segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Opinião do dia – José Álvaro Moisés

Os partidos têm, portanto, problemas que ultrapassam as distorções reveladas pela Lava Jato. Como ocorreu na Itália dos anos 1990, não será a fragilização ou a eliminação de regras e procedimentos de fiscalização e de controle que os salvará. Partidos têm o monopólio da representação dos cidadãos e, por isso, se o contingente de eleitores que os desqualifica cresce, algo está errado. Representar significa “estar no lugar de” e para isso os representantes precisam ouvir, comunicar-se e constituir-se em referência para as escolhas dos eleitores.

Evitar o colapso dos partidos só depende da capacidade de seus líderes de reconhecer a natureza da crise e reagir antes que seja tarde demais. Eles precisam dizer com clareza como pretendem reconquistar a confiança dos eleitores e explicar, por exemplo, por que os partidos não consultam filiados e simpatizantes para a escolha de candidatos e programas. Precisam, sobretudo, assumir claro compromisso anticorrupção para recuperar os valores republicanos.

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Diretor do núcleo de pesquisa de políticas públicas da USP, editor do site qualidade da democracia, é autor do livro ‘Desconfiança política e seus impactos na qualidade da democracia’ (EDUSP, 2003) – ‘Os partidos estão colapsando?’ – O Estado de S. Paulo, 24 de agosto de 2015.

PMDB e Planalto atribuem desgastes do governo a Levy

• Ministro coleciona atritos por tentar barrar gastos que acabam sendo feitos

• Ele barrou R$ 500 mi de emendas, mas depois cedeu; o mesmo ocorreu com a meta do superávit e o 13º dos aposentados

Natuza Nery, Andréia Sadi – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na iminência de perder o vice-presidente Michel Temer como titular da articulação política, o governo e o PMDB passaram a atribuir parte dos recentes desgastes com o Congresso ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Na avaliação do partido e do Palácio do Planalto, Levy está "esticando a corda" e prejudicando o esforço do Executivo de recuperar alguma estabilidade no Congresso. Muitos afirmam que o ministro gera o desgaste, mas, depois, é obrigado pelas circunstâncias a recuar, arranhando sua credibilidade.

Segundo relatos à Folha, três episódios ajudaram a tumultuar a convivência de ministros políticos com o chefe da equipe econômica. No mais recente, o titular da Secretaria de Aviação, Eliseu Padilha –no comando da distribuição de cargos e verbas parlamentares ao lado de Temer– bateu boca com Levy.

O motivo era a liberação de R$ 500 milhões em emendas, medida considerada crucial à estratégia de amenizar a rebelião de partidos aliados.

A Fazenda barrou o repasse. Padilha reagiu: "Não vou recuar na minha palavra", disse para Levy, em uma discussão tensa que logo repercutiu na Esplanada.

A confusão reforçou a pressão do PMDB para que Temer abandonasse o posto de negociador do governo. Motivo: falta de autoridade para exigir que Levy cumprisse um acordo ratificado pela própria presidente da República.

A decisão final é que o dinheiro sairá. Mas o estrago já foi feito. "Levy não pode interferir na competência da SRI (Secretaria de Relações Institucionais)", disse um ministro petista, referindo-se ao ministério acumulado por Padilha, responsável por atender às demandas do Congresso e, assim, viabilizar votações importantes para o governo.

Para o núcleo político da Esplanada, Levy joga errado. Coloca-se contra propostas do próprio governo, num primeiro momento, mas depois é obrigado a recuar.

Considerado politicamente inábil no PT e, agora, no PMDB, ministros de ambos os lados já começam a ironizar o título dado à Levy de avalista da política econômica, contestando a tese de que o país afundará caso ele deixe a Fazenda. "Ao menos iremos para o abismo com um fiador", brinca um ministro.

Em uma reunião recente com o Senado para discutir a Agenda Brasil, pacote anticrise do PMDB, o ministro ouviu críticas duras. "Levy, o teu tempo não é o da política. No dia que você conseguir arrumar a casa, a presidente terá de entregá-la a alguém de fora do governo porque já terá sido tarde", afirmou o senador Romero Jucá (PMDB-RR), segundo a Folha apurou.

Levy tem sido obrigado a recuar em seus embates. Ele até consegue travar medidas de aumento de gastos em um primeiro momento, mas é sempre vencido adiante. Foi assim com a redução da meta do superavit primário (economia para pagar juros da dívida). Ele queria algo próximo a 1,1% do PIB. O governo rebaixou para 0,15%.

O mesmo ocorreu com a antecipação de metade do 13º dos aposentados. Ele suspendeu o adiantamento, o que afetaria 32 milhões de pessoas, mas acabou sendo obrigado a rever sua posição.

Na semana retrasada, ele suspendeu negociações para aumentar o limite de endividamento dos Estados mesmo depois da presidente ter se comprometido com governadores. Agora, já fala em ceder. Em todos os casos, o Planalto amargou desgastes.

Procurado para comentar, Levy disse, por meio de sua assessoria, que também sofre com a falta de dinheiro.

"Apoio o ministro Padilha. Também estou frustrado. Frustrado porque falta dinheiro e não temos como produzir mais dinheiro, então é preciso realocar o que existe dentro dos ministérios. Estamos tentando fazer o máximo com o que temos", disse.

Cúpula do PMDB no Senado fecha acordo com governo para reconduzir Janot

• Animosidade com o procurador-geral vinha desde março, com a abertura de 13 inquéritos contra senadores envolvidos na Lava Jato

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A cúpula do PMDB do Senado costurou um acordo com o governo para reconduzir o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O maior partido da Casa - com 17 dos 81 senadores - já sinalizou ao Palácio do Planalto que atuará para garantir a prorrogação do mandato do chefe do Ministério Público Federal por mais dois anos em votações secretas previstas para ocorrer nesta quarta-feira, 26, tanto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) quanto no plenário.

A animosidade na Casa com o procurador-geral vinha desde março, com a abertura de 13 inquéritos contra senadores envolvidos na Operação Lava Jato, dos quais quatro peemedebistas e um deles o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL). No mês passado, a rejeição ao nome dele chegou a ser tratada como um risco real por três importantes líderes do Senado, logo após a operação de busca e apreensão avalizada por Janot contra os senadores Fernando Collor (PTB-PE), Ciro Nogueira (PP-PI) e Fernando Bezerra (PSB-PE). O movimento fez aliados de Janot cogitarem um plano B a fim de garantir a continuidade das investigações, se o nome fosse rejeitado.

Contudo, nas últimas semanas, peemedebistas entraram em campo para diminuir resistências ao procurador-geral. Primeiro, eles atuaram no dia 5 de agosto para dissuadir uma rebelião liderada por Collor para barrar, em votação secreta, um indicado por Janot ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Senadores queriam dar um "susto" em Janot com a rejeição a um novo mandato do procurador regional da República Fábio George Cruz da Nóbrega no CNMP. Mas não houve sucesso e Nóbrega obteve 51 votos a favor, 17 contra e ainda uma abstenção. Assim como Janot, ele precisava de, pelo menos, 41 votos favoráveis.

Dois dias depois, em viagem oficial, a presidente Dilma Rousseff avisou o senador Romero Jucá (PMDB-RR) que iria reconduzir Janot. Aliado de Renan, o peemedebista - também alvo da Lava Jato - garantiu-lhe que o nome seria aprovado. Não houve mudanças no apoio com as denúncias de Janot, na semana passada, contra Collor e o também peemedebista, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ). "Vai ser uma sabatina longa, dura, como deve ser todas elas, mas Janot será aprovado", afirmou o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), ao Broadcast Político.

Crise. A avaliação de integrantes do PMDB e outros partidos é que rejeitar o procurador-geral poderia trazer a crise para o Senado. Em entrevista na semana passada, quando já sabia que Cunha seria denunciado, Renan deu o tom de sua atuação. "Vou demonstrar completa isenção e grandeza como presidente do Senado Federal. Vamos fazer a sabatina na quarta-feira (dia 26), vou conversar com os líderes para que nós votemos no mesmo dia, para que definitivamente o Senado possa demonstrar que não vai permitir o amesquinhamento dessa apreciação", afirmou.

O principal foco de incerteza é Collor, maior crítico público à atuação de Janot. O ex-presidente já apresentou um voto em que questiona a gestão do atual procurador. Para Collor, Janot omitiu, na mensagem enviada ao Senado, o fato de dois contratos da gestão dele serem alvo de autorias do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele também promoveu cinco pedidos contra Janot no Senado que poderiam, em última análise, levar ao afastamento dele da chefia do Ministério Público. "Ele (Collor) é instável", reconheceu um líder aliado que atua para "segurar" o ímpeto do ex-presidente.

Boa vontade - Uma articulação de bastidores mostra a boa vontade do PMDB do Senado com o Ministério Público e com o governo. Eles decidiram apoiar uma proposta para impedir que Dilma passe o constrangimento de um novo veto. Alvo da Lava Jato e relator do projeto de reajuste dos servidores do MP, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) já topou apresentar um novo parecer em plenário que contemple o aumento para a categoria de 41,5% em quatro anos, a partir de 2016.

