sábado, 21 de março de 2015

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Ouvi a presidente dizer que a corrupção 'é uma senhora idosa'. Mas o que é isso? É a conduta errada de pessoas. Nós não estamos discutindo no Brasil que A, B ou C fizeram alguma corrupção. Nós estamos dizendo que uma organização que junto com funcionários nomeados pelo governo, da Petrobras, sustentação por parte de governo, por parte de partidos, ligação com empresas para formar um caixa para ser usado na política, isso é fato novo, digamos. Tem algo disso no mensalão.

Getúlio (Vargas) nunca organizou um sistema para se manter no poder às custas dos cofres públicos, que é o que está acontecendo hoje. Você acha que esse sistema pode ser organizado sem os partidos? Você acha que os governos não percebem? Eu não estou acusando, porque eu não tenho nenhuma prova, mas não posso imaginar que todo mundo seja ingênuo. Em Brasília, todo mundo falava do que acontecia com a Petrobras. (esse sistema) isso é fato novo. Não é a corrupção da senhora antiga. É uma corrupção de uma mocinha de muito poucos anos, um bebê, quase.

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, na noite de quinta-feira (19), em entrevista ao programa "Diálogos", da Globonews

Pacote do MP propõe até extinção de partido

MPF propõe punição a partidos

• Entre as medidas sugeridas por janot também está transformar a corrupção em crime hediondo

Jailton de Carvalho – O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Dois dias depois de a presidente Dilma Rousseff lançar um pacote de medidas anticorrupção, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciou ontem um conjunto maior e mais rigoroso de propostas contra o desvio sistemático de dinheiro público. Entre as propostas de Janot está um projeto que estabelece multa, suspensão e até o fechamento de partidos políticos envolvidos em casos de corrupção. Outro projeto aumenta a pena máxima para os crimes de corrupção ativa e passiva de 12 para 25 anos de prisão. A corrupção de valores altos passaria a ser classificada como crime hediondo, que obriga o cumprimento de uma parte maior da pena em regime fechado.

As propostas do MPF serão enviadas ao Congresso na próxima semana e, a partir daí, dependerão da iniciativa de parlamentares para serem transformadas em projetos de lei. Janot espera que deputados ou senadores interessados no combate à corrupção encampem as propostas. Ele não tem atribuição de propor projetos de lei. As propostas foram elaboradas por procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato e da Câmara de Combate à Corrupção da Procuradoria Geral.

- A corrupção rouba a comida, o remédio e a escola do brasileiro. Quem rouba milhões mata milhões - disse o procurador Deltan Dallagnol, um dos responsáveis pelas propostas.

Testes de integridade e redução de prazos
O pacote prevê ainda instituição de testes de integridade para servidores públicos, extinção de recursos protelatórios e redução de prazos de processos criminais. Também tipifica como crime o enriquecimento incompatível com a renda declarada, facilita o confisco de bens obtidos com dinheiro desviado dos cofres públicos e amplia o prazo de prescrição de alguns crimes.

As propostas já vinham sendo elaboradas por procuradores bem antes das manifestações do último domingo, quando milhares de pessoas saíram às ruas para pedir rigor contra a corrupção. São medidas com potencial de impacto maior até que o pacote anticorrupção lançado quarta-feira por Dilma. Para os procuradores, as propostas do MPF completam projetos de Executivo e Congresso.

Uma das grandes diferenças entre as propostas do governo e o pacote do MPF é a responsabilização objetiva dos partidos políticos e não apenas de políticos ou dirigentes partidários envolvidos em desvios de dinheiro público. Pela proposta, partidos denunciados por corrupção poderão sofrer multas proporcionais aos valores desviados. Nos casos mais graves, poderão ser punidos com suspensão do funcionamento de diretórios por até quatro anos. Em casos de repetição dos crimes, os partidos poderão ser punidos com a perda do registro de funcionamento.

O procurador Nicolau Dino, coordenador da Câmara de Combate à Corrupção, argumenta que a punição de partidos é importante para garantir o equilíbrio nas disputas eleitorais. Muitas vezes, o afastamento de um político ou de um dirigente não tem qualquer reflexo nas campanhas eleitorais, o que estimula o caixa dois.

- É preciso coibir o caixa dois e garantir a igualdade de condições na disputa - disse Dino.

O pacote de Janot também prevê um tratamento ainda mais rigoroso contra a corrupção, que passaria a ser punida com até 25 anos de prisão. As penas seriam estabelecidas de acordo com o valor do suborno. Em casos de desvios acima de até cem salários mínimos (R$ 78 mil), a corrupção seria enquadrada como crime hediondo. Outro projeto fixa a duração de processos por corrupção em no máximo 5 anos. Hoje, processos deste tipo tem tramitação média de dez anos.

O pacote cria testes de integridade para servidores públicos que, segundo Dallagnol, são recomendados pela ONU e por outras entidades internacionais. Servidores seriam submetidos, sem saber, a testes em que poderiam ou não colaborar com práticas criminosas. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse apoiar o pacote de Janot.

- Embora eu ainda não tenha analisado minuciosamente todas as medidas, vejo que elas marcham na mesma linha das propostas lançadas pela presidenta há dois dias - disse Cardozo.

Autor de livros sobre corrupção, o professor Leonardo Avritzer, da UFMG, considera o estabelecimento de prazo máximo para o julgamento de crimes de corrupção a melhor sugestão do pacote. O especialista não gosta da proposta de cassação de partido político envolvido com corrupção. Ele lembra que a legenda representa "uma parcela da sociedade e da opinião pública".

- Por isso, para se cassar o seu registro, seria necessário provar que essa parcela, como um todo, apoiou a corrupção, o que é o caso - diz Avritzer.

PT vê provocação do MPF; tucanos elogiam proposta

- O Globo

BRASÍLIA -  Os líderes dos partidos de governo e da oposição reagiram de maneiras distintas as propostas do Ministério Público Federal para conter a corrupção. O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), classificou o pacote como uma provocação ao partido.

- É uma provocação e que visa agradar ao PSDB. Do jeito que está, parece que tem como objetivo atingir um partido apenas - afirmou Sibá, referindo-se ao PT como alvo de Rodrigo Janot.

Já o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP), disse que se as medidas propostas pelo MPF já estivessem em vigência, todos os condenados no processo do mensalão ainda estariam presos.

- Todo projeto que vise o aprimoramento do sistema penal sempre terá nosso apoio. Esse de ampliar a pena é importante porque tem efeito inibitório, as pessoas vão pensar duas vezes antes de praticar corrupção. Se as penas já fossem como propõe o MP agora, certamente os condenadas no mensalão não estariam soltos - disse Sampaio.

O tucano afirmou ainda que apresentou proposta semelhante esta semana na Câmara.

- Hoje só existe uma hipótese de extinção de partido, que é quando ele recebe dinheiro do exterior. No meu projeto, amplio para que recebimento de dinheiro de crime também cause a extinção do partido. Eles me copiaram.

Dilma só aceita falar em reforma ministerial após ajuste aprovado

• Em visita a assentamento, presidente recebeu apoio do movimento sem-terra

Flávio Ilha* – O Globo

ELDORADO DO SUL (RS) - A presidente Dilma Rousseff indicou ontem que condiciona uma eventual reforma ministerial à aprovação das medidas do ajuste fiscal no Congresso, que considerou "fundamental e imprescindível". Em um evento com agricultores familiares no Rio Grande do Sul, ela fugiu das perguntas sobre troca de ministros, mas não negou essa possibilidade como havia feito anteontem.

- Eu não vou falar dessa questão (da reforma ministerial), eu vou primeiro tratar da questão do Orçamento - disse a presidente, em entrevista, referindo-se ao contingenciamento dos gastos após a aprovação do Orçamento para 2015 no Congresso.

