sábado, 29 de novembro de 2014

Opinião do dia – Zuenir Ventura

Dilma, a presidente, está sentindo os efeitos das contradições e da incontinência verbal de Dilma, a candidata. Mesmo antes de assumir, já sabe que tem de adotar as medidas impopulares que na campanha atribuía ao adversário tucano. E, para quem acusou Marina Silva de querer “entregar aos banqueiros a condução da política econômica”, se fosse eleita, não está sendo fácil justificar junto aos seus a opção pelo diretor de um banco para conduzir a política econômica do seu segundo governo.

Zuenir Ventura, jornalista e escritor. O dito pelo não dito. O Globo, 29 de novembro de 2014.

Às vésperas de aperto, PIB para de cair, mas mostra estagnação

• Após duas quedas consecutivas, economia avança 0,1% no terceiro trimestre, ante o anterior

• Com mais dias úteis, indústria cresce de julho a setembro, mas no ano apresenta queda acumulada de 1,4%

Gustavo Patu e Pedro Soares - Folha de S. Paulo

RIO - Prestes a passar por uma anunciada temporada de restrições, a economia brasileira continua no chão, embora tenha parado de afundar.

Após duas quedas trimestrais consecutivas, sintomas de uma recessão, o Produto Interno Bruto --medida da produção e da renda do país-- avançou 0,1% entre julho e setembro, na comparação com os três meses anteriores.

Divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a variação quase imperceptível mostra que o ano fechará com crescimento próximo de zero, no pior desempenho de um quadriênio de quase estagnação.

Os dados não encorajam projeções de um resultado muito diferente em 2015, ainda mais com a perspectiva de alta dos juros e corte de despesas públicas pela nova equipe econômica.

Em boa parte, a melhora do último trimestre se deveu ao maior número de dias úteis em comparação com os três meses anteriores, em razão da Copa do Mundo.

Prejudicada pela competição, a indústria interrompeu agora uma sequência de quatro trimestres no vermelho e puxou também uma alta dos investimentos.

A fragilidade da reação fica evidente quando são considerados prazos mais amplos: no ano, a indústria acumula queda de 1,4%, a maior desde o auge do impacto da crise internacional, em 2009.

Maior ainda, de 7,4%, é o tombo dos investimentos --gastos privados e públicos em compra de equipamentos e obras de infraestrutura, destinados a ampliar a capacidade futura de produção.

A derrocada indica perda crescente de confiança do empresariado na política econômica comandada por Dilma em seu primeiro mandato --e ajuda a entender por que a presidente reeleita sinaliza uma guinada.

Na visão do governo petista, o estímulo ao consumo das famílias, por meio de programas sociais e do crédito, levaria o setor produtivo a investir para elevar a oferta de bens e serviços.

Entretanto, a deterioração das contas públicas e o recrudescimento da inflação suscitaram dúvidas crescentes sobre a solidez da estratégia.

O BC teve de elevar os juros a partir de 2013, esfriando também o consumo, que vive a menor expansão em uma década. E, para recuperar a credibilidade, o governo agora promete arrumar suas contas e levar a inflação à meta de 4,5% ao ano --ameaçando o mercado de trabalho, um dos principais sustentáculos políticos de Dilma.

Dilma acusa oposição de golpista e diz que não cairá em provocações

• Presidente defende aproximação com movimentos sociais para receber sugestões, em reunião do Diretório Nacional do PT

Simone Iglesias e Thays Lavor - O Globo


FORTALEZA - Ao discursar na reunião do Diretório Nacional do PT, ontem à noite, Dilma Rousseff afirmou que seu governo não é propriedade dela, mas dos partidos que a apoiaram e de todos os brasileiros, que votaram ou não nela. Mas a presidente não foi condescendente com a oposição, a quem acusou de golpista:

— Esses golpistas que hoje têm essa característica, eles não nos perdoam por estar tanto tempo fora do poder. Temos que tratar isso com tranquilidade e serenidade, não podemos cair em nenhuma provocação e não faremos radicalismo gratuito, pois temos a responsabilidade de governar.

Ainda lembrando a campanha eleitoral, Dilma disse que “a verdade venceu a mentira” porque dados divulgados agora estão mostrando que seu governo estava certo.

— Sobre o desmatamento, diziam que tinha perdido o controle e teríamos uma elevação significativa da taxa. Foi uma falsidade, porque esta semana se divulgou que caiu 18% em relação a 2013. Falavam que a inflação estava fora do controle, acontece que agora os últimos dados mostram que vai acabar abaixo da meta — disse Dilma, ressaltando, porém, que não está satisfeita com taxas apenas um pouco abaixo do teto da meta e que fará “imenso esforço” para reduzir a inflação, porque é a população quem paga por ela.

A presidente fez afagos ao PT e aos aliados:

— O governo não é um governo meu, não guardo o governo abraçadinha nele. O governo é dos partidos, do PT, dos partidos da nossa aliança. Temos uma coalizão, temos uma coligação de partidos e o governo é dos movimentos sociais e dos que votaram em mim e não votaram.

Em sinalização ao diálogo, afirmou que ao Congresso Nacional caberá o protagonismo das discussões da reforma política, apesar de manter a defesa de que a proposta passe por análise da população. Ela defendeu ainda a aproximação com os movimentos sociais.

— Temos que olhar os movimentos sociais; sobretudo nós, temos que ouvi-los. Numa sociedade democrática, o Congresso é fundamental, mas é na nossa relação com os movimentos sociais que recebemos as sugestões da parte organizada da população — afirmou Dilma.

A presidente disse, também, que todos os partidos que a apoiaram na campanha da reeleição, estarão no seu governo, com cargos e perspectiva de discutir políticas públicas.

Dilma diz ao PT que ajuste econômico é necessário para manter governabilidade

• Durante reunião do diretório nacional do partido e em meio às críticas pela escolha de Joaquim Levy para a Fazenda, presidente diz que confia na ‘maturidade’ dos petistas: ‘Temos que estar unidos’; direção da sigla considera guinada ortodoxa ‘coisa feita’

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

FORTALEZA - Em meio a críticas do PT e de movimentos sociais pela escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, a presidente Dilma Rousseff, que participou da reunião do diretório nacional da legenda nesta sexta-feira, 28, em Fortaleza, fez acenos ao partido e sua base, lembrou que foi eleita por forças progressistas, mas reiterou o compromisso com a estabilidade econômica e pediu maturidade à militância petista em nome da governabilidade.

"Nós temos que tomar as medidas necessárias, sem rupturas, sem choques, de maneira gradual e eficiente como vem sendo feito. Temos que estar unidos. Eu preciso do protagonismo de todos vocês e neste protagonismo destaco o PT. O PT tem maturidade e hoje, depois de todo esse período sabe que precisamos ter legitimidade e governabilidade", disse a presidente em seu primeiro encontro com a cúpula do partido depois da reeleição.

Dilma comemorou o fato de o País terminar o ano dentro da meta de 6,5% de inflação, mas disse que não está satisfeita e que medidas devem ser tomadas. Por isso, ela desafiou o partido a renovar suas perspectivas diante das demandas econômicas.

" A conjuntura muda, a situação do País muda, as condições da economia mudam. Nós nos adaptamos às novas demandas e damos respostas a cada uma delas. Acho que esta é a grande missão do PT", disse ela.

Por outro lado, a presidente fez afagos ao PT, garantindo que a condução ortodoxa da economia não vai afetar a essência do programa do partido.

"Uma coisa deve ficar clara e ninguém deve se enganar sobre isso. Fui eleita por forças progressistas, não para qualquer processo equivocado, mas para continuar mudando o Brasil", garantiu.

Bem humorada, Dilma lembrou que, embora tenha sido eleita pelo PT, lidera uma coalizão de partidos e tem a obrigação de governar para todo o conjunto da população.

