domingo, 26 de abril de 2015

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira

Se olharmos de relance a história de nossos mais importantes partidos políticos - do PTB, da UDN e do PCB ao MDB, ao PT e ao PSDB -, podemos ver que conheceram seu auge quando foram influenciados por homens de cultura, os quais forjaram as ideias que impulsionaram a atuação e a identidade dos partidos. Por extensão, atraíram outros intelectuais e transferiram qualidade ao conjunto da vida política, produzindo uma cultura que desceu para a sociedade.

O que vemos hoje? Bons políticos existem, com certeza, e muitos deles têm formação intelectual. Mas não temos mais, na política, quadros da estatura intelectual de Julio de Mesquita, Astrojildo Pereira, Alberto Pasqualini, Caio Prado Júnior, Carlos Lacerda, Franco Montoro, Florestan Fernandes, Ulysses Guimarães, para citar alguns grandes, mais partidários ou menos. Dos que estão em ação podemos citar Fernando Henrique Cardoso, mas não muito mais que ele.

Os intelectuais que se aproximam da política corrente pesam pouco como intelectuais, não modulam sua atuação com uma "alma" cultural. Tornam-se "sistêmicos": fazem com que as coisas funcionem."

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Marco Aurélio Nogueira é professor titular de Teoria Política, diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP. Artigo: ‘Quando a política perde a cultura. O Estado de S. Paulo, 25 de abril de 2015

Ex-ministro de Lula e Dilma, Lupi diz que PT ‘roubou demais’ e ‘se esgotou’

• ‘Faxinado’ por suspeitas de irregularidades no Trabalho em 2011, presidente do PDT afirma em reunião do partido que petistas ‘exageraram’ e reclama que conversa com a atual e o ex-presidente é ‘qual o naco de poder que fica com cada um’

Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA- Ex-ministro dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e um dos “faxinados” do mandato passado, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, disse que os petistas “roubaram demais” e que o partido deles “se esgotou”. “O PT exauriu-se, esgotou-se. Olha o caso da Petrobrás. A gente não acha que o PT inventou a corrupção, mas roubaram demais. Exageraram. O projeto deles virou projeto de poder pelo poder”, disse Lupi um dia após a Petrobrás divulgar que a perda da estatal com a corrupção chegava a R$ 6,2 bilhões.

A declaração foi feita durante um encontro com correligionários na quinta-feira, em São Paulo. O Estado teve acesso à fala de Lupi, que foi confirmada pelo próprio dirigente pedetista.

Na conversa, o presidente do partido fez ressalvas a programas simbólicos dos governos petistas, como o Bolsa Família. “Tirou milhões da miséria, isso é bom para caramba. O Nordeste é outro (avanço), é verdade. Quem não vê isso é mentiroso, nojento. Eu tenho raiva deles. Mas (o governo) criou também uma dependência. Eu vejo gente que não quer trabalhar para manter o Bolsa Família, isso está errado. O programa tem que ser instrumento para tirar da miséria, não para manter na miséria.”

Aos correligionários, Lupi também reclamou do tratamento dado pelo PT ao PDT desde que as duas legendas formalizaram a aliança em 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva disputava a reeleição. “A conversa com o PT, com o meu amigo Lula e com a presidente Dilma, é qual o naco de poder que fica com cada um. Para mim, isso não basta. Eu não quero um pedaço de chocolate para brincar como criança que adoça a boca. Eu quero ser sócio da fábrica, eu quero ajudar a fazer o chocolate.”

Em um momento de autocrítica, o presidente do PDT disse que o partido se “acomodou” por estar no poder, mas que, diante da insatisfação demonstrada pela população nas ruas, o partido precisa começar a buscar novos caminhos ou sofrerá as consequências no futuro.

“Se a gente não acordar para isso, daqui a pouco a população vai fazer como juiz de futebol: vai dar cartão vermelho para gente. Para muitos, já está dando”, disse Lupi. De acordo com aliados do dirigente pedetista, esse tem sido o tom usado por ele durante as reuniões com as Executivas estaduais do PDT desde o início do ano.

Segundo Lupi, o fato de nas últimas eleições candidatos como o palhaço Tiririca (PR-SP) e o ex-jogador Romário (PSB-RJ) terem sido eleitos para cargos no Legislativo demonstram o descontentamento das pessoas com a figura do político tradicional. “O povo está fazendo isso para sacanear a gente. Está dizendo: ‘Seus babacas, me respeitem, porque senão olha o que eu vou fazer com vocês. Em vez de votar em vocês, eu vou votar no Tiririca, vou votar no Romário’.”

Planos. Procurado pelo Estado, Lupi confirmou o teor do discurso feito na quinta-feira. Ele nega que o PDT pense em deixar a base aliada neste momento. Acomodado no Ministério do Trabalho – cujo atual titular é Manoel Dias –, o partido conta hoje com 19 dos 513 deputados da Câmara e 6 dos 81 senadores.

Ex-ministro do Trabalho, Lupi deixou o governo Dilma em dezembro de 2011, após uma série de denúncias de irregularidades envolvendo integrantes da pasta. Apesar de o partido continuar no comando do ministério até hoje, a relação entre PDT e PT está a cada dia mais estremecida. Parte dos senadores do partido defende a saída imediata da base do governo. Na Câmara, a bancada da sigla não tem mais seguido a orientação do Palácio do Planalto na hora das votações.

Até agora, Lupi era apontado como o que mais resistia à ideia de deixar a base aliada. Hoje, no momento em que o PT passa pela sua maior crise desde que assumiu o governo, em 2003, o dirigente trabalhista resume assim o seu sentimento: “A gente não quer ser um rato, que foge do porão do navio quando entra a primeira água, mas também não queremos ser o comandante do Titanic, que ficou no barco até ele afundar”.

Manobras fiscais na Caixa cresceram no governo Dilma

• Deficit no pagamento de benefícios sociais foram menores no governo FHC

• Aumento da prática a partir de 2013 alarmou o TCU e foi apontado pela oposição como motivo para impeachment

Dimmi Amora – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo federal usa recursos da Caixa Econômica Federal para o pagamento de benefícios sociais desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), mas foi no governo Dilma Rousseff que a prática aumentou de maneira mais acentuada.

Dados fornecidos à Folha pela Caixa ajudam a entender como a manobra, conhecida como "pedalada" --um adiamento de despesas do Tesouro Nacional, com ajuda do banco público-- se tornou uma ameaça jurídica para a administração petista.

Segundo entendimento do TCU (Tribunal de Contas da União), o artifício configura empréstimo da Caixa a seu controlador, vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O órgão encaminhou a decisão ao Ministério Público Federal para que avalie se há crime nessa manobra. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) aventou até a possibilidade de pedir impeachment de Dilma por causa das "pedalads". Em sua defesa, o governo afirma que a prática é antiga.

Os números da Caixa, relativos ao pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial, mostram que, de fato, houve casos nos governos anteriores em que os montantes repassados pelo Tesouro foram insuficientes para o pagamento dos programas.

No entanto, as proporções dos últimos anos são inéditas. Na virada de 2013 para 2014, por exemplo, o banco federal apresentava um deficit de R$ 4,3 bilhões com o pagamento desses benefícios de amparo ao trabalhador.
A pedido da Folha, a Caixa enviou o número de meses em que houve deficits de 1999 a 2014, e o maior valor negativo em algum desses meses.

Entre 1999 e 2002, no governo FHC, o maior deficit, em valores corrigidos, foi o de R$ 918 milhões em maio de 2000, com o seguro-desemprego. Na maior parte dos casos os deficits mensais não chegavam a R$ 100 milhões.

Nos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2010, os deficits caíram. O rombo mais expressivo, de R$ 750 milhões, ocorreu em novembro de 2007, com o abono salarial.

Dimensões
É natural que haja descasamentos ocasionais entre os repasses do Tesouro à CEF e as despesas efetivas --afinal, o dinheiro é transferido com base em uma estimativa da necessidade de desembolsos, que pode ser maior ou menor.

O que chamou a atenção do TCU foi a frequência e as dimensões dos deficits dos últimos anos, permitindo ao Tesouro mostrar despesas menores e, portanto, contas aparentemente mais favoráveis.

De novembro de 2012 a dezembro de 2014, houve deficit todos os meses no pagamento do seguro-desemprego, e os valores passaram à casa dos bilhões. Em 2013, houve mês com deficit de R$ 3,6 bilhões no seguro desemprego.

No ano passado, o Banco Central começou a investigar essas transações e determinou que elas passassem a ser contabilizadas como dívida pública. O TCU pediu explicações a 17 autoridades. Caso seja confirmada, a irregularidade pode levar à recomendação de rejeição das contas do ano passado da presidente Dilma Rousseff.

O governo nega que essas operações sejam empréstimos, alegando que se trata de contratos de serviço --em que os valores representam fluxos financeiros entre o banco e os ministérios, ora positivos, ora negativos.

Além do seguro-desemprego e do abono salarial, a Caixa Econômica paga benefícios como aposentadorias, pensões e Bolsa Família.

Lentidão do TSE livra partidos de punições

À margem do controle

• Cerca de 60% das prestações entregues desde 2004 ainda não foram julgadas e parte já preescreveu

Eduardo Bresciani - O Globo

BRASÍLIA - Enquanto os recursos públicos repassados aos partidos políticos por meio do Fundo Partidário crescem de forma exponencial, a fiscalização de suas contas segue em marcha lenta. O GLOBO analisou o andamento das prestações de contas dos dez maiores partidos políticos desde 2004. Das 89 prestações entregues neste período, 60% não foram julgadas, sendo que 13 delas não poderão mais gerar punições aos partidos porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, no ano passado, considerar prescritas todas as contas não julgadas em cinco anos.

