segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

OPINIÃO DO DIA - José de Souza Martins: ‘ismismo’

Cada um desses grupos da nova era política definiu o seu "ismo": chavismo, lulismo, luguismo, sandinismo, todos proclamando-se variantes do socialismo. É um novo populismo, diferente do populismo anterior porque já não tem como meta deixar-se manipular pelos políticos em troca de demandas sociais restritas. Diferente porque passou a querer o próprio poder. Essa mudança definiu uma era, que tem sido a era do ismismo, isso dos ismos referidos à invenção de heróis fundado¬res, como o Chávez do chavismo e o Lula do lulismo. Ou referidos a heróis míticos da memória nacional, como o Sandino do sandinismo ou José Marti, do socialismo cubano.

O ismismo pode estar chegando ao fim ou ao seu momento crítico porque seus heróis não são imortais. Além do que, o carisma não é transferível, dizia Max Weber. O ismismo está nos hospitais e até nas UTIs, ou tem por eles passado com frequência, emblemáticos sinais de finitude: Fidel, Chávez, Lula, Dilma, o câncer cobrando seu tributo. Mas está também limitado pelos compromissos das políticas de coalizão e do poder compartilhado, mas corporativo. A visão política do mundo decorrente dessa politização fragmentária e personalista está contida no seu tênue discurso social, o da inclusão. Um discurso conservador que é também a nova expressão do capitalismo subdesenvolvido e terceiro-mundista. Seu projeto histórico é apenas ou sobretudo incluir e integrar. Não se trata de superar e de transformar, mas de aderir.

José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP, é autor de A política do Brasil lúmpen e místico (Contexto). In O ‘ismismo’ na UTI. Aliás / O Estado de S. Paulo, 13/1/2013.

Manchetes de alguns dos principais jornais do país

O GLOBO
A passos lentos - Só metade dos estados adere a plano anticrack
Internet bem abaixo do esperado
Tarso: PT usou métodos que sempre criticou
Oposição chavista critica ingerência de Cuba

FOLHA DE S. PAULO
Brasil perde investimento para outros emergentes
Órgão federal dá R$ 1,2 milhão para assessor de líder do PMDB
O personalismo vazio impera no Congresso
Corte ordena que ex-ditador egípcio seja julgado de novo
Lixo do litoral norte viaja 160 km para chegar a aterro
Aparelho bloqueia celular, e presos tentam acionar SAC

O ESTADO DE S. PAULO
TSE gasta R$ 9,5 mi em 3 meses com hora extra
Inflação muda de patamar e previsão para ano é de 6%
Trecho Norte do Rodoanel vai atrasar dois anos
PSD dará aval para Kassab apoiar Dilma
Desabastecimento ameaça abalar governo chavista

VALOR ECONÔMICO
Bancos reveem a oferta de crédito à baixa renda
Créditos fiscais valem como capital
Superávit com Venezuela é o terceiro maior
Dilma terá de negociar com um Congresso mais arredio

BRASIL ECONÔMICO
“Indústria naval precisa ter mais qualidade e ser mais competitiva”
Crédito melhor, mas lucros menores para bancos em 2013
Emprego formal subirá este ano na construção civil
Novo marco da mineração está no fundo da gaveta

CORREIO BRAZILIENSE
Polícia reforça o cerco a suplemento proibido
Eleições: Começa a corrida pela sucessão nos estados
Novo caso de estupro coletivo indigna a Índia
Desconfiança na economia desafia ministro Mantega

ESTADO DE MINAS
Chuva põe em perigo 2,5 mil casas em BH
Lei Seca prende 18 em 21 horas
Câmara de BH: Vereadores afrontam a Constituição
Campo: Dispara venda de máquinas agrícolas

O TEMPO (MG)
Haitianos pagam propina para ter visto
Fiscalização em escolas infantis deve ser ampliada na capital
PDT e PSD trabalham por mais espaço no governo Anastasia
Despesas extras em janeiro vão além de impostos e taxas

GAZETA DO POVO (PR)
IAP muda fiscalização e reduz registro de crimes ambientais
Novos prefeitos encontram estruturas sucateadas
Sete ciladas do consumo – e o que já foi decidido sobre elas
Conflito obriga sírios a se mudarem para cavernas

ZERO HORA (RS)
Obras de barragens viram buracos sem fundo no RS
Peso no bolso: Com área menor na lavoura, feijão deve ficar mais caro

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Multidão contra o casamento gay na França
Primeira chamada do Sisu sai hoje
Prefeitura vai revitalizar os parques do Recife

Tarso: PT usou métodos que sempre criticou

Um dos principais dirigentes do PT, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, afirma que o partido usou "os mesmos métodos tradicionais" para formar alianças que antes criticava em outras siglas, ao analisar a origem do mensalão. Defensor de uma "profunda renovação" no partido, Genro diz que dirigentes petistas não podem, ao mesmo tempo, prestar consultoria privada.

"Utilizamos os métodos de partidos que criticávamos"

Governador afirma que PT precisa passar por profunda renovação

Marcelo Remígio

Quais os reflexos que o mensalão ainda provocará no PT? Como se preparar para 2014?

Integro uma corrente de opinião no PT que é minoritária, tem em torno de 40% dos delegados, a Mensagem ao Partido. Ela entende que o partido precisa passar por uma profunda renovação, e essa renovação passa pelos métodos da direção; pelas relações do partido com os governos; por novos métodos de participação da base, por meio de métodos tecnológicos; e por uma avaliação muito mais profunda do que foi feito até agora sobre o que ocorreu nesta Ação Penal 470. Uma coisa é você avaliar, como eu avaliei, que teve de se inventar uma tese de domínio funcional dos fatos para condenar lideranças do partido. Outra coisa é você compreender que, tendo ocorrido ilícitos penais ou não, os métodos de composição de maiorias e de formação de alianças que nós utilizamos foram os mesmos métodos tradicionais que os partidos que nós criticávamos adotavam. É uma total necessidade você aprender a superar esses métodos. Esta é a grande questão que temos que trabalhar: qual é o sistema de alianças que nos dá uma capacidade de governar dentro da ordem democrática sem utilizar esses métodos tradicionais que herdamos da República Velha.

O senhor defende a cassação dos mandatos dos mensaleiros?

A Constituição tem que ser interpretada a partir da independência dos poderes. A decisão tem que ser da Câmara Federal de cassar ou não. Eu substituí o (José) Genoino na presidência do PT, e o que circulava dentro do partido, e foi constatado depois, é que ele assinou empréstimos, agora pagos, e que o fez de boa-fé, sem saber que, por trás daqueles empréstimos, poderia ter uma articulação de intercâmbio de favores em benefício do partido e de outras pessoas. Eu não sei se, nessa situação, eu renunciaria. O fato é que toda essa situação significa que o PT tem de instituir regras muito rígidas em relação aos seus dirigentes, seus quadros e seus vínculos com as empresas privadas. É totalmente incompatível dirigente partidário continuar se apresentando como tal e sendo ao mesmo tempo consultor de grandes negócios. Porque, quando essa pessoa fala dentro do partido, quem está falando? É o dirigente ou o consultor? Essa regra não deve valer só para o PT, não estou me fixando em nenhum caso específico. Essas relações são sempre muito perigosas.

Qual futuro o senhor prevê para o ex-ministro José Dirceu?

Tenho uma relação política interna de partido com Dirceu. Nunca fui uma pessoa próxima a ele. Ele teve uma participação muito importante na construção do partido e na primeira vitória do presidente Lula. Mas acho que a forma como o Dirceu está enfrentando essa questão é equivocada, porque tende a estabelecer uma identidade dos problemas que ele está enfrentando com o problema do PT, com o conjunto, e trazendo para a sua defesa o partido como instituição. A defesa que o partido tem que fazer em circunstâncias como essas, para qualquer pessoa, é que ela tenha direito a defesa e a um julgamento justo, e não o estabelecimento de qualquer identidade política, que é outra coisa. O Dirceu não pode ser demonizado no partido, até pela trajetória que ele teve, embora a forma como ele está lidando com essa questão não seja boa para o partido, estabelece uma identidade forçada dele em conjunto com o partido, coisa que, no mínimo, não existe. O partido tem que ser solidário com todos os seus quadros, errem ou acertem, para que tenham direito de defesa e julgamentos justos.

O partido hoje só se pauta pelo mensalão?

A agenda do partido não pode ser a agenda da Ação Penal 470. O que o partido tinha que fazer já fez. Já fez o manifesto, já deu a solidariedade que tinha que dar. O partido tem que tratar da sua vida, ele é um projeto para a sociedade, não um projeto para ficar amarrado a uma pauta, que inclusive foi constituída por indivíduos e dirigentes, e não por decisões do partido, para que aqueles fatos ocorressem, fatos esses narrados na Ação penal 470. A agenda PT tem que ser da a reforma política, do que eu chamo de 14-18 (projeto 2014-2018) e do sistema de alianças.

Fonte: O Globo

Denúncias contra Alves expõem racha no PMDB

Candidato a presidir Câmara é acusado de enriquecimento ilícito

Paulo Celso Pereira e Luiza Damé

BRASÍLIA - A sucessão de denúncias contra o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), surgidas no fim de semana, expõe um racha no partido, na avaliação de políticos peemedebistas, e é fruto de "fogo amigo". Henrique Alves é candidato a presidir a Câmara dos Deputados a partir de fevereiro. As denúncias, na avaliação desses peemedebistas, também agradariam ao PT e ao grupo palaciano, que enxergam na fritura de Henrique Alves a justificativa para romper o acordo de elegê-lo e lançar um nome próprio - Arlindo Chinaglia (PT-SP) é o mais cotado - para suceder a Marco Maia (PT-RS).

A denúncia que mais compromete Henrique Alves, publicada pelo jornal "Folha de S.Paulo", revela que parte das emendas parlamentares do líder do PMDB beneficiou Aluizio Dutra de Almeida, tesoureiro do partido no Rio Grande do Norte e assessor do deputado na Câmara desde 1998. Almeida é sócio da Bonacci Engenharia e Comércio, empresa contratada para fazer pelo menos três obras no estado nordestino financiadas por emendas do líder do PMDB.