A proposta é idêntica à apresentada recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, aos servidores do Judiciário logo após Dilma ter vetado o aumento médio de 59,5% entre 2015 e 2017. Dessa forma, se o projeto dos servidores do MP passar, o texto vai para a Câmara e a presidente não será obrigada a rejeitar o reajuste maior. Por outro lado, com a aceitação do acordo, o PMDB do Senado sinaliza que não deve topar a derrubada do veto dos servidores do Judiciário, que tem vindo em caravanas à Brasília para pleitear o reajuste maior.

‘Ministro sem pasta’ tenta frear CPIs

• Giles Azevedo, assessor especial da presidente, assume funções de Temer e se reúne com deputados da base para cobrar fidelidade

Pedro Venceslau – O Estado de S. Paulo

- BRASÍLIA - Enquanto o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) ensaia deixar o posto de articulador político do Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff (PT) escalou um “ministro sem pasta” para atuar no varejo da relação com o Congresso e montar a blindagem do governo nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) criadas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), depois dele romper com o governo.

O assessor especial da Presidência Giles Azevedo reuniu-se na quarta-feira em seu gabinete com deputados do PP, PMDB, PT e PC do B para orientar a estratégia governista na CPI que investiga supostas irregularidades na concessão de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entre 2003 e 2013. Segundo relatos de participantes do encontro, Giles cobrou empenho e chegou a ligar para ministros, líderes e dirigentes partidários.

Nas conversas, pediu que as siglas aliadas substituam os deputados que não se empenharem em frear a ofensiva da oposição para constranger Dilma e o PT. Na semana passada, uma articulação entre peemedebistas e tucanos resultou na criação de quatro sub-relatorias na comissão – todas entregues à oposição.

Os agraciados foram Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do ex-deputado Roberto Jefferson (que denunciou o mensalão), Alexandre Baldy (PSDB-GO), André Fufuca (DEM-MA) e André Moura (PSC-SE), que integra a tropa de choque de Eduardo Cunha na Câmara.

A manobra resultou no enfraquecimento do relator, José Rocha (PR-BA), que é governista, e deixou o Palácio do Planalto em alerta. A CPI quer convocar, entre outros, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu filho, Fábio Luís, os ex-ministros Miguel Jorge (2007-2010) e Fernando Pimentel (2011-2014) e empresários como Marcelo Odebrecht e Eike Batista.

A comissão tem uma reunião de trabalho marcada para manhã e, na quinta-feira, ouvirá o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. A avaliação dos petistas e demais aliados é de que a CPI não tem um objeto claro, por isso tenta criar fatos.

“Enquanto a CPI da Petrobrás corre atrás da Lava Jato, a do BNDES não tem fatos concretos. Por isso tentam fazer essas convocações para terem notoriedade”, diz o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), segundo-vice-presidente da CPI.

Na reunião com deputados da semana passada, Giles disse que é possível virar o jogo na CPI se os deputados governistas souberem aproveitar a ocasião para defender a atuação e os pressupostos do BNDES.

A ideia é comparar a estratégia do banco com o período do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que, segundo os petistas, teria atuado com foco nas privatizações.

Outro ponto de preocupação é a CPI dos Fundos de Pensão, criada para investigar indícios de manipulação em fundos de pensão complementar. Assim como no caso do BNDES, a comissão também foi criada por Cunha depois do rompimento com o governo Dilma.

Curinga. Em outra frente, Giles também estaria, segundo relatos de deputados, conversando com parlamentares do baixo clero e líderes de pequenas siglas para sedimentar, “pela base”, o projeto de recomposição do bloco aliado.

A movimentação do assessor especial vem sendo feita de forma discreta e à revelia do vice-presidente, Michel Temer.

Chefe de gabinete de Dilma no primeiro mandato, Giles assumiu o cargo de assessor especial em 2015. Avesso aos holofotes, ele participa das reuniões mais importantes do núcleo político do Palácio do Planalto. Nessas ocasiões, mais ouve do que fala. Ele também assumiu, em janeiro, a função de conselheiro da empresa Itaipu Binacional no lugar do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, preso na Operação Lava Jato.

Giles integrou o comando da campanha pela reeleição de Dilma em 2014. O Estado tentou contato com o assessor especial, mas nã0 obteve resposta até a conclusão desta edição.

Relação entre Dilma e Temer está degradada

PMDB detecta coordenação política paralela no governo

Por Raymundo Costa - Valor Econômico

Brasília - Coadjuvante dos governos do PSDB e do PT há 25 anos, o PMDB prepara o bote para tentar voltar ao centro da cena, da qual se encontra afastado desde 1990, com o fim do governo José Sarney, um pemedebista acidental. Esse é o objetivo a ser atingido, seja pela via mais longa, na sucessão presidencial de 2018, ou pelo atalho do impeachment da presidente da República, assunto que já é tratado sem constrangimento por seus principais dirigentes, nas conversas de bastidor.

A relação entre as duas siglas piorou muito depois de o vice-presidente Michel Temer declarar que era preciso "alguém" para unir o país. No Palácio do Planalto, os ministros do PT - e até a própria Dilma, segundo algumas fontes - entenderam que Temer se habilitara ao cargo da presidente, praticamente dando a senha para o impeachment.

Temer conversou mais de uma vez com Dilma, com ministros e presidentes de partido, mas não convenceu nem encontrou quem quisesse ser convencido no Palácio do Planalto. A relação entre a titular e o vice está "degradada", segundo um assessor palaciano. E já vinha mal. Primeiro porque o vice não conseguia fazer cumprir os acordos acertados pelo ministro Eliseu Padilha, dublê de secretário da Aviação Civil e coordenador político do governo e um dos políticos mais próximos do vice. Segundo porque se descobriu uma coordenação paralela.

Os casos foram se empilhando sobre as mesas dos pemedebistas escalados para salvar a coordenação política do governo. Padilha, por exemplo, acertou com o PP a nomeação de um diretor do Banco do Nordeste indicado pelo ex-ministro Aguinaldo Silva (Cidades). No "Diário Oficial da União" apareceu um outro nome ligado a outro partido.

Temer acertou pessoalmente com o ministro Joaquim Levy (Fazenda) a liberação de R$ 10 milhões de emendas parlamentares ao Orçamento para os novos deputado eleitos em 2014. O Ministério do Planejamento se recusou a fornecer aos deputados a senha necessária para que eles pudessem inscrever as emendas no sistema orçamentário.

Com a decisão, o Erário deixou de pagar algo em torno de R$ 1 bilhão com o pagamento de emendas, segundo cálculos pemedebistas, mas deixou de arrecadar cerca de R$ 3 bilhões com o atraso da aprovação, na Câmara, da medida que onera a folha de pagamentos das empresas, numa rebelião acertada entre os deputados pelo WhatsApp.

Os ministros Patrus Ananias (Desenvolvimento Agrário) e Juca Ferreira (Cultura) ignoraram indicações políticas para o Incra e o Iphan, sem dar satisfações. Na última semana o caldo entornou quando Padilha acertou a liberação de R$ 500 milhões de restos a pagar de emendas parlamentares e a Fazenda mandou dizer que não havia dinheiro em caixa.

A situação ficou insustentável quando o PMDB foi informado de que havia uma verdadeira "coordenação política paralela" em curso. A presidente passara a receber parlamentares individualmente, em grupos e até comemorar aniversário de deputados, segundo informações chegadas à VPR, como é chamada a vice-presidência da República. Humilhação suprema: o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) passara a dizer que havia críticas de deputados à coordenação política comandada por Temer e executada por Padilha.

Padilha decidiu que em setembro volta para a Aviação Civil. Temer quer fazer uma transição gradual, mas está sob pressão dos deputados e senadores do PMDB que já não veem salvação para o governo Dilma e querem se descolar do desgaste que causa aos candidatos a parceria com a presidente e o PT. Não fossem todos esses episódios, narrados na ótica pemedebista, o divórcio entre os dois partidos foi selado já no primeiro dia do segundo mandato do governo Dilma.

O motivo seria a suposta candidatura de Mercadante à Presidência da República, na sucessão de Dilma. Com esse objetivo, Mercadante tentou reduzir o papel do PMDB com a ajuda do ministro Gilberto Kassab (Cidades), presidente do PSD, e do ex-governador do Ceará Cid Gomes, hoje no PDT. Aos dois caberia cooptar deputados do PMDB. Simultaneamente, Mercadante tentou isolar a corrente majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB), a que pertence o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi um desastre que desorganizou inteiramente a base de sustentação do governo nas duas Casas do Congresso.

Na prática já existe uma separação programática do PMDB com o PT, que deve ser explicitada no programa de governo a ser lançado no dia 15 de novembro, feriado da Proclamação da República. Data escolhida a dedo para permitir que mais de 4 mil militantes pemedebistas estejam em Brasília para conhecer o programa e aprovar a proposta de uma candidatura própria em 2018 - vereadores, prefeitos, presidentes de diretórios municipais, estaduais, deputados estaduais e federais, senadores, governadores, todos com direito a voto.

