sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Marco Antônio Franklin de Matos: As serenas utopias de Armênio Guedes

A publicação recente de Armênio Guedes: sereno guerreiro da liberdade, do jornalista Sandro Vaia, e de O marxismo político de Armênio Guedes, coletânea de textos do dirigente organizada pelo professor Raimundo Santos, traz à luz uma das figuras mais singulares do movimento comunista brasileiro. É interessante notar que as duas publicações se complementam, dando ao leitor uma visão ampla sobre a vida pessoal e sobre as reflexões políticas do veterano líder da esquerda democrática.

O que distingue a obra de Santos é a relevância da seleção de textos apresentada e, acima de tudo, a instigante introdução elaborada pelo organizador situando a evolução pessoal e ideológica do dirigente comunista num contexto teórico e político rigorosamente traçado dentro dos conflitos sociais da época e dentro das vicissitudes vividas pelo PCB.

Tal introdução começa em período anterior ao golpe de 1964 quando Armênio lutava dentro do PCB para transformá-lo na “esquerda positiva” pregada então por Santiago Dantas, uma esquerda propositiva e democrática, voltada para a inserção do Partido no quadro político real e não para a elaboração de golpes ou motins.

É interessante observar que Raimundo Santos situa em sua análise o momento de transformação vivido pelo País na época marcada pela luta em prol das reformas de base e que, infelizmente, culminou no golpe militar. Nesse contexto, ele mostra a importância de Guedes para a elaboração da Declaração de Março de 1958 e destaca a figura importante de Armando Lopes da Cunha, um dos primeiros comunistas a se posicionarna imprensa partidária sobre o relatório Kruschev e um dos grandes elaboradores da nova tática pecebista de aproximação com a sociedade e de valorização da democracia.

Em suas argutas observações, Santos mostra o importante papel que Armênio desempenhou na elaboração da ideia de “frente única” nos idos de 60, elaboração que levava em conta sempre a legalidade constitucional, pois concebia a “revolução brasileira” pelo caminho democrático, dentro do que Engels em 1895 já chamava de “desenvolvimento normal dos acontecimentos”. Ressalta ainda que pode ser considerada requintada para os padrões da época a análise de Guedes a respeito da importância do Partido lutar no interior do governo JK para fortalecer a ala nacionalista contra a ala “entreguista”. E lembra que, segundo Guedes, se esta batalha fosse perdida, o PCB deveria preparar-se para participar da “frente única” com vistas a vencer as eleições presidenciais de 1960. Ou seja: para Armênio, o caminho era dentro da normalidade, normalidade que os golpistas não hesitaram em quebrar em 1964, pois compreenderam que ela favorecia o movimento popular.

Nesse sentido, a coletânea organizada por Raimundo Santos abre-se em direção a uma análise mais profunda da evolução do líder comunista. O professor reúne em sua obra importantes textos de Armênio, alicerçados em torno do que ele chama de “marxismo político”, que é a capacidade do dirigente comunista de valorizar sempre e em todas as circunstâncias a política, a análise fina da conjuntura política e, dentro dela, a democracia como valor inegociável. O documento da Guanabara de 1970 é novamente publicado e insere-se no livro como um exemplo marcante do “marxismo político” de Armênio.

Santos chama a atenção em seu texto para uma curiosa situação observada nos anos de chumbo: a oposição nos meios intelectuais entre duas posições distintas diante do regime militar:

Nos anos de chumbo, observamos duas posições bem contrastantes quanto às possibilidades da oposição: de um lado, estaria a de Florestan Fernandes quando desenha, para aquele momento, um cenário por demais sombrio, e de outro, a do publicista Armênio Guedes apresentando, no seu texto de 1970, já mencionado, uma visão mais aberta. Enquanto o sociólogo da USP divisa um tempo fechado à atividade dos atores, o olhar mais atento de Guedes leva a uma estratégia oposicionista por meio da política, terreno onde os protagonistas, com todas as suas restrições, teriam iniciativas para se movimentar e vir a criar um campo de resistência ao regime de 1964 (p. 55).

