariedade a todos os seres é marca de seus escritos, como aquele em que, referindo-se a Tristão de Athayde, sentencia que "o processo de encarnação da fé cristã (...) é fulcro da vida: o cristão só o é, em profundidade, através do Próximo concreto. Não há cristão fechado na abastança narcísica, na contemplação solitária das verdades externas. O relâmpago da eternidade capaz de aparecer no tempo só fulgura através da presença carnal do Outro, em suas alegrias e sofrimentos. É, principalmente, no amor ao ser humano que sofre que se pode distinguir a marca do cristão autêntico".

Que pode haver de mais estimulante, mais atual, de maior chamamento aos jovens de hoje, perdidos em tantas confusões do mundo moderno, do que palavras como estas? "Ser jovem é florescer na força de sua originalidade própria. E, para tanto, é necessário trabalhar e sofrer, vigiar e orar, despir-se do conforto das verdades já feitas para ousar a invenção do caminho próprio." Neste mundo em que 1 bilhão de pessoas passam fome, 40% vivem abaixo da linha da pobreza, não pode haver palavras mais esperançosas que estas: "O sinal da Igreja de nosso tempo é a solidariedade para com os explorados, os oprimidos, os humilhados, os ofendidos. (...) O cristão, hoje em dia, é um ser que luta contra a alienação, o conformismo, a desistência, a desesperança, a indiferença, a ignorância. O cristão quer devolver a cada ser humano o inalienável direito de ser livre. Ou melhor: o cristão quer devolver a cada ser humano o duro e alto privilégio de tornar-se livre e responsável". Sem se iludir, pois a liberdade "não é uma abstração teórica: é pão e vinho, terra e teto, direito e dever - distribuídos igualmente".

O autor destas linhas teve o privilégio de conviver com Hélio Pellegrino durante 20 anos. Muito antes, entretanto, ainda estudante de Direito, encontrou-se com um texto de carta do Hélio que Fernando Sabino colocou na introdução de seu livro O Encontro Marcado: "O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não para o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. (...) Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Esse é o preço do encontro, do possível encontro com o outro".

Trinta anos mais tarde, este escriba recebeu, numa carta do Hélio, palavras que valem uma vida: "Nosso encontro é uma prova, modesta porém eloquente, do encontro, do possível encontro com o outro".

Ave, Hélio.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Ai de ti, Copacabana! - Rubem Braga

1. Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.

2. Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite.

3. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniqüidades e de tua malícia.

4. Sem Leme, quem te governará? Foste iníqua perante o oceano, e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas.

5. Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão.

6. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão.

7. E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas as tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde Menescal até Alaska.

8. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.

9. Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão.

10. Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação.

11. Tuas donzelas se estendem na areia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência.

12. Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.

13. Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia.

14. E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão libertados para todo o número de suas gerações.

15. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?

16. Antes de te perder eu agravarei a tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.

17. E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: reserva para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre algas, ela habitará.

18. E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas na casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas.

19. Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se incendiou o Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.

20. A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará.

21. Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares.

22. Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!

Janeiro, 1958