"O governo não é um governo meu, no sentido que ele é só meu e eu guardo abraçadinha nele. O governo é do PT e dos partidos da nossa aliança porque nós fizemos uma aliança e dos movimentos sociais. Mas também o governo é dos que mostraram em mim e dos que não votaram", disse ela.

Os movimentos sociais que formam a base do PT tiveram atenção especial da presidente. Dilma voltou a dizer que uma das diferenças entre o segundo mandato e o primeiro será a disposição para o diálogo, em especial com os setores organizados da sociedade.

"Quero enfatizar um aspecto que é: nós temos que olhar para os movimentos sociais. Numa sociedade democrática o Congresso é fundamental e nós temos os processos que levam ás leia, às reformas e às transformações. Mas é na nossa relação com os movimentos sociais que nós também aprendemos e recebemos todas reivindicações da parte organizada da sociedade. Uma das práticas que considero extremamente relevantes é a de ouvir sistematicamente os movimentos sociais", prometeu.

Falando para o partido, Dilma voltou a defender a reforma política, uma das prioridades da agenda petista, desta vez de forma mais objetiva, dizendo que é contra as alianças proporcionais e o financiamento empresarial de campanhas, segundo ela origem de toda a corrupção estatal.

Um dos momentos mais aplaudidos do discurso de 45 minutos foi quando Dilma disse entender e incentivar a independência do PT em relação ao governo. "Governo é governo e partido é partido", disse ela, emendando com outra tirada bem humorada. "Vocês podem criticar à vontade, mas também não exagerem".

Em meio a um dos maiores escândalos de corrupção da história do País desvendado pela Operação Lava Jato e manifestações diárias pedindo seu impeachment e até a anulação das eleições, Dilma conclamou o PT a defendê-la dos "golpistas" que, de acordo com ela, não se conformam por ficarem 18 anos fora do poder federal.

"Eu conto com vocês para que juntos enfrentemos todos os desafios e encaremos com serenidade os golpistas de sempre, que sempre ocorreram de uma forma ou de outra na história do Brasil, mas golpistas hoje que têm uma característica. Eles não nos perdoam por estarem tanto tempo fora do poder", disse a presidente.

Sem citar nomes ou casos específicos, Dilma pediu serenidade aos petistas e alertou para o risco de provocações.

"Vamos lidar com isso com tranquilidade e serenidade. Nós não podemos cair em nenhuma provocação. Temos ter a tranquilidade de que nosso País conquistou a duras penas a democracia".

Roberto Freire: Dilma adota posição conservadora na economia

• Dilma pousava de ‘esquerdista’na campanha eleitoral

• Agora os indicados são nomes do mercado para economia

Nadja Rocha - Portal do PPS

O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), disse nesta sexta-feira que não se pode fazer avaliação da nova equipe econômica, sem falar da mudança de postura de Dilma Rousseff. A presidente durante a campanha posava de “esquerdista” e acusava os adversários de que se fossem eleitos adotariam medidas impopulares, como ajuste fiscal e aumento de juros.

“Agora, depois de reeleita, revela-se uma conservadora ao nomear para o comando da economia gestores do mercado financeiro. Tudo na contramão do que pregou durante a campanha. Infelizmente, não se pode confiar na presidente”, criticou.

Para Roberto Freire, é “lamentável” que os brasileiros estejam assistindo a mais um “estelionato eleitoral” no país.

Sobre a expectativa em torno da mudança de rumos na economia com Joaquim Levy, na Fazenda, e Nelson Barbosa, no Planejamento, Roberto Freire acredita que tudo será feito de acordo com a tradição do PT. “Não tem programa, não tem projeto, salvo permanecer no poder. E mais: sempre adota o que os outros sabem fazer, já que lhe falta a competência devida”, afirmou.

Segundo o deputado, os oito anos da gestão Lula foram exemplo disso. “Lula deu continuidade à política econômica de Fernando Henrique Cardoso. Dilma tentou fazer algumas mudanças, que resultaram em desastre completo. Agora, no segundo governo, ela retoma o caminho herdado da política e dos gestores da tradição de FHC”, argumentou Freire.

Marina elogia nova equipe econômica, mas questiona 'autonomia'

• Ex-ministra disse que novos ministros não serão o suficiente para o governo Dilma recuperar credibilidade e que há dúvidas se eles de fato terão liberdade para 'fazer os ajustes que o País precisa'

Isadora Peron e Igor Gadelha - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Derrotada no 1º turno das eleições presidenciais, a ex-ministra Marina Silva (PSB) afirmou nesta sexta-feira, 28, que o anúncio da nova equipe econômica não vai ser o suficiente para recuperar a credibilidade do governo da presidente Dilma Rousseff. Em nota, ela elogia os nomes escolhidos para os ministérios da Fazenda e do Planejamento, mas diz que há dúvidas se de fato eles terão "autonomia" para fazer os ajustes que o País precisa, como controlar a inflação e diminuir os gastos públicos.

"O governo federal gerou tantas incertezas nos últimos anos que apenas novos nomes, por mais consistentes que sejam, não vão resgatar a credibilidade", diz o texto. Na quinta-feira, o governo confirmou o economista Joaquim Levy como ministro da Fazenda, Nelson Barbosa para o Planejamento e a permanência de Alexandre Tombini na presidência do Banco Central.

Marina cobrou ainda mais transparência do governo, não só para acabar com as "maquiagens contábeis", mas também para que a população tenha acesso às informações sobre as políticas públicas em geral. A ex-ministra também acusou Dilma de mentir sobre a situação econômica do País durante as eleições. Segundo a ex-ministra, a então candidata à reeleição não apresentou um programa de governo porque, senão "teria que sair do mundo colorido do marketing eleitoral e fazer, no mundo real, o que tanto criticou na campanha".

Desigualdade. Já o presidente em exercício da Força Sindical, Miguel Torres, criticou a nova equipe econômica da presidente Dilma Rousseff. Em nota enviada à imprensa, ele afirma que a indicação de Joaquim Levy, considerado um economista ortodoxo, para o Ministério da Fazenda demonstra, no mínimo, "miopia grave", "pois atropela as ideias desenvolvimentistas e de redução da desigualdade".

Para Torres, isso sinaliza que as discussões sobre gasto social, salário mínimo e sustentabilidade da Previdência Social estão "ameaçadas", na medida em que passarão a ser coadjuvantes na política do governo. "A Força Sindical não vai permitir que políticas restritivas retirem direitos dos trabalhadores", afirma. O presidente em exercício da Força diz ainda que a indicação de Levy sinaliza que a Fazenda e o Banco Central vão reeditar com "mãos de ferro" o chamado tripé macroeconômico.

O termo, utilizado por economistas ortodoxos, prevê o controle da inflação, câmbio flutuante e superávit primário para reduzir a relação dívida pública/PIB. "Tudo leva a crer que a criatividade desse governo é limitadíssima, pois prefere adotar um leque de medidas ortodoxas e contracionistas para o enfrentamento da crise, para o deleite, sobretudo, do mercado, ratificando a nossa servidão voluntária ao mercado financeiro, em vez de priorizar o crescimento econômico", criticou.

Torres avalia que a indicação mostra que o governo tem menos convicção sobre o crescimento econômico sustentável, e "repare nem estamos falando em desenvolvimento econômico". "O Brasil parece reeditar medidas que não suplantam as nossas mazelas", diz o dirigente da Força Sindical, cujo presidente licenciado é o deputado federal Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, que coordenou a área sindical da campanha do candidatado do PSDB à Presidência, Aécio Neves.

Superávit primário. Na nota, Torres critica que o discurso de Joaquim Levy de geração de superávit primário "desnuda o anacrônico conflito distributivo brasileiro". Em entrevista à imprensa nesta quinta no Palácio do Planalto, o futuro ministro da Fazenda anunciou a meta de economizar 1,2% do PIB para pagar juros da dívida pública em 2015 e acima de 2% em 2016 e 2017. Segundo Levy, alcançar essas metas é essencial para obter confiança, criar a base para o País crescer e consolidar avanços sociais.

