Há pouco mais de 20 anos consolidou-se no debate político um lugar-comum: o bem estar econômico da população é a chave para se interpretar qualquer resultado eleitoral. A eleição presidencial dos Estados Unidos em 1992 consagrou o mantra do "é a economia, estúpido", obra do marqueteiro do ex-presidente Bill Clinton, James Carville.
A própria história eleitoral americana prova que a equação não é tão simples, como mostra a sucessão de Clinton em 2000. Houve naquele ano crescimento vigoroso da economia dos Estados Unidos, que se expandiu 4,1%, com uma taxa de desemprego de 3,9%, a menor nos últimos 32 anos. Não foi suficiente para a eleição do vice-presidente Al Gore.
Mais importante que a existência ou não de um panorama de bonança econômica, é o papel do governo como protagonista que garante sucesso nas urnas. O comando de turno se perpetua à medida que gerencia as oportunidades e coordena a distribuição de dinheiro no país.
Onde o gasto público disparou, o poder se eterniza
A dinâmica mostra mais do que a fotografia: em países latino-americanos em que a dimensão do Estado não se alterou durante a atual hegemonia partidária, limites constitucionais foram mantidos e movimentos continuístas não foram adiante.
Uma estatística do FMI ajuda a entender o fenômeno. A relação entre o aumento do gasto público sobre o PIB e o continuísmo parece quase automática na América Latina. A alternância é favorecida em países como Chile, Peru, México, Uruguai e mesmo Colômbia e Brasil e o continuísmo encontra campo fértil na Venezuela, Equador e Argentina.
Após a reeleição de Chávez em dezembro, o Equador caminha para garantir um novo mandato na próxima semana para o presidente Rafael Correa. Ainda há uma dúvida sobre se a aventura será ou não tentada pela argentina Cristina Kirchner. Mas já há um movimento " Cristina 2015" impulsionado por deputados, governadores, prefeitos e ministros.
Segundo o FMI, entre 2000 e 2012, o PIB do Equador apresentou variação positiva todos os anos, em um período em que o país teve cinco presidentes. Mas a curva do gasto público percentual sobre o PIB alavanca após 2006, quando Rafael Correa chega ao poder. Pulou de 23,5% para nada menos que 43,6% da economia equatoriana.
O mesmo fenômeno aconteceu na Venezuela, que apresentou quatro anos de recessão desde 1999. O gasto público se expandiu de 25,8% para 44,4% do PIB no período em que Chávez está no poder.
O aumento do protagonismo do governo também existe, de forma mais esmaecida, na Argentina do kirchnerismo. O peso do setor público central no PIB passou de 30,3% para 42,6% entre 2003 e 2012. A economia pode claudicar nestes países, mas o poder do governo central frente à economia como um todo é uma linha ascendente contínua.
No Chile, o crescimento econômico que tem marcado o país nos últimos 23 anos não deve fazer com que o presidente Sebastián Piñera faça seu sucessor na eleição presidencial de novembro deste ano. A reeleição no país nunca existiu e, pela segunda vez consecutiva, o favoritismo para se vencer uma eleição presidencial é da oposição.
A economia não guia os destinos políticos do país porque poucos chilenos relacionam sua evolução com o governo da ocasião. É um sentimento ancorado em fatos: o peso do setor público central chileno oscila entre 20% e 23% do PIB desde os anos 90.
Os gastos públicos em relação ao PIB também têm sido baixos no Peru (em torno de 20%) e no México (de 22% a 25%), outros dois países em que a continuidade não tem dado o tom no cenário político.
Nos países em que o gasto público é mais relevante, mas permanece relativamente estável nos últimos anos, a continuidade surge desacompanhada do personalismo. No Brasil, o gasto público sobre o PIB oscilou entre 40,7% e 39,5% no segundo governo de Fernando Henrique, e desde patamar a 38,1% em 2010, último ano de administração de Lula. De acordo com o FMI, em 2012 correspondeu a 37,3% do PIB. A discussão em torno de um terceiro mandato para Lula não foi para lugar nenhum e o então presidente elegeu sua sucessora.
É curioso observar que o mesmo padrão, em linhas gerais, se repetiu na Colômbia e no Uruguai. Na Colômbia, onde o gasto público sobre o PIB é da ordem de 28% desde os anos 90, Alvaro Uribe não conseguiu viabilizar um terceiro mandato e teve que ceder o lugar para Juan Manuel Santos em 2010, com quem rompeu logo em seguida.
No Uruguai, país em que a despesa do governo central é da ordem de um terço do PIB, sem grandes variações desde 1999, não existe a reeleição e o presidente José Mujica sucedeu o correligionário Tabaré Vasquez, seu provável sucessor na eleição presidencial de 2014.
A equação funciona na América Latina pela forma com que o gasto público se dá no continente. O papel do governo como protagonista é diferente do visto na Europa, onde há décadas governos como o da França gastam metade do PIB sem que a situação seja transposta para o ambiente político.
Entre os latino-americanos, até onde a precariedade das estatísticas permite enxergar, o avanço do setor público mais marcante não se deu nos países em que o gasto social predomina dentro das despesas do governo, como é o caso do Brasil em que 73,4% do orçamento do setor público era destinado à área social em 2009, de acordo com dados da Cepal, ou o Uruguai, país em que esta porcentagem chegava a 83,4% neste mesmo ano. No Equador, o gasto social cresce, mas representava apenas 26,3% das despesas públicas em 2010, segundo a Cepal.
É preciso se ressalvar, que, na maioria dos casos, decola-se de um patamar baixo. Os protagonistas latino-americanos do gasto público partem, em geral, de bases destruídas. Sequer a moeda sobreviveu a dez anos de caos político no Equador, no período anterior a Correa.
Fonte: Valor Econômico