À exceção da parte social, o programa do PMDB deve representar um verdadeiro desmonte do que foi a política econômica do governo do PT, pelo menos desde a crise de 2009. O congresso está sendo organizado pela Fundação Ulysses Guimarães, presidida pelo ex-governador do Rio Moreira Franco, outro nome, ao lado de Padilha, que integra o restrito grupo de conselheiros de Temer. Ele foi ministro de duas pastas do governo Dilma - Aviação Civil e a de Assuntos Estratégicos -, mas fala como um legítimo representante da oposição.

Segundo Moreira, o atual governo ameaça a estabilidade da moeda, conseguida após anos de inflação alta, praticamente destruiu a Lei de Responsabilidade Fiscal, impôs dificuldades à economia por motivos puramente ideológicos e escorregou feio na questão da ética. "O doutor Ulysses dizia: 'Não roubar, não deixar roubar e por na cadeia quem roubar'. O país quer e vai mudar. O PMDB vai implantar a Nova República com a qual sonhou Tancredo Neves, mas se frustrou com sua morte".

Temer dirá hoje a Dilma que vai deixar a articulação política

• Segundo ministros, presidente poderá pedir ao vice para ficar na função

Cristiane Jungblut e Isabel Braga - O Globo

O vice-presidente Michel Temer dirá hoje à presidente Dilma Rousseff que vai deixar a coordenação política do governo. Mas, segundo ministros, receberá um pedido para que desista da ideia e permaneça na função. -BRASÍLIA- O vice-presidente Michel Temer se reúne hoje com a presidente Dilma Rousseff para dizer que vai deixar a coordenação política do governo. Mas ministros do Palácio do Planalto dizem que a intenção é manter o apoio a Temer, para que ele desista da ideia e permaneça na função. Temer terá uma conversa privada com Dilma antes da reunião de coordenação política que ocorre todas as segundas-feiras.

Ontem, o ministro da Secretaria de Comunicação de Governo, Edinho Silva, fez elogios ao vice-presidente:

— O Temer tem cumprido um papel fundamental na articulação política. Tem rara habilidade na construção de posições majoritárias. E o ministro Padilha também. A presidente Dilma tem muito reconhecimento e gratidão ao trabalho de Temer na articulação.

Mal-estar na liberação de emendas
O clima entre Dilma e Temer é de estranhamento desde que, no auge da crise política, ele declarou que “alguém” precisava unir o país. Desde então, Dilma passou a esvaziar o papel do vice na articulação e a ocupar seu espaço. Na última semana, Temer avisou que não quer ser mais responsável pela chamada negociação miúda de cargos e liberação de emendas parlamentares.

Fiel escudeiro de Temer e operador dessas negociações, o ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil) afirmou a parlamentares que não vai mais despachar na Secretaria de Relações Institucionais, no Palácio do Planalto, onde tem feito jornada dupla.

Temer vem reclamando até mesmo do comportamento do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Na semana passada, houve um mal-estar em relação à liberação de emendas. Temer assumiu compromissos, por intermédio de Padilha, depois desautorizados pela equipe econômica. O vice está insatisfeito ainda com interpretações, por parte de ministros petistas, de que ele poderia ser beneficiado com o impeachment da presidente. O vice vem dizendo que tem história como jurista e não quer seu nome envolvido em insinuações de apoio a ações golpistas.

Aliados de Temer dizem que ele está decidido. Mas admitem que falta uma conversa com Dilma. A reunião da coordenação política deverá ser precedida de uma conversa dos dois. É na coordenação política que se define toda a estratégia da articulação.

Aliados têm certeza da saída de Temer. Parlamentares do PMDB dizem que seria “uma desmoralização” ele mudar de ideia. O problema é que a negociação ficaria nas mãos do PT, principalmente do ministro Aloisio Mercadante (Casa Civil), cujo comportamento é muito criticado no Congresso. Mas os mesmos peemedebistas afirmam que isso não significa um desembarque do PMDB do governo.

— Quero ver como os gênios do PT vão se virar sem o PMDB na negociação política — resumiu um aliado de Temer.

O PMDB do Senado não acredita num rompimento com a saída de Temer da linha de frente da coordenação, até porque isso seria interpretado como apoio ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha. O PMDB do Senado está mais próximo do Planalto, na figura do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

O partido também espera uma posição de Temer para saber se deixará o governo Dilma. O encontro nacional do partido foi adiado para novembro.

— Do jeito que as coisas estão, é muito complicado prever. E não podemos fazer um encontro do PMDB sem um caminho definido — disse um integrante da cúpula da legenda.

Vice pede a Cunha que reduza ataque ao governo

• Deputado promete ser mais tranquilo, mas diz que oposição está em seu papel

- O Globo

-BRASÍLIA- O vice-presidente Michel Temer (PMDB) pediu ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDBRJ), que reduza os ataques ao governo Dilma, a aliados e até ao Ministério Público. Na conversa que teve com Cunha na última sexta-feira, segundo aliados, Temer tentou acalmar o deputado e argumentar que o estilo “metralhadora giratória” só o prejudicará ainda mais.

A interlocutores, Cunha prometeu ser mais tranquilo, mas avisou que vai reagir para se defender das denúncias do Ministério Público sempre que necessário. Apesar do tom ameno, afirmou a aliados que a oposição e o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Gilmar Mendes estão em seu papel, e que é direito deles dar seguimento a ações contra a presidente Dilma Rousseff.

Cunha disse aos colegas do PMDB que já vem adotando postura de tranquilidade nas votações de projetos da chamada pauta-bomba, que podem aumentar os gastos do governo em época de crise.

Amanhã, a oposição se reunirá com juristas para conversar sobre o ambiente para a apresentação de um pedido de impeachment contra Dilma ao Congresso. Parte dos parlamentares defende a ideia de fazê-lo já. Mas outra parte, após declarações do empresariado a favor da permanência da presidente no cargo, acha que o melhor é aguardar decisão do Tribunal de Contas da União ou do Tribunal Superior Eleitoral.

— A crise é gravíssima, e não podemos agir com irresponsabilidade e muito menos com covardia. Há pessoas com medo da instabilidade, mas de nada adianta admitir um governo sem condições de governabilidade por três anos e meio — disse o vice- líder do PSDB, Marcus Pestana (MG).

Saída de Cunha divide deputados do PT

Por Cristian Klein – Valor Econômico

RIO - A bancada federal do PT está dividida sobre o que fazer em relação a Eduardo Cunha (PMDB-RJ) depois que o presidente da Câmara dos Deputados foi denunciado, na quinta-feira, pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao Supremo Tribunal Federal (STF), por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

Há um grupo que prefere não acossar Cunha - desafeto do governo federal e que pode acolher a qualquer momento um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff - e outra ala que já colhe assinaturas para afastar o pemedebista da presidência da Câmara, tendo como justificativa a denúncia apresentada no STF.

"A bancada do PT vai ter um debate muito radicalizado", prevê o deputado Carlos Zarattini, de São Paulo, sobre a reunião convocada para discutir o assunto hoje, em Brasília. O parlamentar afirma que o grupo majoritário - medido pelo apoio ao líder da bancada, Sibá Machado (AC) - tem cerca de 55%, e a ala anti-Cunha, liderada pela corrente Mensagem, e representada por deputados como Alessandro Molon (RJ) e Henrique Fontana (RS), conta com 45%.

Zarattini, que se alinha à ala majoritária, afirma que o grupo é da opinião de que Eduardo Cunha foi eleito deputado federal, presidente da Câmara e deve permanecer no cargo "até que seja condenado e haja provas irrefutáveis contra ele". "Até porque defendemos a permanência da Dilma e do Lindbergh [Farias, do Rio] e da Gleisi [Hoffmann, do Paraná]. Tem que preservar. A pessoa precisa ter o direito de se defender", diz o deputado, numa referência a senadores do partido que tiveram seus nomes citados em meio às investigações da Operação Lava-Jato, que apura esquema de corrupção na Petrobras.

De acordo com a denúncia de Janot ao STF, Cunha recebeu pelo menos US$ 5 milhões em propina do delator Julio Camargo, ex-executivo da Toyo Setal.

Zarattini afirma que o zelo em relação a Cunha não tem tanto a ver com a preocupação em não atiçá-lo, para evitar que o pemedebista dê sinal verde a um processo de impeachment. Para o deputado, a tão esperada reação de Cunha - agora acuado - não se dará em função do "campo externo", mas dependerá do ambiente interno, no PMDB, caso a legenda aprove o rompimento com o governo. "Isso vai acabar acontecendo", diz o petista.

Tomada essa decisão coletiva, aí sim, a base aliada, sem os pemedebistas, ficaria muito enfraquecida, abrindo caminho para um possível processo de impeachment. "O Cunha não vai tomar uma posição individual. Vai aguardar o processo de afastamento do [vice-presidente da República Michel] Temer", afirma.