Em 2009, o deputado destinou recursos do Ministério do Turismo para a construção de praça em Campo Grande (RN), no valor de R$ 200 mil. Do Ministério das Cidades, Henrique Alves mandou R$ 192 mil para São Gonçalo do Amarante e R$ 137 mil para Brejinhos, ambos para pavimentação de ruas. Essas obras foram tocadas pela Bonacci. Almeida disse à "Folha" que a empresa participou de licitações e ganhou.

Já a revista "Veja" informou que Henrique Alves alugou carros da empresa Global Transportes, do Distrito Federal, que teria por trás o ex-assessor do PMDB César Cunha. A empresa está registrada no nome da ex-vendedora de tapetes Viviane dos Santos, que disse ter emprestado o nome à tia Kelen Gomes, responsável por emitir as notas para o gabinete do líder do PMDB.

"Aí tem fogo, e é fogo amigo"

Em nota, a assessoria de imprensa do líder informa que, apesar de a Global Transporte estar legalmente constituída e haver apresentado toda a documentação exigida para fornecer o serviço, o deputado determinou "a apuração rigorosa da existência de possíveis irregularidades".

- Quem era para estar apanhando era Renan (Calheiros, que disputa a presidência do Senado), mas, de repente, o mundo de Henrique é que desabou. Aí tem fogo, e é fogo amigo. Quem ia saber de emendas e locação de carros de Henrique? Geddel e Henrique nunca se bicaram, e ele, como ministro, sabia de todo o trâmite de emendas do PMDB - avalia um dos interlocutores de Henrique Alves, relacionando as denúncias à guerra que se trava no partido pela liderança, envolvendo o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com apoio do grupo de Geddel Vieira Lima.

- O PMDB está unido no mesmo propósito e não faria fogo amigo contra o Henrique. O mais provável é que seja fogo contra o PMDB. Talvez de quem não quer o PMDB no comando das duas Casas - afirmou Eduardo Cunha, jogando a suspeita para o PT, onde setores do partido nunca esconderam uma articulação para lançar Chinaglia.

O jornal "O Estado de S.Paulo" também divulgou que Henrique Alves estaria protelando, com recursos, investigação em curso no Ministério Público Federal que apura denúncia de enriquecimento ilícito numa ação de improbidade administrativa. Segundo o Ministério Público, o deputado manteve ilegalmente dinheiro fora do país. O jornal informa que há dois meses Henrique Alves recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região e conseguiu postergar uma decisão sobre a quebra de seus sigilos bancário e fiscal e de suas empresas. O processo corre em segredo de Justiça na 16ª Vara Federal, em Brasília.

No processo de separação judicial do deputado, sua ex-mulher Mônica Infante de Azambuja o acusou de manter US$ 15 milhões no exterior. Em 2002, quando essa acusação foi publicada, Henrique Alves perdeu o cargo de vice na chapa do tucano José Serra, que perdeu a eleição presidencial para o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

- Há um embate interno no PMDB, e as denúncias envolvem pessoas de dentro da liderança do partido. Eu venho justamente para mudar essas práticas. Quem está no dia a dia com ele é quem sabe disso tudo - diz Júlio Delgado, candidato do PSB contra Henrique Alves.

Temer-Alves x Geddel-Cunha

Na essência, o motivo da divisão que colocou de um lado o vice-presidente Michel Temer e Henrique Eduardo Alves e, do outro, Geddel e Eduardo Cunha é uma divergência sobre o tipo de relação que a bancada do partido na Câmara deve manter com o governo da presidente Dilma Rousseff. Cunha e Geddel tentam ganhar espaço entre a grande maioria de deputados insatisfeitos, que perderam cargos e verbas federais desde o fim do governo Lula.

Após Henrique Alves avisar Eduardo Cunha, em uma dura conversa na liderança do PMDB da Câmara, de que não iria apoiá-lo na disputa pelo posto de líder - pois havia restrições do Planalto a seu nome -, o deputado fluminense aproximou-se dos irmãos Geddel e Lúcio Vieira Lima. Ao longo dos dois primeiros anos da atual legislatura, Henrique Alves, que tinha Cunha como aliado, afirmou reiteradas vezes que os Vieira Lima eram os maiores críticos internos de sua gestão na liderança.

Eduardo Cunha e seu grupo não perdoam Henrique Alves pelo apoio nada velado a Sandro Mabel (GO), considerado cristão novo no partido. Já haveria um acordo: se o outro candidato Osmar Terra (RS) for para o segundo turno, Eduardo Cunha o apoia, e vice-versa, para derrotar Henrique Eduardo Alves.

- O problema de Henrique é político. Ele se isolou de quem sempre foi dele. Ele, Eduardo Cunha e Michel viveram nestes três anos em regime de comunhão de bens e, de repente, ele cospe no prato em que comeu? E o problema não é discutir se as denúncias são plantação, é discutir o mérito das denúncias - diz um dos interlocutores do grupo de Eduardo Cunha.

Fonte: O Globo

Dilma terá de negociar com um Congresso mais arredio

O governo prevê negociações mais difíceis com o Congresso, a partir de fevereiro, quando o PMDB deve assumir as presidências da Câmara e do Senado - segundo e terceiro cargos na linha de sucessão presidencial. Do PMDB é também o vice-presidente, Michel Temer

Sob o comando do PMDB, Congresso deve dificultar relação com Dilma

Raymundo Costa

BRASÍLIA - O governo prevê negociações mais difíceis com o Congresso, a partir de fevereiro, quando o PMDB deve assumir as presidências da Câmara e do Senado - segundo e terceiro cargos na linha de sucessão presidencial. O PMDB é também o partido do segundo na linha sucessória, o vice-presidente Michel Temer.

O Palácio do Planalto espera encontrar dificuldades especialmente com a Câmara, onde o novo líder da bancada do PMDB, provavelmente o deputado Eduardo Cunha (RJ), deve ter uma postura mais afirmativa em relação ao governo.

Essa é a aposta mais visível, mas há expectativas entre os governistas de que o PT também se torne mais exigente. A explicação é simples. O atual presidente da Câmara, Marco Maia (RS), além de ser petista, integra a corrente majoritária do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e atuou em favor do governo em situações críticas.

Disputas internas do PT algumas vezes apontaram Maia como em rota de colisão com o Palácio do Planalto, quando na realidade ele estava ajudando. Foi isso o que ocorreu, por exemplo, na votação do projeto de previdência complementar que o presidente da Câmara adiou por 24 horas. A avaliação do petista era que, se tivesse votado antes, o projeto do governo poderia ser derrotado.

O atual líder do PMDB e provável presidente da Câmara a partir de fevereiro, Henrique Alves deve ter uma postura mais independente em relação ao governo, sobretudo quando estiver aliado com o líder pemedebista, seja ele Eduardo Cunha, o favorito na eleição a ser realizada no início de fevereiro, ou Sandro Mabel (GO), que corre por fora também com chances de ser eleito. Nenhuma das duas soluções agrada ao Palácio do Planalto.

O governo teme, principalmente, a aprovação de leis de repercussão fiscal negativa. E a agenda federativa é extensa: FPE, mudança do indexador da dívida dos Estados e municípios e a alíquota do ICMS interestadual.

No Senado, o candidato favorito para substituir José Sarney é o alagoano Renan Calheiros. Político experiente, Renan articula em silêncio e nunca deixa sem troco o que o PMDB considera as desfeitas do governo ao partido. Em março, por exemplo, a bancada recusou uma indicação de Dilma para a Agência Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), no rastro de uma série de insatisfações - da redução do espaço do PMDB no governo à falta de prestígio do então líder da presidente, Romero Jucá (RR).

Sarney é da mesma escola, mas Dilma podia contar com algumas vantagens: o senador pelo PMDB do Amapá é grato pela ajuda que o PT deu para a eleição de sua filha, Roseana, para o governo do Maranhão, e na condição de ex-presidente da República conhece bem as dificuldades enfrentadas no Palácio do Planalto. A rigor, Sarney ajudou a presidente quando a maioria do Congresso queria derrubar vetos presidenciais ao projeto de redistribuição dos royalties do petróleo.

A maioria queria inverter uma pauta de mais de 3000 vetos para derrubar o veto de Dilma. Sarney faltou à reunião do Congresso que definiria a votação, deixando-a nas mãos da primeira-vice presidente Rose de Freitas (ES). Estava claro que, com a deputada na presidência dos trabalhos, não haveria acordo possível, diante da radicalização das posições em jogo.

Com um dos seus na presidência da Câmara, Marco Maia, o campo majoritário do PT foi mais contido nas reivindicações de cargos e no empenho para aprovar projetos que considera importantes para o partido. Agora, deve exigir compensação: cargos, mais atenção da presidente e um aumento da pressão para a aprovação do projeto que regulamenta os meios de comunicação. Lula e ala majoritária foi a que mais se desgastou com o escândalo do mensalão.

Nesse aspecto, deve sofrer alguma oposição do PMDB. "A liberdade de imprensa está no DNA do PMDB", costuma dizer o vice-presidente da República, Michel Temer, que é presidente licenciado do partido.

"Ou a presidente delega ou assume diretamente as negociações ou vai sofrer derrotas no Congresso, diz Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Diap, o órgão de assessoramento parlamentar da CUT. Na realidade, os trabalhadores ameaçam voltar às ruas para defender projetos de seu interesse - fim do fator previdenciário, jornada de 40 horas e o projeto que permite acordos salariais por empresa. A queixa é que a presidente atendeu a agenda empresarial, como a desoneração da folha, mas embora não possa ser considerado um governo ruim para o trabalhador, estaria sendo mais atencioso com os patrões.

O PSDB, especialmente no Senado, deve calibrar o discurso e ser menos "denuncista". A intenção é criar embaraços para Dilma, mas sem inviabilizá-la como candidata a reeleição. Neste caso, o candidato do PT seria Lula, opção bem mais indigesta. Mas um discurso pautado em propostas pode levar Dilma a ter de se definir precocemente sobre assuntos como privatização e flexibilização de direitos trabalhistas.