"Ora, a propalada redução do gasto público vai atingir a quem? Segundo os 'analistas' de plantão, é preciso adotar medidas duras para garantir espaço fiscal a fim de atingir a meta de superávit primário, mas o Brasil não é o quarto maior superávit primário do G20, segundo o FMI? Além disto, nosso País é o primeiro no mundo quando se fala em taxa de juros. Por que é proibido falar em redução dos juros no País?", questionou o presidente da Força Sindical na nota.

PT deve cobrar de Dilma mais espaço no ministério e empenho em bandeiras históricas

• Apesar de contrariado, partido considera inevitáveis indicações de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e Kátia Abreu, para a Agricultura, e vai se empenhar em obter compromissos em questões como o marco regulatório dos meios de comunicação

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Reunido nesta sexta-feira em Fortaleza para fazer um balanço das eleições e debater os rumos do segundo mandado da presidente Dilma Rousseff, o diretório nacional do PT dá como "coisa feita" as nomeações de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e Katia Abreu para a Agricultura. Embora contrariadas, as principais correntes do partido devem chancelar as escolhas da presidente, que confirmou presença na reunião. Em troca, o partido vai pedir mais empenho do governo em questões caras à base petista como o marco regulatório dos meios de comunicação, o fator previdenciário, reforma fiscal, questões trabalhistas e a questão indígena. O PT também deve cobrar mais espaço no ministério.

Na segunda-feira, a corrente majoritária Construindo um Novo Brasil (CNB) fez uma reunião preparatória em São Paulo para elaborar o discurso. Embora nomes como Levy e Katia Abreu não agradem setores do PT, o que vai prevalecer é o programa de governo do partido. A comparação é com o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, quando o então tucano Henrique Meirelles foi escolhido para o Banco Central, o "conservador" Antonio Palocci para a Fazenda e Roberto Rodrigues, representante do agronegócio, para a Agricultura.

"A área econômica não está à disposição para disputa partidária", admitiu um dos vice-presidentes do partido, Alberto Cantalice.

Segundo ele, o importante é que ministérios ligados diretamente às causas petistas fiquem com nomes vinculados à esquerda. O PT vai lutar para manter seus espaços no governo e emplacar nomes como o do deputado estadual Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma, nos Esportes e o governador da Bahia, Jaques Wagner, em alguma pasta política.

Além, disso o partido quer impor uma pauta ao segundo governo de Dilma. Um dos itens principais é a criação de um marco regulatório para os meios de comunicação, reivindicação antiga do PT engavetada por Dilma no primeiro mandato. A presidente já disse que vai abrir o debate sobre o tema no segundo semestre do ano que vem e descartou qualquer medida de controle de conteúdo. O objetivo, segundo ela, será restringir "monopólios e oligopólios".

O partido quer ainda que o governo crie uma fórmula alternativa ao fator previdenciário, reivindicação histórica dos sindicatos ligados ao partido, uma reforma fiscal que desonere a nova classe C, que ascendeu durante os governo Lula, e a manutenção da política de valorização do salário mínimo.

"O ajuste das contas do governo será bom desde que não mexa nas obras do PAC, mantenha os programas sociais e a valorização do emprego", disse o deputado José Guimarães, outro vice-presidente do PT.

Outra cobrança do PT será quanto à celeridade do projeto de reforma política. Para alguns dirigentes, a presidente já deveria ter dado algum sinal nesse sentido.

A presença de Dilma na reunião do diretório petista é interpretada pelo partido como um gesto de boa vontade e uma tentativa de aproximação da presidente. Será a segunda vez que Dilma participa de um encontro partidário desde que tomou posse, em 2011.

Apesar do clima de cobranças em relação ao segundo mandato, a cúpula petista trabalha para abafar críticas e criar um ambiente positivo na reunião do Diretório Nacional. Na verdade, Dilma vai participar apenas da parte final do encontro, iniciado às 10h desta sexta-feira. Da abertura até a chagada de Dilma, prevista para 19h, a palavra estará aberta para os dirigentes. Críticas pontuais não estão descartadas - algumas correntes da esquerda petista preparam textos mais duros- mas a presidente não estará presente para ouvi-las. Depois da reunião, Dilma participará de uma recepção a convite do PT do Ceará.

PT aplaude acusado de corrupção

• Vaccari diz não ter feito nada de errado, e não ter nada a temer, durante congresso do PT

• Durante reunião, petistas prestaram solidariedade ao tesoureiro do partido

Simone Iglesias e Thays Lavor - O Globo

FORTALEZA - Um dos alvos da Operação Lava-Jato, que investiga desvios bilionários na Petrobras, o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto, foi blindado pelo partido e ovacionado pelos integrantes do Diretório Nacional, nesta sexta-feira, durante reunião em Fortaleza. O desagravo e as palmas, puxadas pelo presidente do PT, Rui Falcão, aconteceram no encontro que, mais tarde, teve a participação da presidente Dilma Rousseff.

Ao falar sobre as finanças do PT, em encontro fechado em um hotel de Fortaleza, Vaccari se disse injustiçado e aproveitou para se defender das acusações de que seria um dos beneficiários do esquema de recebimento de propinas da Petrobras e de empreiteiras que mantêm negócios com a estatal.

O tesoureiro afirmou aos integrantes do Diretório Nacional: “Nunca fiz nada de errado”. Vaccari disse não ter “nada a temer” e alegou que vem sendo alvo sistemático de “injustiças”. Ele explicou aos petistas que seus sigilos bancário, fiscal e telefônico estão abertos desde 2000 e que nunca ninguém encontrou nada que o desabonasse.

Sobre as ligações telefônicas captadas pela Polícia Federal com integrantes da direção da Petrobras, Vaccari justificou que foram para marcar encontros, e que, por conta dessas suspeitas de denúncias, tem passado por constrangimentos familiares. Vaccari garantiu aos petistas que sempre participou de encontros com representantes de empresas para captar de forma legal recursos para o partido.

— Tudo o que foi arrecadado foi contabilizado. Eu sei o que fiz — assegurou aos correligionários.

Após suas declarações, os petistas prestaram total apoio ao tesoureiro, aplaudindo-o por vários minutos, liderados pelo presidente do PT, Rui Falcão, segundo relatos de dirigentes presentes à reunião, fechada à imprensa. Falcão também fez elogios a Vaccari.

O mesmo tipo de reação entre os petistas ocorreu na época do mensalão, que atingiu em cheio o então chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu. Após as denúncias e a condenação pelo Supremo Tribunal Federal, Dirceu foi tratado como “preso político” pelo partido, e a cada evento partidário a que comparecia era recepcionado pelos correligionários com gritos de “Dirceu, guerreiro do povo brasileiro”.

Avesso a entrevistas e figura que pouco circula perto de jornalistas, Vaccari foi abordado pelo GLOBO ontem, após almoçar no restaurante do hotel onde se realizava o evento. Ao ser questionado sobre a Operação Lava-Jato e se estava confortável na posição de dirigente do partido apesar das suspeitas, respondeu, irritado:

— Não falo nem nas situações boas, nem nas situações ruins. Por que você insiste em fazer perguntas se sabe que eu não vou responder? — disse, enquanto aguardava o elevador para voltar à reunião.

Vaccari afirmou que ao longo de toda sua vida no PT deu apenas duas entrevistas e que não estava disposto, agora, a dar uma terceira.

O tesoureiro decidiu falar na reunião fechada sobre a sua situação quando os petistas definiam o número de participantes de um congresso nacional que ocorrerá no ano que vem. A dúvida é se seriam chamados 800 ou 1.600 petistas. Ele explicou que, por dificuldades financeiras, seria melhor reduzir o tamanho do congresso. Foi então que resolveu se defender das denúncias.