O parlamentar diz que há um grupo grande no PMDB que quer desembarcar do governo, mas que o "núcleo dirigente" de Dilma e o "pessoal da Mensagem" parecem não ter entendido o que está se passando.

Para Zarattini, a solução para a crise política requer uma profunda reforma ministerial, de modo que os titulares das pastas realmente garantam apoio das bancadas de seus partidos no Congresso, e que auxiliares próximos de Dilma sejam trocados. "Os deputados do PMDB, por exemplo, não se reconhecem nos três ministros [indicados como cota da bancada da Câmara]. E o núcleo [de governo] não ajuda", diz o parlamentar, para quem, apesar da crise econômica e da Lava-Jato, o fundamental é a política, onde o governo vai mal. "Há um desprezo grande pelo Parlamento, inclusive pela bancada do PT", critica.

PT acata Lula e trata Cunha com 'cautela'

• Partido se reúne nesta segunda para deliberar um posicionamento sobre denúncia do Ministério Público contra o presidente da Câmara

Ricardo Brito e Daiene Cardoso – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Pressionada por integrantes do governo, do PT e até pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a bancada petista na Câmara se reúne nesta segunda-feira, 24, com o presidente do partido, Rui Falcão, para discutir se decide apoiar um pedido de afastamento do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), após ele ter sido denunciado, na semana passada, por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato.

Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo ontem, Lula defende "cautela" por parte dos petistas para evitar que partido tenha papel de protagonista em ações contra Eduardo Cunha.

A posição dos deputados petistas, a segunda maior bancada da Casa, é considerada decisiva para fortalecer o incipiente movimento que deseja a saída de Cunha do cargo. No dia da denúncia, parlamentares do PSOL, PSB, PT, PPS, PDT, PMDB, PR, PSC, PROS e PTB divulgaram manifesto anônimo contra o peemedebista por considerar "insustentável" a permanência dele no cargo.

Antes do encontro, Falcão já deu o tom, em entrevista, da posição que deve defender. Segundo ele, embora considere o fato "gravíssimo", pretende esperar uma decisão do Supremo Tribunal Federal - se aceita a denúncia transformando Cunha em réu - para exigir o afastamento do presidente da Câmara. "Não vou prejulgar", afirmou.

Reclamação. A simples discussão dentro do PT tem irritado Cunha. O presidente da Câmara ligou para o vice-presidente e presidente do PMDB, Michel Temer, para reclamar da postura do PT, que chamou de inaceitável e cobrou dele providências. "Se o PT quer partidarizar, vamos partidarizar também", disse um aliado de Cunha, a quem foi relatada a conversa entre ele e Temer.

Petistas consultados pela reportagem temem que, em retaliação a uma decisão mais agressiva da bancada, Cunha aumente a pressão sobre o governo, com quem rompeu em julho. A posição majoritária dos deputados petistas é esperar uma posição do STF ao mesmo tempo que aproveitam para expor o que chamam de seletividade da oposição: não pedem o afastamento de Cunha, denunciado, mas querem o impeachment de Dilma, contra quem não há nenhum processo.

Um dos vice-líderes do PT, Afonso Florence (BA), considera que não há uma maioria na bancada favorável ao afastamento de Cunha. Mas reconhece que a situação dele está se degradando "muito rapidamente". "Se não quero golpe contra a presidente, não vamos fazer o mesmo com ele", disse ele.

Para outro vice-líder, o deputado Henrique Fontana (PT-RS), a consistência da denúncia contra Cunha mostra que ele não tem condições de continuar na presidência da Câmara. "Vou atuar com o objetivo que ele se afaste", adiantou.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) disse que, embora considere Cunha oposição declarado que ataca permanentemente o PT, vai defender a posição de se aguardar a manifestação do Supremo. "Ele (Cunha) foi legitimamente eleito pelo povo (para a Câmara) e pelos deputados (para a presidência da Casa).

Crédito escasso atinge agronegócio e ameaça competitividade do campo

• Como ocorreu na habitação, captação menor da poupança reduziu dinheiro disponível ao setor

• Compra de sementes e fertilizantes está atrasada; BB diz que ritmo de liberação dos recursos está acelerado

Tatiana Freitas Toni Sciarretta – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO -O aperto no crédito chegou ao agronegócio. A menos de um mês do início do plantio da nova safra, produtores de soja se queixam de dificuldades para obter empréstimos para custear a produção.

Morosidade na análise de crédito, aumento das exigências dos bancos, alta nos juros –com um "mix" entre recursos subsidiados e crédito livre com taxas elevadas– e até venda casada são relatadas por agricultores.

As dificuldades provocaram atraso na compra de insumos necessários para o início do plantio, como sementes e fertilizantes, e aumentaram os custos de produção.

Se o problema persistir, poderá interromper os sucessivos ganhos de produtividade do setor nos últimos anos.

A situação é pior em regiões onde há mais produtores com dívidas pendentes, como no Rio Grande do Sul, Bahia e Goiás. Mas, segundo o presidente da Aprosoja Brasil (Associação dos Produtores de Soja), Almir Daspasquale, o aperto é generalizado. "O dinheiro vem vindo a conta-gotas para todas as agências do Brasil", diz.

O problema teve origem no primeiro semestre, quando os produtores começam a se preparar para o plantio da safra seguinte. Nessa fase, eles buscam recursos nas linhas de pré-custeio, voltadas à compra de insumos.

Foi quando secou o dinheiro das contas-correntes e da poupança que, no caso do Banco do Brasil, vai para o financiamento do agronegócio. O banco estatal destina 73% da chamada poupança rural (90% do total da caderneta) para o crédito agrícola com juros subsidiados de 8,75% ao ano.

Nas demais instituições financeiras, 65% da poupança vai para o crédito imobiliário, que neste ano também teve restrição de recursos especialmente na Caixa.

Além da poupança rural, o agronegócio conta com o direcionamento de 34% dos depósitos à vista (conta-corrente) de todos os bancos.

Com a alta dos juros, tanto a poupança como as contas-correntes perderam depósitos para outras aplicações. Para reverter a situação, Caixa e BB fizeram campanhas para estimular os depósitos.

Seca no crédito
Devido ao aperto, o BB só emprestou R$ 3,5 bilhões para o pré-custeio com juros subsidiados neste ano. No ano anterior, tinha feito cerca de R$ 8 bilhões nessa linha. Sozinho, o BB responde por 65% do crédito rural.

A consequência foi a queda de 14% na concessão total de crédito rural no primeiro semestre, segundo o BC.

"Neste ano, o pré-custeio foi nulo", diz Adolfo Petry, coordenador da comissão de política agrícola da Aprosoja-MT (associação dos produtores de soja de Mato Grosso).

"Em março do ano passado já tinha custeio para a safra seguinte. Neste ano, o financiamento só saiu no final de julho", afirma José Guarino Fernandes, produtor de soja em Sapezal (MT).

O alívio veio com o anúncio do Plano Safra 2015/16, em junho, prevendo R$ 187,7 bilhões em crédito para o setor, alta de 20% em relação ao anterior. Os recursos começaram a ser liberados em julho, mas produtores continuam reclamando de lentidão.

Preocupados com a inadimplência, os bancos apertaram as regras de cadastro e passaram a exigir mais garantias. Segundo produtores, na Caixa, crédito acima de R$ 500 mil só sai com hipoteca de primeiro grau (bens que não são garantia de outros financiamentos). O banco não concedeu entrevista.

O BB informou que não há restrição de recursos para a safra. Segundo o banco, o ritmo de liberação de empréstimos está acelerado. Com 50 dias do Plano Safra, as concessões para a agricultura empresarial são 34% superiores ao mesmo período de 2014. Na agricultura familiar, o crédito liberado é 11% maiore e, na linha para médio produtor, 95% maior.

O tema, no entanto, continua em debate em Brasília. Na última semana, uma audiência pública na Comissão de Agricultura da Câmara discutiu o acesso ao crédito agrícola. O caso também foi levado à ministra da Agricultura, Kátia Abreu, por parlamentares. A preocupação não é apenas sanar os gargalos desta safra, mas também viabilizar fontes alternativas para o financiamento do setor.

Governo vai propor alta de tributos em 2016

Por Ribamar Oliveira - Valor Econômico

BRASÍLIA - A proposta orçamentária para 2016, que o governo vai encaminhar ao Congresso até o dia 31 deste mês, prevê um forte aumento de impostos, propostas de redução de algumas despesas obrigatórias e a manutenção do gasto discricionário no mesmo nível do realizado em 2015. O governo decidiu trabalhar com uma previsão de crescimento "modesto" da economia no próximo ano, embora o mercado já projete recessão, e de uma inflação convergindo para o centro da meta, de acordo com fontes credenciadas da área econômica.

O Ministério da Fazenda preferia que, em um primeiro momento, fosse dada maior ênfase ao controle das despesas e, se necessário para fechar o Orçamento e obter a meta fiscal, apelar para o aumento de receitas. Os técnicos alertam para a "intolerância do Congresso contra aumentos de impostos". Mas a presidente Dilma Rousseff optou por uma linha mais branda de corte de despesas e mais ênfase em elevação dos tributos.