A importância da luta democrática travada por Armênio dentro do PCB é evidenciada em outro momento da batalha partidária nas décadas de 70 e 80, batizado por Santos de “segunda renovação pecebista”. Apesar da derrota dos renovadores (que tinham na pessoa de Armênio um referencial político e humano), Santos destaca a coerência de suas posturas e, mais uma vez, prepara o leitor para tirar o melhor proveito possível dos textos que a coletânea disponibiliza, com ênfase naqueles em que Armênio elabora a ideia de uma frente única policlassista para derrotar a ditadura militar e, mais que isso, para construir um novo regime estável de amplas liberdades democráticas. Ao final de sua interessante introdução, o autor nos põe em contato com o período final das reflexões de Guedes (o que faz com que os dois livros analisados definitivamente se complementem), citando uma passagem do dirigente pela televisão:

Em um programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo (2008), referindo-se ao “caminho democrático ao socialismo” do PCI, afirmou, em tom, digamos, bem consciente do tempo em que estamos (mas também com olhar retrospectivo) que o que os comunistas italianos haviam trilhado, de fato, era um caminho democrático para a democracia (p. 63).

Já o livro de Sandro Vaia está mais voltado para as peripécias da biografia pessoal de Guedes, contendo relatos deliciosos sobre as aventuras do dirigente, desde sua juventude na Bahia quando iniciou a militância no PCB até seu desligamento silencioso e marcante em 1983, passando por suas desavenças com Luiz Carlos Prestes e por suas insubordinações em Moscou, como quando insistia em falar sobre futebol (é torcedor apaixonado do Botafogo de Garrincha e Nilton Santos) nas solenes reuniões patrocinadas pelo Partido Comunista da União Soviética. A esse respeito, há uma passagem do relato de Vaia que põe em evidência a singela e elegante desobediência de Armênio aos cânones do “marxismo-leninismo”, quando, em 1954, ele discorda de companheiros que queriam que todos torcessem pelos países socialistas na Copa do Mundo da Suíça. Diz Armênio:

Os russófilos todos torciam para os comunistas, menos eu e mais dois. Tivemos brigas terríveis. Uma vez, numa discussão, eu disse a um desses caras: o negócio do futebol está acima ou abaixo da luta de classes, não tem nada a ver com isso; de maneira que eu torço para o Brasil. Em matéria de futebol, torço primeiro para o Botafogo e depois para o Brasil. Você torce para quem quiser que eu não tenho nada a ver com isso (p. 5-6).

Outra passagem curiosa deste período na URSS é o relato do cansaço de Armênio ao visitar museus. Diz ele a Vaia em seu depoimento que sua cota de visitas já havia se esgotado na época em que esteve em Moscou. A mesma distância do líder comunista em relação à rígida disciplina soviética manifesta-se também numa visita a Leningrado quando os camaradas brasileiros foram levados a assistir a uma opereta. Cansado por ter que entortar o pescoço para ver o palco em razão da presença de uma coluna incômoda, Armênio e mais três companheiros retiraram-se e foram ao bar tomar vodca, o que lhes valeu uma dura reprimenda de João Amazonas:

Parecia uma sessão espírita de crítica. Os chefes nos informaram que os camaradas soviéticos tinham considerado a nossa atitude um desrespeito. Eles tinham nos levado ao teatro para elevar a nossa cultura e nós abandonamos o teatro. E ainda por cima ficamos sozinhos num bar, em plena Leningrado, um porto internacional frequentado por estrangeiros, entre os quais poderia haver espiões, que poderiam aproximar-se de nós e etc. etc. etc.(p. 64)

Embora centrado em aspectos curiosos da vida pessoal de Armênio, o relato de Vaia tem o mérito de contá-los de maneira informal, bem humorada e, sobretudo, ligando tais episódios à visão ideológica do veterano dirigente, bastante distinta da visão dogmática vigente no movimento comunista da época. Na sequência da narração dos episódios, aparece a informação de que Armênio, por se mostrar sempre conciliador, tinha uma análise mais moderada sobre o PTB de Getúlio e Jango, visto à época como inimigo por amplos setores do PCB. Tal compreensão estreita do papel do trabalhismo na cena política brasileira levara o Partido Comunista às posições radicais e desligadas do movimento real da sociedade expressas no Manifesto de Agosto de 1950 e no combate visceral a Vargas no episódio do suicídio de 1954.