Apesar do apoio a Vaccari, não houve referência à condução da Polícia Federal na Operação Lava-Jato. Mas, nas conversas, haveria a desconfiança de que a PF estaria querendo colocar o PT como alvo das investigações.
— Houve 13 falas, e ninguém explicitou isso. Se há críticas à PF, são clandestinas. Deve ser aprovada uma resolução à parte sobre a Petrobras, mas no sentido de que o PT não concorda com o que fizeram lá, com os desvios, e que tem mesmo que apurar tudo — disse o ex-líder do PT na Câmara José Guimarães (CE).

Além da situação de Vaccari, o PT discutiu documentos que irão definir os rumos de suas ações. O principal ponto é se reaproximar dos movimentos sociais e de tornar o partido mais transparente, além de superar os problemas de corrupção enfrentados nos últimos anos.

Cúpula petista faz defesa de tesoureiro sob suspeita

• Presidente do partido elogiou Vaccari, aplaudido em evento da legenda

• Petista foi citado por delator como um dos operadores do esquema na Petrobras; sigla pede mudança no governo

Marina Dias, Catia Seabra - Folha de S. Paulo

FORTALEZA - Tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto fez nesta sexta (28) um discurso em sua defesa durante a reunião do diretório nacional do partido, em Fortaleza, e disse que todas as contribuições que recebeu para a sigla são legais.

"Nunca fiz nada de errado", afirmou, diante da plateia de dirigentes petistas.

Vaccari foi citado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa como um dos operadores do esquema de desvios da estatal investigado na Operação Lava Jato.

Após a fala do tesoureiro, o presidente do PT, Rui Falcão, fez breve discurso favorável a ele. Afirmou que "a maior defesa de Vaccari é a sua vida".

O dirigente petista pediu palmas em solidariedade ao tesoureiro e foi atendido.

Vaccari tem dito que é vítima de "injustiça". Para ele, "estão querendo transformar doações legais em ilegais".

No evento, o tesoureiro disse que a quebra de seu sigilo aprovada na CPI no Congresso é "ação midiática" e que isso já foi feito outras vezes, numa referência ao caso Bancoop. "Nunca acharam nada."

O tesoureiro é réu em um processo no qual é acusado de desviar dinheiro da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo), quando era presidente.

Os recursos teriam ido para campanhas eleitorais. O petista reconhece má gestão na Bancoop, mas nega desvios e diz que seu trabalho foi sanear problemas deixados pela administração anterior.

Conforme revelou a Folha, em fevereiro Vaccari esteve numa empresa do doleiro Alberto Youssef, que confessou participar do esquema na Petrobras, dias antes das prisões da Lava Jato. Deixou o local após quatro minutos, mas até hoje não explicou a visita.

A PF apura ainda se investimentos feitos por fundos de pensão de estatais em empresas ligadas a Youssef foram negociados pelo tesoureiro.

Dois fundos, o Petros, dos empregados da Petrobras, e o Postalis, dos Correios, aplicaram R$ 73 milhões e perderam praticamente todo o investimento. Vaccari nega ter participado desses negócios.

Uma das principais bandeiras do PT para o segundo mandato de Dilma Rousseff, a reforma política também foi tema da fala do tesoureiro, que defendeu o financiamento público de campanha. Segundo petistas, a dependência da iniciativa privada abre janela para irregularidades.

Resolução
A cúpula do PT elaborou um documento em que pede mudanças no segundo mandato de Dilma e dedica só um de seus 29 parágrafos ao combate à corrupção. Os petistas prometem divulgar neste sábado (29) um outro texto dedicado apenas ao tema, caro ao partido desde o mensalão.

A corrente Mensagem ao Partido apresentou uma versão com teor mais duro, que foi revisado por Rui Falcão.

O texto proposto pela Mensagem, segunda maior corrente da sigla, pede a expulsão imediata de todos os petistas comprovadamente envolvidos com casos de corrupção.

Defende ainda o afastamento de delegados da Lava Jato que usaram redes sociais para elogiar Aécio Neves (PSDB) e criticar Dilma.

Petistas reclamam do que chamam de "instrumentalização" da PF. Dizem que há delegados querendo "pegar o PT a qualquer custo".

Na resolução política, a menção às denúncias na Petrobras aparece só na penúltima página. Nela, o PT afirma que esta eleição "foi a mais difícil já disputada".

O resumo de Falcão atenua a versão original apresentada pelo secretário-geral do PT, Geraldo Magela. Ele lamentava: "Saímos da situação de partido que mais tinha compromisso com o combate à corrupção para sermos o mais identificado com a corrupção, o que é injusto e inadequado".

Cortar repasses do Tesouro para o BNDES é bom sinal - O Globo / Editorial

• Nova equipe econômica terá de se dedicar inicialmente mais à correção de rumos, para repor as finanças públicas em ordem, do que a avanços inovadores

Anunciado no dia seguinte à apresentação dos futuro ministros da Fazenda e Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, o crescimento pífio do PIB no terceiro trimestre (0,1%) serviu para ilustrar a dimensão das dificuldades que a nova equipe econômica enfrentará. A virtual estagnação, somada a déficits fiscais e inflação elevada, compõe um desafio e tanto.

O contraponto a esta conjuntura difícil começou a ser feito na quinta, quando Levy e Barbosa adiantaram, no pronunciamento que fizeram em Brasília, que perseguirão metas exequíveis, sem camuflagens e contabilidades criativas, nas finanças públicas, tendo como alvo no ano que vem um superávit primário equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB).

Além da busca desse superávit primário, uma outra mudança importante foi também anunciada: o Tesouro deixará de repassar títulos para o BNDES ampliar sua capacidade de financiamento a empresas. Trata-se de uma fórmula esdrúxula que a atual equipe econômica adotou para estimular investimentos — e que não se traduziu em números positivos — porque mascarava a expansão da dívida pública. Em face da renegociação do endividamento de estados e municípios com a União e da acumulação de reservas cambiais pelo Banco Central durante certo período, o país optou por utilizar como principal parâmetro a chamada dívida líquida.

Assim, pela fórmula esdrúxula adotada, embora o Tesouro emitisse títulos, tal operação mantinha inalterada a dívida líquida, porque recebia como contrapartida créditos junto ao BNDES. Mas a dívida bruta, a mais considerada nos parâmetros internacionais, não parou de subir. O Brasil, que vinha alcançando índices confortáveis de envidamento, voltou a se aproximar da “zona de rebaixamento” no conceito das agências de avaliação de risco de investimento.

A repercussão negativa desse tipo de contabilidade, sem que os resultados esperados tivessem se concretizado, levou a atual equipe econômica a reduzir a marcha da transferência de títulos do Tesouro para o BNDES. Mas pelo menos os futuros ministros não insistirão em prosseguir por esse caminho tortuoso de endividamento.

O BNDES exerce função importante na economia brasileira, mas jamais terá condições de suprir todas as necessidades de financiamento dos diversos agentes econômicos. Em economias mais bem estruturadas, essa função é exercida fundamentalmente pelo mercado de capitais, que no Brasil está estancado, depois de um impulso inicial ameaçador.

A nova equipe não conseguirá transformar esse quadro da noite para o dia, mas à medida que as finanças públicas forem postas em ordem, as taxas de juros tenderão a declinar e opções de financiamento acabarão surgindo no mercado de capitais. Os primeiros passos da nova equipe econômica terá de ser mais de correção de rumos do que de avanços inovadores.

O PIB e as lições do fracasso - O Estado de S. Paulo / Editorial

A economia nacional continua presa num atoleiro, movendo-se muito devagar e sem perspectiva de acompanhar o avanço global no próximo ano e talvez no seguinte, de acordo com os novos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sem grande melhora para exibir, o governo pode, no entanto, anunciar o fim da recessão, porque no terceiro trimestre o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,1% maior que no segundo. Mas ficou 0,2% abaixo do nível de um ano antes. Nos detalhes, o contraste ainda foi mais feio. A produção industrial foi 1,5% menor que a de julho a setembro de 2013 e o investimento produtivo, 8,5% inferior. Houve, sem dúvida, alguma recuperação depois do desastre na primeira metade do ano, quando a produção geral encolheu em dois trimestres consecutivos, com taxas negativas de 0,2% e 0,6%. Mas a anemia econômica permanece.