Junto com a proposta orçamentária, o governo também vai submeter aos parlamentares o Plano Plurianual (PPA), no qual definirá as prioridades para os próximos quatro anos. A ideia é apresentar uma espécie de agenda do que será feito para "reestruturar o gasto" público, para melhorar o ambiente de negócios e para aumentar a segurança jurídica dos contratos.

A agenda abrangerá três grandes temas. No primeiro deles, o governo se comprometerá com medidas na área tributária, como a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do PIS/Cofins. O objetivo é simplificar a tributação, acabar com a chamada "guerra fiscal" entre Estados e municípios e dar segurança jurídica aos investimentos já realizados com incentivos baseados no ICMS.

O segundo grande tema trata de medidas que darão maior agilidade e segurança aos investimentos em infraestrutura, que serão sustentados por concessões a serem realizadas ao longo do próximo ano. O governo pensa em adotar, principalmente, duas medidas. Uma delas é a criação do mecanismo de "fast track" para o licenciamento ambiental de obras de infraestrutura.

Apesar das mudanças feitas no primeiro mandato de Dilma, que buscaram reduzir prazos, os empresários ainda se queixam da morosidade e falta de critérios definidos em lei para a obtenção das licenças ambientais. As maiores reclamações se dirigem às autarquias que têm poder de opinar no licenciamento, como a Funai e o Iphan.

Outra medida está voltada a dar maior segurança aos contratos de concessão, informaram as fontes. O objetivo é revisar a legislação para dar mais agilidade à análise dos pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, de forma a minimizar os chamados riscos não gerenciáveis dos projetos, que decorrem de decisões governamentais.

Por fim, a agenda trata do que está sendo chamado de "pilar fiscal". Nesse caso estão a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que subiria dos atuais 20% para 30%, e de outras medidas de redução de despesas. A Fazenda queria avançar no controle dos gastos, mas não conseguiu. Chegou a defender que o governo apresentasse uma proposta de idade mínima para requerer aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social (RGPS)., mas Dilma deseja que a mudança na Previdência seja discutida com as centrais sindicais antes da formalização da proposta do governo.

A proposta orçamentária para 2016 será feita com a previsão de crescimento da economia em 2016. Outras fontes oficiais disseram que o governo federal deve trabalhar com crescimento de 0,5% para o Produto Interno Bruto (PIB). Embora modesto, é uma previsão otimista para 2016, pois a maioria dos analistas ouvidos pelo boletim Focus, editado pelo Banco Central, trabalha com a previsão de recessão. Até agora, o governo afirmava que adotaria os mesmos parâmetros macroeconômicos do Focus.

Na avaliação oficial, a economia brasileira já está se reequilibrando, depois das medidas adotadas, da mudança dos preços relativos, da redução de subsídios, do controle das despesas públicas e da menor intervenção governamental. O principal indicador dessa reação, de acordo com essa análise, é a redução do déficit em conta corrente. "O sinal para a economia está funcionando, embora ela ainda esteja em slow motion (câmara lenta)", disse uma fonte. "Mas isso decorre das incertezas políticas."

Para fechar o Orçamento de 2016, o governo pretende rever as regras de alguns programas, principalmente nas áreas previdenciária e assistencial, como por exemplo a concessão de benefícios por invalidez e auxílios-doença. "Só a Grécia tem mais inválidos que o Brasil", disse uma fonte. O objetivo também é rever as metas de programas de governo, como o Ciência sem Fronteiras e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

BR alterou licitação para incluir cartel que lesou Petrobrás, aponta auditoria

• Relatório de investigação interna em contratos da empresa, subsidiária da estatal, mostra que ela direcionou licitações vencidas pela UTC Engenharia no valor de R$ 574 milhões

Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

- BRASÍLIA - Auditoria da BR Distribuidora em contratos investigados pela Operação Lava Jato descobriu que a empresa direcionou quatro licitações vencidas pela UTC Engenharia no valor de R$ 574,1 milhões em 2010. Até agora, havia sido descoberto apenas que a empreiteira pagou R$ 20 milhões em propina para ter acesso antecipado a estimativas de preços, o que lhe garantiu apresentar a melhor proposta nos certames.

Mas o relatório de auditoria, finalizado em março deste ano e inédito até agora, apontou, no entanto, que a BR também facilitou a vitória ao substituir uma lista inicial de empresas que seriam convidadas a participar das licitações por outra relação que incluiu empreiteiras do chamado “clube da propina” – que já fraudavam, com a UTC, as licitações na Petrobrás.

O resultado da auditoria reforça a tese da força-tarefa da Operação Lava Jato de que as empreitaras investigadas atuavam em conjunto, como um cartel, para lesar a Petrobrás e suas subsidiárias.

Um e-mail enviado pelo gerente de Logística da BR na época, Sérgio Barbosa, ao então diretor de Operações, José Zonis, revelou aos auditores que a lista inicial tinha dez empresas que já haviam trabalhado para a BR e que poderiam fazer as obras. A relação que foi à votação continha dez nomes. Mas cinco dos sugeridos inicialmente desapareceram da listagem.

Foram incluídas empresas que estavam fora do cadastro da BR como: Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS e Skanksa Brasil. A UTC Engenharia, a Andrade Gutierrez e a Mendes Júnior constavam da primeira relação e foram mantidas entre as convidadas a participar. O atual presidente da BR, José Lima de Andrade Neto, e os diretores à época aprovaram os nomes dos convidados sem contestações durante reunião de diretoria.

Os auditores concluíram que, ao editar a lista inicial de convidados e limitar em dez o número de empresas, a BR direcionou a licitação, uma vez que ao menos 30 empresas teriam condições de prestar os serviços. Os auditores também contestaram justificativa de que foram chamadas apenas empresas de “grande porte”, termo muito amplo que permitiu ao comando da BR colocar ou retirar empresas sem a verificação de condições objetivas.

A auditoria não concluiu quem produziu a lista final de convidados para os certames, mas indicou haver indícios de que o ex-diretor José Zonis teria influenciado a relação final. Além do direcionamento e do acesso antecipado à planilha de preços, a auditoria também diz que a BR, antes de licitar, subiu preços de acordo com os interesses de Ricardo Pessoa.

Segundo a auditoria, não havia controle sobre quem tinha acesso à planilha de valores.

As obras. Sem tradição em grandes obras de infraestrutura, a decisão da BR em fazer as licitações coincidiu com o início da influência na empresa dos senadores Edison Lobão (PMDB-MA), então ministro de Minas e Energia, e Fernando Collor (PTB-AL). O atual presidente, Lima Neto, deixou a secretaria de Petróleo e Gás do ministério para assumir a BR, em agosto de 2009.
Mal Lima Neto se sentou na cadeira, recebeu um telefonema do ex-chefe avisando que dois dos diretores seriam substituídos para dar lugar a José Zonis (Operações) e Luiz Sanches (Rede de Postos), ambos indicados pelo senador Collor. Os únicos mantidos nos cargos na época foram Nestor Cerveró e Andurte de Barros Duarte Filho. Este último, indicado pelo PT.

Ex-presidente da UTC, Ricardo Pessoa disse em delação premiada que pagou R$ 20 milhões a Pedro Paulo Leoni Ramos, amigo de Fernando Collor, para conseguir as obras na BR tocadas na diretoria de Zonis. Zonis, Sanches e Cerveró são hoje investigados na Lava Jato em casos de corrupção na Petrobrás.

Um ano e um mês após essa nova configuração na BR, a diretoria da empresa decidiu licitar as obras vencidas pela UTC para construção de tanques de distribuição de combustível no Acre e no Tocantins, além de ampliar os terminais de Duque de Caxias (RJ) e da Amazônia, sob a justificativa de que a demanda por combustíveis havia aumentado. Foram as únicas obras em décadas na empresa, que tem como principal função comercializar e distribuir derivados de petróleo a seus 7,5 mil postos de serviço.

A reportagem não conseguiu localizar Collor e Lobão neste domingo. Collor tem negado as denúncias de que recebeu propina em troca de conseguir contratos na BR Distribuidora. Lobão também refuta qualquer tipo de envolvimento com as irregularidades na Petrobrás.

Estatais são sócias em 234 empresas

• TCU já encontrou irregularidades em negócios da CEF e dos Correios

• Tribunal vai investigar se parte dessas sociedades foi estruturada para permitir a realização de contratos sem licitação

Levantamento do Tribunal de Contas da União revela que as estatais têm participação societária em 234 empresas privadas, informa VINICIUS SASSINE. O TCU investiga se parte dessas empresas foi montada para depois ser contratada sem licitação, o que é ilegal. O Banco do Brasil e suas subsidiárias são sócios de 19 empresas. Duas sociedades estruturadas pela Caixa Econômica e pelos Correios foram encerradas pelo TCU após serem constatadas irregularidades.

