sábado, 20 de julho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Dora Kramer: distinguir as coisa

"É complicado lidar com o inusitado misturado ao imponderável, mas cabe ao Estado distinguir as coisas e atuar para reprimir os bandidos a fim de assegurar o sagrado direito ao protesto dos manifestantes.

De outro modo, a continuar assim, o cidadão que exige tratamento decente acabará acuado e temeroso. O risco é de as manifestações perderem respaldo da sociedade. Por muito menos, o uso de métodos violentos levou o MST a perder o apoio social de que dispunha nos idos dos anos 90.

O dado concreto é que o arrefecimento da energia positiva que emergiu no Brasil em junho interessa primordialmente aos que são os alvos das demandas. Para eles, quanto mais cedo as mas voltarem para casa melhor, menos respostas precisarão dar."

Dora Kramer, jornalista. In “Joio do trigo”, O Estado de S. Paulo, 19/7/2013

Confronto com Dilma: Médicos rompem com governo

Acusando o governo de ser autoritário, quatro entidades que representam médicos decidiram renunciar aos postos que ocupavam em comissões e conselhos da União. Eles anunciaram uma "batalha jurídica" contra medidas recentes de Dilma.

Rompimento na Saúde

Entidades médicas abandonam comissões do governo e recorrem à Justiça contra programa oficial

BRASÍLIA - Quatro entidades que representam os médicos anunciaram ontem o início de uma guerra contra o governo por causa do programa Mais Médicos, que busca levar profissionais brasileiros e estrangeiros para cidades do interior e da periferia das regiões metropolitanas. As instituições médicas abandonaram o Conselho Nacional de Saúde e renunciaram coletivamente aos assentos que ocupam em órgãos do governo, como câmaras, comissões e grupos de trabalho do Ministério da Saúde e de órgãos relacionados.

Elas também anunciaram que entrarão com ações judiciais para barrar o programa. As associações classificam o Mais Médicos como autoritário e acusaram o Ministério de Saúde de atropelar os debates com a classe.

- Vamos ter uma batalha jurídica com eles, grande. Vamos exigir que as leis sejam seguidas à risca - disse o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira Filho.

A Fenam, o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR) justificam que decidiram sair dos grupos após o governo agir de forma "unilateral e autoritária", e culparem os médicos por problemas que, na verdade, são causados por má gestão, falta de investimentos e corrupção. Eles afirmam que suas propostas foram tratadas com indiferença nos conselhos e grupos.

Em nota, as quatro entidades afirmam que, desde 2011, tentaram entendimento com o governo e apresentaram propostas para levar médicos às áreas mais pobres do país. Elas alegam que o governo tratou com indiferença suas sugestões e transferiu às entidades a responsabilidade pela "crise da assistência".

"Ao editar de forma unilateral e autoritária medidas paliativas que afetam a qualidade dos serviços públicos de Saúde e o exercício da Medicina no país, o governo federal rompeu o diálogo com as entidades médicas, que, desde 2011, buscavam insistentemente o consenso, sempre apresentando propostas para a interiorização da assistência", diz a nota.

A saída dos grupos de discussão no Ministério da Saúde, na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e no Conselho Nacional de Saúde foi decidida, segundo Ferreira, porque não fazia mais sentido debater assuntos da área se o governo tomou decisões sem ouvir os envolvidos.

- Entendemos que o governo nos atropelou. Uma dessas comissões do governo da qual fazíamos parte estava reunida desde o dia 18 de junho. O governo não deu nem bola. Nosso entendimento é que a comissão perdeu a lógica - disse o presidente da Federação dos Médicos.

Além de afirmarem que a corrupção é uma das causas dos problemas na Saúde, as entidades denunciam aparelhamento nos órgãos oficiais. O presidente da Fenam justificou a saída da entidade do Conselho Nacional de Saúde por entender que o órgão serve a interesses do governo.

- É um gesto político. Estamos mostrando que estamos insatisfeitos. O conselho deve ser técnico e não pode ser aparelhado politicamente para defender lógicas de governo ou de partido - afirmou Geraldo Ferreira.

A presidente do CNS, Maria do Socorro Souza, em solenidade recente no Planalto, defendeu o veto do Ato Médico, medida que Dilma tomou e que contrariou a classe médica.

Na Justiça, o grupo se prepara para dar trabalho ao governo, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF). Ferreira afirmou que, entre as medidas que as entidades pretendem tomar contra o Mais Médicos está o ajuizamento de uma ação civil pública pedindo suspensão da medida provisória que cria o programa. No pedido, vão alegar que o programa deveria contratar médicos por concurso público e pagar salário a esses profissionais e não remunerá-los com uma bolsa. Para a Federação, o governo também instituiu um serviço civil obrigatório.

Outra ação, no STF, está sendo preparada e deve ser ajuizada em 15 dias. Ferreira ainda afirma que a Fenam está instruindo os sindicatos nos estados que entrem com pedidos na Justiça trabalhista de pagamento de direitos para os médicos que assumirem vagas pelo programa.

- O governo está fazendo uma fraude, fingindo que isso é uma relação de ensino, quando na verdade é de trabalho. Não imagino que a população brasileira sequer imagine que esses médicos estão indo a esses lugares para estudar. Isso é uma fraude desavergonhada do governo federal - disse Ferreira, referindo-se à exigência de que os alunos de Medicina trabalhem dois anos no SUS antes de receber o registro definitivo.

A Fenam negou que sindicatos ligados à federação tenham sugerido boicote às inscrições no Mais Médicos. Ferreira afirmou que foi feita uma reunião com administradores de grupos de médicos nas redes sociais após as notícias de que esse tipo de sugestão circulou nesses grupos. O dirigente disse que instruiu os administradores a avisar caso identifiquem recomendações desse tipo na rede, e que as entidades que representam os médicos estão "se preparando para uma guerra" com o governo também no ambiente virtual.

- Comprovamos que não houve por parte de nenhum sindicato (sugestão de boicote). É uma comunicação de guerra. Vamos enfrentar uma guerra. O governo está preparado, tem estrutura, tem seus blogueiros. Vamos enfrentar esse embate - disse Geraldo Ferreira.

Questionado sobre o número de pré-inscritos no Mais Médicos, que, segundo o Ministério da Saúde, já chega a 11,7 mil, Ferreira afirmou que esse total pode não se concretizar, pois muitos profissionais podem mudar de ideia e declinar caso sejam chamados, após verem as condições do trabalho e de pagamento.

- Acho que quem se inscreveu foi pensando que R$ 10 mil seria um salário bom. Porque a maioria dos concursos públicos, na realidade, paga bem menos. Acho que atraiu. Mas, depois que se inscrevem, vão analisar. Como o governo abriu para inscrição, o médico se inscreveu, e agora ele percebeu que isso é uma bolsa, que não tem garantias trabalhistas - disse. - Pagar com bolsa, para fraudar a boa-fé das pessoas, não se pode acreditar que os médicos sejam tão ingênuos para aceitar essas coisas.

Fonte: O Globo

Para líder, Vaccarezza não representa o PT

Sem Dilma e em meio a um racha, diretório nacional do partido se reúne para reafirmar apoio a plebiscito

BRASÍLIA - Com a bancada na Câmara rachada em torno da condução da reforma política, e sem a prometida presença da presidente Dilma Rousseff, o diretório nacional do PT se reúne hoje em Brasília para a tradicional análise de conjuntura e para reafirmar apoio à realização de um plebiscito para mudanças no sistema político-eleitoral. O racha entre os deputados do PT se agravou ontem, com o líder José Guimarães (CE) e o coordenador do novo grupo de trabalho da reforma política, Cândido Vaccarezza (SP), protagonizando um bate-boca público, por meio de notas.

Guimarães disse que Vaccarezza não representa a bancada do PT na comissão da reforma, reforçando, assim, posição manifestada na véspera em nota assinada por 27 deputados e que ontem ganhou a adesão de mais 12, elevando para 39 os petistas que não aceitam a escolha de Vaccarezza, patrocinada pelo ex-presidente Lula e formalizada pelo presidente da Câmara, Henrique Alves. O preferido da bancada para a função de coordenador era o deputado Henrique Fontana (PT-RS). Para tentar resolver o caso, Henrique Alves deu duas vagas ao PT. Mas, indignado, Fontana não quis participar e foi substituído pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), que virou o representante oficial do PT.

Dirceu quer Dilma na reunião

Além dessa disputa interna, o comando do PT ainda tentava, ontem à noite, convencer a presidente Dilma a participar da reunião do diretório nacional. Ela chegou a confirmar presença, mas desistiu ontem, alegando que fará uma reunião com ministros, pela manhã, para discutir os atos de violência no Rio e a segurança do Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude. Numa reunião prévia, ontem, do Campo Majoritário do PT, o ex-ministro José Dirceu defendeu que o partido insista na ida de Dilma ao encontro de hoje. O presidente do PT, Rui Falcão, tentaria convencê-la a participar da reunião na parte da tarde.

