Murillo Camarotto
RECIFE - Disposto a incrementar seu "goodwill" - termo do mercado financeiro para perspectiva de ganho de um ativo -, o governador de Pernambuco e pré-candidato ao Palácio do Planalto, Eduardo Campos (PSB), deve defender na campanha eleitoral um mandato fixo para o presidente do Banco Central (BC) e a adoção de metas plurianuais para inflação e superávit primário. Ele também poderá pregar maior abertura comercial, nova agenda microeconômica e uma reforma na atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Calouro de Economia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) aos 16 anos, Campos tem pavor de ser atrelado a qualquer guru na área. Desde que começou a construir a candidatura presidencial, o governador tem mantido um amplo leque de interlocutores, dos quais tem colhido sugestões para o programa de governo que o PSB vai oferecer.
Os nomes mais célebres do grupo foram trazidos pela ex-senadora Marina Silva, provável candidata a vice-presidente. O economista e filósofo Eduardo Giannetti, que assessorou Marina na campanha de 2010 e é um de seus mais próximos colaboradores, participa diretamente da elaboração do programa de governo, enquanto o ex-presidente do BNDES André Lara Resende também contribui com sugestões e interlocução junto ao mercado financeiro.
Também aconselham o governador os economistas Cláudio Porto, sócio da consultoria Macroplan; Tiago Cavalcanti, professor na Universidade de Cambridge; e Alexandre Rands, da Macrométrica. Informalmente, Campos conversa ainda com a professora da UFPE, Tânia Bacelar, que foi secretária da Fazenda do governo de seu avô, Miguel Arraes, e com Fabio Giambiagi, economista do BNDES.
Cauteloso, Giambiagi diz já ter se reunido com Campos para trocar ideias, mas nega ser um interlocutor do pernambucano. "É possível que algumas das minhas ideias possam interessar a algumas pessoas próximas ao governador, mas daí a me considerar um interlocutor econômico dele há uma enorme distância", disse o economista ao Valor.
Fontes ligadas a Campos citam conversas do pré-candidato com André Esteves e Pérsio Arida, sócios do BTG Pactual, como inspiradoras de seus planos para a economia. Campos os recebeu no Recife e depois esteve na sede do banco, em São Paulo. O BTG também está entre as seis empresas que patrocinaram a reforma do Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco''. A obra custou R$ 30,6 milhões.
Como é praxe entre as instituições financeiras, o BTG prefere não se associar a candidatos. Assim como Campos já buscou conselhos de Pérsio Arida, o presidenciável do PSDB, Aécio Neves, também buscou sócios do banco para debater questões econômicas. No ano passado, o tucano deu palestra em um evento promovido pelo BTG com investidores, em Nova York.
O Valor apurou que o banco tem optado por manter frentes de diálogo tanto com os principais candidatos de oposição quanto com a equipe da presidente Dilma Rousseff. No entanto, fontes das principais instituições financeiras consideram que a derrota de Dilma ou um cenário eleitoral com mais chances de segundo turno teriam, pelo menos num primeiro momento, um efeito benéfico sobre o mercado.
Foi com um ataque à política econômica do governo federal que Marina Silva marcou sua chegada ao PSB. Poucos dias depois de anunciar, em outubro último, a surpreendente aliança com Campos, a ex-ministra saiu atirando contra a administração da presidente, acusando-a de negligenciar o tripé macroeconômico formado por superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação.
Apesar da crítica, Marina disse à época ser contrária à independência formal do Banco Central, defendida por parte do mercado. Campos, por sua vez, tem proposto nos bastidores que ao menos se estabeleça um mandato fixo para o presidente da autoridade monetária. A sinalização - que segundo um de seus conselheiros pode incrementar o "goodwill" da candidatura - ajudaria a sanar a crise de expectativa que o pernambucano tem apontado reiteradamente em suas avaliações sobre a economia.
André Lara Resende concorda. "Gosto muito da ideia de um mandato para o presidente do BC, pois contribui para a independência na prática - algo difícil de ser definido formalmente - e dá um horizonte de estabilidade à política do BC", disse ao Valor o economista, que confessou ter ficado "muito bem impressionado" com o governador de Pernambuco.