Apesar da defesa enfática do corte nas contas públicos, a presidente teve que ouvir críticas do coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile. Ele aproveitou a presença de Dilma no assentamento Lanceiros Negros, em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, para atacar o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e incentivar Dilma a se aproximar dos movimentos sociais. Num discurso de 25 minutos, quase a mesma duração do de Dilma, Stédile afirmou que nenhum ministro deve "se sentir superior ao povo" e recomendou humildade.

- Ser mais humilde não é para ir para o céu, é para ouvir o povo, as nossas organizações, para saber onde tem problema. Por que o seu Levy não vem discutir conosco? Não é só cortar e cortar. Podemos baixar a taxa de juros. Chame o povo para baixar a taxa de juros - discursou.

MST programa novas manifestações
O líder dos Sem-Terra também criticou o que chamou de "classe média reacionária" que foi às ruas no dia 15 de março para protestar contra o governo. Segundo Stédile, a proposta de impeachment é "golpe, crime constitucional". Stédile anunciou uma nova onda de manifestações a favor do governo para o próximo dia 7 de abril.

- Por que querem derrubar a Dilma, que é quase uma santa? Vocês acham que a Dilma cometeu algum crime? Querem é dar um golpe nos programas sociais. A classe média não aceita assinar carteira de empregada doméstica, nem ver filho de agricultor na universidade. Não é contra o governo, é contra os pobres - disse Stédile. - Companheira Dilma, não se assuste. Deixe o (Miguel) Rossetto cuidando do Palácio e venha para as ruas, onde vamos derrotar a direita e seu plano diabólico.

Dilma participou da abertura da colheita de arroz orgânico de uma cooperativa. Na plateia, havia cerca de 3 mil militantes, a maioria do MST e da Via Campesina. Ela usou um chapéu de colono e discursou criticando a oposição. Classificou quem torce contra o sucesso do governo como "pescadores de águas turvas". E defendeu as medidas de ajuste fiscal mesmo diante das críticas de Stédile.

Na entrevista coletiva após a cerimônia, Dilma disse que não concordava em tudo com Stédile, mas que respeitava suas "sugestões".

- Ele tem a concepção dele, eu tenho a minha. A concepção de um movimento é uma, a de um governo é outra - disse. - É absolutamente democrática a crítica dele. Agora, entre ser democrática e a gente aceitar, há uma pequena distância. (* Especial para O Globo)

Substituições nas pastas começam semana que vem

• Presidente se debruça sobre nomes para troca de cid gomes no ministério da educação

Cristiane Jungblut e Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff deve começar a fazer mudanças na equipe na próxima semana. Pelo menos essa é a expectativa do PMDB da Câmara, que espera a indicação do ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para o Ministério do Turismo. Já o PT defende que a Secretaria de Comunicação (Secom), com a quase certa saída de Thomas Traumann, volte a ter um perfil mais político e citam como modelo os antecessores Luiz Gushiken e Franklin Martins. Um dos nomes citados por petistas para a Secom é o de Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha de Dilma à reeleição. A presidente pretendia indicá-lo para a Autoridade Pública Olímpica (APO), mas os planos mudaram porque ambos avaliaram que sua nomeação seria rejeitada pelo Senado, devido à rebelião da base aliada.

A primeira tarefa de Dilma, no entanto, é indicar um novo ministro da Educação, depois da saída repentina de Cid Gomes. Um dos cotados para a vaga é o ex-ministro José Henrique Paim. Ele teria o apoio do setor educacional e do ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil), braço-direito de Dilma. Já o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), quer emplacar Isolda Cela, ex-secretária de Educação do governo Cid Gomes e atual vice-governadora do Ceará. Outros nomes bem cotados para o MEC são os de Nilma Gomes, da Secretaria de Igualdade Racial, e o educador paulista Mario Sérgio Cortella

'Dirceu me levou ao Chávez e o dinheiro saiu', diz empresário

• Construtora pagou R$ 1,2 mi a ex-ministro para tentar evitar atrasos em pagamentos do governo venezuelano

• Serviço de lobby no exterior é a principal explicação de empresas para repasses feitos à consultoria de petista

Graciliano Rocha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - No segundo semestre de 2011, o dono da Consilux Tecnologia, Aldo Vendramin, bateu à porta do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu para se aproximar do então presidente Hugo Chávez (1954-2013) e tentar evitar os recorrentes atrasos de pagamento do governo venezuelano.

Com sede em Curitiba, a empresa ganhou contratos e aditivos de US$ 416 milhões para construir casas populares na Venezuela.

Entre 2011 e 2013, a Consilux pagou R$ 1,22 milhão para o petista desatar o nó.

"O José Dirceu me levou três vezes para conversar com o Chávez pessoalmente e depois disso o dinheiro começou a sair mais rápido", disse.

"Antes, o governo levava seis, oito meses para pagar cada medição de obra. Depois que o Dirceu entrou no circuito, caiu pra dois meses."

À época do lobby pela Consilux, o petista era réu da ação penal do mensalão.
"Algumas pessoas vieram me questionar por causa dos problemas judiciais dele. Mas, com um sucesso que ele teve lá, você contrataria outro?", justifica Vendramin.

A influência de Dirceu para abrir portas em governos de esquerda da América Latina foi a principal explicação de empreiteiras, empresas farmacêuticas e de bebidas para pagamentos à JD Assessoria e Consultoria Ltda.

Entre 2006 e 2013, a empresa do petista faturou R$ 29,3 milhões, segundo a Receita.

As atividades de Dirceu entraram no radar da Operação Lava Jato por suspeitas de que pagamentos à JD seriam, na verdade, propina paga por empreiteiras citadas no esquema de corrupção da Petrobras.

A Jamp Engenheiros Associados Ltda., que tem como sócio Milton Pascowitch, apontado como operador de propina na Petrobras, pagou R$ 1,45 milhão em 2011 e 2012 à consultoria de Dirceu.

Em depoimento que faz parte de acordo de delação premiada, o ex-vice-presidente da Engevix, Gerson Almada, disse que Pascowitch arrecadava a propina com a empreiteira e a repassava ao então diretor da Petrobras Renato Duque e ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto.

Ao citar Dirceu, contudo, Almada afirmou que o ex-ministro foi realmente contratado pela Engevix para prospectar negócios no exterior.

Em nota, José Dirceu disse ter prospectado negócios para seus clientes no exterior e negou ter tratado de assuntos relacionados à Petrobras.

No caso da Jamp, o ex-ministro diz que o contrato foi para prospecções no Peru e em Cuba, a serviço da Engevix. A Folha procurou a Jamp, mas não obteve resposta aos pedidos de entrevistas.

Colaborou Lucas Ferraz, de São Paulo

PSDB acusa ministro de usar cargo para promover Dilma

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), protocolou uma representação no Ministério Público Federal contra o ministro da Comunicação Social Thomas Traumann, acusando-o de improbidade administrativa pelo uso do órgão para a promoção pessoal e eleitoral da presidente Dilma Rousseff.

Sampaio se baseia em documento sigiloso produzido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência e revelado pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que faz uma análise sobre a comunicação desse segundo mandato.

"Pelo que se extrai do referido documento, em nenhum momento as ações da Secom visavam beneficiar o cidadão brasileiro, mas sim fazer com que a presidente Dilma se viabilizasse politicamente e eleitoralmente", afirma a nota com a representação do partido ao Ministério Público.

O documento da Secom diz que os "eleitores de Dilma e Lula estão acomodados brigando com o celular na mão, enquanto a oposição bate panela e veste camisa verde-amarela. Em seguida, afirma que "dá para recuperar as redes, mas é preciso, antes, recuperar as ruas".