Pente-fino do TCU em estatais

Vinicius Sassine – O Globo

BRASÍLIA - As estatais brasileiras têm participação societária em pelo menos 234 empresas privadas e nelas injetam recursos públicos sem fiscalização pelos órgãos de controle. O levantamento inédito, elaborado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e obtido pelo GLOBO, faz parte de um processo aberto para mapear a extensão dos negócios paralelos das empresas públicas. O objetivo principal é identificar casos de contratação ilegal desses empreendimentos pelas próprias estatais.

A participação societária de uma estatal em empresas privadas não significa necessariamente que existam irregularidades. O problema está na estatal participar da estruturação dessas empresas privadas para depois contratá- las sem licitação. O TCU quer fiscalizar todas essas operações financeiras, em especial as participações minoritárias, quando a estatal formalmente não é a controladora da empresa.

O plenário do TCU já determinou o encerramento de sociedades estruturadas pela Caixa Econômica Federal e pelos Correios, por ter identificado ilegalidades nas parcerias com empresas privadas, principalmente a contratação — ou a intenção de contratar — os empreendimentos sem licitação. Agora, um pente- fino busca encontrar novos casos a partir do levantamento concluído neste mês.

O ministro Bruno Dantas, do TCU, foi o relator dos processos que analisaram empresas integradas por Caixa e Correios. Partiu dele a iniciativa de propor o levantamento completo das participações de estatais nas empresas privadas, que agora servirá de base para novas fiscalizações. Procurado pelo GLOBO, Dantas não quis falar das empresas que integram a lista, mas defendeu a investigação.

— O trabalho do TCU vem revelando uma nova fronteira na busca de flexibilização (dos negócios). É um modelo que vem servindo de escudo contra a fiscalização por órgãos de controle e que vem permitindo contratações sem licitação. Esse modelo vem se repetindo em diversos casos e precisa ser fiscalizado — disse Dantas.

BB e subsidiárias são sócias de 19 empresas
No mesmo dia em que determinou o fechamento da empresa paralela criada pela Caixa Econômica, em 22 de abril deste ano, o TCU aprovou a realização do levantamento de todos os casos em que estatais figurem como sócias minoritárias em empresas já existentes.

O pente-fino deveria incluir também as chamadas sociedades de propósito específico (SPEs), estruturas permitidas por lei e bastante comuns na iniciativa privada.

Segundo o levantamento do TCU, o Banco do Brasil e subsidiárias participam minoritariamente de 19 empresas. Em uma dessas, o banco tem metade das ações. O BNDESPar, criado para capitalizar empreendimentos controlados por grupos privados, figura como sócio em 42 empresas, com participações que variam de 0,01% a 50% do total de ações. A CaixaPar, vinculada à Caixa, é sócia de 12 — uma delas, a Branes Negócios e Serviços, foi anulada pelo TCU após ter sido contratada pelo próprio banco, sem licitação, para serviços de crédito imobiliário da ordem de R$ 1,2 bilhão.

A Petrobras Distribuidora (BR) informou ser sócia de seis empresas na área de energia, com participações que variam de 33% a 50%. A Gaspetro, outra subsidiária da Petrobras, é sócia de mais três empreendimentos. Não há na lista do TCU informações sobre as participações societárias da Petrobras, nem das SPEs da petrolífera que continuam na ativa.

Desde a década de 1990, a Petrobras já constituiu 24 SPEs, com investimentos na ordem de US$ 22 bilhões em obras como gasodutos, plataformas e refinarias. O caso mais emblemático é o da rede de gasodutos Gasene, revelado pelo GLOBO. A SPE criada para construir os gasodutos era uma empresa de fachada, administrada por um laranja. Um superfaturamento superior a 1.800% foi identificado nos contratos, conforme auditoria do TCU. O tribunal já chamou diretores da Petrobras para se explicarem sobre as supostas irregularidades.

As estatais da área de energia são recordistas em participações em empresas privadas — muitas delas SPEs criadas para construir empreendimentos na área. Eletrobras, EletrobrasPar, Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul têm ao todo 150 participações em empresas, com índices de 0,01% a 50% do total das ações.

O GLOBO questionou ao Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), vinculado ao Ministério do Planejamento, se considera elevada a quantidade de participações societárias das empresas públicas. “Alguns segmentos da economia vivem um processo de conglomeração, por outro lado, uma série de leilões da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) utilizou-se do mecanismo de SPEs, como também a ANP (Agência Nacional de Petróleo) impôs ajustes regulatórios que geraram impactos societários. O número deve ser lido à luz desse contexto. Em geral, os leilões da Aneel exigem que se constitua SPE para a execução da obra e a operação dos serviços”, respondeu o departamento, por meio da assessoria de imprensa do ministério.

O Dest tem um cadastro das participações societárias, com informações declaradas anualmente pelas estatais, mas não torna públicos os dados. “Tanto a estatal quanto as SPEs devem ter auditorias externas”, sustenta o departamento. Ainda segundo o Dest, as participações societárias devem estar registradas em balanço: “Se não constarem, estão irregulares.”

O órgão diz fornecer informações a instituições de controle e afirma que “onde houver recurso público deve haver fiscalização”, acrescentando que “qualquer participação societária de empresa estatal deve estar prevista em sua lei de criação. A estatal só pode ter participações se for autorizada pelo Congresso e dentro de modelos previstos por lei, regulamentos da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e práticas de mercado.”

Aécio Neves - E agora, José?

- Folha de S. Paulo

A festa acabou!

O que fazer com tantos sonhos desfeitos? José, João, Maria, Paulo, Ana, são milhares os brasileiros que vivem hoje o pesadelo do desemprego.

O país cortou 158 mil vagas de trabalho com carteira assinada no mês passado, o pior resultado para julho desde 1992. Nos últimos 12 meses, o total de desempregados subiu 56% nas seis maiores regiões metropolitanas do país. O resultado da gestão desastrosa do PT não poderia ser outro: PIB em declínio, inflação, arrocho fiscal.

É o típico quadro de um país em desgoverno, sem rumo. Mas o que entristece de fato é a realidade que se esconde na frieza das estatísticas. Cada pequeno ponto a mais na taxa de desemprego significa milhares de pessoas à margem da sociedade e vidas em risco. Uma só vida em desalinho já deveria bastar para nos tirar o sono, o que dizer de tanta gente?

O desemprego é cruel por várias razões. Primeiro, pelo efeito dominó: para cada trabalhador que a indústria demitiu, outros tantos foram mandados embora nos setores de comércio e serviços. Como a indústria vive um de seus piores momentos, é possível imaginar o impacto da redução de atividades que ainda está por vir.

Depois, o drama social. O afastamento dos indivíduos do seu grupo, o sentimento de fracasso, a desestabilização das famílias e o aumento da violência que decorre do ambiente de tensão formado. O emprego é o pilar central em torno do qual se estabelece uma rotina e um padrão de vida. Sem isso, para onde ir e o que fazer?

A realidade é cruel com os mais jovens. Na faixa entre 16 e 24 anos, o desemprego saltou de 11,2% em dezembro para 18,5% em junho último. Esses jovens haviam optado por se dedicar aos estudos, mas estão sendo obrigados a ir para o mercado para complementar a renda familiar. Mais gente procurando emprego, menos vagas, menos renda.

Nesse quadro de deterioração, aumenta o grau de informalidade da economia e de atividades autônomas, sem a proteção da legislação trabalhista. Justo no momento em que o governo muda o acesso ao seguro desemprego.

Sem carteira assinada, sem garantias, e ao deus-dará, o que será de José? Os injustiçados de sempre estão pagando a parte mais salgada da conta dos erros e da irresponsabilidade do governo. O número é assustador: a cada dia, 7.000 brasileiros perdem os seus empregos. Os versos do poeta de Itabira parecem ter sido escritos hoje. E agora, José? O riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou, e tudo fugiu, e tudo mofou. E agora?

Em tempo: impossível não registrar o constrangedor patrocínio do BNDES, de R$ 400 mil, à Marcha das Margaridas, em clara manobra de apoio à presidente. Uma prática reincidente, que usa o que é público em favor de uma causa partidária. Até quando?

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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB

José Álvaro Moisés - Os partidos estão colapsando?

- O Estado de S. Paulo

Pesquisa recente do Ibope sobre a confiança dos brasileiros em instituições democráticas mostrou que partidos são as instituições mais desacreditadas pela população. Mais de 80% dos entrevistados afirmaram não confiar em partidos. O índice repete o que minhas pesquisas de 2006 e 2014 mostraram: a desconfiança chegou a 81% e 84%, respectivamente. E perguntados se a democracia pode funcionar sem partidos, mais de 30% responderam que sim em 2006, mas o porcentual subiu para 45% em 2014. Quase metade da população brasileira parece estar deixando de ver os partidos como essenciais ao regime democrático.

O problema ganhou as ruas nos protestos de 2013. Grande parte dos manifestantes repudiou a participação de partidos ou rejeitou o seu papel de representação. Não foi suficiente, contudo, para levar os líderes partidários a enfrentar a situação. E a Operação Lava Jato está revelando aspectos mais complexos e profundos do problema: não é só o caixa 2 das campanhas eleitorais, mas a existência de um poderoso esquema de desvio de recursos para partidos, dirigentes de empresas estatais e personagens emblemáticas como o ex-ministro José Dirceu, do PT. Ou seja, mesmo partidos de esquerda abandonaram a res publica como objetivo da democracia.