Sobre a crise na bancada, o líder Guimarães resolveu endossar a nota encabeçada por Paulo Teixeira (SP) em solidariedade a Fontana e contra Vaccarezza, soltando outra nota para dizer que "as opiniões de Vaccarezza sobre reforma política não expressam o pensamento nem da bancada na Câmara nem do Partido dos Trabalhadores". Guimarães continua: "As posições do PT e da bancada no Grupo de Trabalho criado pelo presidente da Câmara serão defendidas pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), indicado pelos parlamentares petistas para compor o colegiado." E voltou a defender a realização do plebiscito proposto por Dilma.

Pouco antes, Vaccarezza havia divulgado uma nota reagindo ao manifesto de 39 dos 89 deputados petistas reclamando de sua indicação. No texto, Vaccarezza disse que não se pode transformar o debate sobre reforma política em "arena" e prometeu trabalhar para viabilizar a realização do plebiscito: "Reafirmo publicamente meu compromisso pessoal com a aprovação do plebiscito na Câmara."

Na linha da nota divulgada pela liderança do PT, o diretório nacional também deve desautorizar Vaccarezza hoje. Assim como os partidos da base, ele vinha afirmando não haver tempo hábil para fazer um plebiscito sobre reforma política com efeito para as eleições do ano que vem.

Fonte: O Globo

PMDB realiza seminário em busca de ideias próprias para eliminar imagem de adesista

Partido tem projeto de candidatura à Presidência em 2018

BRASÍLIA - Em busca do que todos os partidos perseguem no momento - uma fórmula que os aproxime do que "as ruas" estão pedindo -, o PMDB promove um seminário com especialistas, em agosto, para começar a formatar um discurso próprio que o diferencie do PT no governo, alvo da maioria das críticas nas manifestações. O primeiro passo foi a nota da Executiva Nacional cobrando enxugamento da máquina, descentralização dos recursos e fim da reeleição. Além do debate, está em curso uma consulta interna sobre a manutenção ou não da aliança com o PT, e o próximo passo é definir bandeiras na tentativa de tirar do PMDB a pecha de fisiologista e adesista aos governos.

A ideia do seminário foi definida em reunião do vice-presidente Michel Temer com o ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, na casa do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

O presidente nacional do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), diz que o partido precisa começar a se reaproximar das ruas, dos trabalhadores, das centrais sindicais e da sociedade, já que tem projeto de candidatura própria à Presidência da República em 2018.

- Vamos buscar um discurso em defesa de algumas bandeiras na área de Educação, Segurança, Saúde e direitos do trabalhador. Voltar ao que éramos antes, um movimento forte de vanguarda da sociedade. Como temos um projeto próprio em 2018, temos que buscar um discurso moderno - afirma Raupp.

- Temos que cunhar um discurso nacional e uma postura que dialogue com as ruas. Isso não é fácil, porque a prática política do PMDB não é assim - diz o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Eliseu Padilha.

- É o PMDB no divã , uma imersão para buscar ideias próprias e bandeiras. O PT não tem suas ideias próprias? Precisamos também ter as nossas. Se não coincidir, cada um fica com as suas, com ou sem aliança - resume o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ).

Consulta é questionada

Desde que estourou o movimento das ruas, Padilha e Temer estão desenvolvendo uma pesquisa interna - já foram ouvidos todos os deputados - sobre o impacto das manifestações, com uma pergunta direta: o PMDB deve continuar a aliança nacional com o PT? Segundo Padilha, a bancada na Câmara é majoritariamente pela manutenção da aliança.

Eduardo Cunha critica o método da entrevista ao vivo, dizendo ser coisa de "agente português", o que dificilmente resultaria em respostas sinceras:

- Essa consulta é mais para efeito de conhecer o pensamento do partido. Não deve ter nenhum efeito. Eu posso estar pensando em sair da aliança com o PT, mas vou dizer isso agora?

Fonte: O Globo

Serra terá de liderar o processo se quiser disputar, diz Freire

Presidente do PPS espera para agosto decisão do TSE sobre fusão com PMN e defende que tucano seja ágil para buscar aliados.

Eduardo Bresciani

BRASÍLIA - O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), afirmou ontem que cabe ao ex-governador José Serra (PSDB) arregimentar aliados para viabilizar sua candidatura à Presidência. "Ele não pode ser o liderado. Ele, neste processo, está liderando e, portanto, não pode ser o último a decidir. Acho que essa decisão será tomada em breve, mas o Serra é o Serra e tem o seu próprio tempo de avaliação", disse Freire, enfatizando que o PPS está de portas abertas caso Serra queira se filiar ao partido para disputar.

"O tempo dele não é apenas o legal, mas o tempo político, até porque é preciso que consiga arregimentar aliados", advertiu Roberto Freire.

Nas últimas semanas o PPS retomou as conversas com dirigentes do PMN sobre uma eventual fusão partidária, o que havia sido descartado. A fusão só vai prosperar, admite Freire, se os partidos tiverem a garantia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que políticos que migrarem ao novo partido - que seria batizado de MD, Mobilização Democrática - não estarão sujeitos à perda de mandato.

Roberto Freire acredita que a decisão do TSE pode ser proferida no início de agosto e aí não haveria mais dúvidas sobre o impacto da fusão. Segundo o deputado, a união entre as duas legendas poderá até ocorrer antes caso PPS e PMN decidam conjuntamente que não vale a pena esperar pelo posicionamento da Justiça Eleitoral.

O presidente do PPS afirma que há consenso com políticos do PMN sobre a necessidade de uma união das oposições contra PT, mas com multiplicidade de candidaturas.

O processo de fusão entre PPS e PMN refluiu devido a problemas em negociações nos Estados e à decisão do partido de Freire de só formalizar a união após decisão do TSE sobre fusão de partidos.

Convenção. O PMN fará uma convenção no dia 27 para deliberar sobre a "desistência da fusão com o PPS" que daria origem ao partido MD. Os humores do partido, no entanto, podem mudar se houver uma determinação mais segura de Serra de que pretende disputar.

Outra possibilidade para o tucano seria se filiar ao PSD, partido criado pelo ex-prefeito Gilberto Kassab. Se isso vier a ocorrer, o cenário político sofrerá nova reviravolta, já que o partido de Kassab ensaia aderir ao projeto de reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dilma desiste de ir à reunião do PT e irrita dirigentes

Dirigentes do PT foram surpreendidos com a decisão da presidente Dilma Rousseff de não comparecer à reunião do Diretório Nacional do partido, hoje, em Brasília. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu qualificou de "inaceitável" o comportamento da presidente e disse que ela "faz parte da crise" política atual, mas age como se estivesse fora. Dilma alegou que teve de agendar uma reunião com ministros sobre a visita do papa.

PT insiste que queda de Dilma é só uma fase

Ricardo Della Coletta

BRASÍLIA - O PT voltou a minimizar a queda da presidente Dilma Rousseff na pesquisa Ibope encomendada pelo Estado e divulgada na quinta-feira, enquanto dirigentes do PMDB falam com cautela sobre o cenário, à espera de uma recuperação da popularidade da petista. Apesar de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostrar mais competitivo que sua sucessora, os petistas seguiram sua orientação e enfatizaram que "Dilma é a candidata".

Dilma teve uma queda de 28 pontos porcentuais na sondagem, passando de 58% (em março) para 30%, A ex-ministra Marina Silva ficou em segundo lugar no cenário estimulado, com 22%, seguida pelo senador tucano Aécio Neves (13%) e pelo governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), com 5%. Em março. Marina tinha 12%, Aécio 9% e Campos 3%.

"Ainda é reflexo das manifestações", disse o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR). "Lula deixou claro mais uma vez que não é candidato e que não há ninguém mais qualificado para comandar o Brasil do que Dilma", escreveu o ex-ministro José Dirceu em seu blog. Líder do PMDB, o deputado Eduardo Cunha (RJ) foi direto: "Precisa avaliar se o cenário vai mudar ou não". Já para os oposicionistas, o cenário é muito favorável: "Aécio e Marina juntos têm 35%", comemorou o deputado Rubens Bueno (PPS-PR).

Fonte: O Estado de S. Paulo

Protestos impõem reforma nos partidos

Passado um mês das primeiras manifestações que mostraram rejeição a governos e políticos, siglas de todas as tendências afirmam estar em busca de sintonia com as demandas populares

Leonardo Augusto

Os integrantes de diretórios dos partidos brasileiros nunca tiveram tanto trabalho. Acostumadas a reuniões para discutir alianças em eleições ou estratégias para atrair filiados, as legendas têm um novo desafio. Acuados pelos protestos que tomaram conta do país desde o mês passado – que tiveram governos e políticos como alvo –, os partidos assumem o puxão de orelhas e anunciam que trabalham para mudar.