Dos dez partidos, dois ainda não tiveram as contas de 2009 — à beira da prescrição — analisadas: PT e PR. Os processos estão na pauta do TSE para a próxima terça. Nenhuma conta apresentada a partir de 2011 foi analisada pelo plenário do tribunal, e, das relativas a 2010, somente a do PRB foi a julgamento, tendo sido aprovada com ressalvas. O partido terá de devolver R$ 2 mil. O prazo para entrega da prestação de contas de 2014 acaba esta semana, assim como o prazo de julgamento das contas de 2009.

A presidente Dilma Rousseff sancionou semana passada, dentro do Orçamento de 2015, o aumento do repasse do Fundo Partidário de R$ 319,9 milhões para R$ 867,5 milhões neste ano. Os dez partidos que mais vão receber as verbas do Fundo são: PT, PSDB, PMDB, PP, PSB, PSD, PR, PRB, DEM e PTB. O montante supera em mais de quatro vezes os R$ 198 milhões repassados em 2004, em valores atualizados. O Fundo Partidário é dividido entre as legendas de acordo com os votos recebidos pelos candidatos eleitos para a Câmara.

A decisão de considerar prescritas as contas que não forem julgadas em cinco anos, que afetou 13 prestações, foi tomada em setembro de 2014. O presidente do TSE, Dias Toffoli, deu o voto condutor da posição do plenário. A decisão já beneficiou sete dos dez maiores partidos e, em alguns casos, as legendas se livraram de ter de fazer os ressarcimentos milionários que eram recomendados por órgãos técnicos e pela procuradoria-geral eleitoral.

O juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), afirma que o modelo de fiscalização das contas partidárias é ineficiente:

— Falta aos tribunais estrutura, inclusive de pessoal. A legislação não dá à Justiça Eleitoral característica de órgão de controle. Além da longa tramitação, há a previsão de extinção de julgamento, e muitas vezes esse é o caminho.

Reis defendeu ainda a necessidade de se estabelecer sanções mais severas às inconsistências nas prestações de contas.

O PSDB, por exemplo, poderia ter sido condenado a devolver R$ 1,9 milhão pelas contas de 2004, por não ter conseguido convencer o TSE sobre a identificação dos doadores. Cinco ministros já tinham votado nesse sentido em sessão de 2011, mas, diante do novo entendimento sobre a prescrição, o partido se livrou da punição. A legenda ainda escapou da análise das contas de 2007. Havia um parecer da área técnica e da procuradoria pedindo o ressarcimento de R$ 1,7 milhão, também por falha na identificação dos doadores.

O mesmo ocorreu com o PT. A legenda se livrou da análise de um parecer técnico relativo às contas de 2008, que recomendava a devolução de R$ 2,2 milhões, sendo mais da metade proveniente do Fundo Partidário. Para a área técnica do tribunal, R$ 1,2 milhão deveria ser devolvido por aplicação irregular de recursos do Fundo. Outro R$ 1 milhão deveria ser ressarcido pelo fato de o partido não ter conseguido identificar os doadores que declarou. O ministro Henrique Neves, porém, declarou as contas prescritas em setembro do ano passado, dois dias depois de o TSE firmar a jurisprudência sobre o assunto.

No caso do DEM, o parecer era pela desaprovação das contas de 2005, com pena de ressarcimento de R$ 1,5 milhão. Como o processo não foi concluído no prazo, o partido se livrou da análise do mérito. Dos maiores partidos, também foram beneficiados pela prescrição PMDB, PR, PRB e PTB. No caso do PMDB, não havia parecer conclusivo. Os outros três partidos tinham contra si pareceres que recomendavam devolução de entre R$ 43 mil e R$ 130 mil.

Apesar das irregularidades descobertas pelo tribunal, multas acima de R$ 1 milhão são exceções. As sanções em geral têm valores inferiores a R$ 100 mil. Penalidades abaixo desse montante foram aplicadas a seis partidos. Em um dos casos, o PSB pagou multa de apenas R$ 3,27 por problemas na identificação de doadores.

Problemas em metade das contas
Das contas que chegaram a ser julgadas, quase metade foi rejeitada ou aprovada com ressalvas. Entre as irregularidades está o uso do Fundo Partidário para a quitação de multas aplicadas à legenda, o repasse de recursos a diretórios proibidos de recebê-los, e a falta de justificativa para despesas. No caso do PTB, a conta de 2008 foi rejeitada com a determinação de ressarcimento de R$ 1,4 milhão e a suspensão do Fundo Partidário pela não comprovação de despesas.

Dos dez partidos analisados, apenas o PP teve aprovadas sem ressalvas as seis contas analisadas. O PSD foi criado em 2011 e, até hoje, nenhuma conta do partido foi julgada.

O TSE afirmou, por meio de nota, que a decisão de aplicar a prescrição aos processos após cinco anos foi tomada com base em uma lei aprovada pelo Congresso em 2009. O tribunal diz que a resolução “acabou com o sigilo bancário das contas partidárias e introduziu maior rigor e transparência” e “será instrumento fundamental para alcançar uma melhor qualidade nos julgamentos das referidas contas”.

A nota afirma que, sobre os processos pendentes, “o TSE está empenhado em julgá-los com respeito ao processo legal e ao contraditório”. Diz ainda que Dias Toffoli solicitou técnicos aos tribunais de contas da União e do Distrito Federal para auxiliar na análise das contas.

Um alívio para as dívidas de campanha
Orçado em R$ 867,5 milhões, o Fundo Partidário de 2015 deverá ser um alívio para as dívidas acumuladas pelos partidos nas últimas eleições. Desde o final de 2014, as legendas têm enfrentado mais dificuldade para arrecadar recursos de empresas privadas devido à Operação Lava-Jato, que pôs sob holofotes as doações de construtoras a partidos.

Os três primeiros meses deste ano também transcorreram com “torneiras secas”: sem a aprovação do Orçamento pelo Congresso, os partidos estavam recebendo parcelas do Fundo Partidário muito inferiores ao previsto. Agora, os tesoureiros dizem que poderão trabalhar com mais folga no pagamento de despesas, já que o Fundo Partidário ficou três vezes maior em relação a 2014.

O PSDB, segundo seu secretário-geral, o ex-deputado baiano João Almeida, tem um déficit de R$ 14 milhões. No TSE, o registro da dívida ultrapassa R$ 16,2 milhões. O PT, que registrou dívida de R$ 4 milhões na campanha da presidente Dilma Rousseff, herdará parte das dívidas contraídas pelas candidaturas estaduais, como as de São Paulo, Rio e Ceará, onde os débitos superam R$ 35 milhões, R$ 15 milhões e R$ 11 milhões, respectivamente.

— Estamos levando (as finanças), distribuindo o que temos. Amortizamos como podemos e criamos um cronograma para pagar as dívidas — disse Almeida.

Doadores são alvo da lava-jato
As contas do PSDB para 2014 já foram aprovadas pela Executiva do partido e serão entregues no dia 30, com um débito um pouco menor que os R$ 14 milhões já declarados na prestação de contas eleitorais, no ano passado.

O próximo dia 30 é o prazo final para a entrega das prestações de conta e será a data de entrega dos relatórios também do PT, segundo informou o presidente da sigla, Rui Falcão. Os documentos estão sendo concluídos pelo novo tesoureiro, Márcio Macêdo.

Oficialmente, os partidos tentam minimizar o impacto da Lava-Jato sobre a arrecadação partidária. Nos bastidores, a conversa é outra. Há, de um lado, o temor das empresas, mas também uma preocupação das próprias siglas, que ainda não sabem como lidar com doadores históricos, que são hoje alvos das investigações sobre distribuição de propinas em contratos da Petrobras.

O DEM informou que deve receber este ano R$ 36 milhões do Fundo Partidário e que não há dívidas de campanhas absorvidas pelo Diretório Nacional. O tesoureiro do partido, Romero Azevedo, informou que não prevê arrecadar dinheiro com empresas este ano. Ele disse não ter sentido dificuldade em arrecadar com empresários durante as eleições. O Diretório Nacional obteve, na época, R$ 53 milhões e registrou despesas no mesmo valor.

(Colaborou Tatiana Farah)

Aécio: definição do PSDB sobre impeachment será tomada com 'cautela e responsabilidade'

• 'Continuaremos ouvindo juristas que se debruçam sobre as denúncias que vêm surgindo e tomaremos a decisão', afirmou

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), divulgou há pouco uma nota em que diz que a definição do partido sobre um eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff será tomada com "cautela e responsabilidade que têm pautado nossa posição até aqui". "Continuaremos ouvindo juristas que se debruçam sobre as denúncias que vêm surgindo e, principalmente, tomaremos a decisão, conforme definido em reunião recente, de forma conjunta com os partidos de oposição", destacou o tucano.

Aécio Neves aproveitou o comunicado para elogiar o líder do partido na Câmara, Carlos Sampaio (SP). Segundo Aécio, Sampaio "cumpre corretamente seu papel ao externar a já conhecida posição da bancada da Câmara sobre impeachment".

Nesta sexta-feira, 24, Sampaio gerou um mal estar na cúpula do PSDB a respeito do momento certo de apresentar o pedido de afastamento de Dilma. Pela manhã, ele disse que, se dependesse da bancada do PSDB, o pedido seria protocolado até a próxima quarta-feira.

A declaração repercutiu mal no comando do partido, que ainda aguarda a avaliação de juristas para se posicionar oficialmente sobre o assunto. O presidente do PSDB telefonou para Sampaio e exigiu dele um esclarecimento.