Alguns analistas sustentam que como ocorreu na Itália com a Democracia Cristã, o Partido Socialista Italiano e o Partido Liberal, em consequência da Operação Mãos Limpas – que nos anos 1990 lançou luz sobre a gigantesca rede de corrupção que dominava a vida política e econômica daquele país –, o sistema partidário brasileiro também pode colapsar. A hipótese traduz avaliação negativa sobre a mais importante operação de enfrentamento da corrupção realizada no Brasil e prenuncia efeitos devastadores para o sistema político; no fundo, questiona se a Operação Lava Jato deve continuar, sem admitir que o abuso de poder dos partidos de governo compromete a qualidade da democracia.

Os partidos vivem o seu pior momento desde o fim do processo de democratização. Após mobilizar corações e mentes para o resgate da dignidade da política, o PT traiu seus princípios, aceitou a cultura dos malfeitos e, sem conseguir se explicar, perde a confiança de eleitores e militantes. Opondo-se a parte das políticas de ajuste do seu próprio governo, disputa posições de poder com seu principal aliado, mas sofre sucessivas derrotas no Congresso Nacional sem que o PMDB abra mão de cargos no governo. A síndrome afeta toda a base aliada, que, sem coerência programática e de costas para a sociedade, busca benefícios sem dar contrapartida.

A oposição tampouco está melhor. PSDB, PPS e DEM, sem definir rumos claros, oscilam entre o impeachment de Dilma, eleições fora de regras constitucionais e apoio a aumentos de gastos públicos que contrariam suas posições programáticas. Os sinais são confusos, não oferecem alternativas e indicam irracionalidade no enfrentamento da crise.

O sistema partidário brasileiro tem algo de paradoxal: além de sua perturbadora fragmentação e da constante troca de legendas por parlamentares, os partidos são chamados a garantir a governabilidade do País no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma importância à sua conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não têm preferência partidária e não querem filiar-se. O que conta não é o que os partidos significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os dirigentes – que em muitos casos se perpetuam na direção das legendas – conquistem ou mantenham posições de poder.

Mas posições de poder para quê? A explicação está faltando para os eleitores e para a sociedade. Alguns acham que o quadro é normal, partidos existem para conquistar o poder e, se o conseguem, importa pouco se sinalizam ou não algo de substantivo para os eleitores. É uma opção pragmática, autojustificada, que contamina todo o espectro partidário – já tomou conta do PT, confirma o que faz o PMDB e avança entre partidos de oposição. Mas segundo Tarso Genro, ex-governador gaúcho, no caso do PT o ciclo está se encerrando; para Frei Betto, amigo de Lula, a busca pura e simples do poder condenou o PT; e para o filósofo José Arthur Giannotti, simpatizante do PSDB, para além de viabilizar as carreiras políticas individuais de seus líderes, o PSDB precisa provar que tem coerência com o seu programa social-democrata.

Os partidos têm, portanto, problemas que ultrapassam as distorções reveladas pela Lava Jato. Como ocorreu na Itália dos anos 1990, não será a fragilização ou a eliminação de regras e procedimentos de fiscalização e de controle que os salvará. Partidos têm o monopólio da representação dos cidadãos e, por isso, se o contingente de eleitores que os desqualifica cresce, algo está errado. Representar significa “estar no lugar de” e para isso os representantes precisam ouvir, comunicar-se e constituir-se em referência para as escolhas dos eleitores.

Evitar o colapso dos partidos só depende da capacidade de seus líderes de reconhecer a natureza da crise e reagir antes que seja tarde demais. Eles precisam dizer com clareza como pretendem reconquistar a confiança dos eleitores e explicar, por exemplo, por que os partidos não consultam filiados e simpatizantes para a escolha de candidatos e programas. Precisam, sobretudo, assumir claro compromisso anticorrupção para recuperar os valores republicanos.

Mas é ilusório pensar que isso vale só para o PT e a situação, a oposição também precisa comprometer-se com o aprofundamento da democracia brasileira. E a solução não está em impedir a continuação da Lava Jato, mas em apoiá-la.
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Diretor do núcleo de pesquisa de políticas públicas da USP, editor do site qualidade da democracia, é autor do livro ‘Desconfiança política e seus impactos na qualidade da democracia’ (EDUSP, 2003)

Felipe Maia G. da Silva* - Crise de hegemonia: notas sobre a conjuntura atual e recente

- Boletim CEDES – julho-agosto 2015

Que a crise é imensa, envolve política e economia, já não há dúvidas. Que encerra um ciclo também ficou difícil negar. Só não se consegue perceber o desenlace provável, nem o que virá a seguir. A esta altura do campeonato, o resultado é incerto, depende portanto da política, esta arte que em sociedades democráticas, com divisão de poderes, procedimentos resguardados e opinião pública, tornou-se bastante complexa. Mas é da política, da capacidade de organizar maiorias, persuadir a opinião, formar hegemonias, que sairá o desfecho da crise, o que pode demorar.

Como diria a velha piada, nesta crise, tudo pode acontecer, inclusive nada. Nesta hipótese, Dilma completaria seu mandato, mantendo algum arranjo parecido com o atual, no qual ela “reina, mas não governa”, pois como se sabe, a política econômica foi entregue a um ministro cujas convicções são bastante distintas das da presidenta e a articulação política foi transferida para o Vice-presidente da República, que de quebra é ainda o presidente do PMDB. Para completar o cenário, o Legislativo, que no famigerado presidencialismo de coalizão costuma secundar a agenda do Executivo, ganhou estatuto de maioridade e passou a determinar sua própria agenda, com intenções manifestas de isolar e se contrapor ao ideário do partido da presidenta, o PT. Alijados da política econômica, da articulação política e da formação da agenda legislativa, dificilmente se poderia dizer que o PT e o grupo da presidenta efetivamente governam. Por isso, ainda que estranha, a solução “reina mas não governa” tem sua probabilidade e teríamos, talvez pela primeira vez em nossa história republicana uma presidenta da República que se assemelha a uma chefe de Estado, mas não a uma chefe de governo. Resta saber se um país tão acostumado a governos fortes aguenta um equilíbrio tão precário.

Uma outra possibilidade é sem dúvida o impedimento de Dilma e, talvez de seu vicepresidente. Ao que parece, a articulação pelo impedimento seduz o presidente da Câmara e o líder tucano Aécio Neves, especialmente se Michel Temer fosse levado junto. É todavia uma solução nebulosa, um caminho em boa medida desconhecido para os agentes políticos e com forte custo para a sociedade. Dependeria de toda forma de um forte caso judicial que envolvesse, para além das lideranças do partido, a pessoa da presidenta da República, que todos reputam honesta.

Uma terceira hipótese, a esta altura muito difícil, mas cuja discussão ajuda a entender algumas das razões e da dimensão da crise, seria uma auto-reforma do governo petista. Tentativas de auto-reforma de regimes políticos ou de governos em crise são comuns, embora dificilmente funcionem. Gorbatchev tentou uma saída deste tipo com a Perestroika, mas não conseguiu levar adiante, sendo atropelado por forças políticas e sociais que já não podia controlar. No Brasil, no ocaso do Império, a monarquia parece ter cogitado movimento semelhante, pensando até em uma reforma agrária para completar a obra da abolição. O projeto, no entanto, mal atravessou os salões imperiais, por impotente frente aos novos interesses que se articularam em uma sociedade que havia se tornado muito dinâmica para ser contida pela velha estrutura imperial. Durante o Império, houve muita modernização social, mudanças estruturais que foram batizadas por Florestan Fernandes de “revolução encapuzada”, quando uma nova economia floresceu com o café e em torno das cidades um novo mundo mercantil mais distante da burocracia imperial. Novas gerações de jovens intelectualizados forçavam a abertura de uma sociedade estamental, hierarquicamente organizada. Eram novas aspirações que não se integravam bem ao arranjo monárquico e que desembocaram, ainda que de forma um tanto desorganizada, na solução republicana.

Mutatis mutandi, de certo modo houve algo semelhante nos últimos vinte ou trinta anos no Brasil, muita modernização social e enrijecimento do sistema político. Os governos do PSDB e do PT, já se pode reconhecer, fizeram muito, cada um à sua maneira, pela modernização social, mas pouco por mudanças na política, o que por si já remete a uma história mais afeita às mudanças moleculares que a revoluções políticas. Todavia, em algum momento a modernização social cobra seu preço das instituições políticas, como o fez, de formas distintas, na República, na transição democrática dos anos 1980 ou mesmo em 1930. O que diferencia o momento atual dos anteriores é que, felizmente, o arcabouço institucional brasileiro se mostra hoje mais desenvolvido e mais capaz de absorver as mudanças necessárias, dispensando a necessidade de uma refundação. A crise é de hegemonia política e não de incompatibilidade entre o ideário normativo e as instituições legadas pela Carta de 88 e a sociedade.