Gianetti, que também admitiu entusiasmo com Campos, disse não ter nada contra o mandato fixo e avalia que o Brasil deve caminhar em direção à autonomia formal do BC. Ressalta, entretanto, que é preciso cautela. "Precisa estar muito bem definido como será a escolha do presidente e da diretoria", alertou o economista, que classifica como "barbeiragem" a gestão do BC adotada desde o segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Giannetti disse no ano passado, logo depois do anúncio da aliança, que desconhecia as ideias do PSB na economia e que previa um processo complicado de convergência. Após uma série de encontros com os novos aliados, o economista disse estar entusiasmado com a mudança de discurso do governador, mas que ainda vê muitos pontos de atrito com o PSB.
"Fiquei especialmente entusiasmado com o discurso do governador no evento do PSB e da Rede no início do mês, em Brasília. Ele falou sobre sustentabilidade de uma forma que eu nunca tinha visto. Confesso que fiquei bem impressionado e com a sensação de que a aliança está, de fato, acontecendo", disse Giannetti.
Ainda assim, o economista disse enxergar dentro do PSB muitas divergências sobre o que pensa o Rede. Ele mencionou divergências acerca do papel que deve exercer o BNDES e sobre a rigidez fiscal necessária para devolver credibilidade ao tripé macroeconômico. "Não é nem no Eduardo Campos que eu vejo essas divergências, mas em alguma pessoas do PSB", completou Giannetti.
A crítica de Campos e Marina à negligência petista com o tripé deve vir acompanhada do compromisso de estabelecer metas plurianuais de inflação e superávit primário, com o objetivo de dar maior confiabilidade ao governo. "Se poderia pensar em definir metas para o terceiro e o quarto anos do mandato corrente e para o primeiro e segundo anos do mandato seguinte", opinou Giambiagi. "Na atual conjuntura, poderia-se pensar em 4% (de meta de inflação) para o período entre 2017 e 2020", completou.
Interlocutor do governador, o pernambucano Tiago Cavalcanti, de 40 anos, ensina Desenvolvimento Econômico na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, desde 2007. Assim como outros conselheiros de Campos, ele acredita que o próximo presidente não vai ter como fugir de ajuste fiscal consistente em 2015. "Vai ser preciso aumentar o superávit primário para resgatar uma credibilidade que possibilite tomar dinheiro mais barato e baixar a Selic", disse.
Cavalcanti também é defensor do mandato para o presidente do BC, mas faz questão de ressalvar que a política monetária não deve ter papel de política de desenvolvimento, mas sim de ferramenta para estabilização financeira e controle da inflação. "O BC não muda tendência, ele suaviza os ciclos relativos à tendência. Quem muda tendência é inovação, é investimento, é o 'espírito animal' do empresário", disse Cavalcanti, que tem novo encontro com a equipe de Campos marcado para março.
Se depender da avaliação de seus conselheiros, o programa de Campos e Marina também vai pregar maior abertura da economia nacional e menos influência do governo sobre o câmbio. "O câmbio real sempre se ajusta no longo prazo. Não acredito em política cambial para incentivar a indústria, mas sim em baixar os custos para a indústria. Na Coreia do Sul, o governo dá subsídio à indústria com a condição de que compita no exterior. Aqui, protege", critica Tiago Cavalcanti.
Gianetti afirma que as principais mudanças propostas devem vir no sentido de uma nova agenda microeconômica, que inclui, entre outras coisas, autonomia às agências reguladoras, regulação dos setores de infraestrutura e uma reforma nas regras do mercado de trabalho que não discrimine este ou aquele setor. "Na agenda macro, não vamos reinventar a roda", resumiu o economista.
Até o momento, Campos tem concentrado fogo contra a política de desonerações implementada pelo governo federal para fomentar o consumo. O governador também é crítico do direcionamento dos empréstimos subsidiados concedidos por meio do BNDES. Apesar disso, mantém conversas informais com o presidente do banco, Luciano Coutinho, que é pernambucano e amigo de longa data da família do governador. A assessoria do BNDES nega as conversas.
A tendência é que Campos defenda uma mudança na governança do BNDES. A instituição, segundo um dos economistas ouvidos, terá que "retomar os bons fundamentos da gestão bancária, com foco não em setores, mas na qualidade dos projetos e das garantias". A atuação no financiamento a projetos de infraestrutura, bem como nas pequenas e médias empresas, também deve ser intensificada. (Colaborou Talita Moreira, de São Paulo)
Fonte: Valor Econômico