Legendas de esquerda e direita, passando pelas de centro, afirmam estar tentando de alguma maneira fazer o dever de casa passado pelas ruas. No PPS, a lição é que o velho “rouba mas faz” foi definitivamente abolido com a ida da população para as ruas. “A sociedade deixou claro que não admite corrupção”, avalia o presidente nacional do partido, deputado federal Roberto Freire (SP).

Com o filão aberto, o parlamentar, um dos mais ferrenhos opositores do governo Dilma Rousseff (PT), aproveitou a leitura que fez das manifestações para tentar criar uma pauta no Congresso Nacional. “Vamos assinar todas as comissões parlamentares de inquérito que aparecerem”, anuncia. Freire afirma que o partido está atento também às novas ferramentas de comunicação que surgiram pela internet. “É preciso ter maior vinculação com a sociedade e ver o que a população quer”, argumenta.

A lição no PDT foi de adotar postura mais humilde, segundo o integrante da executiva nacional do partido e deputado federal Mário Henriger (MG). “Nós nos reunimos, batemos boca e acertamos que não dá para ser dono da verdade”, conta o parlamentar. Depois do balanço, o desafio do PDT passou a ser a definição de uma pauta que contemplasse o que foi reivindicado nas ruas e não fugisse ao que sempre foi defendido pela legenda. “Nossa ideologia é o trabalhismo. É com esse mote que vamos para as ruas pedir votos nas próximas eleições”, pontua. Entre os itens a serem defendidos está a redução da jornada semanal de 44 para 40 horas.

Para o parlamentar, apesar de todos os cartazes vistos nas ruas cobrando mais qualidade na saúde, educação e transporte público, o que levou os manifestantes a saírem de casa foi a insatisfação com os políticos. “Chegamos à conclusão de que temos que parar de criar paliativos e buscar soluções definitivas (para as demandas da população)”, diz Heringer.

Segundo o presidente do PT de Minas Gerais, deputado federal Reginaldo Lopes, as manifestações vão obrigar o partido a “se reinventar”. O parlamentar acredita que os protestos encerraram um ciclo na legenda. “Precisamos passar da fase da comparação com o PSDB. A população já sabe que fizemos melhor. Agora é melhorar a essência das políticas urbanas. Nós eliminamos a miséria. O próximo passo é acabar com a desigualdade social”, projeta ele.

O presidente do PT de Minas Gerais, que ao lado de dirigentes da legenda de outros estados se reuniu com o comando nacional da sigla para analisar as manifestações, rejeita a leitura de que a população foi às ruas para protestar contra os partidos. “O pedido foi por uma melhor representação, e não por substituição do modelo político”, acredita o parlamentar.

Crise verde No PV, as manifestações levaram a Executiva da legenda a se reunir durante três dias no início do mês em Goiás. O balanço não foi bom. “Há um conflito grande no partido. Ao mesmo tempo em que temos parlamentares que defendem o aborto, parte da legenda tem posicionamento semelhante ao do Feliciano” (o deputado federal Pastor Marcos Feliciano), conta um integrante da Executiva Nacional do PV que participou da reunião.

O representante do partido acredita que os colegas pró-Feliciano afastam a legenda das teses centrais da sigla. “Ao mesmo tempo, quem destoa faz parte de um grupo grande, do qual é difícil abrir mão, por questões financeiras e de representação”, contrapõe. De acordo com a legislação, os recursos do Fundo Partidário e o tempo de televisão são proporcionais à bancada das legendas na Câmara dos Deputados.

O susto dado pelas ruas fez com que o PSDB mudasse sua relação com as redes sociais. “Vínhamos tentando aumentar o contato com a população, mas de uma forma mais amadora. Agora passou a ser uma rotina de vida pública, e com profissionalismo”, relata o vice-presidente do PSDB de Minas Gerais e integrante do diretório nacional da legenda, deputado federal Domingos Sávio. O parlamentar afirma que equipes especializadas no setor estão em fase de contratação pelo partido.

Domingos Sávio diz ainda que a rede interna – uma espécie de chat restrito –, usada exclusivamente pelos parlamentares da legenda para troca de informações, vem sendo mais procurada. “Antes das manifestações não mais que 15 congressistas usavam o sistema. Hoje praticamente todos acessam o chat”, afirma o deputado. “Todos passaram a compreender que não é um luxo ou um artigo da moda, mas um produto necessário”, acrescenta.

O presidente nacional do DEM, senador José Agripino (RN), avalia que as manifestações das ruas devem ser traduzidas no Congresso Nacional em determinação de retomar “questões que realmente interessam para o futuro do país. “É hora de discutir o Orçamento. Cabe ao Senado fazer isso. Precisamos também reduzir a carga tributária. Nosso partido está preocupado com tudo isso”, afirma.

Memória

Da rede para as ruas

As manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas das principais cidades brasileiras tiveram início com protestos contra o preço elevado das passagens de ônibus. Elas foram programadas nas redes sociais, principalmente por meio do Facebook, e passaram a incorporar outras demandas, como a reforma política e mais recursos para a saúde e a educação. Pressionados, prefeitos de diversas cidades, entre elas Belo Horizonte, reduziram o preço das tarifas do transporte coletivo. Ainda assim os protestos continuaram principalmente durante os jogos da Copa das Confederações e ainda ocorrem em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, em que houve quebradeira na madrugada de quinta-feira.

Fonte: Estado de Minas

Fantasma do voto nulo mais forte

SÃO PAULO – Pesquisa Ibope divulgada na quinta-feira (18), que mostrou uma queda de 28 pontos nas intenções de voto na presidente Dilma Rousseff, revelou também que o número de pessoas que pensa em votar nulo ou em branco dobrou dos tradicionais 9% para 18%. Para especialistas ouvidos pela agência O Globo, a pesquisa mostra um clima de insatisfação dos eleitores não só com Dilma, que caiu de 50% para 38%, mas com a classe política. O instituto mostrou que Marina Silva, hoje sem partido, aparece em empate técnico com Dilma em simulação de segundo turno.

"A pesquisa revela o descontentamento da população em relação a diferentes tipos de governo, o que explica o fato de Marina ter crescido tanto", afirma o cientista político Rafael de Paula Araújo (PUC-SP), referindo-se à ex-ministra, que cresceu de 12 para 22 pontos.

De acordo com a pesquisa, Marina, que tenta articular o novo partido Rede, foi o nome que mais cresceu e é a única que, em um eventual segundo turno, empataria com a presidente: 35% para Dilma e 34% para a ex-senadora.

"Marina é a única candidata que mostra maior competitividade com Dilma, mas tem dificuldade de penetrar nas classes populares", avalia a cientista política Maria do Socorro de Sousa Braga (UFSCar).

De acordo com a pesquisa, Marina cresceu dez pontos, Dilma caiu 28, Aécio Neves (PSDB-MG) foi de 9% para 13%, e Eduardo Campos (PSB), de 3% para 5%. Para Maria do Socorro, o crescimento de Marina e o aumento do número de votos nulos mostram a fadiga da sociedade com os partidos.

"É um descrédito total da classe política. Quem está catalizando esse momento, aparentemente, é Marina. O crescimento de Aécio foi pequeno. Por outro lado, Marina não tem capilaridade, nem ela nem o que vier a ser a Rede", diz Maria do Socorro.

De acordo com a pesquisa realizada pelo Ibope, em associação com o jornal O Estado de S. Paulo, Dilma perdeu intenções de votos entre os mais ricos, e atualmente sustenta a maior parte de sua popularidade no Nordeste, única região onde a intenção de voto é maior que a rejeição. E quem ganhou o apoio dos mais ricos foi Marina.

"A queda de Dilma era esperada e se insere no contexto das manifestações. Marina cresce porque é a menos identificada com o sistema político tradicional", analisa o diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Aldo Fornazieri.

Para Fornazieri e Maria do Socorro, a presidente não respondeu corretamente aos apelos das manifestações de rua que marcaram o mês de junho. Maria do Socorro aponta que Dilma buscou vias tradicionais, enquanto manifestantes criticavam justamente esse modelo.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Entrevista - Ricardo Antunes, cientista político: "Crise afeta todo o projeto de governo do partido"

Para cientista político, situação, agora, é pior do que a de 2005, quando petistas enfrentaram as denúncias do mensalão.

Roldão Arruda

Na avaliação do cientista político Ricardo Antunes, a crise enfrentada atualmente pelo PT é mais ampla e mais profunda que a de 2005, ano em que o escândalo do mensalão atingiu o seu auge. Enquanto naquele ano o PT se viu às voltas com problemas que afetavam sobretudo a cúpula partidária, agora se vê às voltas com a erosão de seu projeto político de governo.

Pesquisas indicam que, a crise levou o PT a perder apoio em seu reduto mais sólido, a periferia de São Paulo. Como vê isso?

O PT deixou de ser um. partido distinto. Hoje é visto pela grande massa de eleitores, das classes médias ao setores de periferia, como um partido tradicional. E quase um PMDB dos anos 80, um partido que se diluí numa frente, se decompõe e desmorona, à medida que, para ficar no poder, faz concessões de toda ordem.

Como isso afeta a periferia?