Nos últimos vinte anos o Brasil mudou e, mesmo sem se desvencilhar de suas singularidades históricas, suas “dependências de trajetória” como gostam alguns, aproximou-se das modernas sociedades e economias capitalistas ocidentais, embora em certa posição periférica ou semiperiférica. A economia capitalista se desenvolveu imensamente, com impulso estatal, mas também muito vinculada às dinâmicas do mercado internacional, como é exemplar o caso do “agronegócio”. A sociedade se complexificou, com elevação dos níveis de escolaridade, de acesso a informação, de integração a dinâmicas de rede que envolvem toda uma nova camada de jovens cujas expectativas são, felizmente, bastante elevadas. Toda uma economia mercantil se ramificou nas grandes cidades, associada a ideários de empreendedorismo e de esforço pessoal que, por vezes, tornaram-se verdadeira religião, mesmo nas classes mais populares. A miséria ou a pobreza absoluta puderam ser contidas por boas políticas de distribuição de renda, o que por outro lado, reavivou a mercantilização das relações econômicas em pontos mais vulneráveis do território. Uma boa indicação desta modernização social é a evolução do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos municípios brasileiros. Como informa o economista Ladislau Dowbor, em 1991 85% dos municípios brasileiros tinham um índice abaixo de 0,5, que é considerado muito baixo. Em 2010, apenas 0,6% dos municípios estavam nesta condição, indicando uma transformação importante que é corroborada pela melhora em outros indicadores, tais como os de escolarização, expectativa de vida, renda per capita, etc. Por outro lado, as marcas da desigualdade social permanecem, o que sugere que talvez tenhamos vivenciado uma espécie de “efeito elevador” por meio do qual a sociedade se move em conjunto sem grandes alterações nas posições relativas entre as classes, o que não exclui uma diversidade de trajetórias individuais de mobilidade ascendente ou descendente, como aliás, é comum na história brasileira.

Por sua vez, a institucionalidade oriunda da Carta de 88 se expandiu, fortalecendo a autonomia de instituições democráticas, tais como o Ministério Público, o poder Judiciário, ou todo um conjunto de normas que favorecem o acesso às informações públicas e o controle da sociedade sobre os atos dos governantes. Não se pode entender uma investigação do porte da “Lava – Jato” sem a autonomização dessas instituições face ao controle governamental, que em outros momentos sabia abafar, conter ou controlar. No conjunto, esses são efeitos da redemocratização política brasileira que projetou o horizonte normativo de um moderno país capitalista com promoção e proteção de direitos sociais, um horizonte que na falta de expressão melhor poderíamos qualificar de social-democrata e que pode sofrer inclinações mais liberais ou mais à esquerda, sem porém se desvencilhar de compromissos básicos tanto com certos gastos sociais, quanto com a economia de mercado como motor do desenvolvimento econômico.

Há por certo uma crise econômica que parece estar relacionada ao fracasso das tentativas do primeiro governo Dilma de promover uma inflexão de sentido mais nitidamente “desenvolvimentista” na condução da economia, ampliando as capacidades estatais de seletividade e planejamento do crescimento econômico, usualmente lidas pelos agentes de mercado como “intervencionistas”. A razão do insucesso parece ser a imensa resistência que os capitalistas brasileiros têm mostrado à ampliação da coordenação estatal, que pode estar relacionada a uma retração nos investimentos. Mais uma vez na história brasileira, a via do capitalismo de estado, ainda que apenas levemente esboçada, não encontra apoio na classe social decisiva para sua consecução, que permanece mais voltada para um ideário liberalizante. Some-se a isso a mudança na conjuntura de preços do setor mais dinâmico da economia, o capitalismo agrário, e há um caminho para entender a retração do crescimento com efeitos sérios para o equilíbrio fiscal da República.

Todavia, não é especificamente econômica a crise, mas política. O que está em xeque é a credibilidade e por certo a legitimidade dos representantes políticos, especialmente da presidenta e de seu partido. As revelações, trazidas à tona pelos delatores arrolados na operação Lava Jato, do entrecruzamento de interesses empresariais, partidários e pessoais nas relações entre empreiteiras, dirigentes estatais e lobistas não só jogaram os políticos governistas na vala comum da corrupção política, mas revelam também a que profundidades a política foi rebaixada. O desvio sistemático e habitual de recursos de contratos públicos para financiamento da atividade política de partidos de esquerda (e não só dela) não representa apenas prejuízo para as contas públicas – o que por si já seria execrável – mas altera profundamente as condições de participação política nas próprias fileiras partidárias, concedendo aos operadores das finanças um forte controle sobre as chances de eventuais candidatos, na prática um controle sobre a representação e a política do partido. Não é de se admirar, como informa o Observatório de Elites Políticas e Sociais da UFPR, que nestas condições a bancada do PT no Congresso Nacional já não conte com nenhum deputado cuja atividade profissional esteja identificada com a dos trabalhadores industriais ou de serviços, mas que prolifere a participação em cargos de governos como requisito básico para a obtenção de um mandato. O que causa espanto, na verdade, é a passividade com que a militância reage a esse verdadeiro sequestro do partido pelos operadores das finanças e, agora já se sabe, com fartos indícios de enriquecimento pessoal.

Ao enfraquecimento da credibilidade pelas denúncias de corrupção soma-se o estrago causado pela substituição da formulação de novos horizontes políticos pela fatuidade promovida pela marquetagem eleitoral, cujo ápice talvez tenha sido a última campanha presidencial, que rebaixa o discurso político e obstrui a constituição de uma boa esfera pública. Se o discurso conservador e maniqueísta do “nós contra eles”, de certo viés salvacionista, que havia mobilizado as campanhas anteriores já era problemático, nas últimas eleições os marqueteiros optaram por uma linha que se sabia ainda mais perigosa. Não economizaram no ataque virulento aos adversários, recusando um debate de fundo sobre novos desafios, projetaram políticas públicas como se fossem marcas de produtos, venderam à esquerda a ilusão de um governo ainda mais “desenvolvimentista”. Para na semana seguinte às eleições promoverem um recuo em direção a políticas recessivas de ajuste fiscal. Marqueteiros operam com base em um controle técnico da opinião pública, são intérpretes imediatistas e instrumentais da conjuntura política, entregar a eles a condução da política, como se fez na última campanha, tem efeitos devastadores. Daí não vem nenhuma educação política, nenhuma pedagogia, a não ser o reforço do senso comum de que o que políticos dizem em campanha, não se escreve.

A conjuntura recente ofereceu em 2013, quando das famosas jornadas de manifestações que varreram o país, uma oportunidade política para uma auto-reforma ou uma renovação do horizonte político. Ali o descontentamento era mais sistêmico e difuso, e não concentrado na figura da presidenta da República, o que ainda lhe conferia credibilidade. As jornadas de junho de 2013 foram um momento de demonstração pública das mudanças e da modernização social do país, seus participantes eram na maioria jovens de bom nível educacional e apresentavam uma pauta de reformas em serviços públicos que revelavam com nitidez ao mesmo tempo os limites das transformações ocorridas e um horizonte a ser perseguido. Seu horizonte era o da expansão das políticas sociais e da melhora da representação política, reforçando critérios de transparência e de participação na decisão em torno de prioridades de investimento, cujo símbolo foi a contraposição entre os mega-eventos esportivos e os serviços públicos universais. Tanto a incompreensão do caráter transformador inscrito nas manifestações, quanto as tentativas de manipular o descontentamento em proveito partidário, enfraqueceram a possibilidade de criação de novos laços políticos a partir dali. A rigor, politicamente as jornadas de 2013 ainda não encontraram um desaguadouro à altura, sendo que as eleições de 2014 mostraram-se em boa medida infensas ao terremoto que as manifestações anunciavam, dando mostras de um perigoso auto-fechamento do sistema político.

Não é exagero dizer que esta é uma crise de hegemonia e portanto de perspectivas. Uma das razões do impasse é que ao derruimento da hegemonia petista, não se apresenta, ao menos ainda, outra com plenas condições de substituí-la, o que pode vir a ocorrer ao longo do processo. O que virá, entretanto, é cedo para arriscar. De toda forma, algumas condições parecem imprescindíveis, a começar pela continuidade da apuração de ilícitos nas relações entre agentes políticos e econômicos empreendida pela operação Lava – Jato. Neste sentido, a recondução do procurador-geral da República, cuja independência tem sido notável, é um bom indicador de que já se compreende que uma vez iniciado, esse processo deve ter curso por meio das instituições devidas e em seu tempo. Outra condição é uma boa interpretação das mudanças sociais e das aspirações dos novos grupos e classes sociais que emergiram nos últimos anos.

A esquerda política e democrática, se quiser continuar a desempenhar um papel relevante no cenário futuro, deverá colocar em questão seu repertório e se desvencilhar de práticas políticas incompatíveis com sua história e com uma República democrática como a nossa.

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* Professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).