Encerrando o capítulo que trata da permanência de Armênio em Moscou, há um significativo parágrafo que reforça a ligação entre as situações pessoais de Guedes e seu futuro no Partido:

Armênio ficou em Moscou até março de 1955, comprando pequenas e grandes brigas; saiu de lá com a fama de malcriado, a pecha de “nacionalista burguês”, e um veto implícito para qualquer cargo de direção do partido (p. 66).

Na sequência, Vaia narra os efeitos bombásticos sobre o PCB e sobre o movimento comunista internacional das revelações feitas por Kruschev no XX Congresso do PCUS a respeito dos crimes de Stalin. Na ocasião, encontramos Armênio na ala renovadora do PCB, ao lado de Agildo Barata. Enquanto as discussões são travadas em torno do horizonte comunista da época, vendo no trágico episódio uma simples consequência do chamado “culto à personalidade”, Armênio vê mais fundo e luta pela efetiva democratização do PCB como caminho para superar o impasse vivido pelos comunistas depois da publicação do relatório de Kruschev. Já então, surgem com clareza suas simpatias pelo Partido Comunista Italiano que, liderado por PalmiroTogliatti, elaborava o chamado caminho democrático para o socialismo, antecipando o eurocomunismo. Nesse contexto, o líder comunista choca-se com Prestes e com o conservadorismo do PCB, demonstrando mais simpatia por Gramsci do que por Lenin, suprema heresia rejeitada pela direção partidária.

Outro episódio narrado por Vaia refere-se à divulgação pelo PCB da Declaração de Março de 1958 (publicada na íntegra na coletânea organizada por Raimundo Santos), documento que teve ativa participação de Armênio e provocou acirradas discussões internas no Partido, abrindo as portas do PCB para a renovação em seus métodos organizacionais, em sua ligação com as massas populares e com o que se chamou então de “via pacífica para o socialismo”. Apesar das limitações inerentes ao período e do severo tributo pago aos dogmas do marxismo-leninismo, a Declaração de Março é um símbolo na história do PCB, pois, pela primeira vez em tantos anos, o Partido tenta realizar uma efetiva reflexão sobre a realidade brasileira e coloca no centro desta reflexão a conexão entre a questão democrática e a questão nacional. Embora a democracia não seja ainda considerada um valor permanente, ela ocupa papel central no documento e reafirma em Armênio suas convicções de que a “revolução brasileira” teria que passar pela legalidade constitucional, a chamada “democracia burguesa” no pensamento tradicional comunista.

O livro de Sandro Vaia prossegue com leveza sua narrativa colocando em evidência o papel de Armênio na crítica reiterada às posturas do PCB no período que antecedeu o golpe de 1964. Embora oficialmente fizesse parte da aliança política que sustentava o governo de João Goulart (o que foi um mérito dos comunistas), o PCB pressionava de maneira indevida o governo de Jango, confiando num pretenso e inexistente “aparato militar”. Armênio, convencido de que o caminho democrático era o único possível, teve várias discussões com Prestes discordando da linha política “golpista”, que seria mais tarde criticada pelo próprio Partido em 1967, no VI Congresso realizado em plena ditadura militar. Em reflexões sérias sobre o período do golpe, Armênio destaca que o movimento popular foi derrotado na sociedade civil antes de o ser pela força das armas. Mais uma vez, o velho militante atua na contramão dos companheiros, mas se mantém fiel a seus valores.

Mesmo que o livro de Vaia seja econômico na publicação de textos produzidos por Armênio, apresenta um importante trabalho de 1970, o famoso documento do Comitê Estadual da Guanabara oficialmente divulgado em nome do Partido carioca, mas que foi redigido por Guedes. Nesse documento, afloram aspectos marcantes da análise de conjuntura realizada pelo dirigente comunista naquela difícil quadra da vida política nacional, no auge da ditadura militar. Armênio analisa a situação com rara precisão, apontando a mudança de regime político como a essência da situação abordada, ou seja, o capitalismo brasileiro para continuar sua reprodução necessitava de um outro sistema político, autoritário e burocrático, distante do regime anterior marcado pelo populismo e pela ascensão das massas urbanas.