A nova equipe responsável pela economia terá de providenciar boas doses de vitamina, mas, ao mesmo tempo, deverá cuidar dos fundamentos, consertando as contas públicas e contendo a inflação. O déficit acumulado pelo setor público em 12 meses, de 5,01% do PIB, foi um dos mais altos do mundo, embora a presidente Dilma Rousseff insista em dizer o contrário. A estabilidade, como foi dito na apresentação dos futuros ministros da Fazenda e do Planejamento e do presidente do Banco Central, é condição para o crescimento e para a continuidade da inclusão social.

Mas a prosperidade vai depender, em grande parte, da recuperação da indústria, especialmente do setor de transformação, e de volumes de investimento muito maiores que os dos últimos dez anos. O produto da indústria de transformação aumentou 0,7% do segundo trimestre para o terceiro, mas foi 3,6% menor que o de um ano antes, principalmente por causa do mau desempenho dos segmentos automobilístico, de produtos de metal, de máquinas e equipamentos e de aparelhos elétricos. No ano, a indústria de transformação cresceu 3,3% menos que entre janeiro e setembro de 2013, prolongando uma bem conhecida trajetória de crise.

O consumo das famílias diminuiu no terceiro trimestre, mas tem sido, por vários anos, mais que suficiente para absorver um grande volume de bens industriais. Parte crescente dessa demanda tem sido desviada para bens importados, porque a indústria nacional tem sido incapaz de enfrentar a concorrência estrangeira tanto no mercado exterior quanto no interno.

A dificuldade para competir é, em grande parte, explicável pela baixa produtividade, um problema citado na quinta-feira pelo futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele prometeu atenção a esse problema e também à concorrência, ao empreendedorismo e à inovação, igualmente "indispensáveis para o crescimento sustentável". Não deu detalhes, mas um bom primeiro passo será evitar os erros da fracassada política de incentivos e de protecionismo seguida em Brasília nos últimos quatro anos ou pouco mais.

Qualquer política séria de reativação econômica e de aumento da produtividade e do poder de competição terá de envolver uma forte expansão do investimento. Tanto o setor privado quanto o governo terão de investir muito mais. Neste ano, até setembro, a formação bruta de capital fixo - dispêndio total em máquinas, equipamentos, instalações, construção civil e infraestrutura - foi 7,4% menor que nos nove meses correspondentes de 2013. No terceiro trimestre, o valor investido equivaleu a 17,4% do PIB, a menor taxa para esse período desde os 17,2% de 2002.

Desde 2000 a maior proporção de investimento no terceiro trimestre, de 20,7%, foi alcançada em 2008. No primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff o declínio foi quase ininterrupto. A generosa distribuição de benefícios fiscais e financeiros a setores e grupos selecionados foi um amplo fiasco, atestado tanto pelo baixo crescimento da economia quanto pelo pífio investimento empresarial. Igualmente pobres de resultados foram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a política de concessões no setor de infraestrutura. Também nessas áreas, a grande herança para a nova equipe é formada pelas lições do fracasso.

Merval Pereira - Política, amor e ameaças

- O Globo

A política foi tema de duas intervenções paralelas no seminário da Academia da Latinidade que se encerrou na terça-feira passada no Sultanato de Omã. Visões distintas de dois europeus, o italiano Giani Vatimo, um dos maiores filósofos da atualidade, professor emérito da Universidade de Turim, e o espanhol Daniel Innerarity, professor de filosofia política da Universidade do País Basco.

Vatimo, ex-membro do Parlamento Europeu, mas crítico do modelo de democracia representativa, aproveita o livro de Martha Nussbaum "Emoções políticas" para destacar o que considera "as contradições do capitalismo", e ressalta a atuação de líderes carismáticos como Lula, Chavez e Fidel como exemplos de políticos que atuam com base na emoção, que seria um contrapeso à política liberal asséptica em vigor nos países ocidentais e defendida por Nussbaum.

Na contramão, Innerarity faz uma análise dos problemas que a democracia representativa enfrenta e a defende como a mais eficiente para mediar as aspirações da sociedade, mas a vê ameaçada pelo que chama de "era pós-política", uma época de negação da política em que o populismo e o egoísmo na atuação política colocam em risco a própria democracia.

Uma das expoentes da filosofia política nos Estados Unidos, Martha Nussbaum deu a seu livro, publicado pela Harvard University Press o subtítulo "O amor é importante para a justiça". O filósofo Giani Vatimo considera o tema do livro referência de uma época em que ele vê justamente o contrário: uma justiça liberal, respeitosa dos direitos humanos, uma distribuição de pesos e bens sociais, democracia igualitária, mas onde não estão presentes o amor, e mais genericamente, os sentimentos, que poderiam inspirar uma ação de transformação social.

A autora apresenta a questão da justiça dentro dos limites da política liberal, na opinião de Vatimo, sem se aprofundar nas condições necessárias para que exista uma sociedade justa e equilibrada. O filósofo italiano acha que o tema é abordado devido à crise da democracia representativa, que ele chama de "democracia de baixa intensidade", na qual as pessoas não acreditam mais.

Vatimo diz que acontece com as democracias liberais no mundo o mesmo que Marx previu para o capitalismo: alimenta em seu próprio seio aqueles que vão matá-la. O que há de mais liberal do que um debate político centrado na economia, na administração, nos recursos, pergunta Vatimo, ecoando de certa forma os esquerdistas que criticam a mudança no projeto econômico do governo petista.
"Raramente se fala, nesse tipo de política, em projetos generosos e visão de mundo, pois isso seria cair na ideologia, inimiga de toda discussão política sóbria e realista", critica o filósofo italiano. Para ele, as classes dirigentes só se preocupam com o orçamento, com a estabilidade:"Quem se emociona com a estabilidade?", pergunta.

Na opinião de Vatimo, o livro de Nussbaum é permeado por uma atitude conciliadora que corresponde ao clima social das democracias ditas avançadas, que exigem emoções moderadas e regradas, uma sociedade "racional e razoável" que evita os excessos até mesmo nos processos democráticos como as eleições e alternância de poder, sem violência mas também sem alteração na ordem vigente.

Giani Vatimo critica a tendência de sociedades ocidentais que, em vez de se transformarem radicalmente, pensam somente em manter a estabilidade. Ele se refere ao sentimento de indignação que tem movido ações em vários países, a partir da crise financeira que afetou a Europa e os Estados Unidos, e o compara à paixão amorosa que arrebata. Para ele, a reação dos democratas "formais" a atitudes apaixonadas de ação política de líderes carismáticos como Lula, Chavez, Evo Morales é sinal desses tempos de sentimentos controlados.

Para Vatimo, há um componente irracional na política que escandaliza os que querem apenas, apesar dos bons sentimentos, manter a ordem existente. Ele atribui ao capitalismo a imposição de uma vida social neutralizada, onde as paixões devem ser superadas em nome de um cálculo econômico. Por isso, considera o livro de Martha Nussbaum "precioso", por mostrar, mais uma vez, as contradições do capitalismo "de onde podemos esperar que venham ações transformadoras". (Amanhã, a democracia ameaçada)

Renato Andrade - Equilíbrio

- Folha de S. Paulo

O clima de Fla-Flu que impera no cenário político brasileiro nos últimos 20 anos tem impedido uma avaliação mais sóbria sobre os caminhos que o país precisa percorrer para atingir uma situação que equilibre o que é preciso ser feito com o que se deseja atingir.

PT e PSDB, os dois partidos que comandam a cena política federal desde 1994, têm enorme dificuldade em reconhecer os acertos de cada lado. Pelas regras vigentes, admitir que o "inimigo" fez algo relevante é praticamente uma confissão de derrota.