PMDB adapta discurso ao ajuste fiscal e propõe reforma administrativa a Dilma

• Cúpula do partido aliado encampa defesa da austeridade com medo de crise política afetar desempenho nas eleições municipais de 2016; agora, em vez de cargos, peemedebistas pedem redução dos ministérios e dos postos comissionados

Marcelo de Moraes e Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Preocupada em se salvar do turbilhão de escândalos que atinge o governo do qual faz parte e o Congresso que comanda, a cúpula do PMDB vai propor à presidente Dilma Rousseff que faça uma reforma administrativa e “corte na própria carne” no ajuste fiscal. A mudança de estratégia do partido, que até então só aparecia brigando por cargos, foi definida em almoço promovido por Michel Temer, na quinta-feira, no Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República. A ideia é tentar melhorar a própria imagem – descolando-a do fisiologismo e associando-a ao discurso de austeridade – para a campanha eleitoral nos municípios do ano que vem.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo citado na lista de políticos suspeitos de participar do esquema de corrupção na Petrobrás, chegou a defender no encontro a “refundação” do governo Dilma. A ideia é deixar para trás o que parlamentares do partido chamam de “cara de derrota” do segundo mandato de Dilma. “Esse processo é mais amplo do que a simples ocupação de cargos”, disse o líder do PMDB na Câmara, Eunício Oliveira (CE), que também participou do almoço no Jaburu com Temer, Renan e o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga. “A nossa preocupação, hoje, é com a crise política e econômica.”

A proposta que o PMDB vai levar a Dilma inclui o discurso segundo o qual é preciso diminuir o número de ministérios – hoje são 39 – e de cargos comissionados do governo – cerca de 20 mil.

No que se refere à redução de ministérios – 5 são ocupados por representantes do PMDB –, o presidente da Câmara e desafeto do Palácio do Planalto, Eduardo Cunha (PMDB), já havia anunciado que sua prioridade era pôr em votação uma proposta de emenda à Constituição que reduz o número de pastas para 20. Temer e seus aliados do partido, porém, acham que não é caso de impor uma PEC. Primeiro, é preciso negociar com Dilma para que ela encampe a ideia.

Na avaliação interna do PMDB, existe a certeza de que o eleitor cobrará, nas urnas, a conta por apoiar as medidas amargas do ajuste fiscal. Diante dessa perspectiva, o partido entende que o governo precisa enviar uma mensagem clara de que também faz a sua parte, reduzindo o tamanho de sua máquina, economizando despesas e revisando contratos dispendiosos.

Desconfiado. A reforma administrativa sugerida pelo PMDB é vista com desconfiança pelo Palácio do Planalto. Não sem motivo: foi uma das principais bandeiras defendidas na campanha pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), principal adversário de Dilma.

Em conversas reservadas, no entanto, dirigentes do PMDB dizem que “todo empresário em crise corta custo, enquanto o governo prefere aumentar tributos”. Eles argumentam que, do jeito que as propostas do governo estão postas, o ajuste será visto pelos eleitores como algo que “arrocha, desemprega e espreme”. E que aumentos como tarifa de ônibus, conta de luz e de gás são temas muito sensíveis nos debates das campanhas municipais, como as que ocorrerão no próximo ano.

O Planalto avalia que, com todos esses movimentos, o PMDB quer pôr de novo a “faca no pescoço” de Dilma, para pressioná-la a entregar ministérios com mais orçamento e visibilidade. Atualmente, o PMDB controla sete pastas (Minas e Energia, Agricultura, Turismo, Aviação Civil, Portos, Assuntos Estratégicos e Pesca).

No governo, é dado como certo que o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) será integrado à equipe. As negociações em torno de mais espaço para o PMDB numa eventual reforma ministerial, porém, não têm provocado entusiasmo.

O ministério do Turismo, oferecido a Alves, já é ocupado pelo PMDB, com Vinicius Lage, da cota de Renan. A mudança nessa pasta é vista como operação digna de “pisar em ovos”, para não desagradar ao presidente do Senado.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu a Dilma levar o PMDB para a articulação política, mas o partido não quer a vaga. Está de olho em Integração Nacional, considerado um importante instrumento de atuação política, mas insuficiente para livrar a legenda do peso de copatrocinar reformas impopulares.

A análise sobre o custo-benefício da ocupação de determinados cargos, em meio à crise cada dia mais grave, já foi adotada pelo PMDB em relação ao posto de líder do governo no Senado. Desde que Eduardo Braga saiu dessa cadeira para ser ministro de Minas e Energia, a vaga não foi preenchida e o governo segue sem líder na Casa. “Deixamos a indicação para o governo, para o PT”, desconversou Eunício. Não há no PMDB a intenção de expor ninguém para defender o ajuste no momento em que o PT critica as medidas.

De Temer a Sarney, mas longe de petistas

• PMDB no topo da lista de convidados do aniversário de 70 anos de Marta

Juliana Granjeia – O Globo

SÃO PAULO - A senadora Marta Suplicy (PT-SP) festejou ontem seus 70 anos do "lado de lá" do governo. No luxuoso apartamento em que mora com o marido, Marcio Toledo, a senadora recebeu caciques do PMDB e do PSB. O vice-presidente da República, Michel Temer, chegou acompanhado da mulher, Marcela, e logo encontrou o ex-presidente José Sarney, além do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim. Toledo é filiado ao PMDB e colocou sua empresa de investimentos para tratar de cada detalhe da festa. Ele mesmo disparou telefonemas para os convidados, entre eles o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que declinou do convite. Os tucanos ainda hesitam em se aproximar da petista.

Também estavam presentes o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que deve decidir sobre o futuro do financiamento privado de campanhas, e o empresário Naji Nahas, envolvido em escândalos como a Operação Satiagraha. Tereza Collor, ex-cunhada do ex-presidente Fernando Collor e amiga de Marta, também compareceu, assim como Eleonora Mendes Caldeira e seu marido, o empresário Ivo Rosset. Não havia na festa os antigos companheiros da senadora, como o ex-presidente Lula, o único do partido e do governo que tem escapado de suas ferozes críticas. Ali, a pessoa mais próxima da presidente Dilma Rousseff era o cabeleireiro Celso Kamura, que foi apresentado a Dilma pela própria senadora.

PSB na lista
Cada vez mais longe do PT, Marta convidou a alta cúpula do PSB para festejar o aniversário, como o presidente do partido, Carlos Siqueira, o vice-governador Marcio França, que tem articulado o ingresso de Marta no partido, e o senador Fernando Bezerra, ex-ministro de Dilma. Na lista de ex-ministros ligados ao PT estava também Roberto Rodrigues. Apesar de dizer que tinha uma agenda fora da capital, Alckmin tentou evitar algum constrangimento, segundo seus interlocutores, caso a senadora decidisse anunciar ali mesmo sua intenção de concorrer à prefeitura de São Paulo pelo PSB. A aniversariante convidou apenas três petistas para a festa, os senadores Gleisi Hoffmann (PR), Delcídio Amaral (MS) e Walter Pinheiro (BA). Somente Delcídio havia chegado à comemoração até às 23h de ontem.

Marta confirma ida ao PSB em festa de aniversário de 70 anos

• Senadora vai se filiar 'no momento que novo partido achar' adequado e legenda diz estar pronta para recebê-la

Eliane Cantanhêde, Ricardo Galhardo e Thais Arbex - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Em sua festa de aniversário de 70 anos, na noite desta sexta-feira, 20, a senadora paulista Marta Suplicy confirmou ao Estado que vai deixar o PT e se filiar ao PSB. Indagada pela reportagem sobre a data do anúncio oficial da mudança, ela respondeu, enquanto se despedia da cúpula da legenda que foi à festa: “Vai ser no momento que eles acharem que tem de ser”. Segundo o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, já está tudo certo na legenda para receber Marta e a filiação deve ocorrer o mais rápido possível. “Pra gente, quando antes melhor”.