Ao mesmo tempo, o documento destaca as contradições internas do regime e as possibilidades que tais contradições poderiam abrir para as forças democráticas, desde que elas soubessem se unir, aproveitando os mínimos espaços concedidos pelo regime e inserindo-se na luta parlamentar e na luta de massas. O eixo da análise de Armênio concentra-se na luta democrática e unitária contra a ditadura, opondo-se radicalmente à luta armada que seduzia tantos quadros respeitáveis da esquerda na época e preanunciando a vitória do MDB em 1974, primeiro sinal concreto da derrocada do regime autoritário.

Em sua volta do exílio, em 1979, Armênio mantém a mesma posição defendida no documento de 1970. Em duas entrevistas dadas ao Jornal do Brasil, o líder comunista combate frontalmente as ideias do Comitê Central de então, não poupando sequer o legendário Prestes. Na ocasião, ele formula claramente a estratégia democrática de conquista do socialismo, alinhando-se às posições do PCI. Essa postura é defendida por Armênio até seu desligamento inesperado do Partido em 1983, quando, depois de ser advertido por Giocondo Dias por uma suposta indisciplina partidária, ele dirige-se ao cinema, passeia pela cidade e, ao voltar, afasta-se definitivamente do PCB. Mais uma vez, sobressai a postura lúcida, serena, porém firme de defender suas ideias e concepções.

A esse respeito, o livro de Raimundo Santos destaca que, por trás deste gesto singelo de Armênio, vinha à tona a última batalha dele contra o Comitê Central, a análise do golpe militar na Polônia em 1982, vista por Armênio como produto da falência do modelo autoritário de socialismo e pelos companheiros como necessidade dramática de defesa do campo socialista contra as manobras da Otan e do imperialismo americano.

Posteriormente, Vaia destaca a fugaz atividade de Armênio no PMDB e, mais tarde, seu recolhimento à postura atual de “comunista avulso”. Porém, é importante registrar mais uma mudança na busca de Armênio por um mundo melhor: da original utopia comunista tradicional, passou à luta democrática pelo socialismo na linha do eurocomunismo (que ele, ironicamente, chamava de “neurocomunismo”) e desta à atual utopia, isto é, o “caminho democrático para a democracia”. É desse período a orelha que Guedes escreveu para a edição brasileira do livro de Giuseppe Vacca, teórico do Partido Democrático italiano (herdeiro do PCI), Por um novo reformismo, na qual resume sua própria concepção da política:

O marxismo político de Vacca aparece inteiramente reconciliado com a essencial democrática política, que não é nem nunca foi “burguesa”. Historicamente, o que ampliou as fronteiras do liberalismo foi a luta mais do que secular dos “grupos subalternos”, para usar a linguagem de Gramsci [...]

Para Vacca, socialismo e capitalismo, por assimétricos, não são termos antagônicos: o primeiro é um modo de “regulação”, o segundo um modo de “produção”. Não vejo nisso nenhum espírito de “conciliação”, mas um convite desafiador a pensar no conteúdo dessa possível regulação de tipo socialista (p.177).

Encontramos assim, ao final da narrativa de Vaia, a última etapa do caminho de Armênio em busca de uma nova sociedade: a aceitação plena da “ democracia como valor universal”, na feliz expressão de Enrico Berlinguer, teorizada não sem certa polêmica por Carlos Nelson Coutinho. Como poderemos definir essa trajetória do experiente e lúcido dirigente? Não apenas com a compreensão dos limites históricos e sociais dentro dos quais ele atuou, mas também recorrendo a um conceito plasmado por Gyorgy Lukács na análise da decadência ideológica vivida pela burguesia a partir das jornadas de 1848 na Europa: o máximo de consciência possível. Na evolução de Armênio, das posições iniciais de luta contra o dogmatismo stalinista até suas concepções atuais próximas dos teóricos do PD, o que se verifica é “o máximo de consciência possível” dentro dos horizontes de uma esquerda democrática latino-americana interessada em pensar o mundo em sua dinâmica contraditória e pluralista.

Na etapa final de sua evolução política, Armênio fixa-se na democracia como via da política, como construção de uma nova sociedade humana centrada na política e tendo na democracia seu único e necessário caminho. É a última e definitiva utopia serena deste baiano de fala mansa e certezas fortes. Coloca-se, assim, no centro das reflexões marxistas atuais, cujo eixo é romper com o passado do partido de esquerda que tem objetivos políticos distantes da democracia política (e uma prática política autoritária) e buscar a construção de instrumentos políticos mais ágeis e mais condizentes com a modernidade. O destaque dado à utopia democrática de Armênio Guedes é, sem dúvida, a lição que extraímos desses dois livros que, nascidos separadamente, unem-se no mesmo objetivo de contar a vida de um dirigente comunista que atravessou o “curto século XX” em defesa de um mundo mais bem construído democraticamente.