Fonte: Valor Econômico

Eleições: Começa a corrida pela sucessão nos estados

Governadores impedidos de concorrer à reeleição se preparam para tentar eleger sucessores e garantir a continuidade no poder. Jogo político influencia a próxima disputa pela Presidência da República.

Atrás de votos para o sucessor no estado

Disputa pelas chefias locais já começou e 10 dos principais governadores com cacife nacional estão fora das urnas em 2014. Situação abre espaço para nomes novos, embola quadro político regional e influencia briga dos partidos pelo Palácio do Planalto

Helena Mader

Em pelo menos 10 estados brasileiros, haverá renovação dos governadores nas eleições do ano que vem. Nessas unidades da federação, os atuais chefes do Executivo não poderão concorrer à reeleição, porque já completaram o segundo mandato ou porque assumiram no início de 2010 para os titulares concorrerem a outros cargos. As mudanças no panorama político dos estados onde não haverá reeleição devem ser expressivas. Os governadores impedidos de participar da disputa em 2014 já se preparam para tentar eleger sucessores e, assim, garantir a continuidade do grupo no poder. Sob os holofotes ou secretamente nos bastidores, eles testam a popularidade de aliados e negociam cargos no governo para dar força aos afilhados. Em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Maranhão, Ceará e Pernambuco, a oposição se prepara para enfrentar, além dos candidatos oficiais, o uso da máquina pública na tentativa de eleger os sucessores.

Dos 10 governadores legalmente impedidos de tentar a reeleição, seis foram eleitos em 2006 e reeleitos em 2010 e três deles assumiram o cargo em março de 2010. A legislação eleitoral veda a reeleição para os políticos que assumem o governo em substituição aos titulares que deixam definitivamente o cargo. Além desses casos, há também a situação da governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Derrotada em 2006, ela conseguiu chegar ao cargo em abril de 2009, depois da cassação do rival Jackson Lago. Como comandou o estado por dois governos, não poderá se candidatar novamente.

No grupo do clã Sarney, há três nomes na disputa para suceder Roseana. O candidato oficial da família é o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB). Caso o nome de Lobão não se viabilize, seja para resguardar a saúde, seja porque o ministro queira continuar no Senado, o grupo aposta no chefe da Casa Civil do estado, Luís Fernando Silva. Braço direito de Roseana, ele é o preferido pela governadora. Outro citado é o ministro do Turismo, Gastão Vieira (PMDB).

Na avaliação de um aliado de Roseana, a governadora terá que se esforçar para eleger Luís Fernando Silva. "Ela teria que ficar no governo até o fim, abrindo mão de disputar o Senado, para torná-lo conhecido. Mas o chefe da Casa Civil tem a vantagem de comandar a máquina pública atualmente. O governo também precisa melhorar a avaliação junto à população do Maranhão para conseguir fazer o sucessor", avalia o aliado de Roseana.

Na oposição, o nome mais forte é o do presidente da Embratur, Flávio Dino (PCdoB). Ele ganhou força depois de conseguir vencer a família Sarney na disputa pela prefeitura de São Luís e elegeu Edivaldo Holanda Júnior (PTC). Dino diz que pretende coibir o uso da máquina pública no estado durante a campanha de 2014. "Em 2010, o que vimos foi uma farra de convênios eleitoreiros, com gastos de mais de R$ 800 milhões. Na próxima eleição, vamos lutar para que isso não se repita, acionando o Ministério Público e o Tribunal de Contas", comenta Flávio Dino. Além do presidente da Embratur, existe a possibilidade de surgimento de candidatos de terceira via, como o ex-prefeito de São Luís João Castelo (PSDB) ou o ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB).

Suspense

Na Bahia, o governador petista Jaques Wagner evita falar publicamente sobre a sua sucessão mas, nos bastidores, já negocia a disputa do ano que vem. Os dois nomes mais fortes para herdar os votos de Jaques Wagner são o senador petista Walter Pinheiro e o chefe da Casa Civil do estado, Rui Costa. Inicialmente cotado, o ex-Petrobras José Sergio Gabrielli, que atualmente é secretário estadual de Planejamento, perdeu fôlego na corrida pelo governo baiano.

Um aliado de Jaques Wagner reconheceu ao Correio que a disputa vai ser delicada, já que o governo não passa por um bom momento. Mas ele lembrou que a oposição não tem nome forte, o que dá sobrevida ao projeto político do governador baiano. "O Jaques Wagner deixa as coisas correrem soltas, mas a gente sabe exatamente para onde ele quer ir. O candidato do coração dele é o Rui Costa", conta o aliado do petista. "O Gabrielli foi um pedido do Lula, mas não está bem cotado. O senador Walter Pinheiro ganha força, porque foi secretário de Planejamento no melhor momento do governo. Infelizmente, o governo não passa por um bom momento. O ano de 2012 foi difícil por causa da seca, da greve da PM e dos professores, esta última com duração de mais de 150 dias", diz o aliado de Wagner.

A oposição ganhou espaço com a vitória de ACM Neto nas eleições municipais. Mas falta outro nome forte para a disputa, reconhecem integrantes do PSDB e do DEM. Correligionários acreditam que haverá pressão para que ACM Neto deixe a prefeitura de Salvador para concorrer ao governo do estado, mas ele tem negado essa possibilidade. O ex-ministro da Integração Nacional Geddel Vieira Lima (PMDB), que ano passado apoiou ACM Neto, faz costuras para tentar viabilizar o seu nome. Na Bahia, dificilmente PMDB e PT estarão juntos, ao contrário do que deve ocorrer no plano nacional. Outro enigma na disputa é o caminho do vice-governador da Bahia, Otto Alencar (PSD). Aposentado do Tribunal de Contas, ele resolveu participar da chapa de Jaques Wagner em 2010 e seu destino político é uma incógnita que preocupa os aliados do governador.

Um dos estados com cenário mais claro é o Mato Grosso. Lá, o panorama se encaminha para uma disputa entre os senadores Blairo Maggi (PR) e Pedro Taques (PDT). O governador Silval Barbosa assumiu em março de 2010, quando o então titular do Executivo, Blairo Maggi, deixou o governo para disputar com sucesso uma vaga no Senado. O PSD, do vice-governador Chico Daltro, também luta por espaço. Além do nome de Daltro, o presidente da Assembleia Legislativa, José Riva (PSD), também é mencionado. Provável candidato de oposição, o senador Pedro Taques reconhece a tendência de liderar a chapa contra o indicado por Silval. "A partir da semana que vem, temos conversas marcadas com representantes de partidos como o PPS, o PSDB, o PTB e PSB. Meu grupo quer que eu seja candidato e vamos começar os debates", comenta Taques. "Temos uma preocupação com o uso da máquina e com abuso do poder econômico pelo grupo que está no poder, portanto vamos acompanhar desde já", acrescentou o senador do PDT.

Fonte: Correio Braziliense

Bem-vindo, Henrique - Ricardo Noblat

Depois de 42 anos como deputado federal, Henrique Eduardo Alves, atual líder do PMDB, está prontinho para presidir a Câmara a partir de fevereiro próximo. Sabe tudo o que se passa ali dentro. Sabe como fazer passar tudo ali dentro. Sabe quem importa ali dentro e quem não importa. E conta com os votos da maioria esmagadora dos partidos, do governo à oposição. Sem falar do apoio da presidente Dilma.

O que falta para que ele...

O que falta para que ele dê como certa sua eleição? A apuração dos votos. E que até lá o deixem em paz. Ou melhor: ocupado em cabalar votos em troca de cargos na direção e em gabinetes da Câmara, em ministérios e empresas estatais onde o PMDB manda. Um conselho: nada de investigar o passado remoto ou recente de Henrique. Porque quem procura acha. E o que acha nem sempre favorece o alvo do achado.

No último fim de semana, a "Folha de S.Paulo" e a "Veja" publicaram preciosos achados que, por um lado, reforçam as chances de Henrique junto aos seus colegas e, por outro, o deixam mal com o distinto público. Os colegas poderão dizer com orgulho: "É um dos nossos". Quanto ao que dirá o distinto público... O que importa? Quantos políticos encrencados com a Justiça não se elegem e se reelegem com o voto do distinto público?

Leandro Colon , repórter da "Folha", descobriu que uma parte do dinheiro das emendas ao Orçamento da União apresentadas por Henrique foi parar na Bonacci Engenharia, empresa de Aluizio Dutra de Almeida, tesoureiro do PMDB no Rio Grande do Norte, Estado de Henrique. Aluizio é assessor de Henrique desde 1998. A "Folha" identificou três prefeituras que contrataram a Bonacci Engenharia com dinheiro federal obtido por Henrique.

Em 2009, Henrique destinou R$ 200 mil de suas emendas para a construção de uma praça em Campo Grande, a quase 300 quilômetros de Natal. No ano seguinte, o dinheiro saiu, e a prefeitura contratou a empresa do assessor de Henrique para tocar a obra. Repetiu-se o script com obras nas cidades de São Gonçalo do Amarante e Brejinho. Os mais lenientes dirão: a Bonacci deve engordar o caixa dois das campanhas de Henrique. Caixa dois é crime.

Os mais ferinos: Henrique deve ser sócio oculto da Bonacci. Sem prova não vale. Mas - quem sabe? - a teoria do domínio do fato não dá um jeito nisso... Deu no mensalão. Condenou cabeças coroadas. (Mudou de assunto, foi, Noblat? Cadê Henrique?) O indigitado recusou-se a comentar a reportagem da "Folha". Talvez porque ao comentar a da "Veja" tenha se dado mal. A "Veja" conta que Henrique gasta R$ 8.300 com aluguel mensal de veículos.

Ocorre que as notas fiscais apresentadas por ele para reembolso pela Câmara são emitidas por uma empresa registrada em nome de uma laranja. A empresa se chama Global Transportes. Sua falsa dona atende pelo nome de Viviane dos Santos, ex-vendedora de tapetes. Viviane diz que emprestou seu nome a uma tia. E que a Global não possui carros.