Afeta porque é a periferia que mais sofre com a destruição dos serviços públicos no País, é ela que percebe melhor como isso ocorre e como o PT tem sido, conivente. Todas essas manifestações de rua, desde o início de junho, não eram diretamente contra a presidente Dilma Rousseff, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad, mas também eram contra a Dilma, o Alckmin e o Haddad. O que se viu foi um não generalizado, o fim daquele período letárgico em que caminhávamos para ser a quinta potência do mundo, o país onde tudo dava certo, no qual se criou o grotesco mito da nova classe média, como se fosse possível criar uma classe de um dia para o outro. Tudo isso começou a ruir e ataca mais duramente o PT onde ele tinha mais força: na periferia.

Isso já ocorreu antes?

Isso me lembra o que ocorreu nos primeiros anos do governo Lula, quando houve uma erosão do apoio ao PT no setor do funcionalismo público, com privatização de serviços, taxação dos aposentados. Só uma parte disso foi recuperada no segundo governo Lula. Agora vemos o estreitamento de sua base na periferia.

Que comparação faria entre a crise atual do PT e a que enfrentou em 2005?

São crises distintas. O mensalão atingiu a alta cúpula do partido e o alto escalão do governo federal Expôs como o PT, para governar o País, fazia aquilo que todos os outros partidos sempre fizeram, comprando a direita ao preço que ela exigia. A crise atual é de outra dimensão, transcende o PT, confronta o sistema político e a forma como o governo é realizado. Se fosse outro partido que estivesse à frente do governo, a crise talvez tivesse a mesma dimensão.

Especificamente quanto ao PT, o que altera?

A crise afeta duramente todo o projeto de governo do PT. Até duas semanas atrás os petistas imaginavam que a sucessão estava garantida com a Dilma e que ainda contavam, numa emergência, com um plano B.

Não acha conjunturais e reversíveis a queda de popularidade de Dilma e do apoio ao PT?

Ainda que tenha um traço conjuntural, não é apenas um sopro. Pode ser revertido? Pode, Mas também pode ser irreversível. Observo que cada manifestação da presidente Dilma tende a gerar mais descontentamento. Ela vive um processo de descompasso e destempero, típico de situações de crise, quando tudo que é sólido começa a evaporar.

O PT ainda tem apoio de parte considerável do eleitorado.

O único setor do eleitorado no qual o PT não perdeu ainda o sólido apoio que tem, garantindo 30% das intenções de voto para a Dilma, foi o setor que depende estritamente do Bolsa Família e que não é pequeno. São milhões de pessoas, situadas na periferia da periferia, na periferia mais atrasada. Quando esse eleitor analisa as alternativas que lhe oferecem, não pensa duas vezes entre ficar com Dilma e pular para Aécio Neves, do PSDB. Sabe que o risco de sair perdendo é muito maior, uma vez que a insensibilidade social é um traço político que marca o PSDB.

Como vê as divergências internas no PT sobre as saídas para a crise política?

As rebeliões de junho e suas manutenções multiformes em julho resultaram numa crise política profunda, na qual ficou claro que nem os partidos nem o governo representam os manifestantes. O parlamento, que se tornou oligarquizacio, enrijecido e enfeudado, é a instituição que menos os representa. Como é que se muda isso? O governo faz propostas. O PT é parte decisiva no processo, mas ele não está mais sozinho. Tem o PMDB e os outros partidos que precisam ser considerados. Na hora em que aumenta a temperatura da panela de pressão, começam as divisões intragoverno, intrapartidos dentro do governo e também nas oposições. É nesse contexto que ganham espaço os descontentes dentro do PT e os que sonham com a volta do Lula. O PT sempre foi um. partido cindido. Os grandes debates sempre eram resolvidos por seu tertius, seu chefe, o Lula, que costurava e defendia a posição que acabava sendo aceita. No momento atual, mesmo a relação entre a Dilma e o Lula deve ter tido momentos de dificuldade.

A queda do PT não resultou em crescimento do PSDB. Só Marina Silva ganhou, Como vê isso?

Era natural que a Marina levasse algo disso, porque ela é a única vista nesse cenário, com razão ou não, como oposição que saiu de dentro do PT, após uma forte discussão. O fato de não ter criado um partido também lhe favorece.

Vê possibilidade de o PT se reinventar na crise?

Não. Nem a mais remota.

Fonte: O Estado de S. Paulo

O novo atrapalha a teoria - Rosiska Darcy de Oliveira

Cabe às autoridades identificar quem pratica atos criminosos, dizer à população quem são, impedir sua ação. Confundir os manifestantes com os baderneiros é dar ganho de causa a esses criminosos

No quebra-quebra da última quarta-feira no Leblon e em Ipanema, arruaceiros infiltrados em uma manifestação pacífica conseguiram envenená-la. Eram poucos, o estrago foi imenso. Os manifestantes são agora acusados por autoridades de serem manipulados, o que esvazia sua autenticidade e desvia o conteúdo das demandas da rua para a querela personalista. Como se as ruas nada fossem senão marionetes coadjuvantes da tragicomédia partidária. Essa acusação injusta desfigura um movimento cuja causa é nobre.

Os jovens têm o desafio e a responsabilidade de, sem ambiguidades, demarcar-se dos vândalos preservando a lição de democracia que vêm dando ao país. Violência não rima com liberdade.

É difícil entender o novo. O novo atrapalha a teoria.

Quem foi jovem em 68, com saudades de si mesmo, busca similitudes entre os manifestantes de hoje e aqueles de quase meio século atrás. Em vão. Não se é jovem duas vezes, a escultura do tempo é impiedosa. Os jovens de hoje nada têm a ver com aqueles, só a indignação.

Na efervescência em que vive o país, com partidos políticos e sindicatos agonizantes tentando um ultrapassado protagonismo, são os jovens, esses desconhecidos, que esboçam o futuro. Enquanto os partidos se aferram à tomada do poder, eles tomam a palavra e dão exemplo de exercício democrático em que o poder se distribui em múltiplas instâncias de participação.

Quem veio às ruas nesse último mês nasceu depois da queda do muro de Berlim e fez-se adulto quando aluíram as torres gêmeas. Não se define como esquerda ou direita. Não atende a convocatórias de fulano ou beltrano. São cidadãos da nação Facebook, um estado virtual sem fronteiras.

A rede é a grande revolução social que viram nascer e crescer, proeza tecnológica de que são contemporâneos onde se geram os valores de que estão imbuídos: partilha, liberdade de expressão e gratuidade. Diferentes no conteúdo, as manifestações, mundo afora, são similares na forma de organização e expressão porque emergem da cibercultura que é a cultura global contemporânea.

Pós-ideológicos, nossos jovens concentram suas exigências na liberdade, no bem viver e na condenação da corrupção. A liberdade herdada da luta de outras gerações, um patrimônio cujo valor mal avaliam; quando ameaçada, defendem.

Acusados de individualistas, vivem do compartilhamento da informação e, à sua maneira, têm uma vida em comum, posta a nu e acessível a todos, fazendo da transparência uma regra que querem válida em todos os espaços. Daí a ojeriza às zonas de sombra, à trapaça, que consideram a regra do jogo partidário.

Criados na liberdade de expressão absoluta, tocando às vezes as raias da irresponsabilidade, a irreverência juvenil encontrou na rede seu instrumento ideal, que lhes garante não só o direito de se exprimir, mas sobretudo o de ser ouvido, quiçá por milhões de interlocutores.

A gratuidade que experimentam no consumo dos bens culturais disponíveis na rede — ou o que percebem como tal, apesar de essa gratuidade ter valido ao criador do Facebook uma das maiores fortunas do mundo — se traduz na demanda radical de um mundo sem dono. Na contramão do “tudo tem seu preço”, a juventude “face” tudo disponibiliza, o que é seu e o que é dos outros, tem uma espantosa intimidade com a ideia de que tudo lhe pertence e de graça. O que exacerba sua indignação quando privada daquilo pelo que paga, ou pagam seus pais sob a forma de impostos.

São contra escolas sucateadas, a doença da saúde pública, a infelicidade feliciana e o transporte que não chega a lugar nenhum. Sua meta-demanda é o fim da corrupção. Não merecem a pecha de apolíticos. A rede não os faz individualistas, e sim autônomos e conectados. Capta e traz à tona, na palavra de cada um, tendências de opinião, cria solidariedades que se inscrevem nos seus cartazes.

Sua mobilização instantânea e geométrica provocou um curto-circuito no enferrujado motor das máquinas partidárias que entraram em pane e em pane continuam. Envelheceram no diálogo de surdos com essa população, esmagadoramente jovem, que de repente entrou em cena.

Considere-se um progresso, um retrocesso ou um progresso que contém riscos, nada muda o fato que as redes existem, são um ator político relevante, o Ágora da Pólis do século XXI.