À noite, o líder do partido na Câmara relativizou o que havia dito. "Talvez tenha me expressado mal. Vou na terça pela manhã tomar um café com o Aécio para levar a posição da bancada, para ouvi-lo. Ouvi-lo mesmo, porque a decisão tem que ser conjunta. Não faria sentido eu falar: 'Eu vou na terça ouvir o Aécio' e na quarta eu entro (com o pedido se houver concordância do partido)", disse o líder. "Vou levar a posição da bancada. Para a bancada, não tem mais o que aguardar. Já temos os elementos e daí vamos decidir conjuntamente."

Há 16 anos, Lula na retaguarda de pedidos de impeachment enquanto governo acusa ‘golpe’

• Crise de governabilidade vivido por governo tucano parece se repetir na era petista

Maria Lima – O Globo

RIO - Há 16 anos, em meio à crise econômica e de governabilidade do então presidente Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do PT, viveu o mesmo dilema que hoje paira sobre a cúpula tucana: iniciar ou não um processo de impeachment.

Era 1999, e Lula já havia começado o redesenho de sua imagem, afastando-se do radicalismo e flertando com o empresariado. Por conta disso, saiu da linha de frente dos quatro pedidos de impeachment apresentados pelo PT e se manteve distante da ofensiva aberta contra Fernando Henrique Cardoso.

Em 29 de abril de 1999, quatro meses depois da posse do tucano reeleito, o petista Milton Temer (RJ) apresentou o primeiro dos dois pedidos de afastamento de sua autoria. Um tinha como objeto o Proer, programa de socorro de bancos. O outro, a participação de FH no processo de privatização. No primeiro, rejeitado pelo então presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB), houve recurso ao plenário, mas ele também foi rejeitado. Alceu Colares, do PDT, apresentou seu pedido no dia 5 de maio, e o então líder do PT, José Genoíno, protocolou, pouco depois, outro pedido de impeachment em nome de PT, PCdoB, PDT e PSB.

O primeiro a pedir o afastamento de FH foi o então ex-prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro. Em janeiro daquele ano, ele defendeu que FH deveria reconhecer sua incapacidade de dirigir o país e encaminhar ao Congresso emenda constitucional convocando novas eleições.

Lula ficou na retaguarda, mas o PT fez barulho, e Tarso Genro comandou um movimento pró-renúncia. Milton Temer lembra que Lula era o presidente do PT e que, junto a seu braço direito no Diretório Nacional, José Dirceu, ficou contra os pedidos de impeachment. Havia no comando do partido o temor de que o impeachment colocasse no poder o vice, Marco Maciel (PFL). Lula argumentava que não adiantava tirar FH, e que era preciso eleger um grande número de prefeitos em 2000 e ganhar a presidência em 2002, estratégia semelhante à do PSDB de agora.

— A base sindicalista entrou naquele processo de oposição propositiva e foi uma pauleira. O único que embarcou comigo foi o (Miguel) Rossetto. Lula e Dirceu faziam uma oposição ambígua. Eram muito hesitantes porque, naquele momento, já havia uma aproximação com o mercado financeiro. Um dia, nos reunimos para estourar contra o Proer, dizendo que FH recebia dinheiro dos bancos em sua campanha. Íamos fazer um carnaval. Aí chegou o Paulo Okamoto, amigo do Lula, pediu para suspender tudo e disse: “nós também recebemos doações dos banqueiros”. O Lula nunca entrou no “Fora, FHC” — lembra Milton Temer.

O pedido de impeachment apresentado pelo PT com apoio do PSB e PDT também não prosperou. Assim como ocorre hoje, base e oposição repetiram o embate político: a segunda dizia que o impeachment era uma opção constitucional e a primeira reagia enxergando cores de golpe.

— Não estamos fazendo denuncismo, nem aventura, nem nada fora da Constituição — defendia o então líder do PT na Câmara, José Genoíno.

— Ao pedir a abertura de processo de impeachment contra FH, a oposição está repetindo uma tradição histórica da esquerda brasileira, que é a de adotar atitudes golpistas e se negar sempre a fazer o jogo político — rebatia o então líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

‘Para não se queimar’
Dezesseis anos depois, Madeira diz que, ao contrário do que ocorre agora, havia barulho político, mas não clamor das ruas.

— O Lula não se expôs porque, na verdade, naquela época, não tinha esse peso das manifestações — diz Madeira.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que assinou o pedido de impeachment do PT, lembra que Lula fazia de tudo para tirar o corpo fora. Em agosto de 1999, na “Marcha dos 100 mil contra a política neoliberal de FHC”, na Esplanada, Miro conta que o ex-governador Leonel Brizola (PDT), em cima do carro de som, fez um discurso inflamado dizendo que encerrariam o ato no Congresso, onde entregariam milhares de assinaturas em apoio ao impeachment.

— Lula chegou perto de Brizola e perguntou: “vamos entregar o quê?” Quando Brizola disse que eram os abaixo-assinados pedindo o impeachment, Lula disse que não ia apoiar. Foi lá para a frente, pegou o microfone e começou a discursar contra a reforma da Previdência — lembra Miro.

O ex-deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) diz que toda a ação em busca do impedimento de FH foi comandada por Genoíno e que Lula, candidato à presidência, ficou na retaguarda “para não se queimar”.

— Imagina se naquela época tivesse a Petrobras, o mensalão e a oposição junto com esses três milhões de pessoas nas ruas? O FH não escapava de jeito nenhum.

O político indeciso terá de decidir

Personagem da semana – Aécio Neves

• O tucano é pressionado a definir se o PSDB vai se aventurar pela tortuosa via do impeachment de Dilma – uma escolha fundamental para ele e o partido.

Leandro Loyola – Época

O senador Aécio Neves, o político indeciso, terá de tomar uma decisão. Os deputados Carlos Sampaio e Bruno Araújo pretendem entregar a ele nesta semana um documento no qual o partido pede ao presidente da Câmara dos Deputados que abra um processo para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Se Aécio concordar, Sampaio e Araújo chamarão partidos aliados e protocolarão os papéis — o que significa que o PSDB, o maior partido de oposição e derrotado por pouco na eleição presidencial há seis meses, embarcará em sua mais ousada cruzada contra o PT. Pela iniciativa, Aécio e o PSDB poderão ser aplaudidos por parte dos movimentos populares que pedem nas ruas a saída de Dilma. Poderão, por outro lado, protagonizar um fiasco de proporções consideráveis, pondo em risco a candidatura presidencial tucana de 2018.

Cabe a Aécio decidir não só o "se", mas a velocidade dessa aventura. Até agora, apesar da crise econômica, da popularidade no subsolo e da inoperância política, falar em impeachment de Dilma é especular sobre algo etéreo. A iniciativa dos deputados do PSDB é baseada em um trabalho do advogado do partido, Flávio Henrique Pereira. Está pintada com as cores da ebulição e com a velocidade características da Câmara dos Deputados. Na semana passada, Aécio fez o jurista Miguel Reale Júnior voar de São Paulo a Brasília para almoçar na quarta-feira em sua casa com os senadores Aloysio Nunes Ferreira, Tasso Jereissati, Álvaro Dias, Cássio Cunha Lima, José Serra e o deputado Bruno Araújo. Ex-coordenador financeiro de campanhas do PSDB, Reale fora encarregado de examinar se existem argumentos jurídicos a corroborar a tese de que Dilma cometeu irregularidades que a impeçam de continuar exercendo seu mandato. Seu trabalho está impregnado com a calma característica do Senado, onde os mandatos duram oito anos e tudo é mais lento. Reale pediu pelo menos mais 20 dias para apresentar uma conclusão.

Aécio atuou como um juiz entre os dois lados da discussão que se instalou. Mais empolgados, Araújo e Cunha Lima falaram que o partido não deveria perder a oportunidade de aproveitar o sentimento das ruas para emplacar o pedido de impeachment. Por outro lado, os senadores José Serra, Aloysio e Tasso argumentaram que seria mais prudente esperar. O PSDB enxerga que pode pedir o impeachment de Dilma baseado nas irresponsáveis "pedaladas" executadas no primeiro mandato, quando bancos públicos pagavam contas do governo antes de receber do Tesouro Nacional, uma espécie de cheque especial bilionário. Pura irresponsabilidade fiscal. Na reunião na casa de Aécio, Reale afirmou que um pedido de impeachment baseado nesse argumento teria de provar que o governo Dilma continuou as pedaladas em 2015. Reale entende que um presidente só pode perder o cargo se tiver cometido uma irregularidade no mandato atual, não no anterior. Os senadores acham que ainda podem surgir revelações na Operação Lava Jato sobre a corrupção na Petrobras e na auditoria das contas de campanha de Dilma. Sem um fato direto contra a presidente, criminoso mesmo, não querem aderir.

Aécio é um neófito entre os que flertam com o impeachment. Até agora, ao seu estilo, mais assistiu do que agiu. Só desandou a falar mais enfaticamente no assunto - ainda que com sua característica oratória de tribuna mesmo nas frases mais comezinhas — após os protestos de 12 de abril, quando movimentos como Vem pra Rua e Revoltados On Line e milhares de manifestantes incluíram o coro de "Fora, Dilma" em seus pedidos. Na ocasião, Aécio apareceu na janela de seu apartamento na Avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, vestido com a camisa da Seleção Brasileira. Dois dias depois, os deputados Carlos Sampaio e Bruno Araújo o visitaram em seu gabinete no Senado. "Aécio, nós temos fundamentos jurídicos para bancar um pedido de impeachment", disse Sampaio. "Então nós devemos subir um degrau no tom sobre esse tema", disse Aécio.

Na mesma tarde, Aécio teve uma conversa com outro deputado, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente do Solidariedade e opositor de Dilma. Paulinho também acumula pareceres jurídicos para embasar um pedido de impeachment. Aliados na campanha eleitoral, Paulinho tentava havia tempos convencer Aécio a apoiar o impeachment. Naquele dia, encontrou Aécio convertido - e com pressa. Paulinho falou em apresentar o pedido em maio.