Kelen Gomes, a tia, é quem fornece as notas fiscais para o gabinete de Henrique. À "Veja", primeiro Henrique disse que usa seu próprio carro quando está em Brasília. Admitiu depois que usa carro alugado. Por fim, mandou que um assessor explicasse melhor a história. "Talvez o deputado não se lembre, mas foi ele quem mandou contratar essa empresa", explicou Wellington Costa, o assessor.

De volta ao começo: "Depois de 42 anos como deputado federal, Henrique Eduardo Alves está prontinho para presidir a Câmara a partir de fevereiro próximo".

Fonte: O Globo

Esses “jornais de oposição...” - Eugênio Bucci

A Folha de S.Paulo é "a vanguarda entre os veículos da imprensa empenhados em isolar o governo da opinião pública". Num país em que a oposição não tem peito nem engenho para fazer oposição, as redações jornalísticas se encarregam de jogar as autoridades no descrédito. É assim, ao menos, que pensam os entusiastas do governo federal. Para eles, os jornais cumprem o papel que deveria ser dos partidos de oposição. Inconformados, os representantes do Palácio do Planalto contra-atacam, como fez o líder do partido do governo na Câmara dos Deputados, diante de mais uma reportagem crítica lida em plenário por algum adversário mal-agradecido. "Sinceramente, não encontramos aqui um pensamento inédito", disse o parlamentar governista. Segundo ele, a imprensa apenas requenta fatos velhos para agredir quem trabalha sem descanso para melhorar a vida dos brasileiros. Os governantes, segundo essa visão, não passam de vítimas da maledicência, padecem sob o bombardeio de uma campanha articulada para desacreditá-los. O líder do partido do governo, no mesmo pronunciamento em que reclamou das notícias requentadas, foi severo e categórico em seu diagnóstico: os órgãos de imprensa "são o grande veículo dessa campanha articulada".

Antes de qualquer interpretação apressada, vamos esclarecer. As declarações transcritas no parágrafo acima não re¬produzem falas de integrantes do governo Dilma Rousseff. São anteriores. Também não trazem recortes dos inflamados discursos de entusiastas do primeiro ou do segundo governos de Luiz Inácio Lula da Silva. Nem de beneficiários das duas gestões de Fernando Henrique Cardoso, ou do breve mandato de Itamar Franco, ou de Collor, ou mesmo de José Sarney. Elas vêm de um período ainda mais antigo, vêm dos tempos da ditadura militar.

Quem disse que a Folha é "a vanguarda entre os veículos da imprensa empenhados em isolar o governo da opinião pública" foi João Baptista Figueiredo, o mesmo que chegou a ocupar a Presidência da República entre 1979 e 1985. Ele disse ou, mais exatamente, ele escreveu isso um pouco antes de ser empossado ditador, num relatório que entregou, em 1977, ao então ministro da Justiça, Armando Falcão. Naquela temporada, Figueiredo era o chefe do temido SNI, o Serviço Nacional de Informações, e enxergava no diário paulistano um criadouro de oposicionistas ou, nas palavras dele, "o esquema de infiltração mais bem montado da chamada grande imprensa". Se as coisas não iam bem, a culpa deveria ser das redações. O episódio pode ser lido com mais detalhes no livro Folha (páginas 67 e 68), escrito pela jornalista Ana Esteia de Sousa Pinto, que chegou em dezembro às livrarias com o selo da Publifolha.

Quanto ao governista que reclamou das "campanhas articuladas" contra o governo, de nome Cantídio Sampaio, ele foi líder da Arena, a Aliança Renovadora Nacional, o partido que apoiava a ditadura militar. O arenista enunciou seu juízo sobre a imprensa também em 1977, ao protestar, na Câmara dos Deputados, contra a extensa cobertura que os jornais tinham dedicado ao lançamento da Carta aos Brasileiros, do professor e jurista Goffredo Telles Júnior, no dia 8 de agosto, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em sua Carta, hoje célebre, Goffredo conclamou os compatriotas a exigir com ele o fim do regime de exceção, numa guinada decisiva para a conquista da democracia no Brasil. O deputado governista, acuado, sem outros argumentos, pôs a culpa no noticiário, como relata Cássio Schubsky em Estado de direito já! - Os trinta anos da Carta aos Brasileiros (a partir da página 219), lançado em 2007 pela editora Lettera.doc.

Tudo isso é passado, claro. A ditadura acabou e, com ela, caiu em desuso a doutrina de segurança nacional que consistia em pôr toda a responsabilidade pelos males nacionais nos "inimigos infiltrados" dentro dos meios de comunicação. Espantosamente, porém, tudo isso ainda é presente. A velha doutrina se retirou, é fato, mas as teorias de que ela se serviu, como a da "notícia requentada", ou a da "campanha articulada" para "isolar o governo da opinião pública", continuam na ativa. Toda semana, a gente dá de cara com tentativas de demonizar jornalistas para inocentar governantes, num furibundo fanatismo anti-imprensa. Presentemente, essas tentativas gostam de se declarar "de esquerda", mas são apenas obscurantistas, como eram nos tempos da ditadura. São apenas autoritárias, intolerantes e mal-intencionadas. Nesse ponto, só o que mudou no Brasil foi a cor da gravata.

Eugênio Bucci é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP.

Fonte: Revista Época

Testamento e saldo de Sarney (1) - Wilson Figueiredo

Não podia ocorrer melhor data para o senador José Sarney vir a público, aproveitando a oportunidade da passagem de ano, dia 31 de dezembro, e anunciar que o dia seguinte do novo ano não contasse mais com ele: começaria a se retirar da cena política e, depois de 60 anos nesse beco sem saída, deixava a quem interessasse a experiência acumulada por ele, dentro ou fora do poder, ao longo do tempo. A quem interessar possa, legou as razões em entrevista publicada pela Folha de S.Paulo naquela mesma data. Não foi o acaso, nem ato falho ( segundo o dialeto freudiano), nem pela oportunidade, mas certamente a soma de todas as razões para jogar a toalha com a sóbria dignidade da despedida e a circunstância de uma vida inteira.

Sarney está de saída e se apresenta, nas reflexões finais relativas a 24 anos ininterruptos no Congresso, com números à mão ( quando seu mandato de senador se esgotar em 2015, já à vista), não pretende ser candidato senão a suplente dele próprio, entre o que poderia ter sido e o que foi: nenhuma reparação a cobrar e, aos olhos da opinião pública, nada de ressentimentos para justificar o que tenha feito ou deixado de fazer. A recomendação final tem o sotaque da sabedoria que não se aprende nos livros: a seu ver, todos os presidentes da República deveriam, depois de exercer o mandato, ser proibidos legalmente de disputar qualquer cargo público eletivo. Medida altamente profilática.

No último dia do ano, vive-se por tradição a ilusão de que, no primeiro do novo ano, tudo deixa de ser como era, e passa a ser como deveria ter sido e não foi. Desde 1955, quando obteve nas urnas o mandato de deputado federal pelo Maranhão, José Ribamar Sarney caiu nas malhas da política, já na terceira encarnação republicana, a Constituição de 1946, e deparou com a obrigação de fazer opções que, cada vez mais, dependiam das circunstâncias do seu tempo e menos da própria consciência.

Esse Sarney, que começou cedo no mandato federal, nunca mais saiu da política, que tem a porta de entrada, mas não deixa saída senão pelas janelas que se abrem para o desconhecido: nunca mais saiu da política, que o levou, sem consultá-lo previamente, à presidência da República, desorganizada e tensa, no retorno à democracia (sem passar pelas urnas, que falam pelo povo mas não filtram as impurezas e os interesses menores). Fez um governo com altos e baixos, mais altos e mais baixos do que se esperava. Foi a expressão política de uma situação incontrolável e contraditória, com raízes no que havia de bom mas também de menos bom, e de pior como matéria prima para uma nova época.

Depois da presidência, Sarney retornou à planice representativa onde não mais se praticava a palavra oral, nem se proporcionavam aos cidadãos os maviosos cantos das sereias liberais que encantaram a opinião pública no passado. Recomeçava, aparentemente outro, o Brasil tolerante e generoso com erros, extravios, desvios e descaminhos históricos. Nem mais a exuberância verbal reprimida.

Não sobreviveria a nova geração, que marcaria passo sem sair da expectativa retórica da Constituinte de 1946. Até que, depois de passar pelo rito da social-democracia, um operário foi alçado à Presidência da República no começo do novo século. Não era uma incógnita. Sem qualquer abalo, nem temor desmedido, o Brasil voltava ao natural e, o natural, ao que havia de menos bom, com o pior à disposição.

Sarney tem razões que a própria reeleição desconhece. Presidentes deveriam ser encapsulados num compromisso legal como conselheiros da República, com recursos mínimos para o exercício de se reunirem com os presidentes, a convite deles, e, havendo necessidade, falarem com o desinteresse e o descompromisso de partidos e tendências políticas. As palavras do senador que, em mais dois anos, se aposentará com o mandato em curso – não pela oportunidade de baixa ressonância política – valem por um intervalo de sabedoria, de que nem tomam conhecimento os que chegam e despertam nostalgia nos que fazem a mala para o derradeiro mandato em esgotamento.

A política, por sua natureza, só tem a porta de entrada na ressalva de Sarney, e deixa às janelas, que servem também para a defenestração literal, fazer despejos. Por lei mas, por fora da lei, pode-se também exercer serventia moral por vontade do eleitor.

Em tom confidencial, com voz levemente velada e como quem confia, Sarney falou, certo de que, daqui para a frente, à medida que se afastar da ação política, seja como presidente de partido ou ex da República, poderá meditar objetivamente sobre o Brasil. Não lhe faltará tempo no tempo útil que lhe restar. Deixa aos interessados e desinteressados a maldição que faz falta: “As Medidas Provisórias destruíram o Congresso”. Mas não pediu: “orai por nós”. Não mais se habilitará a cargos eletivos ao passar à etapa superior da vida, que não está em jogo. Basta-lhe saber que é o suplente de si mesmo. Aceita ser julgado pelas ultimas palavras que tiver dito E, como a política só tem a porta de entrada, vai zanzar por aí ou sucumbir, por temporadas, no Maranhão, que “é saudade que não passa”.