Não há que pôr a culpa nos jovens. Cabe às autoridades identificar quem pratica atos criminosos, dizer à população quem são, impedir sua ação. Confundir os manifestantes com os baderneiros é dar ganho de causa a esses criminosos que tentam, na multidão, se confundir com eles.

Rosiska Darcy de Oliveira é escritora

Fonte: O Globo

Reforma, palavra mágica - Octaviano Nogueira

Mais que solução aparente para todo e qualquer problema que afete o país, reforma se transformou entre nós em palavra mágica, usada sempre, como se fosse recurso capaz de pôr fim às crises que periodicamente ocupam a atenção da opinião pública. Vale qualquer tipo — reforma econômica, social, trabalhista e até urbana. Nenhuma é utilizada com mais frequência, porém, que reforma política, novamente na ordem do dia.

Uma comissão tratará do tema no Congresso Nacional. Ficam sempre no ar as cogitações mais variadas, porque, afinal, ninguém especifica o que se deve reformar na política. Por isso, pode-se cogitar de tudo, a começar pelo sistema político, o mais óbvio, exatamente por ser o mais problemático e complexo dos problemas brasileiros, em todos os tempos, desde que o país se tornou independente.

Reformas econômicas têm sido as mais frequentes, talvez por serem as mais fáceis de se realizar, pois basta mudar o padrão monetário, como o que já passou do mil réis ao cruzado, até chegar ao cruzeiro. Mesmo que seja uma simples mudança aparente, não deixa de ser reforma. O problema persiste quando se trata de reformas políticas. Mudar o sistema eleitoral seria, sem dúvida, uma reforma política. Só que existem apenas duas modalidade de sistemas eleitorais: o proporcional e o majoritário.

Pelo primeiro, elegem-se vereadores, deputados distritais, estaduais e federais. Pelo segundo, são escolhidos não apenas os senadores, mas também a totalidade dos ocupantes de cargos eletivos do Executivo, tanto os prefeitos, na esfera municipal, quanto os governadores, na esfera estadual, e os presidentes, no âmbito federal. Logo, trata-se de modalidade amplamente aplicada, desde sempre. Outra modalidade seria a combinação de ambos, o que, como se especifica acima, já é amplamente utilizado, em diferentes esferas.

Resta ainda o sistema partidário, que, incontestavelmente, integra o sistema político. Quando nos referimos ao sistema de organização política dos países, também não há muitas alternativas palpáveis, pois são eles presidencialistas, como nos Estados Unidos e no Brasil, ou parlamentaristas, como na França e na Espanha. Também já experimentamos o parlamentarismo, por sinal, sem resultados duráveis.

Há ainda os sistemas partidários, dos quais só existem duas modalidades originais: pluripartidários, predominantes na maioria das democracias, ou bipartidários, como tem sido a tradição de países como os Estados Unidos e que também sem sucesso já experimentamos no Brasil, tanto durante o Império, quando o Partido Conservador e o Partido liberal se alternavam no poder, quanto durante o regime militar, em que apenas Arena e MDB eram admitidos.

Em face dessas constatações conhecidas, cabe a indagação: o que mais pode-se reformar, seja nos sistemas de governo, seja nos eleitorais, seja nos de governo? Ninguém ousaria alterar os capítulos da Constituição referentes aos Direitos Individuais e aos Direitos Coletivos. Quem ousaria alterar o título Da Organização dos Poderes?

Apesar dessas e de tantas conhecidas disposições que a própria Carta declara inalteráveis, como já ocorreu no Império e na República, poderíamos mudar o regime político ou o sistema de governo. No entanto, o tema das reformas nunca saiu do noticiário político. E até mesmo do sistema, tanto durante o Império, quanto durante os períodos discricionários, como em 1937, quando Vargas instituiu o Estado Novo, e no regime militar, na vigência dos Atos Institucionais.

Por isso mesmo, propor reformas implica sempre um risco, em especial quando nos referimos genericamente a reformas políticas. As Constituições brasileiras contemporâneas sempre tiveram viés reformista. A atual, por exemplo, trata sobretudo da reforma agrária, nos artigos 184, § 1º, 185 e 189. Assunto, por sinal, conflitivo e objeto de muitos confrontos, tanto de natureza ideológica quanto política. Trata-se da única referência à reforma no texto constitucional em vigor. O termo reforma, porém, nunca deixou de estar presente no vocabulário político brasileiro e foi, em várias ocasiões, motivo de conflitos ideológicos e políticos.

Nunca, porém, as reformas políticas estiveram ausentes do debate político brasileiro. Aparecem sempre, e frequentemente, em diferentes tonalidades, mais ou menos incisivas ou até mesmo eventualmente. Mas é inegável que o termo tem apelo especial entre os políticos e os juristas. Atrás desse termo esconde-se toda espécie de interesse. Por isso, é sempre recomendável usá-lo sempre de forma cautelosa e, se possível, em tom neutro e sem conotações visíveis.

Octaciano Nogueira Historiador e cientista político

Fonte: Correio Braziliense

Lula vem se superando – Alberto Goldman

Já há muito tempo não espero nada de bom vindo do ex presidente Lula. Mas ele continua me surpreendendo e se superando. Mais uma vez mostra o seu verdadeiro caráter.

Em um evento na Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo, falando a jovens que ainda não o conhecem suficientemente, nem tiveram intimidade com os acontecimentos das duas últimas décadas, e podem ser enganados pela sua lábia falsa e demagógica, Lula disse que "querem ( o PSDB ) acabar com a reeleição com medo da Dilma se reeleger."

Lula sabe que a proposta feita para ser discutida na sociedade e que será sujeita a um referendo popular, se aprovada pelo Congresso, de mandatos presidenciais de cinco anos sem direito à reeleição, não terá validade para as eleições de 2014, não atingindo o direito de Dilma ser candidata. Ora, se ele sabe, por quê falseia a verdade? Porque não tem escrúpulos, não interessa fazer o papel que deveria como ex presidente - ser uma referência ética para a sociedade. Interessa criar um clima contra a oposição, como se ela fosse a responsável pelos desastres que eles, Lula, Dilma e o PT vêm provocando em nosso país.

A que nível chegou esse cidadão. Cada vez afunda mais. Sua candidata a reeleição já foi para o fundo do poço e ele vai no mesmo caminho. Falta um pouquinho mas vai chegar lá. É o fim de uma era que não deixará saudades.

Alberto Goldman, vice-presidente nacional do PSDB, foi governador de S. Paulo

Mal-entendido fatal - Merval Pereira

O presidente da seção do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, nega que tenha feito um pacto com o comandante da Polícia Militar para que não fosse usado gás lacrimogêneo ou bombas de dispersão nas manifestações, mas admitiu que fez "algumas ponderações".

O comandante Erir Ribeiro da Costa Filho atribuiu a esse pretenso acordo com a OAB e movimentos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, a perda de controle da situação na noite de quarta-feira no Rio, quando várias lojas foram saqueadas, equipamentos urbanos, depredados, e barricadas de fogo, colocadas ao longo da Avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, durante várias horas por ação de baderneiros, sem que a polícia interviesse.

Segundo Santa Cruz, as ponderações que fez, por conta especialmente do episódio da clínica médica em Laranjeiras invadida no domingo, com doentes terminais passando mal, foi sobre o uso cuidadoso principalmente do gás lacrimogêneo, e "claro que preferíamos a utilização das armas não letais". E também sobre "o momento da utilização".

Santa Cruz diz que ponderou com as autoridades que os Black Blocs (bandos de anarquistas que têm a depredação de prédios públicos e bancos como ação política) "saem da manifestação, batem na polícia, recuam, e a polícia, ao jogar gás lacrimogêneo, apenas espalha o movimento".

Para ele, a OAB "sempre teve uma posição muito firme de que qualquer manifestação que desbordasse em violência, fora da legalidade, deveria ser reprimida pela PM". Santa Cruz disse que teve o cuidado de ser muito claro na relação com a PM "para evitar que a OAB fique naquela posição clássica, como se ela estivesse dando cobertura a qualquer tipo de ilegalidade. Paguei um preço alto em críticas pelo que aconteceu no Leblon".

Na terça-feira, diz Santa Cruz, o comandante da Polícia Militar pediu que os advogados ficassem entre os manifestantes e a polícia, "e eu não concordei. Acho um absurdo colocar advogados como escudo". Houve a determinação, então, para que os advogados acompanhassem de trás as manifestações, relata Santa Cruz.

O presidente da OAB do Rio fez críticas à ação da Polícia Militar: "Depois dessas badernas, nós estamos estranhando que não chega às delegacias no final da noite nenhum desses Black Blocs, ou chegam pouquíssimos".

Segundo ele, o que tem acontecido é que a PM, "após se omitir, deixar que esses grupos atuem, passa no final da noite recolhendo pessoas, e já recolheu cadeirante, recolheu mendigos. Quando chegam à delegacia, a Polícia Civil, que tem desempenhado um bom papel, não tem condições de fazer a ocorrência dentro da lei".