Marco Antônio Franklin de Matos é Orientador Educacional, Mestre em Teoria e Crítica Literária pela PUC-SP.

Sobre as obras:

Armênio Guedes: sereno guerreiro da liberdade, de Sandro Vaia. São Paulo: Barcarolla, 2013. 254p.

O marxismo político de Armênio Guedes/ Raimundo Santos, organizador. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2012. 207p.

Os limites de um governo de propaganda

A realidade tem se ocupado de desmentir as barbaridades que os petistas dizem ou cometem. As respostas nem demoram mais a vir. São os limites de um governo moldado no marketing e na farsa se impondo. Acontece tanto na política, quanto na economia ou em iniciativas que deveriam ser meramente administrativas, mas costumam ser sempre eleitoreiras.

O julgamento do mensalão, por exemplo, resultou na condenação e na detenção de réus que foram transformados, pela narrativa petista, em “presos políticos”. A cinematográfica fuga e a prisão de Henrique Pizzolato, ocorrida ontem na Itália, mostram, mais uma vez, que não se trata de nada disso: são meros petistas presidiários. Um bando deles.

Pizzolato é uma síntese perfeita do arrivismo e do oportunismo que acompanham petistas que ascenderam ao poder. No comando de uma das mais ricas diretorias do maior banco do Brasil, amealhou fortuna digna de nota. Descrito como “meticuloso, disciplinado e excelente estrategista”, tinha 11 imóveis em julho de 2005, época em que veio à tona que recebera R$ 326 mil do esquema do mensalão.

Sua estratégia para fugir do acerto de contas com a Justiça brasileira é antiga. Começou a ser traçada oito anos atrás, como mostrou o Correio Braziliense no domingo. Neste ínterim, o ex-diretor do Banco do Brasil desfez-se de parte dos bens e divorciou-se da mesma mulher com quem vive até hoje para tentar livrar seu patrimônio do arresto. Ainda assim, mantém até hoje fortuna avaliada em R$ 6 milhões e aposentadoria de R$ 20 mil.

Sobre Pizzolato, a maior dúvida agora é se ele será merecedor da solidariedade e dos punhos cerrados de gente como o deputado André Vargas ou se será aquinhoado com a vaquinha amiga de companheiros para pagar as multas do mensalão – cuja origem sabe-se lá qual é... Ou, quem sabe, Pizzolato merecerá um almoço-homenagem como o que mereceu João Paulo Cunha, o mais novo presidiário petista da Papuda?

Assim como implodiu a narrativa petista sobre os mensaleiros, a dura realidade também cuidou de mostrar a indignidade que acompanha o tratamento dispensado a cubanos arregimentados pelo Mais Médicos. E logo um dia depois de a presidente-candidata Dilma Rousseff e o ministro-candidato Alexandre Padilha brandirem o programa como bandeira eleitoral num ato que deveria ser administrativo.

Ao deixar o posto que ocupava no Pará, a médica cubana Ramona Rodriguez expôs as condições degradantes impostas aos profissionais recrutados pelo governo petista junto à ditadura dos irmãos Castro. Ela recebia apenas US$ 400 dos alardeados R$ 10 mil que a gestão Dilma diz oferecer como bolsa. Além disso, foi recrutada por uma S.A. cubana e não pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), como divulgara o governo.

Também na economia, a chata realidade teima em desmentir o trololó petista. No mesmo dia em que Dilma comandava uma operação-abafa no Planalto para negar a ameaça de racionamento e seu ministro de Minas e Energia afirmava que o risco de apagões era “zero”, 13 estados do país ficaram quase duas horas às escuras.

O sistema elétrico brasileiro está hoje no fio da navalha, operando sem sobra de energia, com os mais altos custos da história, com empresas em processo falimentar e o Tesouro vergado por subsídios bilionários decorrentes da redução truculenta das tarifas. É a realidade mostrando que, na marra, as coisas não se resolvem. Só pioram.