"É muito tarde", disse Aécio, para surpresa do outro. "Você tem de falar com o Eduardo Cunha", disse Paulinho. Aécio ligou para o presidente da Câmara, a quem cabe a missão de aceitar ou rechaçar um pedido de impeachment. Em público, Cunha já repetiu inúmeras vezes que rejeitará qualquer iniciativa do tipo. Depois, Aécio recebeu um recado de Cunha sobre o dia da entrega do pedido: "Coloca 100.000 pessoas aqui na frente (do Congresso)". O temor de Aécio é que Cunha, o malvado favorito do governo, use o pedido apenas para desgastar ainda mais Dilma - e tirar vantagem.

A pressão para Aécio decidir é forte. A aventura imediata do impeachment tem mais adeptos entre deputados que entre senadores. Os deputados querem a decisão para já. Os senadores, à exceção de Cássio Cunha Lima, da Paraíba, acham que não dá. Em público, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, oráculo do partido, é contra o impeachment com o que existe hoje. Vítima de um momento parecido quando era presidente, FHC é cauteloso. Em conversas reservadas, muitas em seu apartamento em São Paulo, no entanto, FHC concorda com os argumentos dos adeptos do impeachment que procuram sua chancela. Não se sabe se é para agradar ao visitante. Mas, ao final, sempre alerta que o partido só deve partir para o impeachment se aparecer um fato que ligue Dilma pessoalmente ao petrolão. "No início, eu era contrário ao impeachment do Collor. Mas me convenci pelos fatos", disse FHC recentemente ao deputado Carlos Sampaio e ao ex-deputado José Aníbal.

Desde que Fernando Collor foi apeado da Presidência, o impeachment virou um fetiche das opo-sições. A possibilidade da repetição do ritual entrou para o roteiro obrigatório das crises cíclicas que combinam enfraquecimento dos presidentes e fortalecimento das oposições. FHC teve sua ameaça em 1999, quando líderes do PT pediram seu impeachment; Lula, em 2005, quando o PSDB quase fez o mesmo. Dilma passa pelo mesmo ritual, mas numa situação mais grave: 63% dos brasileiros, segundo o Datafolha, querem seu impeachment — num mandato que começou outro dia.

Aécio sofre forte pressão para não repetir o comportamento de 2005, quando o PSDB titubeou e não apresentou um pedido contra Lula, cujos subordinados tocavam o mensalão. Hoje, dez anos depois, sobra povo nas ruas, mas falta o fato inquestionável de responsabilidade da presidente. Uma conjunção como a de Collor não se repete com facilidade. A decisão de Aécio definirá o tipo de político - ou presidente - que ele deseja ser. Pode definir seu futuro também.

Juristas do PSDB pedem paciência a políticos

• Para eles, base legal para impeachment é insuficiente sem maior desgaste do governo

Pedro Venceslau, Valmar Hupsel Filho - O Estado de S. Paulo

Enquanto a bancada de deputados federais e parte da executiva do PSDB defendem a abertura imediata de um processo formal de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, os juristas chamados pelo partido para fundamentar a tese argumentam que ainda não há clima político para dar este passo.

Autor do primeiro parecer enviado ao partido com argumentos jurídicos para o impedimento, o advogado Ives Gandra Martins pondera que o processo de afastamento de um presidente é muito mais político do que teórico. “Do ponto de vista jurídico já existem elementos para pedir o impeachment. Mas, do ponto de vista político, a presidente ainda conta com mais de um terço do Congresso. Portanto, não haveria muita chance. Não é o momento ainda”, diz ele. Para que tenha início, um processo de impeachment precisa do apoio de dois terços da Câmara.

Segundo Ives Gandra, o momento ideal para se pedir o impedimento da presidente é quando o País “estiver ingovernável”. “Trata-se de um processo eminentemente político. O elemento jurídico vai contar pouco na decisão. O PSDB devia esperar mais um pouco.”

Conselheiro jurídico do PSDB e responsável pela área na campanha presidencial de Aécio Neves, o advogado José Eduardo Alckmin segue a mesma linha. “Já existem elementos jurídicos, mas talvez seja bom esperar um pouco para ver o que mais aparece”, pondera. O líder dos tucano na Câmara, Carlos Sampaio (SP), pedirá ao advogado que elabore mais um parecer para a legenda.

Ives Gandra e Alckmin lembram ainda que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sinalizou que engavetará um eventual pedido. Responsável pelo parecer mais aguardado, o jurista Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, não quis dar entrevista.

Em sua primeira avaliação sobre o assunto, porém, Reale Júnior sinalizou que o caso das “pedaladas fiscais”, manobra com a qual o governo usou verbas de bancos públicos para cobrir despesas que deveriam ter sido pagas com recursos do Tesouro, poderia implicar em crime comum, mas não justificaria, na prática, o impeachment.

Em reunião da cúpula do PSDB na semana passada, em Brasília, no apartamento do senador e presidente do partido, Aécio Neves (MG), Reale Júnior teria, segundo o relato de participantes, indicado que há margem para o pedido.

“O orçamento não morre no dia 31 de dezembro. As pedaladas, mesmo dadas no ano passado, refletem em toda atuação dela no atual mandato. Ou seja: automaticamente está contaminando o atual. Este é o aspecto que o Miguel vai enfrentar”, afirma Ives Gandra.

Recuo. O tema, porém, ainda causa ruídos no PSDB. Na sexta-feira, quem provocou mal estar foi Carlos Sampaio, ao dizer pela manhã que o pedido de impeachment seria feito “na terça ou quarta-feira”. À noite, o líder precisou retificar seu posicionamento.

Apesar do constrangimento, o parlamentar pressiona os correligionários para que deflagrem o mais rápido possível o procedimento. “A decisão da bancada (de pedir o impedimento) foi tomada e a levarei para o Aécio na próxima terça-feira. Definiremos então como e quando será encaminhada a proposta”, diz o líder.

Sem consenso. Os demais partidos de oposição fecharam com os tucanos um acordo pelo qual o pedido de impeachment será feito em conjunto. E entre eles também não há consenso sobre o momento ideal.

“O PPS considera que não há condições objetivas para o impeachment. Este assunto deve ser tratado com cautela. É preciso a análise de uma correlação de forças para isso. O principal deles é a ingovernabilidade, o que, neste momento, não existe”, avalia o deputado Roberto Freire, presidente da sigla.

Ele argumenta que a presidente ainda conta com o apoio do setor financeiro. “Os grandes empresários ainda acreditam que (o ministro da Fazenda Joaquim) Levy vai dar confiabilidade ao governo. O grande empresário brasileiro não abandonou o PT. Além disso, a presidente Dilma tem o partido para lhe dar base de sustentação, o que (o ex-presidente Fernando) Collor não tinha”.

Já o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) tem pressa. “Claro que há motivação jurídica para o pedido de impeachment. A estrutura do governo foi usada para fins eleitorais”, afirma. O deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, também defende que o pedido seja feito o mais rápido possível.

Câmara vai votar reforma política no fim de maio

• Mudanças mais profundas, porém, ainda não têm consenso em comissão especial do tema

Isabel Braga – O Globo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), marcou para a última semana de maio a votação, no plenário da Casa, da reforma política. Apesar do prazo de apenas um mês, as mudanças mais profundas no sistema eleitoral e no financiamento de campanhas ainda estão sem acordo na comissão especial criada para esse debate. Segundo os integrantes da comissão, apenas em temas considerados acessórios há maior consenso. Um exemplo é o fim das coligações partidárias para eleições proporcionais, ou seja, de deputados e vereadores.

O cenário de impasse em relação aos temas a serem votados tem semelhança com outros momentos em que a Casa tentou votar a reforma política, sem sucesso. Dessa vez, no entanto, a determinação de Cunha tem sido apontada como diferencial capaz de impulsionar a votação. Ele quer incluir na Constituição a legalidade da doação de empresas privadas antes que o Supremo Tribunal Federal (STF) retome o debate desta questão.

Polêmica do distritão
O PMDB também busca aprovar a adoção do chamado distritão, sistema pelo qual são eleitos os mais votados em cada estado e no Distrito Federal — independentemente da votação de seus partidos, como ocorre hoje. Para isso, deverá fechar questão sobre esse e outros pontos da reforma.

Cientes do movimento do PMDB para tentar garantir, na comissão e no plenário, a aprovação do distritão, deputados contrários ao modelo começaram a se articular em torno da aprovação do distrital misto, adotado pela Alemanha. Nele, metade dos deputados é eleita pelo sistema distrital — no qual o estado é dividido em distritos onde apenas um deputado pode ser eleito, como numa eleição de prefeito —, e a outra metade é eleita por meio de uma lista partidária. O PSDB, que defende a adoção do distrital puro, já admite votar a favor do distrital misto. O anúncio foi feito pelo presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), em audiência na comissão especial da reforma política na semana passada.

— Estamos a 40 dias de uma solução ou de um novo impasse. Hoje o que mais cresce na Câmara é o apoio ao distritão, tem cerca de 270 votos, mas acredito na capacidade de aglutinação do distrital misto do tipo alemão. A temporada de caça aos votos vai começar na primeira quinzena de maio — afirmou o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG).

Os tucanos reconhecem que o distritão tem a vantagem de ser mais fácil de explicar e acaba com a eleição de deputados com poucos votos, na esteira de deputados com votação expressiva. Mas dizem que esse sistema enfraquecerá os partidos.

Questões acessórias
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, não se pronunciou na comissão, mas deputados petistas afirmam que a bancada recebeu, há dez dias, o aval para negociar a adoção de um modelo alternativo ao voto em lista — que é a preferência do partido. Segundo petistas, “para reduzir danos” o partido poderá até negociar a aprovação do distrital misto alemão, que mescla o voto em lista com o distrital.