Há informações de que a OAB está mandando advogados para as delegacias para soltar os presos, mas Felipe Santa Cruz diz que o que existe é um movimento que nasceu também espontaneamente no Facebook, chamado Habeas Corpus, formado por advogados.

Ele explica que parte do trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil tem sido acompanhar tecnicamente nas delegacias os casos de prisão, "e há uma determinação nossa de que toda e qualquer ação ilegal deve ser combatida".

Santa Cruz diz que a OAB faz o acompanhamento das manifestações desde o seu início, e a preocupação era "garantir a liberdade de manifestação, nunca a defesa desses baderneiros". Ele ressalta que fazem esse acompanhamento a convite da própria PM, para verificar se as leis estão sendo cumpridas e os direitos humanos, respeitados nos procedimentos policiais nas delegacias.

"Mas basicamente atendendo à população que vem sendo presa sem razão nenhuma. Nós proibimos os advogados de trabalharem em nome da Ordem na defesa dos que são acusados formalmente de baderna. Claro que todos têm direito a advogados, mas devem procurar por conta própria".

De duas, uma: ou o comandante da PM, Erir da Costa Filho, levou a sério demais as "ponderações" do presidente da OAB do Rio, ou Felipe Santa Cruz transformou em meras "ponderações" o pacto com a Polícia Militar depois do resultado desastroso de sua mediação.

Fonte: O Globo

Remanso para Dilma - Fernando Rodrigues

A presidente da República, governadores e prefeitos tiveram suas taxas de popularidade avariadas pelos protestos de junho, como mostrou a pesquisa Datafolha do final do mês passado.

Agora, dois outros levantamentos divulgados nesta semana mostram um grau de deterioração similar. No caso de Dilma Rousseff, as pesquisas da CNT e do Ibope indicam que a petista parece ter estacionado no patamar de 30% das intenções de votos na disputa pelo Planalto em 2014.

A primeira pesquisa a detectar a grande queda de Dilma foi a do Datafolha, cujos dados começaram a ser coletados em 27 de junho. Os levantamentos seguintes foram realizados de 7 a 10 deste mês (CNT) e de 11 a 14 (Ibope). Embora com metodologias diferentes, os três estudos colocam a atual presidente na mesma faixa dos 30% nos cenários mais prováveis da corrida sucessória.

Tudo indica que se formou um remanso para Dilma Rousseff. Ela parou de cair. Não há dados conhecidos para todos os governadores e prefeitos, mas o mais provável é que o remanso seja quase geral. Os brasileiros estavam irritados. Foram às ruas e protestaram. Desidrataram o nível de confiança que depositavam nos políticos. Agora, vão esperar um pouco para ver o que acontece.

Para Dilma, a notícia é boa e ruim ao mesmo tempo. A parte positiva é ter estancado a sua queda. A negativa é que está perigosamente estacionada numa faixa em que pode ser superada pela soma das intenções de voto dos demais adversários.

A oposição emerge ainda frágil e com um sinal amarelo para candidatos do establishment como Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Até porque, quem mais se beneficiou até agora da derrapada de Dilma foi um nome da terceira via, a verde Marina Silva e sua Rede.

E, nesse remanso, entro duas semanas em férias. Até a volta.

Fonte: Folha de S. Paulo

Brasília-DF - Luiz Carlos Azedo

O "Volta, Lula!"

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva considera "burrice" ou "ingenuidade" a campanha interna de petistas descontentes com a presidente Dilma Rousseff no sentido de que ele volte a concorrer à Presidência da República. Também desencoraja os aliados dos demais partidos que o procuram. Mesmo assim, o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), seu maior amigo na Câmara, não desiste. Por quê?

Aparentemente, Devanir está cheio de razão. A pesquisa Ibope divulgada na quinta-feira mostrou que o PT teria muito mais facilidade para vencer as eleições com a candidatura de Lula do que com a de Dilma, que tem 30% das intenções de voto, contra 22% de Marina Silva (Rede Sustentabilidade), 13% de Aécio Neves (PSDB) e 5% de Eduardo Campos (PSB). Lula teria 41% e os adversários ficariam, respectivamente, com 18%, 12% e 3%. A vantagem de Dilma contra Marina Silva, portanto, seria de apenas 8%, ao passo que a de Lula seria de 23%.

Onde estaria, então, a "burrice" ou a "ingenuidade" de petistas como Devanir? No açodamento da proposta, com toda certeza. Por mais que a oposição pense o contrário, Dilma ainda não virou uma pata manca, para usar o velho jargão norte-americano. Com inflação em queda, se a economia mantiver o nível de emprego, terá condições de sustentar o favoritismo. Além disso, exerce o poder com muita gana. E o governo, como lembrava o mestre Norberto Bobbio, é a forma mais concentrada de poder, quando nada porque arrecada, normatiza e coage. A volta de Lula contra a vontade de Dilma seria um deus nos acuda. Sem chance de dar certo.

Reunião

A propósito, Dilma cancelou a ida à reunião de hoje do Diretório Nacional do PT, esnobando o convite do presidente da legenda, Rui Falcão. O encontro deve debater a conjuntura, mas os ânimos estão muito exaltados entre os integrantes das diversas tendências que compõem a direção do partido. Divergem sobre quase tudo, tanto na economia quanto na política.

PEC 37

Indicado pelo Departamento da Polícia Federal para negociar o destino da Proposta de Emenda à Constituição 37, o delegado Roberto Troncon, superintendente da PF em São Paulo, avalia que a derrota da proposta jogou o sistema de investigação criminal num quadro de instabilidade jurídica.

Vidraças

Manifestantes que saíram da Assembleia Legislativa, na manhã de ontem, promoveram quebra-quebra em Vitória. No Palácio Anchieta, antigo colégio de jesuítas, destruíram as janelas. O Batalhão de Missões Especiais (BME) reagiu com bombas de gás e tiros de bala de borracha.

Avalista

O deputado Cândido Vaccarezza (foto), do PT-SP, aceitou o convite do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDN-RN), para presidir o grupo de trabalho que vai elaborar as propostas de reforma política, com o aval do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente do PT, Rui Falcão, e o líder da bancada, José Guimarães (PT-CE), somente não vetaram a indicação por causa disso.

Fogo amigo

O Palácio do Planalto não engoliu a indicação de Vaccarezza porque não controla o parlamentar. A ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti  pôs pilha no deputado Henrique Fontana (PT-RS), que disputava o comando da comissão, para articular o manifesto de 27 deputados contra Vaccarezza. Fontana foi relator do projeto de reforma política rejeitado pela Câmara este ano.

Menos médicos

A Federação Nacional dos Médicos (Fenam) anunciou que deixará seis comissões do governo das quais participa e outros cinco colegiados do Conselho Nacional de Saúde, em protesto contra a medida provisória que criou o Programa Mais Médicos e contra os vetos da Lei do Ato Médico, que regulamenta a medicina. Também anunciou que impetrará duas ações judiciais no Supremo para suspender os efeitos da medida.

Recepção

A recepção ao papa Francisco, prevista para segunda-feira, no Palácio Guanabara, promete mais confusão. O encontro, com a presença da presidente Dilma; do vice-presidente Michel Temer e de oito governadores, além de deputados e senadores, já gera protestos nas redes sociais. "O papa vai ser recepcionado com todo amor, respeito e dignidade no Rio, mesmo por seguidores de outras religões, ateus e agnósticos", promete o governador Sérgio Cabral. A conferir.

Vândalos

O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), acusou ontem organizações internacionais — leia-se, Anonymous — de estimularem a violência nas manifestações na capital fluminense. Ele anunciou também a criação da Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas.

Fonte: Correio Braziliense

Um governo atolado vai desemperrar a economia? - Rolf Kuntz

Tiririca estava errado. No Brasil, sempre dá para piorar, como têm provado com notável diligência a impropriamente chamada classe política e o governo da presidente Dilma Rousseff. Qual a distância, hoje, entre otimismo e pessimismo nas previsões econômicas? A economia brasileira crescerá em média 3,2% ao ano entre 2014 e 2018, segundo a nova bola de cristal operada em parceria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela instituição de pesquisas The Gonference Board, o indicador antecedente composto. No discurso oficial, um crescimento inferior a 4% ou 5% ao ano jamais foi admitido, até há pouco tempo, como padrão normal para o Brasil. Poderia ocorrer como consequência de choques externos ou em fases de ajuste muito forte, mas sempre como situação excepcional. Hoje, até uma expansão pouco superior a 3% por vários anos pode parecer improvável, quando se considera a crise de produtividade da economia nacional.

Não há cálculo seguro do potencial de crescimento do País, mas os números estimados vêm caindo nos últimos anos - da faixa de 3,5% a 4% até há pouco tempo para algo entre 2,5% e 3% nas últimas avaliações. O número de 2,5% foi indicado esta semana pela economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, segundo o jornal Valor.