A cúpula do PSB se destacou na lista de convidados da festa. Em contrapartida, o senador Delcídio Amaral (MS) foi o único filiado ao PT a aparecer no evento, no salão de festas do prédio onde vive o namorado de Marta, Márcio Toledo, nos Jardins, zona sul da capital paulista. Além de Siqueira, o vice-governador de São Paulo Márcio França, o senador Fernando Bezerra (PE) e o presidente do diretório paulistano, vereador Eliseu Gabriel, foram convidados.

Do PMDB estão presentes o vice-presidente da República Michel Temer, com a sua mulher Marcela, o ex-senador José Sarney e o ministro de Minas e Energia Eduardo Braga. Também foram no aniversário o ex-ministro e atualmente advogado de empreiteiras envolvidas na Lava Jato, Nelson Jobim, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o advogado Antonio Carlos Almeida Castro, o Kakay, e a senadora do PP gaúcho Ana Amélia.

Quem estava bem à vontade era o cabeleireiro Celso Kamura, que atende tanto Marta quanto a presidente Dilma Rousseff. Aliás, foi apresentado a Dilma por Marta. Da oposição compareceram Roberto Freire e Soninha Francine, do PPS, e o deputado Rodrigo Garcia, do DEM, atual secretário de Habitação do Estado.

Aguardado, o governador Geraldo Alckmin não apareceu, mas o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado, Arnaldo Jardim, marcou sua presença. O PSDB foi representado pelo ex-presidente do partido em São Paulo, José Henrique Reis Lobo.

O prefeito da capital, Fernando Haddad, do PT, não foi convidado para a festa, realizada em um salão dos Jardins no térreo do prédio onde mora o namorado de Marta, Márcio Toledo.
Também foram à festa os empresários Lawrence Pih, do moinho Santo Antônio, Ivo Rosset, presidente do Grupo Rosset. e Joesley Batista, dono da Friboi.

Aliado disputado.O senador Pedro Taques do PDT, partido para o qual Marta cogitou ir, marcou presença bem como o deptuado estadual Campos Machado, presidente estadual do PTB em São Paulo e da base de Alckmin. Seu apoio nas eleições para a Prefeitura da capital paulista no ano que vem é disputado por Marta e por Celso Russomano (PRB) possível candidato à disputa no ano que vem.


Para FHC, corrupção é ‘quase um bebê’

• Em resposta à declaração de Dilma pós-protestos, ex-presidente diz que esquema de desvios na Petrobrás sob investigação é ‘fato novo’

- O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) rebateu a afirmação da presidente Dilma Rousseff (PT) de que a corrupção é uma “senhora idosa” no País. Em entrevista à Globo News, anteontem, o tucano disse que o caso de corrupção na Petrobrás traz algo novo em termosdecorrupção– uma organização estabeleceu um sistema de sustentação de partidos e ligação a empresas para abastecer caixas de legendas. “Isso é um fato novo. Essa corrupção não é uma senhora idosa, é uma mocinha, um bebê quase”, disse o tucano.

FHC repetiu a declaração dada ao longo da semana de que, pela proporção quea corrupção ganhou na Petrobrás, acha impossível que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma não soubessem. A declaração de Dilma foi feita um dia após os protestos de domingo contra o governo. Ao dizer que práticas de desvios são antigas no País, ela rebateu tentativas da oposição de associar corrupção ao seu governo. O ex-presidente afirmou que, em sua gestão, a indicação política para cargos de diretoria na estatal, feita por partidos da base,era mais incomum.Ele disse se lembrar de duas indicações políticas – de José Coutinho Barbosa e do hoje senador petista,mas à época integrante do PMDB, Delcídio Amaral.

‘Fora Dilma’. Embora diga que torce para que Dilma termine seu mandato, FHC disse que o impeachment, diferentemente do golpe militar defendido por alguns grupos, é um instrumento da democracia. E comparou os pedidos de afastamento da petista àqueles vistos em seu segundo mandato (1999-2002). “Esse ‘Fora Dilma’ é como o‘ Fora FHC’. A Dilma hoje simboliza, é alvo dessa irritação. Mas não creio que seja transcrito em passos exatamente para tirá-la do poder.Vai depender da comprovação de delitos e da opinião pública”, avaliou.

Diferenças. Mas o tucano ponderou ver diferenças entre as crises enfrentadas por Dilma e por ele. “Foi diferente. No meu governo eu perdi popularidade, mas não credibilidade, continuei com apoio do Congresso, de setores econômicos.” FHC foi mais crítico ao governo Dilma, mas não deixou de citar Lula. Disse que “dói” pensar que o País não soube aproveitar o boom das commodities da década passada para dar um impulso de desenvolvimento. “Me dói como brasileiro ver a perda de oportunidades históricas e a responsabilidade é do partido que está no poder, sem dúvida.”

Ele disse ainda que, no primeiro momento de crise do governo Dilma, havia uma sensação de que a gestão Lula tinha sido boa e ela havia conduzido mal a sucessão. Mas que, agora, a população passa a identificar como um processo somado e não quer “nem um nem outro”.

Sobre a volta da ditadura defendida por alguns grupos, FHC avaliou que é resultado da falta de coordenação entre as forças políticas. Esse vácuo permite, segundo ele,o alastramento de ideias radicais.“Essa irritação é natural,mas não creio que isso vá prosperar.”

Impeachment de Dilma pode aprofundar caos, afirma Marina

• Ex-ministra volta a condenar pedidos de saída da presidente, mas ataca conduta da petista no combate a crise

José Roberto Castro - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - A ex-candidata à Presidência Marina Silva voltou a se posicionar contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Depois de publicar um artigo em que defendia esse posicionamento no sábado, véspera dos protestos pelo País, a ex-ministra afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico, nesta sexta-feira, 20, que um impedimento da presidente pode "aprofundar o caos".

"A ideia do impeachment, sem que se tenha um fato que diga que há responsabilidade direta da presidente da República, não nos tira do caos. Pode aprofundá-lo", opinou Marina. A ex-ministra, porém, criticou Dilma afirmando que, durante a campanha eleitoral, a petista dizia que os problemas do Brasil eram "só uma dor de cabeça e que se iria curar com analgésico". "Agora se quer dar doses de morfina".

Para Marina, os protestos do dia 15 foram "manifestação fantástica que extrapolou qualquer expectativa". "Eu brincava com o Eduardo Campos: acho que estas eleições são a chance de mudar antes de sermos mudados. Agora temos que nos preparar para ser mudados, a sociedade está nos mudando. Isso não vai parar, não vai arrefecer", disse Marina ao ser perguntada sobre a crise política.

Sobre sua ausência do debate público depois das eleições de outubro, Marina disse que o afastamento não foi um silêncio e que se coloca em "posição de independência". Ela disse, porém, que sua posição é parecida com a do PSB e da Rede. "Eu me coloco em uma posição de independência para poder assumir posição de não ser a priori contra ou a favor, mas olhar no mérito as questões de responsabilidade com o País", afirmou.

Marina ainda repetiu o discurso de sua campanha presidencial ao dizer que não se pode personalizar as conquistas da democracia brasileira nos últimos vinte anos. "O Plano Real não pode ser o plano do Fernando Henrique. (...) Do mesmo modo, a inclusão social não é do PT ou do Lula", disse Marina.