O relator da reforma política, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), quer votar o texto na comissão especial até 15 de maio. Segundo ele, na comissão há consenso em questões acessórias da reforma política. Além do fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, ele cita: a coincidência das eleições, ou seja, todas as eleições — de presidente a vereador — serem realizadas no mesmo ano; mandato de cinco anos para todos os cargos; e fim da reeleição. Os deputados também concordam em medidas que poderão reduzir custos de campanha, como modificações no tempo e nos programas do horário eleitoral gratuito, e redução no tempo da campanha eleitoral.

— O presidente Eduardo Cunha quer fechar a Câmara só para votar isso nesta semana. Se não deu uma coisa, vota outro modelo — afirmou Castro.

A Câmara quer mandar as mudanças para o Senado em junho. O esforço é para que tudo esteja aprovado antes de setembro, para valer para as próximas eleições municipais.

O candidato mora ao lado

• O voto distrital aproxima o eleitor dos políticos e barateia campanhas. A boa noticia: avançou no Senado a proposta que institui nas eleições para vereador

Eduardo Gonçalves e Gabriel Castro - Época

Cada vez que os brasileiros saem às ruas para demonstrar sua insatisfação com a maneira como o país é conduzido, políticos sacam da manga o tema da reforma política como a panaceia para os problemas nacionais. Foi assim em 2013, quando o governo chegou a propor um desarrazoado plebiscito sobre a questão. E assim em 2015. Dada a complexidade do tema, o que é apresentado como remédio com frequência atende apenas aos interesses dos próprios políticos. O PT, por exemplo, prega o flm do financiamento privado de campanha e o voto em lista fechada: duas propostas que favoreceriam a sigla acima de tudo. Já o PMDB tenta substituir o sistema proporcional vigente por um que favorece lideranças tradicionais — o "distritão". As discussões nas ruas e na internet mostram que cresce o número de pessoas comuns atentas para o assunto, o que é positivo, uma vez que a reforma deve mesmo ocorrer em um futuro próximo. O primeiro passo foi dado nesta semana. E foi um passo alvissareiro: foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado um projeto de lei do senador José Serra (PSDB-SP) que institui o voto distrital nas eleições para vereador em cidades com mais de 200000 eleitores.

Há dois "sabores" de voto distrital, o puro e o misto. No primeiro, elegem-se apenas os candidatos mais votados em cada distrito. No segundo, metade das vagas é preenchida por políticos de uma lista preordenada por cada partido.

Nos dois casos, há um ganho de racionalidade: o voto distrital aproxima os políticos dos eleitores e barateia as campanhas. Mas os ganhos são maiores no sistema puro. "A lista, assim como o distritão, é uma forma de salvaguardar o poder dos caciques partidários", diz o cientista político Luiz Felipe D"Avila, um defensor ativo do voto distrital.

O projeto de José Serra institui o modelo puro na eleição de vereadores. Para entender seu efeito, tome-se como exemplo a capital paulista. As 55 cadeiras do Legislativo seriam atribuídas a 55 distritos eleitorais de tamanho semelhante. Em vez de analisar as propostas de mais de 1000 candidatos, o eleitor teria de decidir apenas entre aqueles que representam seu distrito. Diz o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB): "A possibilidade de cobrança é muito maior.

Afinal, o deputado reside no distrito. Se não corresponder às expectativas, não terá onde buscar voto nas próximas eleições". Quanto aos políticos, eles não mais se digladiariam pela atenção dos 8,8 milhões de eleitores paulistanos. A campanha seria voltada para grupos de cerca de 160 000 pessoas, o que derruba os seus custos.

O projeto de lei 25/2015 levou menos de três meses para ser submetido a votação na CCJ. Foi aprovado por 15 votos a 3 na última quarta-feira, em caráter terminativo — ou seja, será encaminhado diretamente à Câmara, sem a necessidade de passar pelo crivo do plenário se não houver recurso contra o texto até esta semana (o recurso que obriga a apreciação pelo plenário tem de ser apresentado por ao menos nove senadores). Foram contrários à proposta apenas os petistas José Pimentel (CE) e Humberto Costa (PE), além de Marcelo Crivella (PRB-RJ). A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) não seguiu a orientação do partido e votou pela aprovação. O apoio mais significativo partiu do relator do tema. o líder do PMDB no Senado. Eunício de Oliveira. "Temos com o Brasil o compromisso de não ir para as eleições de 2016 com o mesmo sistema eleitoral", afirmou. De fato, se for sancionado até outubro, o novo sistema já valerá para a disputa do ano que vem. O próprio Serra, porém, reconhece que a luta na Câmara não será tão simples. "O esforço vai ser bem maior", afirma. "Mas, como no Senado a proposta foi aprovada a jato, os deputados terão tempo para debater."

Na Câmara, o projeto deve ser apensado às propostas de reforma política que estão sendo discutidas desde fevereiro em uma comissão especial, e lá deve sofrer alterações. O presidente do colegiado, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já deixou claro que se opõe à medida. O relator da comissão, Marcelo Castro (PMDB-PI), também não crê que a proposta passe como chegou do Senado. "A comissão está dividida entre distritão e distrital misto. É difícil que se aceite o que veio, ou seja, o distrital puro", diz Castro. O projeto de Serra é visto como ponta de lança para a aplicação do voto distrital nos pleitos para os legislativos estadual e federal, daí a previsão de um debate acirrado. Mas o debate, desta vez, está no trilho certo.

Marta Supliciy - O PT traiu os brasileiros

Entrevista

• A ex-ministra, ex-prefeita de São Paulo e senadora anuncia sua saída do partido que ajudou a construir e diz que a cúpula petista não tem mais outro projeto senão o de se manter no poder

“Saio do PT porque não é o partido que ajudei a criar. É um partido que se distanciou dos seus princípios éticos, das suas bases e de seus idéias”

Pedro Dias Leite - Veja

Marta Suplicy foi deputada, prefeita de São Paulo, ministra do Turismo, da Cultura e atualmente cumpre mandato de senadora. Sempre pelo PT, partido em que milita desde o início da década de 80. Trinta e cinco anos, de muitas vitórias e algumas derrotas, um mensalão e um petrolão depois, que descreve como uma "avalanche de corrupção", ela decidiu deixar a legenda a que dedicou metade de sua vida. Marta tem convite de quase todos os partidos políticos do Brasil, mas se inclina mais para o PSB de Eduardo Campos, o candidato morto em um desastre de avião na campanha presidencial do ano passado. Enquanto desenhava estrelinhas em uma folha de papel, Marta falou a VEJA de seus motivos para romper com o PT e de seu "projeto de nação".

A senhora saiu do PT ou o PT a deixou antes?

Tenho muito orgulho de ter ajudado a fundar o PT. Acreditei, me envolvi, trabalhei décadas, com dedicação total. Saio do PT porque, simplesmente, não é o partido que ajudei a criar. O PT se distanciou dos seus princípios éticos, das suas bases e de seus ideais. Dessa forma traiu milhões de eleitores e simpatizantes. Eu sou mais uma entre as pessoas que se decepcionaram com o PT e não enxergam a possibilidade de o partido retomar sua essência. Respondendo a sua pergunta, estou segura de que meus princípios nunca mudaram, são os mesmos da fundação do PT, os mesmos com os quais criei os meus três filhos. Agora tenho um desafio, o desafio do novo. Quero ter um projeto para o meu país. Um projeto em que acredite. É isso que eu vou buscar.

O que mais pesou na sua decisão?

O componente ético é muito forte. A decepção foi tremenda. Não foi fácil ver os integrantes da cúpula do partido na prisão. Discordo da maneira pública pela qual eles foram julgados e sentenciados. O processo judicial pode ter sido perfeito, mas a humilhação pública que eles sofreram não se justifica. Por essa razão eu não me manifestei durante o julgamento do mensalão. Mas senti que havia um profundo distanciamento do que nós, petistas, queríamos para o Brasil. Reconheço o muito que já se fez em termos de diminuição da pobreza e do aumento da mobilidade social. Mas eu percebo também que a cúpula se fechou e, cercada por interesses corporativistas de certos movimentos sociais e sindicalistas, trabalha apenas para se manter no poder. O PT não tem mais projeto para o Brasil. Se não recuperar seus princípios éticos, da fundação, não voltar às suas bases, se ficar só no corporativismo, o PT vai virar uma pequena agremiação. Teria chance se fosse no caminho oposto, mantendo sua base social, mas incorporando uma classe média que ele mesmo ajudou a criar. Mas, se você perguntar se o PT fará o que é preciso para se salvar, minha é resposta é não.

Houve uma gota d"água?

A escolha do Fernando Haddad para ser candidato à prefeitura de São Paulo, em 2012, foi muito difícil para mim. Mas respirei fundo e fiz campanha para ele. Sei que minha participação foi fundamental para a vitória do Haddad. Antes já tinha sido praticamente abandonada na minha eleição para o Senado. Ganhei com enorme dificuldade. O PT fez campanha muito mais forte para o candidato Netinho do que para mim. Então comecei a pensar no que estava fazendo no PT. Em 2014, meu nome nem foi cogitado para a corrida ao governo de São Paulo, embora eu tivesse 30% das intenções de voto. Aí vem essa avalanche de corrupção. Engoli muita coisa na política. Mas, quando vi que estava em um partido que não tem mais nada a ver comigo, que não luta pelas bandeiras pelas quais eu me bati e que ainda me tolhe as possibilidades — e eu sei que sou boa —, a decisão de sair ficou fácil.

A senhora não viu os sinais da "avalanche de corrupção" no PT?