Fonte: Jornal do Brasil

Adrielly dos Santos Vieira: uma tragédia brasileira - Marcus Pestana

Tudo fica pequeno diante da morte de uma criança

É inegável que o Brasil avançou desde os anos 1990 na superação da pobreza. Mas ainda estamos a léguas de distância de um país justo, que garanta à sua população os direitos humanos fundamentais.

O universo das elites guarda uma distância abissal do cotidiano do povo simples que habita a periferia das cidades e do interior do país. De um lado, mensalões, CPIs, "crises institucionais", "Rosegates", "Chateaus Petrus", jatos particulares, carros importados, transações bilionárias. De outro, moradia inadequada, falta de saneamento básico, coabitação com o crime organizado, educação sem qualidade, acesso precário aos serviços de saúde. Em vez de análises ufanistas, seja de que lado vier, é preciso lembrar a permanência de uma inaceitável iniquidade social a nos desafiar. A indignação é o combustível da esperança. A esperança é o motor da ação transformadora.

Adrielly dos Santos Vieira tinha apenas 10 anos. Morava no morro do Urubuzinho, Zona Norte do Rio. Na véspera do Natal, provavelmente só esperava ganhar (ou não) uma boneca de presente. Encontrou em seu caminho uma bala perdida, figura já banalizada, diante de tantas balas perdidas, como se vivêssemos num verdadeiro faroeste sem lei. Em vez da ceia em casa com a família, foi levada, com a bala incrustada em sua cabeça, onde abrigava os sonhos infantis típicos de uma criança pobre da periferia das grandes cidades, para o Hospital Municipal Salgado Filho.

Esperou oito horas pela cirurgia. O dr. Adão Orlando Crespo Gonçalves, neurocirurgião de plantão, não estava lá. Pior, não ia lá há um mês por discordar da estrutura oferecida. Teria avisado isso ao diretor do hospital. Pediu demissão depois que Adrielly teve morte cerebral. É pouco, muito pouco. Por que não se afastou antes? Por que não compareceu ao plantão? E o diretor? Por que não o demitiu e providenciou sua substituição? Ah, sim, o mercado de trabalho, a dificuldade de conseguir especialistas, os salários baixos, o trabalho sem dúvida penoso. Tudo fica pequeno diante da morte da menina de 10 anos, que não escolheu estar no caminho de uma bala perdida, na véspera do Natal, onde provavelmente sonhava com a boneca que ganharia ou não.

A pediatra fez o que pôde. O chefe do plantão não conseguiu a transferência. O sistema de regulação falhou. O SUS não agiu em rede. O cirurgião substituto chegou tarde demais. O Congresso não aprovou o aumento das verbas da saúde que o governo ameaçou vetar. A sociedade cobra qualidade e resultados, mas não se mobiliza para que haja mais verbas e melhor gestão. Onde está a culpa? Quem apertou o gatilho? Que cumplicidade deplorável é esta? Tudo fica pequeno diante da morte de uma criança inocente.

A morte de Adrielly é mais um alerta às elites brasileiras. Há um mundo paralelo e distante onde desfila o cotidiano do povo brasileiro. A nós, homens públicos, é preciso lembrar sempre: é para cuidar das Adriellys espalhadas pelo país que fomos eleitos.

Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)

Fonte: O Tempo (MG)

Lilliput - Igor Gielow

No começo deste ano, o ministro do STF Marco Aurélio Mello irritou alguns próceres do Legislativo ao apontar a "inapetência" do Congresso, que viveria constantemente um "faz de conta". Suspeito que ele tenha sido generoso.

Há muita esperteza nos subterrâneos do belo prédio de Niemeyer. Veja Henrique Eduardo Alves (RN), líder quase eterno do PMDB na Câmara e favoritíssimo a ser o próximo presidente da Casa, a partir de fevereiro.

Como a Folha mostrou ontem, ele direcionou verbas por meio de emendas que foram cair na conta da empresa de um assessor. Tudo, naturalmente, dentro da lei e respeitando princípios de impessoalidade, como correram a explicar.

"Henriquinho", deputado há mais tempo na Casa, classificado como político pragmático e "do ramo", é reincidente. Em 2007, por exemplo, este jornal descobriu que ele usava verbas do gabinete para comprar textos laudatórios a si mesmo em um periódico de sua propriedade. E achava o máximo, sem vergonha alguma do conflito ético (se não legal) evidente.

São casos pequenos perto, digamos, de um mensalão, mas que demonstram a qualidade igualmente nanica de nossos congressistas. O personalismo vazio, marca de qualquer República de segunda, impera.

O atual presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), gastou quase dez minutos de horário nobre no fim do ano com uma exaltação à sua gestão, marcada tão somente por mediocridade institucional e pela homologação da agenda do Executivo.

Símbolo maior do "homo politicus" brasileiro, José Sarney (PMDB-AP) acaba de ter suas quatro passagens pela chefia do Senado exaltadas em uma exposição como marcos da modernidade. Claro, com tudo pago pela Casa, que viu "custo zero" por ter usado recursos próprios.

São esses os tais "profissionais" adulados nas rodas de Brasília -ou, para ficar no registro de Marco Aurélio, essa Lilliput do cerrado.

Fonte: Folha de S. Paulo

De santos, chuvas e votos - José Roberto de Toledo

Quando o governante começa a olhar para o céu e torcer não costuma ser bom sinal. São Pedro não é filiado ao PMDB. Argumentos franciscanos têm pouco apelo em sua paróquia. Não há notícia de presidente que, dando uma verbinha aqui, recebeu uma chuvinha ali - mesmo quando se tem a convicção religiosa de Dilma Rousseff. Fernando Henrique Cardoso que o diga.

Para ter um pibão, a presidente precisa acordar o espírito animal dos empresários brasileiros. Ela cortou os juros e ganhou um bocejo. Teimou. Prometeu diminuir a tarifa da energia elétrica - afinal, reduzir custos é a ladainha predileta dos industriais. De quebra, Dilma faria um agrado para os eleitores-consumidores. Mas o que parecia uma boa ideia pode virar um catch-22, uma pegadinha inescapável.

Se o preço da energia cair, o consumo tende a subir - ao menos nas casas. Mais demanda por eletricidade requer garantia de produção das hidrelétricas, mas São Pedro economizou chuvas em 2012 e os reservatórios que giram as turbinas estão lá embaixo. Restam as usinas termelétricas, mas a maioria delas usa combustíveis fósseis, daqueles cujo preço Dilma prometeu aumentar.

Quando a conta não fecha, sabe-se quem costuma pagar a diferença: o seu, o meu, o nosso, depositado no Tesouro Nacional. O dinheiro que vier a entrar pelo bolso que paga a conta de luz já saiu pelo que paga os impostos. Se a esmola é demais até São Francisco desconfia. Mas o ardil não termina aí.

As indústrias que acreditarem na promessa de crescimento e investirem terão que pedir cota extra de consumo de eletricidade. Até conseguirem, terão que recorrer ao mercado livre, onde o preço do gigawatt é mais caro. Ou seja, o que economizarem com a redução das tarifas regulares estarão arriscadas a gastar com a energia adicional para crescer.

Para complicar, há que chover muito neste verão de 2013 para os reservatórios que movem as hidrelétricas chegarem a 2014 com seus níveis recompostos. Caso chova pouco, a presidente entrará no ano de sua reeleição com a água abaixo das canelas.

Mesmo sem ter que racionar energia como FHC fez em 2001, o baixo nível será suficiente para Dilma enfrentar uma inundação de especulações sobre racionamento - um risco que não é desejável para nenhum candidato à reeleição. Mais: é a desculpa de que parte do empresariado precisa para manter o espírito animal no banco.

É este, no fundo, o desafio presidencial: ganhar o jogo das expectativas. Não basta o governo projetar um pibão, nem é suficiente pedir aos empresários que invistam. Tem que convencê-los de que correm mais risco de perder dinheiro deixando-o parado do que colocando o capital para girar a economia. A questão que permanece sem resposta é como alcançar tal façanha.

Timing difícil. O barateamento do custo da eletricidade parecia ser um passo nessa direção. Dilma ganhou a queda-de-braço com as concessionárias de energia elétrica tucanas e, pela sua determinação, deve conseguir derrubar as tarifas de energia ao longo das próximas semanas. Mas a batalha está longe do fim, e o timing não é dos mais favoráveis à presidente.

Caso os reservatórios não se recomponham ao longo de 2013, as consequências vão aparecer bem no começo da campanha presidencial à reeleição em 2014. O período de seca no Sudeste e Sul começa em abril/maio e se estende até setembro/outubro. É praticamente simultâneo à época em que Dilma estará pedindo votos. E é de se perguntar se até lá os consumidores ainda se lembrarão da redução das tarifas ocorrida mais de um ano antes.

Em 2012, o consumo de energia no Brasil cresceu 3,3% na média anualizada. Mas o crescimento foi muito desigual. Enquanto a indústria, responsável por 4 em cada 10 megawatts consumidos, cresceu quase nada (0,1%), o uso de eletricidade no comércio cresceu 6,2%, e nas residências, 3,8%. É mais um descompasso entre consumo e produção da economia brasileira.

Isso significa também que se o plano de Dilma der certo, ao aumento de demanda comercial e residencial já existente se somaria o crescimento do segmento que é o maior consumidor de energia, a indústria.

Se isso ocorrer num cenário de escassez de oferta, por causa do baixo nível dos reservatórios, aumentam as chances de a oposição ter munição para usar na campanha. Se o plano der errado, bem, o plano terá dado errado.

Assim, melhor Dilma olhar para o céu e torcer. Tampouco custa mandar uma ficha de filiação ao PMDB para São Pedro.

Fonte: O Estado de S. Paulo

A política tem seu calendário - Renato Janine Ribeiro

O Brasil segue, no calendário de suas eleições, um caminho diferente do adotado pela França, Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Grã-Bretanha, Argentina e Venezuela, para ficarmos nos países mais presentes em nosso noticiário. Aqui, fomos promovendo cada vez mais a coincidência das eleições. Na França, chega a haver várias consultas populares num ano, somando eleições nacionais, municipais, cantonais e eventuais referendos; nos países que mencionei e que são federações - hoje, quase todos eles - as eleições subnacionais, para o governo de Estados ou províncias, podem acontecer em datas desencontradas. No Brasil, porém, temos duas datas fixas, sempre em anos pares, nas quais se vai às urnas.