Merval Pereira - Dilma flerta com o perigo

- O Globo

Em busca de apoio político, a presidente Dilma deu mais um passo em falso ontem ao ir ao encontro do líder do MST José Pedro Stédile, aquele cujo exército Lula ameaçou convocar caso a situação política o exija.

Diante do incômodo que a expressão causou entre os cidadãos comuns, e, sobretudo, entre os militares, que fizeram chegar ao ministro da Defesa Jacques Wagner o desconforto com a alegada metáfora, fora de hora por belicosa e por colocar-se em contraponto ao Exército brasileiro, a presidente Dilma não poderia ter lugar mais polêmico para ir do que o assentamento Lanceiros Negros, em Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, sua terra.

E ainda por cima ouviu de Stédile, mais que conselhos, orientações de como deve governar. É bem verdade que a chamou de “quase uma santa”, e prometeu defendê-la dos “golpistas” que falam em impeachment. Mas para tal deu sua receita: disse que nenhum ministro deve “se sentir superior ao povo”, e recomendou que eles sejam “mais humildes” para ouvir “o povo, as nossas organizações, para saber onde tem problema”.

“Por que o seu (Joaquim) Levy não vem discutir conosco? Não é só cortar e cortar”. Stédile chegou a propor a Dilma que chame o povo “para baixar a taxa de juros”. Também criticou a “classe média reacionária” que foi às ruas no dia 15 de março para protestar contra o governo, e anunciou uma manifestação do MST no dia 7 de abril para defender o governo.

Aproveitou para conclamar a presidente da República para sair do Palácio do Planalto e ir também para as ruas. Como da outra vez, dias antes de uma manifestação que já está sendo convocada contra o governo Dilma para o dia 12 de abril. Se havia dúvidas sobre a viabilidade dessa manifestação entre os que a organizam pelas redes sociais, a marcha do MST deve indicar que ela se torna necessária.

Dilma, em entrevista depois dos atos do MST, defendeu o direito de Stédile dizer o que acha, e preferiu criticar os que se manifestaram contra ela nas ruas do país. “Tem gente no Brasil que aposta no quanto pior, melhor. São os chamados pescadores de águas turvas. O que querem não me interessa. O fato é que apostam contra o Brasil. Você não pode apostar contra o seu país”.

Esse naturalmente é mais um equívoco de Dilma, em busca de apoio fora do jogo político tradicional, mesmo que tenha afirmado que não concorda com tudo o que Stédile disse. Essa é mais uma característica dessa crise: a presidente da República é minoritária dentro de seu campo político.

Ela depende do PMDB, do PT, do ex-presidente Lula, e até mesmo do MST, se levarmos em conta que foi atrás dele num momento especialmente delicado da vida nacional, quando as ruas passaram a ser o palco da ação política a favor e contra seu governo e o PT.

A manifestação dos chamados “movimentos sociais” – MST, CUT, UNE - na sexta-feira que antecedeu o grande protesto que colocou mais de 2 milhões de pessoas nas ruas do país contra o governo Dilma, revelou uma fragilização desses movimentos que frustrou o objetivo de demonstrar força contra a “elite de mierda”, como Stédile se referiu à oposição em comício recente na Venezuela em favor de Maduro.

Nada disso impedirá, e ao contrário aumentará a pressão, para uma reforma ministerial desejada, por razões distintas, por todas as forças que fazem parte do grupo político que a sustenta. Dilma terá que resistir entrincheirada no Palácio do Planalto onde acolhe um grupo de apoiadores minoritários entre as diversas facções do PT.

A reforma que a esquerda petista quer não é a mesma do PMDB, e o que o MST quer não combina com o que o governo pretende para o agronegócio brasileiro. Neste momento, o arroubo de negar uma reforma ministerial mais ampla é mais uma tentativa de firmar sua liderança, e deixar de ser vista como um fantoche do Lula.

Mas é uma tentativa que tem pouca chance de vingar, pois ela não tem força política para esse tipo de arroubo. Corre o risco de queimar a língua mais cedo do que se pensa.

José Roberto de Toledo - De achacados e achacadores

- O Estado de S. Paulo

Se o Twitter servisse de termômetro, Cid Gomes teria se saído menos pior aos olhos do público do que Eduardo Cunha, no bate-boca entre o ex-ministro da Educação e o presidente da Câmara. No mundo real, Cid perdeu o cargo por causa de quem chamou de achacador. No virtual, o peemedebista teve uma menção positiva para sete negativas - segundo levantamento do Ibope DTM. No caso do cearense a proporção também foi negativa, mas "só" de 2 para 1. Cunha não perdeu o sono por causa disso.

O tuíte mais popular sobre o presidente da Câmara foi escrito pela ex-deputada Luciana Genro, do PSOL gaúcho: "Parece que Dilma entregou a Presidência para Eduardo Cunha; agora ele anuncia demissão de ministro". É um bom resumo do que foi a repercussão do episódio na opinião pública: Cunha reforçou sua fama de mau às custas do enfraquecimento do governo.

O caso poderia virar episódio de House of Cards, o seriado político mais badalado do Netflix. Na série, o protagonista Frank Underwood vive às últimas consequências o seu moto: "As pessoas respeitam o poder, não a honestidade". Underwood sai da liderança do partido governista no Congresso para a Presidência dos EUA sem receber nem sequer um voto. Ao tomar posse da Casa Branca, zomba: "Democracia é tão superestimada".

Em Brasília, Cunha deu mais uma demonstração de força graças a Cid. Fez média com os colegas ao posar de defensor da categoria e ainda ganhou manchetes. Não agradou todo o eleitorado, só a parte que lhe interessa. De quebra, obscureceu a divulgação do plano anticorrupção do governo. Cunha recebeu mais do que o dobro de menções no Twitter do que o pacote de Dilma.

Esse caso mostra, pela enésima vez, que a principal força de oposição à presidente e ao PT é interna, não externa. O PMDB e seus líderes são capazes de impor mais desgaste ao governo do que qualquer partido de oposição, muito mais do que o PSDB. Não que os peemedebistas precisem se esforçar para isso.

Na maioria das vezes, os dilmistas oferecem a oportunidade para o PMDB dar o troco e sair por cima. Isso aconteceu sempre que os petistas tentaram uma manobra para enfraquecer o suposto aliado. Cunha e Renan Calheiros se elegeram presidentes da Câmara e do Senado, inviabilizaram o novo partido de Kassab - que o PT sonhava contrapor ao PMDB -, criaram CPIs que são uma espada sobre a cabeça do governo e guardam na manga a carta do impeachment. Como diz Frank, "amigos viram os piores inimigos".

Onde não estamos. Foi mais uma trapalhada de comunicação. Conheceu-se o diagnóstico - ou um diagnóstico - que o primeiro escalão federal faz da situação política do governo: "Caos". São oito páginas sobre o que seriam as causas que levaram Dilma a uma impopularidade sarneyziana, e raras menções à economia. Quando muito, para dizer que a militância petista não compreendeu o ajuste proposto, ou que não adianta falar que a inflação está sob controle.

Ao menos a presidente desqualificou o documento. Pelo que disse em sua entrevista coletiva e reforçou em declarações subsequentes, Dilma parece ter se dado conta que não lhe resta outra saída senão aprovar o ajuste fiscal de Joaquim Levy no Congresso - o que significa, basicamente, cortar gastos. E que não há como conseguir os votos necessários para aprovar os cortes sem engolir sapos do PMDB. Azia é melhor do que inanição.

A culpa é do Supremo. Seminário conjunto da FGV e da USP sobre reforma política. Alguns dos melhores cientistas políticos do País, e uma conclusão: a culpa é do Supremo. Não tivessem os ministros do Tribunal acabado com a cláusula que barrava os partidos nanicos nem dado tempo de TV e dinheiro a partidos de ocasião, não se falaria em reforma política. Aliás, estudo apresentado lá mostra que, pela história, não se falará mais no assunto já em agosto. Ainda bem.