Não, porque eu nunca participei disso. Não tinha a mais leve ideia. Como a maioria dos petistas não tinha também. Se você não estava ali naquela meia dúzia, você não sabia.

Quando ficou evidente sua saída, a máquina de destruição de reputações do partido começou a agir com a acusação de que a senhora, uma aristocrata, nunca foi realmente do PT. Isso magoa?

Essas pessoas nunca estiveram na minha pele. Dei ao PT uma cara de classe média palatável. Isso abriu outro horizonte, com a adesão de uma classe média que não se identificava com o sindicalismo. Se não posso dizer que a inventei, tenho certeza de que contribuí muito para a modernidade do PT. Esse tipo de crítica não me afeta.

A senhora teve um papel de destaque no "Volta, Lula", movimento para afastar Dilma e lançar como candidato o ex-presidente. Por quê?

Eu tinha certeza de que, se a Dilma vencesse, teria um segundo mandato muito difícil, como está sendo efetivamente. Achava que com o Lula teríamos condição de rever com clareza os erros cometidos e, assim, reunir força política para tirar o Brasil daquela situação. A maioria dos deputados e dos senadores preferia a candidatura do Lula pelas mesmas razões que as minhas. Eles só foram mais cuidadosos.

O rompimento com o PT significa seu afastamento do ex-presidente Lula?

É preciso saber separar o lado pessoal. Mesmo quando fui impedida de ser candidata, em 2006, não rompi com o Lula. Porque existe uma coisa muito pessoal, gosto muito dele, o admiro. Acredito que ele também tenha admiração por mim. Tive uma conversa muito franca com ele no segundo semestre do ano passado e explicitei o que iria acontecer se ele não fosse o candidato. Disse: "Presidente, estou buscando meu caminho". Depois, não nos falamos mais. Não é uma questão de candidatura, é de não me sentir mais no ninho. Tem um momento em que você diz basta.

Seu descontentamento já era grande. Por que demorou tanto a deixar o governo Dilma?

Primeiro, o Lula pediu que eu ficasse. Disse que minha saída atrapalharia o projeto. Entenda-se, o projeto de ele ser o candidato. Quando a vitória de Dilma nas eleições foi confirmada, liguei para a presidente, dei-lhe os parabéns e disse que estava saindo. Foi uma conversa longa e ríspida. Ela pediu que eu esperasse sua volta do descanso, na Bahia. Quando voltou, fui conversar com ela, que me pediu que esperasse de novo, até seu retorno da Austrália, em 18 de novembro. Concordei. Qual não foi minha surpresa quando, de volta ao ministério (da Cultura), minha chefe de gabinete avisou que haviam ligado da Casa Civil, por parte do ministro Aloizio Mercadante, pedindo a carta de demissão de todos os ministros. Obviamente ele estava querendo aguar minha saída, para que ela não fosse entendida como na realidade era, um gesto político. Imediatamente pedi à minha chefe de gabinete que protocolasse minha carta de demissão, que estava pronta, no Palácio do Planalto.

Como era despachar com a presidente Dilma?

Até eu começar o "Volta, Lula", foi agradabilíssimo. Ela é uma pessoa muito culta. Tem uma vasta cultura, é muito agradável para conversar. Lê muito, entende muito de arte, de teatro, conhece profundamente vários museus. Depois do "Volta, Lula", ela passou a implicar com tudo.

A senhora fala como se o governo Lula fosse completamente diferente, mas os dois grandes escândalos, o mensalão e o petroião, floresceram nos mandatos dele. As máculas éticas do PT não pertencem tanto a ele quanto a ela?

É difícil apontar a responsabilidade de cada um, e não compete a mim fazer essa afirmação. Não posso afirmar se Dilma ou Lula sabiam da corrupção. Eles tanto poderiam quanto não poderiam saber, mas, repito, não compete a mim esse julgamento. No caso do governo Dilma ficam evidentes os gigantescos prejuízos ao Brasil provocados pela má gestão. E não só por ela. Mas pelo intervencionismo e pelo autoritarismo. Quem se sente dono da verdade não escuta. Não escutar é mortal. Você pode discordar, mas tem de ouvir.

E ruim também pelo fato de ter uma mulher na Presidência e que não deu certo?

Eu sou uma feminista desde o começo. Sempre achei que uma mulher na Presidência faria muita diferença. Ainda acho. Mas a questão principal é que o temperamento deixou o gênero em segundo plano. A sensibilidade do gênero feminino faz a diferença na hora de governar. São séculos e séculos cuidando de crianças, dos velhos e dos doentes. A Dilma tem essa sensibilidade, mas o temperamento prevaleceu sobre ela.

Qual a sua visão sobre o impeachment?

Sou contra, não vejo nenhum fato objetivo para buscar essa saída.

Para qual partido a senhora vai?

Quando estava amadurecendo a ideia de deixar o PT, fui procurada por uma frente formada por PSB, PP, PPS, PV e Solidariedade. Agora, também comecei conversas com o PDT. Vários outros partidos me procuraram. O martelo ainda não está batido, mas é com PSB que as conversas estão mais avançadas.

Mas esses outros partidos não têm, talvez, os mesmos problemas que a senhora vê no PT?

Não tenho mais 30 anos, tenho 70. Não vivo mais de ilusões. Sou uma pessoa bastante machucada por toda a experiência partidária, por um sonho destruído. Vou procurar um partido no qual possa realizar meu projeto de nação.

A procura começa como candidata à prefeitura de São Paulo em 2016?

Não estou saindo do PT porque quero ser candidata. Mas, para quem foi prefeita de São Paulo e ama sua cidade, é inescapável interessar-se de perto por todas as questões que dizem respeito ao cotidiano dos paulistanos. É inescapável não conseguir ficar calada vendo tanta coisa malfeita e prioridades erradas. O prefeito tem de energizar a cidade inteira, o que não vejo o atual prefeito fazer. Haddad é fraco. Eu tinha, em valores de hoje, 30 bilhões de reais de orçamento. Ele tem 51 bilhões. Qual a marca dele? Ciclovia? É muito óbvio. Todo mundo é a favor de bicicleta, mas isso não é solução para uma megalópole.

A senhora julga que foi uma boa prefeita, de 2001 a 2004, em São Paulo?

Criei o Bilhete Único, os CEUs, escolas de periferia com piscinas e teatros de qualidade. Minhas amigas me diziam que suas empregadas me adoravam e elas mesmas não entendiam muito por quê. A resposta era porque eu me dediquei mesmo com mais afinco a melhorar a vida de quem mais precisava.

Mesmo assim a senhora não foi reeleita. Por quê?

Meu grande erro foi achar que ia conseguir fazer tudo em quatro anos. A cidade tem pressa e eu também. No final do mandato fiz obras urbanas que, reconheço, foram um martírio para muitos paulistanos. Isso atrapalhou minha reeleição. Deveria ter feito essas obras com mais calma, ocasionando menos transtorno.

Por que várias bandeiras históricas que a senhora, pioneiramente, empunhou — por exemplo, a legitimação do casamento gay — não são viáveis no Congresso?

Acho que as pessoas se chocam com as coisas erradas. Veja o caso da novela Babilônia. No primeiro capítulo, teve o beijo das lésbicas, achei interessante. Em seguida, a vilã, Gloria Pires, deu um tiro a sangue-frio no motorista. Depois, uma outra começou a achacar alguém. Ninguém se chocou com a exibição desses crimes. O beijo das mulheres chocou. Que visão de mundo isso revela? Revela que achamos normal a corrupção e o assassinato, mas reagimos contra uma manifestação de amor.

Quanto sua separação de Eduardo Suplicy influiu na sua vida política?

Alguns me viram como uma pessoa má por ter me separado do Eduardo. Em parte, fui responsável. Eu me sentia tão culpada que não tive condição de fazer minha defesa. Quando não se ama mais alguém, a separação é a saída natural. Eu me apaixonei por outra pessoa, não tive medo, paguei o preço, que foi enorme. Ainda por cima era um argentino. O Eduardo se colocou publicamente como vítima em uma situação em que não há vítimas nem algozes. Separei-me do argentino. Não o amava mais. Depois conheci o Márcio (Toledo), que é uma coisa muito boa na minha vida.

Pessoas públicas têm direito à privacidade?

Ter a privacidade devassada é inerente à política. Quem não quer pagar esse preço não deve entrar.

Executivo da OAS teria financiado reforma em propriedade a pedido de Lula, diz revista

• Preso na Operação Lava-Jato teria arcado com os custos de melhorias feitas em sítio de sócios do filho do ex-presidente

- O Globo

RIO - O ex-presidente Lula recebeu favores do engenheiro e ex-presidente da construtora OAS, Léo Pinheiro, preso na Operação Lava-Jato, segundo reportagem publicada pela revista "Veja". De acordo com anotações atribuídas a Pinheiro na prisão, o engenheiro teria financiado reforma em um sítio na cidade de Atibaia, no interior de São Paulo, a pedido de Lula.

A propriedade pertence a dois empresários, José Suassuna e Fernando Bittar (filho do ex-prefeito de Campinas Jacó Bittar) que seriam sócios de Fábio Luiz da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente. Ainda de acordo com a revista, a OAS também teria incorporado os prédios inacabados da Cooperativa dos Bancários (Bancoop) para ajudar o ex-presidente.

Entre os prédios concluídos pela OAS está o edifício Solaris, que fica na Praia do Guarujá, onde Lula e o ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, têm apartamentos luxuosos de cerca de 300 metros quadrados. Pinheiro teria ainda ajudado João Batista de Oliveira, marido da ex-secretária Rosemary Noronha, a conseguir emprego, atendendo ao clamor do ex-presidente. Rosemary, que chefiou o escritório da Presidência da República em São Paulo e teria ameaçado revelar segredos sobre o tempo no qual foi secretária de Lula, também contou com a ajuda de Pinheiro para contratar uma banca de 38 advogados para defendê-la na Justiça.