Como ninguém quer sair na rua com essa marca na testa, petistas e tucanos usam e abusam de um sistema binário para interpretar a realidade dos fatos para seus seguidores.

A economia brasileira, entretanto, é mais complexa. Há muito mais cinza entre o preto e o branco desenhado pelos porta-vozes dos dois partidos --irmãos-- que se odeiam.

Joaquim Levy, o ortodoxo, e Nelson Barbosa, o desenvolvimentista, tentaram mostrar na quinta-feira (27) que o cinza é possível e desejável.

As referências acadêmicas são distintas. Os currículos também. Ainda assim, os futuros ministros da Fazenda e do Planejamento chegaram ao Planalto com um discurso afinado.

Controlar receitas e despesas não é sinônimo de abandono dos programas sociais que ainda são fundamentais para calibrar a diferença entre os que vivem muito bem, obrigado, e a massa dos que sacodem diariamente em ônibus e trens.

O discurso econômico é, por vezes, exageradamente cifrado. Levy e Barbosa não diferem muito dos colegas de profissão. Mas há formas simples de entender o que passa pela cabeça dos chamados "formuladores".

Nenhuma família vive de poupança, muito menos só de gastos crescentes. Quem tem dívidas precisa juntar dinheiro para pagar o que deve. Quem pretende comprar uma casa, um carro ou mandar o filho para a faculdade, precisa economizar para fazer esse investimento. Não há solução mágica para essas questões.

Alberto Goldman - Falta de coerência de Dilma, melhor para o Brasil

Felizmente para o nosso País, Dilma não tem coerência, e a nova equipe econômica anunciada para o seu novo mandato, “governo novo, ideias novas” repete, sem qualquer diferença, o que Aécio Neves disse que faria, e o que ela disse que não faria para não provocar desemprego, para não tirar a comida da mesa do trabalhador e para não destruir os bancos públicos: contenção da dívida pública bruta, corte de gastos sem afetar os programas sociais, superávit nas contas públicas sem mandrakaria, isto é, sem “contabilidade criativa”, paralisação das transferências de recursos da União para os bancos públicos incentivando novos investimentos através do mercado de capitais.

Se no código penal existisse a figura do estelionato moral, ela seria inapelavelmente processada e condenada. Não há. Só sobra o julgamento popular.

A nova equipe anuncia reformas na política econômica, mais do que isso, promoverá um desmanche da política Dilma/Mântega. O modelo fracassou e a presidente, seu ministro e o PT fracassaram.

 Quem venceu as eleições, numericamente, pela ampla maioria de votos entre o povo que tem sua subsistência dependente de bolsas governamentais, e presidirá a República foi Dilma Rousseff, mas quem venceu a parada sobre a política que deve dirigir o País nos próximos anos foi Aécio Neves. Coisas da democracia brasileira.

Para a nova equipe a manutenção das políticas sociais depende do sucesso das políticas de estabilização, de investimentos e de crescimento econômico, exatamente o que a oposição dizia insistentemente. Dilma, como qualquer cidadão de mediana cultura e informação, já sabia. Mas o interesse eleitoral a levou a atacar ferozmente aqueles que defendiam as mudanças que agora ela promove, como essenciais para o avanço social.

Se tivesse caráter, ao menos reconheceria o que a sua campanha trouxe de mentiras e desinformação. É pedir demais, não é?

Melhor assim para o País. Abre-se uma perspectiva de superarmos a crise econômica em que vivemos, desde que o que os novos dirigentes tenham as condições reais de realizar a política exposta. Terão? O futuro dirá.

Quanto a ela e seu partido, o povo que diga.

André Singer - Beijando a cruz, parte 2

• Dilma escolheu o credo do capital financeiro

- Folha de S. Paulo

Em artigo publicado no mês de maio de 2003, o filósofo Paulo Arantes afirmava que o primeiro governo Lula havia optado por beijar a cruz, isto é, "vender confiança aos mercados e reduzir os custos da incerteza, que podem ser fatais num sistema desenhado para operar sob a ameaça permanente da morte súbita". Para tanto, via-se obrigado a dar repetidas demonstrações de conversão à ortodoxia neoliberal.

Agora o fenômeno se repete, e não como farsa. Dilma Rousseff, a heroína da resistência à ditadura de direita, a mãe do PAC, a condutora do ensaio desenvolvimentista de 2011-2012, nomeia ministro da Fazenda um liberal duro, da área do PSDB e hoje dirigente de grande banco. Na escolha de Sofia, escolheu o credo do capital financeiro, relegando aos arquivos universitários a linguagem de esquerda utilizada na eleição.

Para além da revolta que grassa entre militantes sinceros da última campanha dilmista, é necessário compreender o significado profundo da opção feita. Um trecho do referido texto de Arantes ajuda a entender, ainda que pela negativa, aspecto importante da situação atual. Citando "alto dignitário" do governo Lula, Paulo considerava que a linha mercadista tinha vindo "para ficar, pois a crise internacional seria permanente".

A realidade, porém, foi algo diferente. Em 2004, a economia mundial cresceu 5%, a maior taxa em décadas, iniciando um ciclo expansionista até 2008. As commodities, de que o Brasil é grande exportador, se valorizaram em 100%, o que não acontecia há vinte anos. Foi então que o lulismo deu o inesperado pulo do gato: utilizou a bonança para melhorar, por vários caminhos, a vida dos pobres, ativando o mercado interno por baixo.

Em 2006, com a ida de Guido Mantega para o mais alto cargo da economia, aumentaram os investimentos públicos e se acelerou a valorização do salário mínimo. Depois, com a troca de guarda no Banco Central, em 2011, houve tentativa combinada de redução dos juros e desvalorização do real, com o fito de estimular a indústria. Em resumo, para surpresa de muitos, comendo o mingau pelas bordas, o lulismo trilhou caminhos considerados heréticos pela ideologia dominante.

Agora, contudo, resolveu começar do zero, voltando a 2003. Teremos novo ciclo de juros altos, corte de gastos e contração, com possível desemprego e diminuição da renda dos trabalhadores. O gesto suscita, de imediato, duas perguntas. Será que desta vez a estranha conjuntura mundial voltará a soprar a favor e, em caso positivo, quando? Será que as classes beneficiadas pela evolução do lulismo terão paciência para o trabalho de Sísifo que ele parece propor à sociedade brasileira?

André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula

Marco Aurélio Nogueira - Nova equipe econômica terá de se ajustar ao segundo governo Dilma

- O Estado de S. Paulo

Duas hipóteses podem ser consideradas para explicar a decisão de Dilma Rousseff de nomear uma equipe econômica tida como “neoliberal” para iniciar seu segundo governo. Uma é fraca, a outra, forte.

A primeira exploraria a ideia de que faltam quadros econômicos ao PT ou afinados com o neodesenvolvimentismo social que o partido tem buscado associar a seu programa. Não é uma ideia razoável. Economistas com este perfil existem, em bom número e com boa qualidade. Poder-se-ia dizer que a maioria deles não é suficientemente íntima do circuito partidário e do mundo político, ou simplesmente não está interessada em travar o jogo duro da gestão econômica, preferindo permanecer na condição de críticos e formuladores. Sempre haverá, porém, quem se disponha a colocar o guizo no gato.

Por outro lado, não seria verdadeira a observação de que os economistas “governistas” não teriam “apoio do mercado”, seja porque ninguém sabe bem o que isso significa, seja porque é da natureza de qualquer economista manter relações com empresários e banqueiros, no mínimo por obrigação profissional.

A segunda hipótese é bem mais forte. Ela afirmaria que, em condições de globalização capitalista altamente financeirizada como a que temos hoje, não há muitas estradas em termos de política econômica. Pode não haver um “único melhor caminho” – máxima extravagante, prejudicada pela excessiva generalidade –, mas são efetivamente pequenas as folgas que dariam margem a políticas alternativas. Em matéria de gestão econômica, faz-se o que o rei manda fazer, e este rei, hoje, não é a Presidência da República ou a política, mas o mercado. É bem verdade que o Estado não se tornou um mero refém e tem como dar sua contribuição para regular os apetites do mercado e organizar políticas para toda a sociedade, mas faz isso sem questionar muito os “fundamentos da economia”.