Igor Gielow- Eles só pensam naquilo

- Folha de S. Paulo

Todo mundo nega no andar de cima da política. Cacique nenhum, na oposição ou na base aliada, quer a pecha de conspirador. Mas todos só pensam naquilo.

No quê? Nos cenários pós-Dilma. Pode ser apenas o açodamento natural de políticos vendo, nas palavras dirigidas ao patíbulo de Cid Gomes na Câmara por um obscuro deputado, o barco prestes a afundar.

Que o petroleiro (ops!) está abalroado, é certo. Coloque numa sentença as palavras protestos, Lava Jato, Datafolha, Congresso e ajuste. Dilma vive a maior crise já registrada para um presidente em início de mandato.

Se a embarcação vai a pique é outra história, daí a prudência dos capitães. Mas, após os protestos do dia 15, o time majoritário dos que queriam um parlamentarismo branco viu o clube do impeachment encorpar.

Michel Temer repentinamente virou galã de novela, como se diz, para um certo PMDB. O cordato vice, aliás, não pode nem tomar um chá com oposicionistas que já aparecem petistas gritando "Judas!", como se não estivessem a pensar "Lula!" o tempo todo --ou você acha que o ex-presidente não joga seus dados na mesa?

Na oposição, o PSDB namora o PMDB no ambiente da CPI da Petrobras, ensaiando uma transição na eventualidade da ruptura. Um cenário: o governo Temer "itamarizado" com figuras tucanas mirando 2018.

Outra hipótese: impeachment ou impugnação de chapa Dilma-Temer, devido a problemas com as contas de 2014 desvelados na Lava Jato.

Neste caso, entra o "timing". Sim, já se discute a conveniência de uma eleição direta contra um Lula em chamas, no caso de algo ocorrer até 2017. Depois disso, é eleição indireta, e já há até nomes na praça.

Golpismo? Não, política. Para mudar a maré, que por gravidade favoreceria os mais moderados, Dilma precisa de governabilidade e do estancamento da crise econômica. O nó é que ambas as coisas são interligadas, mas com velocidades próprias.

Cristovam Buarque - Vigília permanente

• Não basta diálogo, é preciso entendimento

- O Globo

Nas democracias, o povo vai às ruas quando o descontentamento com o governo se alia à descrença com a oposição; e quando governo e oposição não se entendem para promover a reorientação do país, superando as razões de descontentamento e descrédito.

Após as últimas manifestações, o governo afirmou que os que foram às ruas eram os eleitores do opositor da candidata Dilma. Em vez de estimular esse terceiro turno eleitoral, a presidente Dilma deveria reconhecer que os brasileiros têm razões para estarem descontentes: a imensa diferença entre as promessas do marketing de campanha e as medidas tomadas nos primeiros dias de governo; a inflação e o aumento nas tarifas de luz e no preço dos combustíveis; o desemprego crescente; a corrupção e a devastação da Petrobras; o corte de verbas na Educação; os equívocos do Fies, o baixo desempenho no Enem; a sensação de desamparo, insegurança e incerteza da população; o sentimento de falta de rumo do país.

É assustador perceber que o Brasil está mergulhado em tamanha crise sem que o governo reconheça seus erros, e sem que a oposição perceba que, embora a culpa seja do governo, o problema é de todos, e devemos tomar as decisões necessárias para salvar o Brasil e reorientar o futuro. O governo precisa, em primeiro lugar, fazer uma análise crítica das causas de nossa atual situação e dos erros cometidos, na administração das contas públicas, na gestão de economia e na montagem da infraestrutura. Em segundo lugar, precisa fazer um mea culpa. E em terceiro, em vez de acenar com essa vaga ideia de que está aberto ao diálogo, fazer um convite a todas as forças políticas e sociais rumo a um entendimento para reorientar o país.

Não basta diálogo, é preciso entendimento. Que oposição e governo componham um programa de médio prazo com um ajuste fiscal imediato, que:

— Tenha eficiência para cobrir o rombo das contas públicas;

— Seja justo para proteger os mais pobres dos custos necessários;

— Defina uma estratégia que preserve os investimentos essenciais ao crescimento econômico;

— Tenha legitimidade decorrente desse entendimento entre os partidos da base governista e políticos de todos os matizes, além de trabalhadores, empresários e comunidade intelectual;

Para que seja possível combinar esses princípios, em parte contraditórios, o ajuste deve ser gradual, programado ao longo do tempo, sem o choque que sacrifique o presente, nem o populismo que sacrifique o futuro.

Dificilmente isso será proposto pelo governo, ou aceito pela oposição.

Por isso, a porta para o entendimento necessário à superação da crise só será aberta se a população estiver em clima de manifestação permanente, pacífica, dentro da rotina do dia a dia, carregando faixas e falas aos seus locais de trabalho, usando as redes sociais. Fazendo do Brasil uma imensa praça, em vigília permanente, até que as lideranças nacionais se entendam no propósito de salvar o Brasil.

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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Demétrio Magnoli - Chefe de facção

• O 15 de março refinou a crítica das Jornadas de Junho, associando a corrupção a um governo e um partido

- Folha de S. Paulo

Sondagens de opinião são ferramenta eficiente no marketing comercial e, embora superestimadas, têm seu valor no marketing político. Usá-las, porém, na interpretação de cenários sociológicos complexos equivale a praticar cirurgias delicadas com faca de cozinha. Ouvindo manifestantes do 15 de março, o Datafolha concluiu que a mensagem predominante foi o repúdio à corrupção. O óbvio, no caso, é quase uma falsificação. Nas ruas, os alvos evidentes eram Dilma Rousseff e o PT. Os protestos, de dimensões históricas, foram muito além da generalidade sugerida pelo instituto de pesquisa.

As Jornadas de Junho de 2013, deflagradas pela repressão a pequenas passeatas contra reajustes de tarifas dos transportes públicos, não foram "pelos vinte centavos". O tema da corrupção, emoldurado pela paisagem da farra da Copa, é que movia multidões sem broches partidários ou insígnias de "movimentos sociais". Naquele mês louco, contudo, os protestos dirigiam-se contra toda a elite política, responsabilizada pelo desvio de recursos públicos que deveriam ter como destino a educação, a saúde e os transportes urbanos. O 15 de março refinou a crítica, associando a corrupção a um governo e um partido. É por isso que o Planalto treme.

Nas democracias, apuradas as urnas, o derrotado congratula o vencedor. O gesto simboliza o reconhecimento do eleito como representante de todos, inclusive dos que não votaram nele. O 15 de março assinalou a deslegitimação de Dilma. Os manifestantes disseram que ela não é mais vista como a presidente de todos, mas como a chefe (ou subchefe?) de uma facção. A conclusão deriva tanto do escândalo na Petrobras quanto do estelionato eleitoral. Na leitura das ruas, Dilma aceitou a transformação da estatal em ferramenta de financiamento de um sistema de poder e mentiu aos brasileiros sobre a economia.

O Brasil experimentou um levante contra uma engrenagem específica de corrupção: a subordinação do Estado a uma facção política. A queda vertiginosa dos índices de aprovação do governo revela que o 15 de março espelha os sentimentos de uma maioria esmagadora, em todas as regiões e classes de renda. As estratégias de reação do governo, sopradas por Lula, interditam os estreitos caminhos de restauração da legitimidade perdida.