Nem todos gostam disso. Mas, curiosamente, a crítica mais frequente não é para que adotemos o modelo mais liberal dos países acima. Em quase todos eles, há maior liberdade para fixar as datas das eleições subnacionais e por vezes até a duração de seus mandatos. No parlamentarismo, como é da essência do sistema que possa haver a dissolução do Parlamento para que o povo resolva eventuais crises de governabilidade, não há datas estritas para os pleitos. No Brasil, porém, quando se critica o calendário eleitoral, não é para dizer que temos eleições de menos e que o povo deveria votar com maior frequência. Ao contrário: é para sustentar que temos eleições de mais e deveríamos concentrar todas numa única data, elegendo simultaneamente executivos e legisladores da União, dos Estados, Distrito Federal e municípios.

Insisto: nossa exceção não é termos eleições demais. É irmos pouco às urnas. Ou seja, quem quiser promover a coincidência de todos os mandatos deve sugerir argumentos melhores. Será bom que explique por que o Brasil deveria ir numa direção que não é a de sua história, nem a do resto do mundo.

Ações de governo precisam ter continuidade

Mas, falando de calendário, é bom aproveitar o início, que ora ocorre, dos mandatos municipais para comentar uma espécie de lei que rege nossos governos de todas as instâncias. O primeiro ano de um governo eleito é dedicado a tomar pé. Tem-se um orçamento que foi votado na gestão finda (o que poderia ser modificado se o mandato começasse quarenta e cinco dias antes, o bastante para que os novos, não os velhos, governantes aprovassem o orçamento do primeiro ano). Vão sendo preenchidos os cargos aos poucos, o que não raro demora até dois anos (solução: reduzir os cargos de confiança e aumentar os de carreira). O novo governante também contém despesas, faz caixa e, assim, descumpre as promessas que fez a seus eleitores. Diz a eles que, com o tempo, elas serão atendidas. Às vezes, isso acontece.

O segundo ano de governo é de preparo para outras eleições. Em 2014, os prefeitos mostrarão serviço, para ajudar seus candidatos nos Estados e na União. O terceiro ano é o melhor ano de governo. A administração já completou seus quadros de confiança, os projetos andam. No quarto ano termina o mandato, e ocorrem novas eleições: com sorte, investe-se; com azar (para o povo e o futuro), gasta-se. Lembro uma cidade da Grande São Paulo, com grandes problemas sociais, em que no ano da eleição o prefeito inaugurou uma frota de micro-ônibus com ar condicionado e até frigobar. Depois do pleito, eles sumiram.

Há soluções para isso? Sugeri acima a antecipação da posse, para que o novo Executivo e Legislativo decidam o orçamento do ano entrante. Mais ambicioso e difícil, porém crucial, será dar maior estabilidade à administração. É preciso termos programas de governo que não dependam de uma canetada do poder executivo, como hoje é o caso. Qualquer dirigente, atualmente, pode criar ou eliminar programas. Aliás, como diretor que fui do setor principal (mas o mais barato) da Capes, que é a avaliação dos cursos de doutorado e mestrado do Brasil, vi como os políticos dão mais importância ao que é novidade, ao que impressiona a mídia, do que às ações de base, permanentes, que não fornecem notícias. Uma avaliação, por exemplo, geralmente aponta 3 ou 4% de cursos excelentes; esse porcentual deve ser mais ou menos fixo, senão se inflaciona a avaliação e ela perde o sentido; mas o sonho de qualquer político é dizer que os melhores cursos passaram, digamos, de quatro a dez por cento. A seu modo, isso vale para as escolas, os hospitais, as estradas: o que é sólido é lento, depende de muito esforço e não gera notícias. Daí, justamente, a necessidade de que os programas de governo sejam mais estáveis. E, com isso, é preciso capacitar servidores de carreira que possam conduzi-los no governo de um partido ou outro, até para não termos mais as perdas de tempo que assinalei: pelo meu raciocínio, o melhor ano de governo é o terceiro; todos os outros são anos de governo prejudicados pelo calendário. Sem essa reforma da função pública, não haverá "choque de gestão" ou o que seja. Mas nada disso se resolve fazendo coincidir todas as eleições, o que apenas aumentaria a distância entre o povo teoricamente soberano e seus supostos mandatários, reduzindo o controle do eleitor sobre o eleito.

O que atenua esses males é, paradoxalmente, a reeleição. O governante reeleito tem um mandato quase inteiro, limpo, para dar continuidade ao que iniciou. Com o aval dos eleitores, que aprovaram sua gestão, ele já não precisa conviver com um orçamento desconhecido (primeiro ano) nem compor uma administração nova (primeiro e segundo ano). Por isso mesmo, se formos contestar a reeleição, como propôs Marina Silva em sua por sinal importante entrevista ao Valor nesta sexta-feira, será preciso não perder esses benefícios que ela trouxe.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Fonte: Valor Econômico

Brasil perde fundos para outros emergentes

Maior interferência do governo na economia e imposto mais alto afastam investimento de grandes gestores globais

Países como Rússia, Turquia e México vêm ganhando espaço do mercado brasileiro entre investidores de fora

Érica Fraga

SÃO PAULO - Fundos de investimento estrangeiros estão trocando o Brasil por outros mercados emergentes, em um movimento que tem entre suas causas os impostos mais altos e a maior interferência do governo na economia.

Em uma tendência que inclui fundos de grandes gestores como os americanos Pimco e BlackRock, a fatia dos recursos administrados por grupos internacionais aplicada no mercado financeiro local do país tem recuado.

A menor demanda por ativos diminui a capacidade de financiamento das empresas brasileiras, por meio da Bolsa, e do governo, via mercado de títulos públicos.

Segundo dados da consultoria EPFR, especializada em fluxos de investimento, o percentual do portfólio de fundos de ações especializados em mercados emergentes investido no Brasil caiu de 16,7% no fim de 2009 para 11,6% em novembro, o patamar mais baixo desde 2005.

O país também vem perdendo espaço nos fundos globais de ações. A fatia desses fundos investida no país chegou a ficar acima de 2% no início de 2012, mas recuou para 1,2% no fim do ano, menor nível desde o fim de 2008.

No caso dos fundos de ações focados em América Latina, a exposição ao Brasil caiu: de uma média superior a 65% do total dos recursos administrados em 2010 e 2011 para 56,6% em novembro.

Peso do tributo

Ainda que, na comparação com os emergentes, o Brasil mantenha fatia expressiva no portfólio dos fundos estrangeiros (tanto de ações como renda fixa), o país vem perdendo espaço para México, Rússia, Turquia e Tailândia.

A parcela investida no mercado doméstico brasileiro pelo principal fundo de renda fixa em mercados emergentes da Pimco atingiu em junho passado cerca de 7,3% (menor que a de México e África do Sul). Em 2007, esse percentual era de 20,3%.

"O Brasil é atrativo, mas se tornou muito mais difícil investir no país do que no México devido a uma combinação do IOF [Imposto sobre Operações Financeiras] maior e incerteza na condução da política econômica", diz Michael Gomez, diretor-executivo da Pimco.

Em 2010, o governo aumentou de 2% para 6% a alíquota de IOF que incide nas aplicações de estrangeiros em papéis de renda fixa.

"Isso está impedindo investimentos de longo prazo no mercado de renda fixa."

Gomez diz que a Pimco tem usado instrumentos financeiros negociados fora do Brasil para apostar nos movimentos de taxas de juros do país (leia texto nesta página).

O economista Nelson Marconi, da FGV, defende a alíquota maior de IOF, por reduzir o fluxo de recursos de curto prazo não destinados ao setor produtivo, que ajudavam a sobrevalorizar o real.

"As mudanças de tributação ajudaram o real a se desvalorizar e contribuíram para diminuir sua volatilidade."

Mas ele diz que a interferência do governo em setores como o de energia afasta investimentos em ações.

A BlackRock reduziu de 20%, no início de 2011, para 13%, em julho de 2012, a fatia destinada a ações ordinárias de empresas brasileiras por um dos seus principais fundos de mercados emergentes.

Luiz Soares, chefe do time de mercados emergentes da BlackRock, diz que o Brasil ainda é um dos países mais atraentes para investimentos.

Mas, devido à interferência do governo, o fundo de mercados emergentes vendeu a posição que tinha no setor de energia e reduziu a exposição ao setor bancário.

No caso dos bancos, ele voltou a comprar ações porque avalia que a intervenção do governo no setor já diminuiu.

Para Tony Volpon, da corretora Nomura, a tributação mais pesada, a maior intervenção do governo e "a incapacidade do país de voltar a crescer" têm afastado investidores do mercado local.

Fonte: Folha de S. Paulo

Projeção de alta da inflação em 2013 sobe pela segunda semana consecutiva

Segundo a pesquisa Focus, do Banco Central, o IPCA neste ano ficaria em 5,53%; há quatro semanas, a estimativa estava em 5,42%

Eduardo Cucolo

BRASÍLIA - A projeção de inflação medida pelo IPCA para 2013 subiu pela segunda semana consecutiva, de 5,49% para 5,53%, de acordo com a pesquisa Focus divulgada na manhã desta segunda-feira pelo Banco Central. Há quatro semanas, a estimativa estava em 5,42%. Para 2014, a projeção segue em 5,50%

A projeção de alta da inflação para os próximos 12 meses subiu de 5,52% para 5,53%, conforme a projeção suavizada para o IPCA. Há quatro semanas, estava em 5,46%. Nas estimativas do grupo dos analistas consultados que mais acertam as projeções, o chamado Top 5 da pesquisa Focus, a previsão para o IPCA em 2013 no cenário de médio prazo subiu de 5,52% para 5,73%. Para 2014, a previsão dos cinco analistas passou de 5,25% para 5,85%. Há um mês, o grupo apostava em altas de 5,57% e de 5,25% para cada ano, respectivamente.