Empreiteiro da OAS fez ‘favores’ a Lula, afirma revista

• Segundo ‘Veja’, Pinheiro relatou informalmente ajuda a ex-presidente e ameaça aderir à delação premiada da Operação Lava Jato

O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Reportagem da revista Veja deste fim de semana afirma que o engenheiro Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, tem cogitado fazer delação premiada na Operação Lava Jato e pode implicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem seria amigo pessoal. Segundo a revista, Pinheiro, de 63 anos, que está preso desde novembro, tem passado os dias na cadeia montando a estrutura do que poderia ser seu depoimento no acordo para tentar livrá-lo da carceragem.

A publicação aponta três fatos que poderiam fazer parte da eventual delação de Pinheiro. O primeiro seria um pedido de Lula feito em 2010 para que o ex-presidente da OAS providenciasse a reforma do sítio Santa Barbara, em Atibaia (SP). A reportagem sustenta que o sítio é identificado por políticos e amigos como sendo do ex-presidente, embora no cartório da cidade esteja registrada oficialmente por R$ 1,5 milhão em nome de Jonas Suassuna e Fernando Bittar, ambos sócios de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente.

Léo Pinheiro, segundo Veja, fez um segundo “favor” a Lula no ramo imobiliário. O empreiteiro conta que, a pedido do ex-presidente, incorporou prédios inacabados da Cooperativa dos Bancários (Bancoop), uma entidade ligada ao PT. A OAS concluiu no início do ano a construção do Edifício Solaris, da Bancoop, prédio na praia do Guarujá (SP). O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, também preso na Lava Jato, e Lula têm apartamentos no empreendimento.

O terceiro ponto seria uma suposta ajuda de Pinheiro a Rosemary Noronha, ex-chefe do escritório da Presidência da República e amiga de Lula. Rosemary deixou o cargo em 2012 após uma investigação da Polícia Federal tê-la identificado como integrante de um grupo que venderia facilidades ao governo. A revista diz que Lula pediu a Pinheiro que ajudasse o marido de Rosemary, João Batista, um pequeno empresário da construção civil. Depois, de acordo com a reportagem, João Batista conseguiu um bom emprego.

A revista não traz garantia de que Léo Pinheiro vai efetivamente fazer a delação premiada. Em edição de 21 de fevereiro, a publicação informou sobre a possibilidade de delação premiada do engenheiro Ricardo Pessoa, dono da UTC. Dois meses depois, o executivo ainda não fez o depoimento.

Os favores do empreiteiro

• Preso há seis meses, o engenheiro Léo Pinheiro, ex presidente da OAS, uma das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras, admite pela primeira vez a intenção de fazer acordo de delação premiada. Seu relato mostra o quanto ele era íntimo do presidente Lula.

Robson Bonin - Veja

O engenheiro Léo Pinheiro cumpre uma rotina de preso da Operação Lava-Jato que, por suas condições de saúde, é mais dura do que a dos demais empreiteiros em situação semelhante. Preso há seis meses por envolvimento no esquema do petrolão, o ex-presidente da OAS, uma das maiores construtoras do país, obedece às severas regras impostas aos detentos do Complexo Médico-Penal na região metropolitana de Curitiba. Usa o uniforme de preso, duas peças de algodão azul-claras. Tem direito a uma hora de banho de sol por dia, come "quentinhas" na própria cela e usa o chuveiro coletivo. Na cela, divide com outros presos o "boi", vaso sanitário rente ao piso e sem divisórias. Dez quilos mais magro, Pinheiro tem passado os últimos dias escrevendo. Um de seus hábitos conhecidos é redigir pequenas resenhas e anexá-las a cada livro lido. As anotações feitas são muito mais realistas e impactantes do que as literárias. Léo Pinheiro passa os dias montando a estrutura do que pode vir a ser seu depoimento de delação premiada à Justiça. Ele foi durante toda a década que passou o responsável pelas relações institucionais da OAS com as principais autoridades de Brasília. Um dos capítulos mais interessantes de seu relato trata justamente de uma relação muito especial — a amizade que o unia ao ex-presidente Lula.

De todos os empresários presos na Operação Lava-Jato, Léo Pinheiro é o único que se define como simpatizante do PT. O empreiteiro conheceu Lula ainda nos tempos de sindicalismo, contribuiu para suas primeiras campanhas e tornou-se um de seus mais íntimos amigos no poder. Culto, carismático e apreciador de boas bebidas, ele integrava um restrito grupo de pessoas que tinham acesso irrestrito ao Palácio do Planalto e ao Palácio da Alvorada. Era levado ao "chefe", como ele se referia a Lula, sempre que desejava. Não passava mais do que duas semanas sem manter contato com o presidente. Eles falavam sobre economia, futebol, pescaria e os rumos do país. Com o tempo, essa relação evoluiu para o patamar da extrema confiança — a ponto de Lula, ainda exercendo a Presidência e depois de deixá-la, recorrer ao amigo para se aconselhar sobre a melhor maneira de enfrentar determinados problemas pessoais. Como é da natureza do capitalismo de estado brasileiro, as relações amigáveis são ancoradas em interesses mútuos. Pinheiro se orgulhava de jamais dizer não aos pedidos de Lula.

Desde que deixou o governo, Lula costuma passar os fins de semana em um amplo sítio em Atibaia, no interior de São Paulo. O imóvel é equipado com piscina, churrasqueira, campo de futebol e tem um lago artificial para pescaria, um dos esportes preferidos do ex-presidente. Fora do poder, é lá que ele recebe os amigos e os políticos mais próximos. Em 2010, meses antes de terminar o mandato, Lula fez um daqueles pedidos a que Pinheiro tinha prazer em atender. Encomendou ao amigo da construtora uma reforma no sítio. Segundo conta um interlocutor que visitou Pinheiro na cadeia, esse pedido está cuidadosamente anotado nas memórias do cárcere que Pinheiro escreve.

Na semana passada, a reportagem de VEJA foi a Atibaia, região de belas montanhas entrecortadas por riachos e vegetação prístina. Fica ali o Sítio Santa Bárbara, cuja reforma chamou a atenção dos moradores da região. Era começo de 2011 e a intensa atividade nos 150 000 metros quadrados do sítio mudou a rotina da vizinhança. Originalmente, no Sítio Santa Bárbara havia duas casas, piscina e um pequeno lago. Quando a reforma terminou, a propriedade tinha mudado de padrão. As antigas moradias foram reduzidas aos pilares estruturais e completamente refeitas, um pavilhão foi erguido, a piscina foi ampliada e servida de uma área para a churrasqueira.

O que mais chamou atenção, além da rapidez dos trabalhos, é que tudo foi feito fora dos padrões convencionais. A reforma durou pouco mais de três meses. Alguns funcionários da obra chegavam de ônibus, ficavam em alojamentos separados e eram proibidos de falar com os operários contratados informalmente na região e orientados a não fazer perguntas. Os operários se revezavam em turnos de dia e de noite, incluindo os fins de semana. Eram pagos em dinheiro. "Ajudei a fazer uma das varandas da casa principal. Me prometeram 800 reais, mas me pagaram 2 000 reais a mais só para garantir que a gente fosse mesmo cumprir o prazo, tudo em dinheiro vivo", diz o servente de pedreiro Cláudio Santos. "Nessa época a gente ganhou dinheiro mesmo. Eu pedi 6 reais por metro cúbico de material transportado. Eles me pagaram o dobro para eu acabar dentro do prazo. Eram 20000 por vez. Traziam o pacotão, chamavam no canto para ninguém ver, pagavam e iam embora", conta o caminhoneiro Dário de Jesus. Quem fazia os pagamentos? "Só sei que era um engenheiro que esteve na obra do Itaquerão. Vi a foto dele no jornal", recorda-se Dário.

O arquiteto contratado para coordenar os trabalhos chama-se Igenes Irigaray Neto. Ele foi mandado de Dourados (MS) especialmente para tocar o projeto em Atibaia. Irigaray Neto foi encaminhado pelo empresário José Carlos Bumlai, que, a exemplo do empreiteiro da OAS, é amigo de Lula, cuida de seus assuntos pessoais e é personagem recorrente de várias histórias mal contadas que envolvem poder e dinheiro durante o governo petista. Bumlai apareceu até no escândalo do petrolão, em que é acusado de ter indicado um dos diretores corruptos da Petrobras.

Dono de uma loja de decoração, o empresário Matuzalem Clementoni conheceu Lula durante o trabalho de decoração do sítio. Matuzalem costuma tomar café com o "patrão", como ele se refere ao ex-presidente. O ex-governador de Mato Grosso do Sul Zeca do PT já até pescou no novo lago. "Eu que ensinei o Lula a pescar. Ele é bom de pesca, mas no sítio dele os peixes são criados para que só ele consiga fisgá-los." Lula encomendou ao amigo da OAS a reforma do sítio, que os amigos e políticos identificam como sendo do ex-presidente. No cartório da cidade, porém, a escritura de posse está em nome dos empresários Jonas Suassuna e Fernando Bittar — ambos sócios de Fábio Luís da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente. Suassuna e Bittar compraram o sítio em agosto de 2010, quatro meses antes de Lula deixar o cargo. Pagaram 1,5 milhão de reais pela propriedade. Lulinha mora em um prédio de luxo, localizado numa das áreas mais nobres de São Paulo, cujos apartamentos são avaliados em 6 milhões de reais. O apartamento onde Lulinha mora pertence a Suassuna. Procurados por VEJA, os empresários beneméritos da família Lula da Silva não quiseram se pronunciar.