Calcular o produto potencial pode ser muito complicado, mas, apesar disso, economistas e formuladores de políticas têm excelentes motivos para levar em conta esse conceito. A existência de limites tem sido mostrada amplamente pela experiência. Pode-se ultrapassá-los de vez em quando, mas insistir na aventura acaba normalmente em desastre. Inflação e desequilíbrio externo são consequências bem conhecidas e muito frequentes na História do Brasil.

Inflação e desajuste crescente no balanço de pagamentos já estão presentes no cenário brasileiro, apesar do crescimento pífio dos últimos dois anos e meio. Ninguém deveria iludir-se com o recuo de alguns índices desde o mês passado. A redução dos preços dos alimentos tem efeito passageiro na formação dos indicadores, assim como a redução das tarifas de transporte coletivo. Grandes fatores inflacionários, como o desarranjo fiscal, a expansão do crédito e os aumentos salariais acima dos ganhos de produtividade, foram apontados, mais uma vez, na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na quinta-feira. A ata destoou claramente do discurso presidencial do dia anterior.

Os autores do texto, no entanto, apontaram a possibilidade de um arrefecimento da demanda se nada for feito para reverter a tempo a crise de confiança do setor empresarial e das famílias. Por enquanto, "a demanda doméstica tende a se apresentar relativamente robusta, especialmente o consumo das famílias", segundo a ata. Mas os sinais de alerta já estão acesos. O texto contém o suficiente para indicar o risco de uma estagnação mais ampla, mas seus autores poderiam ter ido mais longe. Se o consumo cair, o investimento continuar insuficiente e a indústria continuar em marcha lenta, como ficarão as já estropiadas finanças públicas?

Não há resposta para o problema do crescimento, no Brasil, sem a ação do governo, mas o governo está atolado na própria incompetência gerencial, na indigência de ideias de seus formuladores de políticas e num esquema pegajoso e sufocante de alianças políticas.

No Brasil, dizem especialistas, nenhum presidente pode governar sem acordos, às vezes com parceiros da pior espécie. Pode ser. Em muitos países coalizões são indispensáveis à operação do governo. Alianças, no entanto, são em geral precedidas de algum entendimento a respeito de objetivos e métodos. É o caso, em países da Europa, da formação de gabinetes para enfrentar a crise fiscal e financeira.

A peculiaridade brasileira é outra: programas são secundários e o fundamento das alianças é a partilha dos benefícios do poder. Não se divide o governo como responsabilidade, mas como butim. Esse padrão se fortaleceu com a disposição petista de aparelhar e lotear a máquina federal. Nada mais natural, quando um partido chega ao Palácio do Planalto com um projeto de poder e nenhum projeto real de governo.

Sem alianças em torno de um programa, o governo é forçado a negociar com a base a votação de cada projeto, como se nenhuma ideia geral desse um sentido comum às várias propostas. Não se pode sequer confiar na aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, condicionada pelos companheiros à adoção de um impropriamente chamado orçamento impositivo - na prática, uma simples manobra para tornar obrigatória a liberação de verbas para emendas.

A um governo com essas condições de funcionamento - e comandado por uma presidente cada vez mais isolada - cabe a missão de promover a mudanças necessárias para destravar a economia, aumentar seu potencial de crescimento e impor ao País um ritmo de expansão mais parecido com o dos emergentes mais dinâmicos.

Nenhuma tarefa importante será cumprida se a presidente Dilma Rousseff e sua equipe forem incapazes de começar a arrumação das próprias contas. Para isso será necessário desfazer a confusão de incentivos temporários e permanentes, trocar as ações pontuais pelas chamadas políticas horizontais e cortar o vínculo incestuoso entre o Tesouro e os bancos controlados pela União.

Tudo isso deverá ser apenas o começo de uma lista enorme de mudanças. Elevar a eficiência na elaboração e na condução de projetos de infraestrutura será outro desafio tão duro quanto urgente. Sem isso, até como exportador de matérias-primas o País será cada vez menos competitivo.

Que dirão dessa agenda os marqueteiros eleitorais da presidente?

Sem o governo nenhum problema se resolverá, mas o próprio governo é o primeiro problema.

Jornalista

Fonte: O Estado de S. Paulo

A filósofa e a máquina de extermínio nazista

Filme de Margareth von Trotta serve para relembrar reflexões de Hannah Arendt sobre o assassinato organizado de judeus

Luis Edmundo de Souza Moraes

O filme “Hannah Arendt”, de Margarethe von Trotta, não é somente uma obra sobre uma personagem excepcional, mas também sobre um aspecto excepcional de sua vida: o encontro de Arendt com Adolf Eichmann no julgamento em Jerusalém e a controvérsia em torno do livro “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal”. O livro tornou-se muito importante e diversos são os trabalhos de pesquisa sobre o nazismo e sua política de extermínio que até hoje fazem referência a ele, tamanho é o alcance das questões que traz. E isto apesar e por causa dos vários problemas do livro.

Apoiada em material insuficiente e carente de avaliações mais cuidadosas, Arendt nos ofereceu uma apresentação em muitos aspectos superficial, incompleta e incorreta da matéria. Isto se aplica, em especial, à sua avaliação sobre Eichmann como um simples burocrata, à generalização sobre a colaboração e a centralidade dos conselhos judaicos para explicar as dimensões do extermínio, temas caros a seus críticos.

Paralelamente, o próprio uso do termo “banalidade” para qualificar o “mal” que Arendt buscava compreender, foi errônea e desonestamente interpretado como se ela estivesse se referindo à tragédia das vítimas do nazismo como algo banal, nada mais distante daquilo que ela escreveu.

Aspecto central do livro, esta ideia deriva do fato de que Arendt não consegue encaixar Eichmann, um tenente-coronel da SS encarregado das medidas administrativas para a execução da chamada Solução Final, na forma como este evento vinha sendo pensado até então. E aqui abro um parênteses: o extermínio nazista sempre foi visto como excepcional, o que trouxe consigo o problema de sua inteligibilidade.

Desde cedo, o extermínio nazista foi tornado inteligível pelo recurso a “coisas já conhecidas” ou familiares. Dos diversos sentidos dados ao extermínio até os anos 60 que, tornando-o familiar, o tornaram inteligível, dois tem importância para Arendt.


Em primeiro lugar, o crime ganhou sentido por ser pensado como a culminação trágica de séculos de antissemitismo. A Solução Final teria sido excepcional pelas dimensões, mas não uma novidade absoluta. Isto tornou o crime, em alguma medida, familiar.

Paralelamente, a excepcionalidade do crime foi tornada inteligível recorrendo-se à excepcionalidade dos perpetradores. Isto foi uma derivação a contrapelo: já que o produto final é monstruoso, é natural que seus produtores fossem monstros. Com isto, o crime tornava-se inteligível, familiar, visto que é normal que monstros pratiquem crimes monstruosos. Assim, a monstruosidade do crime exigiu que os perpetradores fossem pensados como monstruosos para que o conjunto fizesse sentido.

Arendt já recusara em seu “Origens do totalitarismo” a tese de que o extermínio nazista era a culminação do velho ódio aos judeus. Para ela, o antissemitismo nazista não é a mesma coisa que o antissemitismo antigo. Estabelecer esta conexão significa “escapar à realidade e não entendê-la”, diz em 1964 a Günther Gaus. Em relação à segunda tese, contudo, o julgamento teve papel decisivo. Para espanto de muitos e dela mesma, ela não achou Eichmann monstruoso, mas curiosamente normal. Ele não pareceu a Arendt um antissemita radical, que só teria na vida o propósito de exterminar judeus. Efeito da forma como Eichmann se apresentou publicamente ou não, ela não viu nele motivação profunda, patologia ou uma intenção fanática de assassinar os judeus, mas simplesmente coisas que estão em nosso mundo e não nos fariam crer que levassem a um crime desta qualidade: ambição por subir na carreira e mediocridade. E a preocupação dela era resolver esta equação: a monstruosidade atípica do crime e a normalidade das condições que o produziu.

Respondendo a Samuel Grafton em 1963, Arendt deu a seguinte formulação: “O que eu quero dizer é que o mal não é radical, (...) que não tem profundidade. O mal é um fenômeno superficial (...). Nós resistimos ao mal ao não sermos arrastados pela superfície das coisas, ao pararmos e começarmos a pensar, ou seja, ao alcançarmos uma outra dimensão que não o horizonte da vida cotidiana. Em outras palavras, quanto mais superficial alguém for, mais provável será que ele ceda ao mal.”

E isto se sustenta, ainda que a avaliação de Arendt sobre Eichmann não correspondesse ao próprio personagem. Estudos feitos sobre o extermínio nazista mostraram que, se este foi de fato planejado por pessoas movidas por um projeto de mundo racista e excludente, ele foi executado não somente por eles, mas por um corpo de especialistas e de funcionários que colocaram sua competência científica, técnica e administrativa, valores diletos da civilização ocidental, a serviço de uma complexa máquina de morte. O que se passa em todo o processo que vai da identificação e prisão dos judeus até o extermínio nas câmaras de gás envolveu milhares de pessoas com funções específicas que trabalharam no grande projeto de eliminar pessoas.