Entre todos os analistas ouvidos pelo BC, a mediana das estimativas para o IPCA em janeiro de 2013 subiu de 0,75% para 0,78%, acima do 0,69% previsto há um mês. Para fevereiro de 2013, passou de 0,41% para 0,45%. Há quatro semanas, estava em 0,43%.

PIB

A previsão de crescimento da economia brasileira em 2013 recuou de 3,26% para 3,20% na pesquisa Focus. Para 2014, a estimativa de expansão caiu de 3,75% para 3,60%. Há quatro semanas, as projeções eram, respectivamente, de 3,40% e 3,81%.

A projeção para o desempenho do setor industrial em 2013 passou de 3,00% para 3,24%. Para 2014, economistas preveem avanço industrial de 3,90%, acima da projeção de 3,75% da pesquisa anterior. Um mês antes, a Focus apontava estimativa de expansão de 3,70% para 2013 e de 3,75% em 2014 para o setor.

Analistas mantiveram ainda a previsão para o indicador que mede a relação entre a dívida líquida do setor público e o PIB em 2013 em 34%. Para 2014, a projeção segue em 33%. Há quatro semanas, as projeções eram as mesmas para esses dois anos.

Selic

Os economistas mantiveram a previsão de que a taxa básica de juros (Selic) seguirá inalterada na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana, em 7,25% ao ano.

Esperam ainda que os juros encerrem 2013 no patamar atual, de 7,25% ao ano. Para o fim de 2014, a mediana das projeções segue em 8,25% ao ano há três semanas. Quatro semanas antes, estava em 8,50%.

A projeção para Selic média em 2013 segue em 7,25% ao ano. Para 2014, recuou de 8,38% para 8,35% ao ano, ante 8,50% há quatro semanas.

Câmbio

A projeção para a taxa de câmbio no final de 2013 recuou nas estimativas dos analistas consultados na última pesquisa Focus. Para o fim deste ano, a mediana das projeções passou de R$ 2,08, mesmo valor projetado quatro semanas antes, para R$ 2,07. Para o fim de 2014, segue em R$ 2,05.

Na mesma pesquisa, o mercado financeiro reduziu a previsão de taxa média de câmbio de R$ 2,07 para R$ 2,06 em 2013. Para 2014, caiu de R$ 2,05 para R$ 2,04. Há um mês, a pesquisa apontava que a expectativa de dólar médio estava em R$ 2,08 neste ano e R$ 2,03 no próximo.

A mediana das projeções para o câmbio dos analistas do Top 5 médio prazo para o fechamento de 2013 caiu de R$ 2,12 para R$ 2,06. Para 2014, recuou de R$ 2,10 para 2,07.

IGP-DI

A projeção para o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) em 2013 subiu de 5,37% para 5,39%.

Para o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), que corrige a maioria dos contratos de aluguel, a expectativa passou de 5,31% para 5,35%. Quatro semanas atrás, o mercado previa altas de 5,27% para o IGP-DI e de 5,29% para o IGP-M.

Para 2014, a projeção para o IGP-DI segue em 5% há 23 semanas. Para o IGP-M, segue há 13 semanas também em 5%.

A pesquisa também mostrou que a previsão para o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em 2013 caiu de 4,88% para 4,86%. Há um mês, a expectativa dos analistas era de alta de 4,95% para o índice que mede a inflação ao consumidor em São Paulo. Para 2014, segue em 5% há cinco semanas.

Economistas elevaram ainda a estimativa para o aumento do conjunto dos preços administrados - as tarifas públicas - para 2013 de 3,30% para 3,34%. Para 2014, a projeção caiu de 4,50% para 4,35%. Há quatro semanas, as projeções eram de, respectivamente, 3,50% e 4,50%.

Déficit

O mercado financeiro elevou a previsão de déficit em transações correntes em 2013. Pesquisa semanal Focus mostra que a mediana das expectativas de saldo negativo na conta corrente este ano subiu de US$ 62,10 bilhões para US$ 63,05 bilhões. Há um mês, estava em US$ 65,00 bilhões. Para 2014, a previsão de déficit nas contas externas segue em US$ 70 bilhões há 18 semanas.

Na mesma pesquisa, economistas elevaram a estimativa de superávit comercial em 2013 de US$ 15,00 bilhões para US$ 15,43 bilhões. Quatro semanas antes, estava em US$ 15,60 bilhões. Para 2014, segue em US$ 15,00 bilhões. Há quatro semanas, essa estimativa estava em US$ 16,00 bilhões.

A pesquisa mostrou ainda que as estimativas para o ingresso de Investimento Estrangeiro Direto (IED), aquele voltado ao setor produtivo, foi mantida em US$ 60,00 bilhões para 2013 e para 2014, mesmos valores de quatro semanas atrás.

Fonte: O Estado de S. Paulo

A face cruel da inflação - Aécio Neves

O debate sobre os artifícios contábeis usados pelo Executivo federal no fechamento das suas contas de 2012 e os desdobramentos para a credibilidade do governo junto a investidores e a setores da sociedade diminuíram a atenção sobre a inflação registrada no país, divulgada na semana passada.

Os números medidos pelo IBGE confirmam mais um dado negativo da política econômica do governo ao mostrar que, pelo terceiro ano consecutivo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) superou o centro da meta de 4,5%, chegando a 5,8%.

Cotejado com o desempenho medíocre ao longo do ano, que gerou um pibinho de 1%, esse resultado explicita uma situação preocupante de inflação em alta e de economia quase estagnada.

Os resultados de dezembro confirmaram o cenário de inflação elevada ao fechar o mês em 0,79% -o maior índice para o período desde 2004.

Para 2013, à exceção dos prognósticos das autoridades econômicas, as previsões são de que o índice seguirá acima do centro da meta.

É ruim para todos -para o país e para os brasileiros, sobretudo para os segmentos de renda mais baixa. A inflação é o mais perverso dos "impostos", uma vez que penaliza, sobretudo, os trabalhadores de menor poder aquisitivo, corroendo o seu poder de compra.

O INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) -que mede os gastos das famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos- fechou 2012 acima do IPCA, chegando a 6,2%.O Indicador de Preços ao Consumidor - Classe 1 medido pela FGV, que leva em conta a inflação das famílias de até 2,5 salários mínimos, chegou a 6,9%.

São exatamente os segmentos da população que não têm como se defender da inflação e sentem mais intensamente o peso do aumento de serviços essenciais, como planos de saúde e alimentação, inclusive de produtos da cesta básica.

Segundo o INPC, os alimentos consumidos no domicílio ficaram 10,6% mais caros no ano passado. Em Belém (PA), o aumento chegou a 14,2%. Das regiões metropolitanas pesquisadas, a concentração dos índices acima da média nacional no Norte e no Nordeste é perversa.

Ao corroer o poder aquisitivo das famílias mais vulneráveis, a inflação restringe o acesso a produtos de primeira necessidade e subtrai também recursos que seriam usados na quitação dos empréstimos contraídos nos últimos anos de expansão do crédito, acelerando os riscos de inadimplência.

É alto o preço que o país está pagando pelas decisões que vêm sendo tomadas pelo governo e pelas que têm sido negligenciadas, como as reformas que deveriam ter sido implementadas. Bons governos administram, no presente, as bases do futuro.

Aécio Neves, senador (PSDB-MG)

Fonte: Folha de S. Paulo

Kassab terá aval de líderes do PSD para apoiar Dilma

Para superar resistências a petistas, presidente da sigla deu carta branca para que dirigentes façam oposição ao PT em 12 Estados

Bruno Boghossian e Isadora Peron

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, vai receber o aval dos 27 dirigentes regionais do partido para aderir formalmente à base aliada do governo Dilma Rousseff (PT) e apoiar a reeleição da petista em 2014. Para superar resistências aos petistas e assegurar a aprovação da aliança, Kassab deu carta branca para que os líderes da sigla façam oposição ao PT ou mantenham alianças com governadores do PSDB em 12 Estados.

Levantamento feito pelo Estado na última semana revela que não há restrições entre os presidentes estaduais do PSD ao plano de Kassab de integrar a base de Dilma - a exceção é o Rio, onde a sigla ainda realiza consultas, mas seu apoio é dado como certo.

Mesmo dirigentes que disputam espaço com o PT em seus Estados ou ocupam cargos em governos do PSDB relatam que concordam com a adesão.

É o caso de Minas Gerais, onde o PSD apoia o governo de Antonio Anastasia (PSDB); do Acre, onde a legenda é adversária do PT do governador Tião Viana; do Paraná, onde o partido deve apoiar a reeleição do governador Beto Richa (PSDB); e de Goiás, onde a sigla tem cargos no governo do tucano Marconi Perillo.

"Não teríamos nenhum constrangimento em apoiar o governo Dilma, mesmo integrando o governo do Estado", afirma Vilmar Rocha, presidente do PSD goiano e secretário da Casa Civil do governo Perillo. Em troca do apoio a Dilma, Kassab avisou aos políticos desses Estados que a sigla terá liberdade para trilhar caminhos opostos às pretensões do PT em seus Estados.

O PSD também deve se distanciar do PT no Acre, onde o grupo que fundou a sigla é adversário da família do governador petista Tião Viana. "Já temos votado praticamente tudo com a base do governo federal no Congresso, mas, no Acre, o PSD não tem condições de caminhar com o PT", resume o senador Sérgio Petecão, presidente do PSD no Estado.

No Paraná, os dirigentes do partido de Kassab afirmam que não têm "arroubos de entusiasmo" para apoiar o PT de Dilma, mas admitem que seguirão o plano do presidente nacional do PSD. Nas eleições paranaenses, no entanto, pretendem caminhar ao lado do governador Beto Richa (PSDB). "Nós temos uma ligação muito forte, até emocional, com o Beto. A ideia é tentar lançar candidato próprio em 2014, mas se não houver possibilidade, vão apoiar a reeleição de Richa", diz Alceni Guerra, vice-presidente do PSD-PR.