Léo Pinheiro fez um segundo favor ao ex-presidente no ramo imobiliário. O empreiteiro conta que, a pedido do ainda presidente Lula, a OAS incorporou prédios inacabados da Cooperativa dos Bancários (Bancoop), entidade ligada ao PT que, em 2006, deu o golpe em 3 000 mutuários em São Paulo. Durante anos, dezenas de famílias que pagaram fielmente suas mensalidades à Bancoop tiveram seu suado dinheirinho desviado para as campanhas eleitorais do PT. Sem uma mãozinha da OAS, poderia dar cadeia o golpe da Bancoop, um ensaio geral para a roubança generalizada que marcaria mais tarde as gestões petistas. Cadeia para quem? Para João Vaccari Neto, tesoureiro do PT que, aliás, está preso por envolvimento no escândalo da Petrobras. Fiel ao amigo Lula, a OAS de Léo Pinheiro concluiu no início do ano o edifício Solaris, da Bancoop, que fica na praia do Guarujá. Por que o Solaris foi concluído, enquanto centenas de outros lesados pela Bancoop esperam em vão pela construção das unidades que compraram? Bem, o fato de Lula e Vaccari terem apartamentos no luxuoso Solaris explica as prioridades da OAS. Aos amigos, tudo. O tríplex de cobertura do ex-presidente no edifício Solaris, do Guarujá, tem 297 metros quadrados e elevador interno. O espaço é suficiente para construir quase cinqüenta celas iguais à que hoje serve de residência a Léo Pinheiro na penitenciária em Pinhais.

Em suas memórias do cárcere, o sócio da OAS anotou um terceiro favor feito a Lula, mas já na condição de ex-presidente. Em 2012, a Polícia Federal desmantelou uma quadrilha que vendia facilidades no governo. No topo da organização apareceu uma figura pouco conhecida. Ex-secretária de sindicato, Rosemary Noronha era chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo. Os investigadores descobriram que ela aproximava autoridades de empresários em troca de propinas. A questão é que Rosemary não era uma corrupta qualquer. Amiga íntima de Lula desde os tempos das greves do ABC paulista, Rose era tratada no governo como uma primeira-dama informal. Em viagens internacionais, quando a primeira-dama não podia ir, ela era incluída na comitiva presidencial. Em viagem a Roma, hospedou-se na embaixada brasileira, que lhe reservou o melhor quarto do Palazzo Pamphili, a especialíssima sede da nossa representação diplomática na Itália. Caída em desgraça, e sentindo-se abandonada, Rose ameaçou revelar seus segredos. Léo Pinheiro entrou em cena para ajudar o amigo. "A gente precisa ajudar o Lula nisso", ouviu de um interlocutor. Logo, João Batista de Oliveira, marido de Rosemary, conseguiu um bom emprego. A ex-secretária teve à disposição uma banca de 38 advogados para defendê-la na Justiça. Procurada, Rosemary Noronha disse que não iria falar sobre isso.

Foi com base no conteúdo das anotações de Léo Pinheiro que VEJA pautou a reportagem que aparece nestas páginas. Foi possível confirmar a maior parte das suspeitas que as anotações do preso levantam. A reportagem fica como registro indelével no caso de Léo Pinheiro, eventualmente beneficiado por um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), sair da cadeia, voltar a ser apenas o amigo de Lula, renegando o que anotou e contou. Diz um dos assessores mais próximos do empreiteiro: "A única coisa que impediu o Léo até agora de colaborar com a Justiça é a perspectiva de sua libertação, que alguns advogados asseguram que vai ocorrer em breve". Em situação semelhante encontra-se Ricardo Pessoa, da UTC, empreiteiro preso, que também deixou escapar pistas dos danos que pode causar a Lula e outros poderosos. Em troca de redução da pena, ele se compromete a revelar o esquema de financiamento de campanhas do PT e de políticos do partido.

Léo Pinheiro e Ricardo Pessoa estão colocados diante de um interessante dilema. Primeiro, se propuserem e for aceita sua delação premiada, eles receberão pena bem menor, como já aconteceu com Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef (veja a reportagem ©). Segundo, se optarem por não fazer a delação premiada, o mais certo é que recebam, em alguns casos, penas dilatadas de algumas dezenas de anos.

Ao optar por ser delator, porém, o preso renuncia ao direito de recorrer da pena e tem de começar a cumpri-la imediatamente. Ao optar por não delatar, a pena será altíssima, mas o preso tem direito a recorrer aos tribunais superiores em liberdade e só cumprir a pena quando vier a sentença definitiva, o que pode demorar até oito ou dez anos. E mais compensador começar a cumprir um ano em regime fechado e depois sair livre, caso do delator Paulo Roberto Costa? Ou não fazer delação, pegar uma pena gigantesca, mas não cumpri-la um único dia até que venha a condenação definitiva. Para um preso com 63 anos de idade e saúde frágil, como é o caso de Léo Pinheiro, talvez seja mais vantajoso pessoalmente esperar um habeas corpus que o tire da prisão preventiva dentro de alguns dias e, depois, seja qual for a sentença recebida, recorrer em liberdade, mesmo que com desonra. Se consultar sua consciência, porém, Pinheiro poderia optar por contar tudo o que sabe, cumprir um breve período na prisão como delator e deixar às gerações futuras de brasileiros um legado positivo, que ele sonegou à atual.

Com reportagem de Kalleo Coura e Hugo Marques

Ferreira Gullar - O fenômeno Lula

• Lula é a expressão brasileira do populismo surgido como consequência das ditaduras militares na América Latina

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Lula é um fenômeno brasileiro equivalente a outros semelhantes ocorridos em diferentes países.

Não é apenas uma personalidade, um fenômeno individual da nossa vida política: é o produto de uma série de fatores nacionais e internacionais, que vão dos conceitos ideológicos às questões sociais tipicamente brasileiras.

O fenômeno Lula não ocorreria em nenhum outro país senão o Brasil. Por isso mesmo, ele difere de Kirchner, de Hugo Chávez ou de Evo Morales porque é fruto de nossa realidade.

Não estou dizendo que seu surgimento foi uma fatalidade e que, portanto, houvesse o que houvesse, ele surgiria aqui e se tornaria presidente da República.

Não, ele poderia não ter surgido ou não ter ido além da liderança sindical no ABC paulista: ter sido eleito presidente do sindicato dos metalúrgicos e ficado nisso. Se foi além, deveu-se às suas qualidades pessoais --a capacidade de liderança, a sagacidade e a esperteza.

Sim, mas essas qualidades só lhe possibilitaram ampliar o poder sobre os liderados e abrir caminho para a vida política porque as circunstâncias históricas o permitiram: por exemplo, o fracasso da aventura guerrilheira que obrigou os Dirceus e Genoínos a se conformarem em fazer política dentro da legalidade, dando origem ao Partido dos Trabalhadores.

Isso abriu caminho para que Lula se tornasse líder não apenas de sindicalistas, mas de um partido operário que aspirava à implantação do socialismo no Brasil.

Ele, Lula, não era socialista, tampouco revolucionário. Nunca lera um livro na vida --conforme alardeou--, muito menos as teorias marxistas. Sucede, porém, que, como líder sindical, dispunha do apoio operário e, consequentemente, da intelectualidade de esquerda que os militantes de classe média não logravam ter.

Isso fez dele não apenas um dirigente sindical, mas um líder operário revolucionário, particularmente na imaginação dos intelectuais que sonhavam com um socialismo até então inviável.

Não por acaso, Mário Pedrosa, Antonio Candido e outros intelectuais de prestígio passaram a ver nele a possibilidade de realização da revolução operária de que já haviam desistido.

Lula tornou-se, portanto, a reencarnação daquele sonho. E assim foi que, embora nada entendesse de marxismo, assumiu o papel de líder da uma nova revolução operária brasileira.

Sucede que, adotando essa imagem e o discurso esquerdista que lhe ensinaram, não conseguia eleger-se presidente da República. Ao percebê-lo, esperto como sempre foi, mudou o discurso, tornou-se o Lulinha paz e amor, e venceu as eleições presidenciais de 2002.

Aí começa a história de um novo Lula, presidente do Brasil, tomado pela megalomania, disposto a nunca mais deixar o poder.

Toma, então, as providências necessárias para isso: de saída, nomeia mais de 20 mil companheiros para funções públicas sem concurso e revoga o decreto de Fernando Henrique Cardoso, conforme o qual só técnicos poderiam ser nomeados para cargos técnicos, o que o impedia Lula de por companheiros e aliados sem qualificação em funções importantes.

E por aí foi. José Dirceu, seu braço direito, em viagem que fez então à Europa, declarou que o PT ficaria no poder por 20 anos no mínimo. Na verdade, Lula, como ele, pensava que ali ficariam para sempre, conforme a prática da esquerda revolucionária.

Um dos instrumentos principais desse projeto de poder era a Petrobras. E ele não demorou a tomá-la nas mãos, nomeando para cargos fundamentais gente do partido e aliados, numa aliança corrupta que, mais tarde, a Operação Lava Jato revelaria.

Tarde demais, porque a essa altura já as trapaças haviam sido consumadas. Por outro lado, dentro de seu projeto de permanência no poder, presenteou aliados políticos com refinarias que nunca foram construídas ou custaram bilhões de reais a mais que o previsto.

Assim, o adversário da privatização fez da Petrobras propriedade sua e de seu partido.

Lula é a expressão brasileira do fenômeno populista que surgiu na América Latina como consequência das ditaduras militares que o anticomunismo norte-americano nos impôs e tornou possível que demagogos como Chávez e Lula se arvorassem em salvadores da pátria.

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Ferreira Gullar, ensaísta, critico de arte e poeta. É membro da Academia Brasileira de Letras (ABL)