"Nós contra eles." O "diálogo" de Dilma é com o PMDB e o lulopetismo, não com a sociedade. Numa ponta, tentando refazer o tecido da base aliada no Congresso, a presidente entrega o poder a Eduardo Cunha e Renan Calheiros. A demissão de Cid Gomes, o boquirroto, é um marco na instalação desse parlamentarismo bastardo, que equivale a um segundo estelionato eleitoral. Na outra ponta, o Planalto manobra para aquecer a base militante petista, piscando um olho para os órfãos da reviravolta na política econômica. O documento sigiloso da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) ilustra esse impulso desastroso, que é o caminho mais curto rumo ao impeachment.

O texto dos sábios da Secom é uma confissão de culpa. Nele, recomenda-se violar os preceitos constitucionais sobre a publicidade oficial, concentrando a propaganda federal em São Paulo para "levantar a popularidade do Haddad" e, assim, "recuperar a popularidade do governo Dilma". Paralelamente, sugere-se centralizar o comando da "guerrilha na internet", coordenando as ações do governo, do PT e dos blogueiros chapa-branca (os "soldados de fora", na precisa definição da Secom). É a primeira admissão oficial de que a máquina estatal foi capturada por uma facção política, discriminando os cidadãos segundo a cor da camisa que vestem.

Dilma perambula, de olhos vendados, à beira do abismo. O anteparo que ainda existe é a mureta erguida entre as ruas e os partidos de oposição, um vestígio persistente das Jornadas de Junho. A chefe de facção perdeu o controle sobre o seu destino.

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Demétrio Magnoli é sociólogo

Limites do governo nas medidas anticorrupção - Editorial / O Globo

• O Planalto se preocupa em salvar empresas envolvidas no petrolão e ainda sofre o constrangimento do fato de o partido da presidente ser o grande protagonista no escândalo

Ainda sob o impacto das manifestações durante o dia de domingo e do som de panelas à noite em algumas capitais enquanto ministros tentavam, na TV, responder aos protestos, o governo da presidente Dilma apresentou na quarta-feira um pacote anticorrupção. Nele, ingredientes requentados e alguma coisa nova, mas atrasada no calendário do combate aos “malfeitos”. Entende-se a sofreguidão do Planalto em dar resposta às ruas. Mas anunciar medidas apenas pelo impacto publicitário delas não leva a muito longe.

O histórico dos governos do PT no ramo da melhoria do arcabouço legal da repressão à corrupção não é brilhante, e mostra que eles costumam mais reagir a fatos do que se antecipar a eles. E mesmo assim, anunciado o pacote, propostas ficam pelo caminho, até vir o próximo escândalo. Em 2005, depois de denunciado o mensalão, o presidente Lula e sua ministra-chefe da Casa Silva, Dilma Rousseff, foram juntos à apresentação de um desses pacotes. Pois no anúncio de quarta-feira foi incluído um item de 2005, o da tipificação do crime de enriquecimento ilícito. Ficara pelo caminho, e agora foi pedido regime de urgência para sua tramitação no Congresso. Algo emblemático.

Para aumentar o peso do conjunto de propostas, incluiu-se nele a regulamentação da Lei Anticorrupção, de 2013, já feita por estados e municípios. A União deixou o assunto para depois.

É da natureza dos pacotes abrigar até mesmo boas iniciativas. Caso da criminalização do caixa dois na política e da exigência de ficha limpa para todos os servidores públicos.

O governo transita com cuidado nesse terreno. Além do fato de o partido da presidente ser o grande protagonista nos escândalos, ela se preocupa com que as punições no petrolão não inviabilizem as empreiteiras cúmplices do esquema que assaltou a Petrobras. É uma cirurgia difícil, pois há o risco de beneficiar acionistas corruptores em nome da sobrevivência da pessoa jurídica. A filosofia do Proer (saneamento de bancos) é a indicada, embora o mercado financeiro seja diferente: a instituição é mantida, mas o acionista responde pelo prejuízo. Melhor alternativa seriam soluções de mercado: compra de empresas condenadas por outras, mesmo estrangeiras. E por que não?

A arma mais eficaz contra a corrupção tem sido a ação da Justiça, MP e PF. Não atrapalhá-los já é grande ajuda. Os dirigentes petistas até costumam se vangloriar da ação da PF, mesmo que a instituição, típica de Estado, tenha razoável margem de autonomia.

Não há grande área de manobra para o Planalto. Tanto que a iniciativa de órgãos do Executivo na assinatura de delações com empresas causa preocupação no MP, que teme que elas se satisfaçam com acertos na área administrativa e não colaborem nos processos penais do petrolão. É ruim para a imagem do Planalto tentar proteger companhias com longa experiência no convívio com poderosos.

Como cego em tiroteio – Editorial / O Estado de S. Paulo

Promover uma reforma ministerial menos de três meses depois do início do mandato equivale a uma confissão de incompetência comprovada pelo malogro da tarefa política elementar de montar uma equipe de governo. Esta é provavelmente a razão principal pela qual a presidente Dilma Rousseff se recusa a admitir que a demissão de Cid Gomes do Ministério da Educação tenha sido o primeiro passo na promoção, mais do que de uma reforma ministerial, de um realinhamento político indispensável à conquista de condições mínimas de governabilidade. Mas o fato é que a presidente da República, embora não possa ignorar que precisa agir rápida e eficientemente para se livrar da crise da qual se tornou refém, parece não ter a menor ideia do caminho a seguir. Está perdida como cego em tiroteio.

Dilma Rousseff é teimosa, mas é impossível que já não tenha desconfiado de que cometeu um erro gravíssimo ao imaginar que a reeleição lhe assegurava força política suficiente para reunir em torno de si, no círculo mais íntimo da equipe de governo, uma turma selecionada com base no critério de identificação, mais de que com as suas crenças, com o seu modo autossuficiente, autoritário e arrogante de fazer política. E foi assim que, abraçada a Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Pepe Vargas, Dilma cometeu a supina imprudência de confrontar o PMDB na eleição para o comando da Câmara dos Deputados.

A partir desse desastre, a relação de Dilma com o Congresso deteriorou-se por completo. Imediatamente Lula entrou em cena para recomendar à sua pupila o óbvio: a substituição do time de trapalhões da articulação política que a cerca e, num plano mais amplo, a abertura de espaço no Ministério para a composição com o PMDB.

A essa altura dos acontecimentos Dilma se encontrava, no plano político, diante do mesmo desafio que já enfrentara no âmbito da gestão econômico-financeira: fazer concessões. Antes mesmo de tomar posse do segundo mandato, a presidente já se convencera de que a gravidade da crise econômica no País impunha a adoção de medidas duras para atacar o descontrole das contas públicas. E, desmentindo tudo o que afirmara na campanha eleitoral, escalou uma equipe econômica "neoliberal" para enfrentar o desafio.

Agora, diante de um enfraquecimento geral do Executivo que ameaça comprometer seu programa de governo, Dilma encara a necessidade de fazer concessões também na área política. Mas resiste a estas muito mais do que resistiu àquelas na área econômica. Talvez pelo fato de a política ser mais suscetível do que a economia à influência de fluxos biliares. Também porque, se o temperamento da presidente não ajuda em tempos normais, que dirá quando ela se sente acuada pelo clamor das ruas e pela vertiginosa queda de popularidade.

Como também na política a toda ação corresponde uma reação em sentido contrário, as lideranças políticas com que Dilma contava estão se dispersando. O próprio PT tem-se comportado, no Congresso e nas ruas, mais como oposição do que como partido do governo, principalmente quando se opõe às medidas de ajuste fiscal. O descontentamento - de natureza variada - já leva alguns petistas ilustres, como os senadores Paulo Paim e Marta Suplicy, a cogitar deixar o partido. Paim disse que tomará essa decisão se o governo insistir no que chama de "arrocho" do ajuste fiscal. Marta decidiu há mais tempo e está a caminho do PSB.