Para completar, logo após Dilma apresentar em Davos e enviar ao Congresso uma mensagem sobre a situação da economia brasileira que mais parece um conto de fadas suíço, o Ministério da Fazenda se vê obrigado a escalar gente talhada para conquistar a confiança do mercado e dos analistas, que só conseguem ver um futuro para o país: o fundo do poço. Se está tudo tão bem, por que Guido Mantega teve que mexer na primeiro escalão da equipe dele?

Houvesse consistência em suas ações e palavras, os atos do governo e dos petistas não estariam esboroando como castelos de areia na beira da praia. Nem é a oposição que os derrota; é a mera realidade dos fatos. Num governo em que a presidente é tutelada desde o primeiro dia e o mais poderoso ministro é o da propaganda, não poderia ser diferente.

Fonte: Instituto Teotônio Vilela

Michel Zaidan Filho: A cultura política do Bombril

Fui surpreendido, ontem, por um pedido de entrevista de um dos veículos do sistema JC de comunicação: a repórter queria uma avaliação sobre a decisão do senador e ex-governador do estado, filiado ao PMDB, de não mais concorrer à reeleição ao senado e sua indicação do nome de oposicionista Raul Jungman (PPS) para integrar a chapa majoritária do PSB ao governo do estado de Pernambuco! Surpresa? - Nem tanto. 

Mas se um marciano pousasse em Pernambuco e tentasse entender a política brasileira, teria com certeza muita dificuldade. Como é possível que um político que foi, em passado recente, um duro crítico da família do atual governador indique um oposicionista de carteirinha para ser candidato à vice-governador na chapa do principal alvo de críticas, durante todos esses anos?

Pois é. Aí, nós temos de dar razão ao ex-governador (DEM) Gustavo Krause, que uma vez disse que a política entre nós é como bombril, serve para tudo, tem mil-e-uma utilidades, inclusive de a um inveterado crítico ser ao mesmo tempo parceiro político do criticado, sem muitas explicações. Mas há outras explicações que iluminam esse caso:

1) a trajetória política do próprio Jungmam. Este cidadão é um personagem a procura de um autor, que o leve a sério. Já foi arraisista, na época que tinha um aparelho instalado no edifício São Carlos, chamado "Avança Recife", tido como linha auxiliar do governo do PSB. Depois, entrou no Partido Comunista Brasileiro, compondo a ala mais radical do partido. Finalmente, tornou-se "um quadro a disposição" do PSDB, quando tornou-se assessor dos governadores cearenses do PSDB.

Foi parar no ministério do planejamento, no IBAMA e, finalmente, no Ministério da Reforma Agrária. Quando saiu do governo de FHC, continuou "à disposição" do PSDB: procurou filiar-se ao PMDB para combater a candidatura de Itamar Franco, não o aceitaram. Procurou o próprio PSDB, mas também não obteve guarida por lá. Veio cair no PPS de Roberto Freire. 

Conclusão: um quadro-laranja, ora à disposição do PSDB nacional, ora à disposição do PMDB local, comandado personalisticamente pelo ex-governador de Pernambuco. A sua indicação por este político para compor a chapa majoritária às eleições do estado se elucida pelo efeito Bombril e pela sua inesgotável servidão ao efeito laranja, no caso específico, laranja do PMDB jarbista (anti-lulista), de oposição.

2) Mas a repórter também quis saber as razões da desistência do ex-governador em se recandidatar para concorrer a mais um mandato pelo Senado Federal. Essa resposta é mais fácil: a coligação que o elegeu governador e senador por Pernambuco, acabou-se, desfêz-se como uma bolha de sabão.

O risco de mais uma derrota no currículo vitorioso do senador é muito grande. No ambiente de absoluta e total cooptação e aliciamento dos partidos "bombril" e "laranja", ser oposição é tarefa muito difícil, senão inglória. Só permanece como oposição, quem não tem como aderir à situação. Com as honrosas exceções de praxe: os partidos ideológicos, da esquerda, que não são partidos de mera competição eleitoral cujo fim é a vitória, a qualquer preço.

3) O anti-lulismo é a única coisa que une esses partidos e políticos. Todos querem a mesma coisa, mas vão deixar a briga pelo botim, para depois da sonhada derrota de Dilma Roussef.

Michel Zaidan Filho, sociólogo e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Manuel Bandeira: Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.