Além dos 12 Estados onde o PSD se comporta como adversário do PT, o partido se considera "neutro" em quatro locais e apoia os petistas nos outros 11 - entre os quais estão a Bahia do governador Jaques Wagner (PT), e o Rio Grande do Norte, onde o vice Robinson Faria (PSD) rompeu com a governadora Rosalba Ciarlini (DEM) e se aproximou dos petistas.

A explicação para tantas alianças ambíguas é que a maior parte dos governadores apoiou a criação do PSD em seus Estados, com o objetivo de capturar para suas bases políticos descontentes com a oposição. Isso aconteceu tanto no caso do governador sergipano Marcelo Déda (PT) quanto no Pará de Simão Jatene (PSDB).

Uma das poucas exceções entre os governadores amigáveis foi Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Ele se opôs à fundação do novo partido como gesto de fidelidade ao aliado DEM, que perdeu parte de seus quadros para a sigla. Em 2014, a hipótese mais provável é que o PSD lance adversário à reeleição do governador ou apoie candidato do PT.

Agora, parte dos dirigentes defende que a sigla não aceite cargos na administração federal como contrapartida pela adesão à base de Dilma. Kassab pleiteava o Ministério das Cidades, mas passou a enxergar dificuldades na demanda. O foco do PSD agora está na pasta de Transportes e na Secretaria de Aviação Civil.

Outros diretórios pretendem apresentar uma lista de reivindicações. O Acre pedirá a nomeação de aliados do PSD para cargos da administração federal no Estado. O PSD de Rondônia quer pleitear mais verbas para o Estado e seus municípios.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Marina terá mais obstáculos que Kassab

Cristian Klein

SÃO PAULO - A criação de um partido pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é uma tarefa que terá de superar duas frentes de batalha e um desafio. A primeira frente são os obstáculos cartoriais - como a exigência de coleta e validação de quase 500 mil assinaturas de apoio. A segunda é a rejeição política do governo federal e de legendas que não querem ver seus espaços e bancadas reduzidos para uma nova sigla em ascensão. Já o desafio - interno e mais contornável - é convergir os interesses dos três principais grupos que se reúnem em torno da liderança de Marina: os ambientalistas, os evangélicos e os militantes de esquerda, especialmente os de perfil mais radical, ligados ao PSOL.

As duas frentes de batalha estão relacionadas. Marina tende a enfrentar mais dificuldades de juntar as assinaturas do que teve o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, ao sair do DEM para fundar o PSD, em 2011. O projeto de Kassab foi incentivado pelo PT porque representava um racha na oposição e trazia um naco importante dela para a base de sustentação da presidente Dilma Rousseff. O PSD, que já nasceu como a quarta bancada da Câmara, com 51 deputados federais, permitiu o maior realinhamento partidário desde a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003.

Marina, diferentemente de Kassab, representa uma ameaça à reeleição de Dilma em 2014 e não conta com a boa vontade dos petistas. Nem dos partidos que ainda contabilizam a perda de recursos políticos para o PSD.

"A maior dificuldade da Marina não será colher as assinaturas. Mas atrair filiados caso não tenha acesso à fatia maior do tempo de TV e do fundo partidário. Há um movimento forte no Congresso para não se permitir o que aconteceu com o PSD. E esse movimento tem tudo para dar certo", afirma Carlos Siqueira, primeiro-secretário do PSB, partido liderado por outro presidenciável, o governador de Pernambuco Eduardo Campos.

Siqueira refere-se ao projeto do deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). A proposta proíbe que a bancada recém-cooptada por um novo partido na Câmara seja utilizada como critério para o rateio proporcional do tempo de rádio e TV e dos recursos do fundo partidário. É algo já previsto na legislação, mas que recebeu outra interpretação, em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao PSD. O objetivo agora é explicitar a regra, fechando a brecha aberta pelo STF. "Quem tem que legislar é o Congresso Nacional. Com esta lei, fica mais claro. O deputado é eleito com a ajuda do partido. Ele pode até criar outra legenda, mas não vai levar o tempo de rádio, de TV, nem recursos do fundo. Isso dá segurança institucional e jurídica [ao partido pelo qual foi eleito]", defende Edinho Araújo.

O deputado nega que a proposta tenha sido criada com o objetivo de prejudicar a candidatura presidencial de Marina Silva. "Quando propus, não pensei em ser contra ninguém individualmente. A dificuldade será geral", prevê. Caso a lei seja aprovada, o partido de Marina terá direito de participar apenas da distribuição igualitária do tempo de TV (um terço dele dividido entre todos os candidatos) e de 5% do fundo partidário. Os demais 95% e os restantes dois terços do horário eleitoral seriam repartidos proporcionalmente pelos partidos de acordo com o desempenho na última eleição à Câmara dos Deputados. O projeto é apoiado por nove legendas tanto governistas - PT, PMDB, PSB, PP, PR, PDT e PRB - quanto os oposicionistas PSDB e PPS, que reúnem 360 deputados, nada menos que 70% dos votos na Casa.

Com o clima político hostil, a terceira via Marina Silva tende a ter mais problema para obter, em pelo menos nove Estados, as 491.569 assinaturas de apoio - número equivalente a 0,5% dos votos válidos na última disputa à Câmara. A exigência é um muro de contenção erguido no anos 1990 para impedir a proliferação de legendas. Hoje, há 30 partidos. Mas cerca de 70 siglas nasceram - e a maioria foi extinta - entre 1980 até 1995, quando entrou em vigor a nova legislação, mais rígida. Desde então, em 17 anos, apenas cinco agremiações foram criadas da estaca zero: o PRB, ligado à Igreja Universal, e o PSOL, fundado por dissidentes do PT, ambos em 2005; o PSD e o Partido Pátria Livre (PPL), em 2011; e o Partido Ecológico Nacional (PEN), no ano passado.

O PEN, de acordo com seu presidente, o ex-deputado estadual de São Paulo Adilson Barroso, levou seis anos para levantar as assinaturas e obter o registro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barroso chegou a oferecer a legenda para abrigar o grupo de Marina Silva, que, no entanto, não aceitou.

Kassab, por sua vez, conseguiu o registro do PSD em menos de sete meses, tempo semelhante ao que terá Marina. Se lançar a sigla em meados de fevereiro, como se cogita, a ex-ministra terá menos de oito meses até o prazo de 5 de outubro para cumprir todas as etapas - já que os candidatos precisam estar filiados a seu partido pelo menos um ano antes do dia da eleição.

O secretário-geral do PSD, Saulo Queiroz, afirma que a missão do grupo de Marina não será fácil e talvez nem factível, pelo pouco tempo à disposição. "É uma tarefa infernal, se você não tem uma estrutura importante, como foi o caso do PRB que tem a Igreja Universal. Quanto a nós, lançamos o partido em abril [de 2011] e começamos a colher as assinaturas em maio. Mas o que já éramos na época? Tínhamos dois governadores, cinco ou seis vice-governadores e mais de 40 deputados. Tínhamos estrutura de ação grande para fazer a coleta de assinaturas", diz o dirigente do PSD, que aponta ainda como dificuldade a criação de comissões provisórias em ao menos 5% dos municípios de cada Estado.

Saulo Queiroz questiona o poder de fogo do grupo da ex-senadora, que não detém o controle de máquinas de governo como era o caso dos aliados de Kassab. "Marina não tem esse apoio. Quem vai acompanhá-la, quem vai operar pelo país todo?", questiona.

A ex-ministra conta com os simpatizantes que a acompanham desde a eleição de 2010, e de sua saída do PV, e formaram o Movimento por uma Nova Política, com atuação nas redes sociais da internet. O movimento é composto por uma gama de políticos de vários partidos, como PT, PDT, PPS, PSOL, ambientalistas e evangélicos.

O deputado federal Alfredo Sirkis (RJ), que preferiu ficar no PV durante a crise que levou Marina a abandonar o partido, em julho de 2011, questiona a associação de segmentos tão diferentes. "É um conjunto de forças extremamente heterogêneo. Vai ser a dificuldade do partido. Numa campanha presidencial, como a de 2010, tudo bem, puderam coexistir. Mas imagine como será o programa do partido. Estou visceralmente ligado à causa verde; e não me vejo discutindo assuntos como aborto ou voltando a teses da extrema-esquerda", afirma Sirkis, que participou da luta armada durante o regime militar.

O deputado diz que Marina está estreitando sua base de apoio, numa inflexão à esquerda, "sobretudo se a Heloisa Helena for a segunda maior personalidade" da legenda. A contundente ex-senadora e candidata à Presidência em 2006, hoje em seu segundo mandato de vereadora em Maceió, já anunciou que sairá do PSOL caso Marina venha a formar o partido.

Sirkis considera que a previsão de que a nova sigla atraia até 15 deputados federais trabalha com um "cenário muito otimista". "Os descontentes nos partidos não são tantos assim. Agora tem muita gente fazendo rerré, jogando charme. Mas na hora do "vamos ver" desiste", diz.

O deputado afirma que o projeto em tramitação na Câmara sobre tempo de TV e fundo partidário "está em ponto de bala". Se ele passar, diz Sirkis, Marina terá tempo mínimo no horário eleitoral e seu poder de atração cairá muito. "Não vão dar para ela a colher de chá que deram para o Kassab. Antes interessava ao governo, agora não", diz.

O ex-presidente estadual do PV em São Paulo, Maurício Brusadin, que saiu da legenda junto com Marina Silva, concorda que o ambiente político para a ex-senadora será bem menos propício. No entanto, discorda do baixo potencial de adesões. Ele lembra que recentemente 312 dissidentes petistas no Piauí aderiram ao Movimento por uma Nova Política. Na Câmara, em sua opinião, a bancada poderia chegar a 30 deputados federais. "Ela [Marina] não é um azarão. É uma candidata a presidente que teve 20% e pode puxar a votação dos parlamentares que querem se reeleger. O mais difícil já se tem, que é uma potência, uma candidatura sedutora para o parlamentar mediano", diz.

Sobre o perfil heterogêneo do grupo ligado à Marina, Brusadin minimiza. "Não dá para aceitar alguém que nos foi contrário no Código Florestal, mas a tese ampla da sustentabilidade comporta tudo isso. Para se chegar à Presidência tem que se ter mesmo um balaio", afirma.

Fonte: Valor Econômico