Chama a atenção também o distanciamento progressivo do governo do vice-presidente da República, Michel Temer, que se cansou de ver-se marginalizado das decisões políticas mais importantes do Planalto, sendo também presidente nacional do PMDB, e recentemente tem intensificado contato com líderes da oposição, como os tucanos Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aécio Neves e o democrata ACM Neto, prefeito de Salvador.

É sintomático também da completa desorientação a que Dilma parece entregue o fato de que até seu criador, o ex-presidente Lula, tem dado mostras de impaciência e irritação com o fato de que ela apenas "finge que escuta" seus conselhos. A presidente teima. Mas não escapará de brevemente anunciar mais uma troca "pontual" de ministros.

Arroubo orçamentário – Editorial / Folha de S. Paulo

• Congresso amplia fundo partidário, medida que, na contramão do que seria recomendável, incentiva a multiplicação de legendas

Em fevereiro, ao aprovarem o repasse obrigatório de recursos para emendas parlamentares, deputados e senadores já haviam demonstrado o quanto se pautam antes pelas próprias conveniências do que pelos interesses do país. Agora, ao votarem o Orçamento de 2015, deram um passo a mais no caminho da desfaçatez.

A peça que saiu do Congresso rumo à sanção presidencial reserva para o fundo partidário neste ano nada menos que o triplo do valor proposto pelo Executivo. O montante saltou de R$ 289,5 milhões para R$ 867,5 milhões.

O aumento, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais condenável quando se tem em mente que o governo busca aprovar medidas para reequilibrar as contas públicas. As iniciativas, como aumento de tributos e cortes de gastos, deveriam se distribuir por todos os setores da sociedade.

Sem que exista razão para isso, os parlamentares parecem julgar-se membros de um grupo especial, merecedor de todo tipo de regalias e imune ao racionamento financeiro.

Essa avidez por recursos públicos decerto não ajuda a recuperar a imagem do Congresso, deteriorada como em poucas vezes na história. Segundo pesquisa Datafolha feita nesta semana, 50% dos brasileiros consideram ruim ou péssimo o desempenho dos legisladores, e só 9% aprovam seu trabalho.

A esses dois argumentos conjunturais --a situação econômica do país e a baixa popularidade do Legislativo-- ainda se soma um terceiro motivo, estrutural, para censurar a ampliação do fundo partidário. Os efeitos da medida vão na contramão de um raro consenso de reforma política: a necessidade de diminuir o número de siglas.

Garantido pela Constituição de 1988, o fundo surgiu com vistas a fortalecer as legendas, assegurando sua diversidade e autonomia financeira. Seus recursos provêm sobretudo do Orçamento da União, mas também de multas aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Nos últimos anos, de forma discreta, os congressistas vinham incrementando essa fonte de receita. Se abandonaram o comedimento, foi porque a multiplicação de partidos na Câmara pulverizou as quantias distribuídas. Em 1994, havia 16 legendas representadas nessa Casa; o total passou a 22 em 2010 e chegou a 28 após o último pleito.

Deve-se considerar, além disso, que a Operação Lava Jato pode afugentar doadores. O fundo partidário, nesse caso, transforma-se, para as agremiações mais afetadas, numa espécie de seguro --pago com o dinheiro do contribuinte.

Se estivessem interessados em melhorar o sistema político, os legisladores poderiam ter aproveitado o momento de aperto para levar adiante discussões sobre uma cláusula de desempenho, a fim de que agremiações pouco representativas tenham direito a pouquíssimo tempo de TV e acesso limitadíssimo ao fundo partidário.

Fizeram o contrário, contudo, reforçando a percepção de que, no Brasil, criar partidos é sempre um ótimo negócio.

Celso Ming - Sobre falar e calar

- O Estado de S. Paulo

O peixe morre pela boca — diz antigo ditado popular. Todas as culturas e todas as línguas têm advertências assim contra linguarudos. Só em português, há mais de trinta: “falar é prata, calar é ouro”; “em boca fechada não entra mosca…”

Na semana passada, o agora ex-ministro da Educação Cid Gomes provou dessa lógica por ter declarado na quarta-feira que “no Congresso, há 300 ou 400 achacadores”.

Nem sempre a lógica prevalece. Em 1993, o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva disse quase a mesma coisa. Disse que “no Congresso há 300 picaretas”. E, no entanto, a fala de Lula continua lembrada, sem contestação e sem consequência, nem para ele nem para os picaretas.

Quinta-feira, nas raras vezes em que quebrou o silêncio na CPI que investiga a corrupção, o ex-diretor da Petrobrás Renato Duque citou passagem do livro do Eclesiastes: “Existe uma hora de falar e uma hora de calar”. Mas ele próprio não vem conseguindo evitar os efeitos da abertura de outras bocas, as daqueles que optaram pelos benefícios da denúncia premiada.

Em 1994, o então ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Rubens Ricupero, foi surpreendido ao confessar inadvertidamente, com os microfones do sinal da antena parabólica ligados, que “o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. Teve de pagar o sincericídio com a demissão, consequência então inevitável, mas, decididamente, não merecida.

Em 2005, a então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, repeliu o pacote de ajuste do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com uma frase que saiu em todos os jornais: “Esse ajuste é rudimentar”. Quem pagou pelos pecados foi Palocci, e não Dilma.

Há 22 dias, o atual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou diante de todos os microfones que a política de desonerações colocada em marcha no governo anterior da presidente Dilma, pelo então ministro Guido Mantega, “aplicou um negócio que era muito grosseiro, uma brincadeira que nos custa R$ 25 bilhões por ano”. Embora a diferença semântica entre os adjetivos “rudimentar” e “grosseiro” seja desprezível, Levy foi repreendido pela presidente. Ela afirmou publicamente que o ministro Joaquim Levy fora “infeliz”.

Mas eis que nada como um dia após o outro. Na segunda-feira, a própria presidente Dilma pareceu dar razão ao ministro Levy quando reconheceu que o governo pode ter “errado na dose” na política econômica.

E nessa última quinta-feira, foi a vez do ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, dar razão ao ministro Levy: “Desoneramos demais os impostos, além do que podíamos”. Nem a presidente Dilma nem ninguém rebateu que Mercadante foi infeliz, como Levy fora duas semanas antes.

Declarações de autoridades às vezes têm força política, outras, não têm. E por quê? Comunicação é isso. Prevalece não o que se diz, mas o que o outro entende. Além do que, “a política é como nuvem”, dizia em 1968 o então chanceler Magalhães Pinto; “você olha e está de um jeito; olha de novo, e já está de outro”.

Manuel Bandeira - Recife

Há que tempo que não te vejo!
Não foi por querer, não pude.
Nesse ponto a vida me foi madastra,
Recife.
Mas não houve dia em que te não sentisse dentro de mim:
Nos ossos, os olhos, nos ouvidos, no sangue, na carne,
Recife.
Não como és hoje,
Mas como eras na minha infância,
Quando as crianças brincavam no meio da rua
(Não havia ainda automóveis)
E os adultos conversavam de cadeira nas calçadas
(Continuavas província,
Recife).
Eras um Recife sem arranha-céus, sem comunistas
Sem Arraes, e com arroz,
Muito arroz,
De água e sal,
Recife.
Um Recife ainda do tempo em que o meu avô materno
Alforriava espontaneamente
A moça preta Tomásia, sua escrava,
Que depois foi a nossa cozinheira
Até morrer,
Recife.
Ainda existirá a velha casa senhorial do Monteiro?
Meu sonho era acabar morando e morrendo
Na velha casa do Monteiro.
Já que não pode ser,
Quero, na hora da morte, estar lúcido
Para mandar a ti o meu último pensamento,
Recife.