Assim, a monstruosidade do extermínio nazista está exatamente no fato dele não ter sido cometido majoritariamente por monstros, mas em grande parte por funcionários modernos e eficientes. Estes incluíam as secretárias que mantinham as fichas dos judeus atualizadas, os policiais que os prendiam, os maquinistas que os transportavam e os químicos que escolheram o gás a ser usado etc. Foi o trabalho destes bons funcionários alemães, franceses, ucranianos, italianos, holandeses e outros que permitiu assassinar tantas pessoas, com o menor custo emocional e material possível e em tão pouco tempo. Eles se igualavam pela ausência de considerações morais sobre suas tarefas cotidianas.

Não se trata para Arendt de pensar que exista um Eichmann em cada um de nós. Na verdade, nosso mundo produz muitos Eichmanns, que, sem que sejam percebidos como tais, são peças decisivas para que uma máquina de morte como esta possa ser colocada para funcionar.

Assim, a excepcionalidade do extermínio nazista está exatamente no fato de que a combinação de diversos componentes que não são excepcionais podem produzir um crime excepcional. E, dizendo isto, o que Hannah Arendt faz é nos convidar a observar a máquina de extermínio nazista para, através dela, pensar sobre o nosso próprio mundo.

Luis Edmundo de Souza Moraes é doutor pelo Centro de Pesquisas sobre o Antissemitismo da Universidade Técnica de Berlim; professor de História Contemporânea do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da UFRJ

Fonte: Prosa / O Globo

Mestre Graça não é piedade - Silviano Santiago

O pensamento político em Graciliano Ramos é tão tosco, influente e múltiplo quanto as palavras, ferramenta de que se vale o escritor para dialogar consigo e com o leitor. Maneja a linguagem literária com vistas à expressão dos diferentes seres humanos, enigmáticos e complexos, que deseja dramatizar em texto impresso, cuja composição se enquadra num dos quatro gêneros em que se tornou mestre. Refiro-me ao romance, ao conto e às memórias, e também ao ensaio. Como andaime, suas frases lúcidas sustentam e mantêm de pé o trabalho criativo e divulgam o espírito batalhador e crítico.

A política não é decorrente de essência que entusiasma o estar no mundo do escritor cidadão e o supervisiona pelo lado de fora da vida. Não direciona e controla seus passos e sua mente aquém e além da língua portuguesa. A política é produto intrínseco à reflexão da imaginação criadora que deseja a perfeição e busca dar estilo ao produto artístico que fabrica em linguagem mínima e concreta, simples e direta, esclarecedora e convincente.

No encontro da escrita de Graciliano com a fala do brasileiro comum é que melhor se compreende suas opções estilísticas, de que é exemplo a que nos foi relatada pelo genro James Amado. Lembra ele certa ojeriza de Graciliano pelo cacoete modernista (ou oswaldiano) que se traduz pelo uso coloquial de “me dê”. Graciliano não encontrava base na realidade oral brasileira para tal forma e lhe opunha “dê cá”, que lhe parecia real e fluente. Não escreva “algo”, o mestre aconselha ao filho Ricardo Ramos, “é crime confesso de imprecisão”. Reticências? É melhor dizer que deixar em suspense. Exclamações? Ninguém é idiota para viver se espantando à toa.

Em Graciliano, a política é senhora de poucas palavras e mãe de muitos equívocos linguísticos que, lançados na folha de papel, devem ser imediatamente borrados e corrigidos pelo escritor atento e reflexivo. A política não pertence à família dos GPS, que querem direcionar a vida e a obra do cidadão. Ela é infatigável exercício das mãos e da caneta, unidas às evidências da criação literária, em que os defeitos/qualidades da vida cidadã e social, da vida histórica e econômica da nação, são postos à prova na folha de papel em branco.

Em “Memórias do cárcere”, lê-se este trecho revelador do fazer literário: “Queria endurecer o coração, eliminar o passado, fazer com ele o que faço quando emendo um período — riscar, engrossar os riscos e transformá-los em borrões, suprimir todas as letras, não deixar vestígio de ideias obliteradas”. Endurecido o coração, apaga-se o que deve ser apagado do passado como se borram os equívocos da expressão linguística. De tal forma e com tal intensidade são obliterados, que passado e expressões infelizes não ficam para falsificar na atualidade a marcha da História.

A utopia e os tempos verbais

O equívoco das pessoas de bom coração é o de acreditar que a preocupação com o som e o peso semântico das palavras no papel falsifica a sinceridade do escritor ou a verdade sobre os fatos. A prosa de Graciliano contradita o lugar-comum. Falsificadoras são as pessoas de bom coração. Repousam seu pensamento crítico numa verdade do passado, que se confunde com o que foi apreendido erroneamente e tantas vezes repetido. Um fato se torna verdadeiro no momento em que encontra um novo, justo e belo discurso ficcional ou poético, inventado a duras penas pelo artista.

“Máquina de comover”, disse Le Corbusier. João Cabral de Melo Neto repetiu a expressão à porta do seu livro “O engenheiro”. Lá a colhemos, juntamente com estes versos: “O lápis, o esquadro, o papel, / o desenho, o projeto, o número. / O engenheiro pensa o mundo justo, / mundo que nenhum véu encobre”.

Solares e óbvias, as ideias políticas que pensam o mundo justo se confundem com a correção da composição literária. Com a correção em todo e qualquer trabalho humano. Bem nomear pela linguagem é, pois, o primeiro passo político dado pelo princípio-esperança em direção à utopia.

Na sua época, Graciliano não poderia ter escrito o que estava na moda e o leitor desejava ler. Ele escreveu o que, em tempos de Jorge Amado, não desejávamos escrever e, em tempos de hip-hop e de blogs, não desejamos escrever. Ele não é brasileiro da gema, se me entendem. Não há possibilidade de ele escrever “tá” em lugar de “está”, “cê” em lugar de “você”. Erros de regência, concordância, nunca. Isso é o pior do atraso civilizacional. A escrita do romance “Vidas secas” — para ser literatura, no sentido em que a entendia Graciliano — teria de evitar todo e qualquer solecismo, todo fatal compromisso com a fala dos brasileiros desprivilegiados tal como representada pela mera reprodução fonética. Mestre Graça não é piedade. Mestre Graça é estilo. Estilo é política.

Dou-lhes um único e notável exemplo, tirado do romance “Angústia”. Luís da Silva lê pichado no muro o slogan “Proletários, uni-vos”, escrito sem a vírgula e sem o traço de união (aclaremos), e comenta: “Não dispenso as vírgulas e os traços. Quereriam fazer uma revolução sem vírgulas e sem traços? Numa revolução de tal ordem não haveria lugar para mim”. Outro autor brasileiro não usaria o futuro do pretérito (quereriam, haveria) para encontrar lugar na revolução; usaria o imperfeito (queriam, havia).

Sem o recurso ao futuro do pretérito não existe a noção esperançosa e concreta de utopia em “Vidas secas”. A utopia é menos um tema filosófico. Ela é tão rara quanto um tempo verbal marginalizado no presente, o futuro do pretérito, indispensável àqueles que querem pensar as asperezas e as alegrias da sua plena realização pelo homem na terra.

Nas profundezas da tragédia de “Vidas secas”, em contraste com a miséria do passado e com a emigração no presente, a utopia se escreve pelo futuro do pretérito: “A caatinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Os meninos gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a caatinga ficaria toda verde”.

Para que os deserdados possam pisar o mundo justo e sem véu do futuro é que se faz política em literatura.

É um equívoco apresentar a figura pública de Graciliano como um todo inalterável. Daí que o filho Ricardo Ramos, em “Retrato fragmentado”, tenha de se entregar a um primeiro trabalho de garimpagem na vastíssima e por vezes admirável bibliografia sobre o autor de “São Bernardo”. Reorganiza-a pela ênfase ou pelos excessos concedidos pela crítica a determinados detalhes problemáticos ou relativamente obscuros da personalidade do pai.

Graciliano — escreveu Ricardo — não é “personagem inteiriça, compacta, quase olímpica, sem a menor sombra de conflito ou dúvida”. Não é “criatura rude, sertanejo primitivo e pitoresco, o autodidata que certo dia simplesmente resolveu escrever”. Não é “um partidário, cego seguidor da regra política”. Não é tampouco o “intelectual cooptado”, que teve de se adaptar às regras ditatoriais do Estado Novo. Aceitar uma das quatro visões excessivas e excludentes como a principal determinante da personalidade de Graciliano “será aceitar o homem precisamente como negação da obra”, conclui o filho e biógrafo. Ao falar de política, não perpetuemos a negação da obra.

Silviano Santiago é escritor e crítico literário, autor do romance “Em liberdade” e de “Uma literatura nos trópicos”: ensaios sobre dependência cultural, entre outros livros. Recebeu esta semana o prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, concedido pela Academia Brasileira de Letras

Fonte: Prosa / O Globo