A criatividade governamental, aliás, está precisamente nisso: organizar uma matriz econômica que, por exemplo, se apoie na expansão das despesas públicas sem desorganizar os equilíbrios macroeconômicos. Foi o que disse Joaquim Levy, futuro ministro da Fazenda, ontem em Brasília: “O equilíbrio da economia é feito para garantir o avanço das políticas sociais”.

A constatação subjacente à frase é incômoda para Dilma: faltou equilíbrio econômico a seu primeiro governo. Reconhecer isso, mesmo que a contragosto e de forma indireta, é o primeiro passo do “mudar mais” anunciado pela presidente quando candidata. Fato que deixou atônitos muitos petistas, que viram no fato “uma regressão da agenda vitoriosa nas urnas”. Como não houve propriamente uma “agenda” submetida às urnas, ficou o dito pelo não dito.

Dilma faltou com a verdade, na campanha eleitoral, quando insistiu que seu segundo governo evitaria todas as propostas aventadas por seus adversários em matéria econômica. Assustou e intimidou a população ao dizer que as ideias de seus adversários tirariam a comida da mesa dos brasileiros. Fez isso orientada pelo marketing e pela necessidade de forçar uma polarização com Marina e Aécio que nunca chegou a ficar clara e que foi radicalizada pra fins exclusivamente eleitorais.

Ela sabia, como sabiam os demais, que o receituário disponível não oferecia tratamentos alternativos. Terminou, mais depressa do que se imaginava, fazendo exatamente o que disse que não faria.

O problema agora é saber como o trio de ferro da Economia se equilibrará no governo como um todo. Antes de tudo, terá de achar seu lugar e sua autonomia na arquitetura governamental e no Palácio do Planalto. O próprio governo ainda não ganhou fisionomia própria e poderá nascer, em janeiro, com desníveis e imperfeições em maior ou menor número, já que ainda estão sendo jogadas algumas cartas decisivas: as da sintonia fina do Governo com o Congresso, os partidos políticos e o PT.

Será preciso aguardar, portanto, os próximos capítulos.

Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política da Unesp

Celso Ming - Quase nada

• Os resultados das Contas Nacionais confirmaram o miserê esperado. Um avanço de apenas 0,1% no terceiro trimestre sobre o trimestre anterior indica que a paradeira continua; Até mesmo o consumo das famílias, antes motor do PIB, mostrou retração, agora de 0,3%

- O Estado de S. Paulo

Sempre que o IBGE anunciou o PIB, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez questão de convocar a imprensa para uma entrevista coletiva em que justificava o justificável ou o in justificável.

Mas, desta vez, preferiu não aparecer. O Ministério da Fazenda emitiu apenas uma nota sem assinatura, carregada de afirmações-padrão. É outra indicação do fim de feira em que se transformou este primeiro período de administração Dilma.

O fracasso da chamada Nova Matriz Macroeconômica já está mais do que reconhecido com a guinada da política econômica anunciada em suas linhas gerais.

Os analistas não têm mais de esquadrinhar os resultados econômicos para expor a homens e mulheres identificados com o interesse público que a política teria de mudar. Apenas balançam os números acompanhados de caras e bocas como quem diz: “Não estava previsto?” Nem o governo tem de desdobrar-se em explicações.

Os resultados das Contas Nacionais confirmaram o miserê esperado. Um avanço de apenas 0,1% no terceiro trimestre sobre o trimestre anterior indica que a paradeira continua. Até mesmo o consumo das famílias, antes motor do PIB, mostrou retração, agora de 0,3%.

Desta vez o ministro não teria como repetir a desculpa recorrente de que o fator responsável pelo mau desempenho da renda nacional é a economia global malparada. Há quatro dias, para o mesmo terceiro trimestre deste ano, os Estados Unidos apontaram o crescimento em bases anuais de 3,9%. Mal ou bem, a área do euro está avançando a 0,8%, provavelmente mais do que o Brasil neste ano. E a China segue ao ritmo de 7,3% ao ano. Ou seja, estamos onde estamos por mazelas nossas.

O investimento (Formação Bruta do Capital Fixo) até que mostrou alguma reação em relação à situação do segundo trimestre: crescimento de 1,3%, que ficou muito longe de compensar a quase tragédia do resultado acumulado no ano: queda de 7,4%. Esse dado é relevante porque o investimento de hoje é o crescimento de amanhã. Se o investimento não corresponde, não dá para contar com mudança de marcha.

Não dá para contar por duas outras razões. Primeira, porque a temporada que começa em janeiro é de ajuste e, nessas condições, não se pode projetar um avanço alentado do PIB em 2015. Segunda, porque o PIB de 2014 produzirá baixíssimo arrasto para 2015. É como começar uma volta rápida a partir de velocidade zero. A Pesquisa Focus, do Banco Central, que incorpora as projeções de cerca de 100 instituições, prevê, em média, um avanço do PIB em 2015 de apenas 0,8%. É um número acachapante quando se leva em conta que será calculado sobre o desempenho medíocre deste ano.

Os defensores do arranjo das políticas econômicas que levaram a esse resultado vinham argumentando que o governo não poderia ser rigoroso no combate à inflação porque acabaria por asfixiar a atividade econômica. Os números mostram que a atividade econômica está asfixiada mesmo com essa inflação no teto. É mais um elemento a demonstrar que a inflação na meta é precondição para o alto nível de confiança na política econômica e para o crescimento sustentado.

Cristovam Buarque - Falta vontade

• Seria preciso investir R$ 9.500 por aluno por ano

- O Globo

Anos atrás, perguntei ao embaixador do Brasil na Irlanda, Stelio Amarante, por que aquele país tinha estradas tão ruins, apesar de uma das melhores educações. Ele respondeu: “Por isso!” Fez pausa e continuou: “Deixaram para investir nas estradas depois da educação.”

No Brasil, sempre que se propõe educação de qualidade, vem a pergunta: “Onde encontrar o dinheiro necessário?” Para responder esta pergunta, o relator de uma comissão do Senado, presidida pela senadora Ângela Portela, concluiu seu trabalho, ainda não debatido pelos senadores, mostrando que o Brasil dispõe de recursos necessários.

A primeira parte do relatório calcula que, para oferecer educação com a máxima qualidade, da pré-escola ao fim do ensino médio, seria necessário investir R$ 9.500 por aluno por ano. Com este valor seria possível atrair e manter no magistério os professores com salário mensal de R$ 9.500; reconstruir e equipar todas as escolas com as melhores edificações e tecnologia da informação e comunicação, e funcionando em horário integral. Para os 52,3 milhões de alunos, estimados para 2034, o custo total seria de R$ 496 bilhões anuais.

Assumindo uma taxa de crescimento do PIB de 2% ao ano — a média, nos últimos 20 anos, foi de 3,1% —, em 2034 o Brasil precisará de 7,4% do PIB. Valor menor do que os 10% determinados por força do segundo Plano Nacional de Educação II. Ainda sobrariam 2,6% (R$ 174,2 bilhões) para os demais setores da educação. Apenas 2,3% (R$ 154,1 bilhões) a mais do que os 5,1% gastos atualmente.

Para identificar a origem destes recursos, foram apontadas 15 fontes. Quatro delas representam redução de gastos, por exemplo, com renúncia fiscal para a venda de automóveis e a redução nos gastos sociais graças à educação, de até R$ 360 bilhões por ano. Caso não haja vontade política para sacrificar os beneficiados por estes gastos e renúncias fiscais, o relatório apresenta sete outras fontes que permitiriam R$ 355 bilhões, por meio da emissão de títulos públicos, uso de lucro das estatais, atuação do BNDES, uso dos recursos provindos do aumento na produtividade graças à melhoria na própria educação. Se estas fontes não forem aceitas, o estudo identificou R$ 174 bilhões oriundos de quatro outras fontes que exigiriam aumento de impostos — como se fosse uma CPMF para a educação e imposto sobre grandes fortunas. A tudo isso se agregaria o valor esperado de R$ 35 bilhões dos royalties do pré-sal. O total das 15 fontes e do pré-sal chegaria a R$ 924 bilhões por ano, de acordo com o relatório ainda a ser votado pelos senadores da comissão, que está disponível em http://bit.ly/1ycAkBA.

Portanto, para cobrir o custo adicional necessário a uma educação ideal em todo o país, bastaria que fossem usados menos de 25% de cada fonte.
A pergunta, portanto, não é mais: “O Brasil tem recursos para fazer a educação que precisa?” Agora será: “O Brasil tem vontade de usar os recursos disponíveis para oferecer educação de qualidade a todos os brasileiros?”

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Miriam Leitão - O PIB em miúdos

- O Globo

Há magros, miúdos, motivos de ânimo nos dados da economia no terceiro trimestre. A feia palavra recessão saiu de cena, já que o PIB ficou em 0,1%. Indústria e investimento subiram um pouco. No geral, o quadro é desolador. A taxa de poupança é a mais baixa em 14 anos. O consumo das família provou que o modelo de crescer incentivando o endividamento se esgotou.

Trocando em miúdos: o país parou no ano de 2014. Não é culpa do mundo. É resultado das escolhas da política econômica que persistiu no erro com uma insistência que não se curvava nem aos fatos da vida. O ministro Guido Mantega, que ainda está no exercício de suas funções, achou que o país cresceria pelo consumo das famílias estimulado pelo endividamento. Ontem mesmo ele repetiu que um dos problemas é a baixa concessão de crédito por parte do sistema financeiro. Mas a verdade é que as famílias tomaram empréstimos, comprometeram seus orçamentos e agora pagam as contas. Orçamento não é elástico e, felizmente, as famílias sabem.

Em tempos de mudança de lógica no Ministério da Fazenda, o magro 0,1% positivo se soma ao novo ânimo de que se possa encontrar, em algum momento, a saída para a estagnação. Pelo menos daqui para diante haverá ministros falando algo que faça sentido em Brasília. A definição da consultoria Rosenberg Associados para o número de ontem foi: “parou de piorar, mas também não melhorou muito.”

O investimento cresceu depois de quatro trimestres seguidos de queda. Mas o recuo acumulado nesse período foi de 11,1%, enquanto a alta foi de apenas 1,3%. Nem de longe recupera as perdas. A taxa de investimento como proporção do PIB caiu para 17,4%, o número mais baixo desde 2007, e muito distante da meta estipulada pelo próprio governo, de subir acima de 20% do PIB.

A taxa de poupança, por sua vez, caiu para 14% do PIB, o número mais baixo para um terceiro trimestre desde o ano 2000. O déficit em conta-corrente na ordem de 4% do PIB — sinônimo de poupança externa — mostra que esse é um dos principais gargalos da economia brasileira atualmente. Somando as duas poupanças (interna e externa) chega-se a um número de 18% do PIB para financiar os investimentos. Muito baixo.

Por isso, a sinalização do novo ministro da Fazenda Joaquim Levy de aumentar o superávit primário é positiva e ajuda a melhorar as expectativas. O primário, além de combater a inflação e controlar a dívida pública, também fortalece a taxa de poupança. Ao invés de o governo gastar com custeio e pessoal, como vem acontecendo nos últimos anos, ele poupará recursos para investir.

É verdade que isso pode deixar a economia mais fraca em um primeiro momento, e esse é um dos motivos pelos quais as previsões para o PIB de 2015 estão baixas, em torno de 1%. Mas ter metas fiscais que se possa acreditar ajudará a mudança das expectativas.

O consumo das famílias recuou pelo segundo trimestre consecutivo, algo que não acontecia há 11 anos. A inflação e o endividamento limitam o orçamento doméstico. A subida dos juros para conter a inflação piora esse quadro num primeiro momento, mas deixar a inflação nesse patamar seria insensato. O IPCA terá que ceder, para depois o ritmo de crescimento voltar a ficar mais forte.

A taxa acumulada de crescimento nos últimos quatro trimestres desacelerou de 1,4% para 0,7%. A expectativa do mercado é que chegue ao final do ano com um crescimento de apenas 0,2%. Ao mesmo tempo, a inflação ficará em torno de 6,4%.

A nova matriz macroeconômica falhou: derrubou o crescimento e alimentou a inflação. A comemoração do miúdo 0,1% é seu melancólico final.

Zuenir Ventura - O dito pelo não dito

• Os novos ministros vieram, sim, para mudar, não é preciso entender de economia para perceber isso, até porque a promessa é de transparência

- O Globo

Dilma, a presidente, está sentindo os efeitos das contradições e da incontinência verbal de Dilma, a candidata. Mesmo antes de assumir, já sabe que tem de adotar as medidas impopulares que na campanha atribuía ao adversário tucano. E, para quem acusou Marina Silva de querer “entregar aos banqueiros a condução da política econômica”, se fosse eleita, não está sendo fácil justificar junto aos seus a opção pelo diretor de um banco para conduzir a política econômica do seu segundo governo.

De fato, as maiores dificuldades para aceitar a escolha surgiram entre seus aliados, não na oposição, que reagiu com ironia: “Joaquim Levy na Fazenda é como colocar um espião da CIA na KGB (Aécio Neves).” Já os petistas não acharam tanta graça. Pelo menos algumas alas — o PT, como se sabe, tem mais alas do que escola de samba — não se conformaram, assim como intelectuais de esquerda e ativistas sociais, que lançaram um manifesto — quando as indicações ainda eram rumores — denunciando a escolha de Levy (e de Katia Abreu para a Agricultura) como uma “regressão da agenda vitoriosa nas urnas” — um fogo amigo com assinaturas de peso, como as do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, do líder do MST, João Pedro Stédile, e do teólogo Leonardo Boff.

Anunciados anteontem, os novos ministros vieram, sim, para mudar, não é preciso entender de economia para perceber isso, até porque a promessa é de transparência. Expressões como “controle rigoroso da inflação”, “aperto das contas públicas”, “corte de despesas” frequentaram o vocabulário dos que estão chegando. Quem resumiu bem o que se pode esperar foi o governador Pezão, colega de secretaria de Levy nos primeiros anos da gestão Sergio Cabral: “A tesoura cantou.” Aliás, o apelido “mãos de tesoura” ele ganhou quando foi secretário do Tesouro do primeiro governo Lula.

O equívoco, porém, é achar que Dilma está errada hoje e não ontem, quando prometia o que sabia não poder dar. Quem deve estar rindo mais uma vez é Marina, que foi ridicularizada quando disse que pretendia “governar com os melhores”. Fingiam desconhecer que ela queria dizer não o óbvio, mas que sua escolha seria por competência, e não por vinculação partidária e ideológica, critérios que a presidente está usando agora.

Por via das dúvidas, como que para tranquilizar os aliados insatisfeitos, Dilma fez discurso também anteontem prometendo: “Vou continuar a priorizar a inclusão social, o emprego, a garantia de direitos, o acesso à educação, a estabilidade política e econômica”, entre outras bondades. Não falou das dificuldades que nos aguardam.

João Cabral de Melo Neto - Espaço jornal

No espaço jornal
a sombra come a laranja
a laranja se atira no rio,
não é um rio, é o mar
que transborda de meu olho.

No espaço jornal
nascendo do relógio
vejo mãos, não palavras,
sonho alta noite a mulher
tenho a mulher e o peixe.

No espaço jornal
esqueço o lar o mar
perco a fome a memória
me suicido inutilmente
no espaço jornal.