domingo, 21 de fevereiro de 2016

Opinião do dia: Cristovam Buarque

Os constantes noticiários sobre a Lava-Jato têm levado militantes dos partidos do governo a dizerem que está em marcha uma campanha de desconstrução do PT e da imagem do ex-presidente Lula, cujo objetivo seria a desconstrução da esquerda. É até possível que as oposições estejam usando as notícias com esta intenção; mas a desconstrução foi feita pela própria esquerda, contando com a colaboração do Lula, do PT e demais partidos de apoio ao governo.

A desconstrução da esquerda ocorreu por causa da aceitação da corrupção, sob o argumento de que todos a praticam; pela perda do vigor transformador e o consequente acomodamento; a falta de imaginação para formular nossas alternativas para avanço social; a incapacidade para perceber e entender a vertiginosa transformação tecnológica e política no mundo e o desprezo por compromissos programáticos e ideológicos.

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Cristovam Buarque é senador (PPS-DF), ‘Desconstrução da esquerda’, O Globo, 20.2,2016

Lula fez tráfico de influência em favor da Odebrecht, diz MPF

• Em inquérito sigiloso, obtido por ÉPOCA, investigadores afirmam que o ex-presidente fez parte de um modus operandi criminoso – e que foi remunerado com contrato fajuto

Thiago Bronzatto - Época

Nos últimos meses, os procuradores do Núcleo de Combate à Corrupção em Brasília dedicaram-se intensa e discretamente à investigação criminal sobre as suspeitas de tráfico de influência internacional do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em favor da Odebrecht. Com a ajuda de peritos e de outros procuradores, como aqueles que integram a Força-Tarefa da Lava Jato, recolheram centenas de páginas de documentos das empresas de Lula, da Odebrecht e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, que liberava o dinheiro indiretamente à empreiteira. Analisaram telegramas diplomáticos sobre a atuação de Lula e dos executivos da Odebrecht no exterior, descobriram notas fiscais e mapearam as viagens e os encontros dos investigados. Ouviram as versões de Lula e receberam as defesas da Odebrecht e do BNDES. Apesar da complexidade do caso, o exame detido das provas colhidas até o momento conduziu os procuradores a uma conclusão: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu o crime de tráfico de influência.

ÉPOCA obteve acesso à íntegra das investigações. Além de documentos acerca das três partes investigadas (Lula, Odebrecht e BNDES), a papelada inclui perícias da equipe do Ministério Público Federal, auditorias inéditas do Tribunal de Contas da União, relatórios da Polícia Federal e despachos em que os procuradores analisam detidamente as evidências do caso. Na papelada, os procuradores afirmam que:

- Havia um “modus operandi criminoso” na atuação de Lula, dos executivos da Odebrecht e dos diretores do BNDES para liberar dinheiro do banco à empreiteira;

- Lula praticou o crime de tráfico de influência em favor da Odebrecht;

- Lula vendeu sua “influência política” à Odebrecht por R$ 7 milhões;

- O contrato de palestras entre uma empresa de Lula e a Odebrecht serviu para “dar aparência de legalidade” ao tráfico de influência;

- O BNDES aprovava com velocidade incomum – até 49% acima da média – os financiamentos que envolviam gestões de Lula e interessavam à Odebrecht.

Embora fundamentadas em meses de trabalhos, as constatações dos procuradores ainda não são definitivas. Eles ainda estão produzindo outros tipos de provas, de modo a embasar firmemente uma denúncia contra Lula, diretores da Odebrecht e executivos do BNDES. Não há prazo para que isso aconteça, nem certeza sobre o que de fato acontecerá, mas a investigação corre velozmente. Ela começou em abril do ano passado, e foi revelada por ÉPOCA. O objetivo do inquérito era apurar a suspeita de que Lula, após deixar o Planalto, em 2011, passara a atuar como operador da Odebrecht junto a governos amigos, de modo a destravar contratos da empreiteira no exterior, sempre financiados pelo BNDES. Lula, segundo os primeiros indícios que levaram à abertura do caso, agia nas duas pontas. Ele usava sua influência política para assegurar a liberação de financiamentos no BNDES em condições camaradas e, ao mesmo tempo, convencer ditadores e presidentes amigos a repassar o dinheiro à empreiteira sem dificuldades. Se comprovada, essa prática é crime, com pena de dois a cinco anos de prisão. Chama-se tráfico de influência.

No decorrer da investigação, surgiram evidências que corroboravam a suspeita inicial. Descobriu-se que Lula viajava em jatinhos da Odebrecht para se encontrar com os presidentes amigos e que era bancado pela empreiteira para “dar palestras” nessas ocasiões. Descobriu-se, em seguida, por meio dos relatos dos diplomatas que acompanhavam essas reuniões no exterior, que Lula fazia gestões favoráveis à Odebrecht junto aos chefes de Estado e, ademais, prometia convencer até a presidente Dilma Rousseff a “ajudar” nos contratos. Foi o que aconteceu em países como Cuba, Venezuela e República Dominicana, por exemplo. Descobriu-se, por fim, um padrão: logo após as “palestras” de Lula e os encontros com presidentes e ditadores, o BNDES liberava parcelas do financiamento ao país visitado – empréstimos sempre à Odebrecht, e, na maioria dos casos, ao arrepio de normas técnicas do governo brasileiro.

O “modus operandi criminoso”
Esse padrão é qualificado pelos procuradores de “modus operandicriminoso”, num dos despachos mais recentes sobre o caso (leia o trecho acima). “Tais informações (...) revelaram que semelhante modus operandi para obtenção dos financiamentos públicos – tais como pagamento de despesas de viagens internacionais, contratação de serviços de palestras no valor de mais de R$ 7 milhões, reunião com autoridades públicas de países estrangeiros acompanhadas de diretores da construtora e concessão dos financiamentos arriscados e com violação a normas internas do Senado Federal e do BNDES – foi praticado em relação a obras de interesse da Odebrecht em outros países da América Latina (tais como Venezuela, Panamá, Equador etc.) e da África (Angola, Moçambique etc.)”, diz o MPF no documento. Em outro despacho, explica-se que os procuradores “estão a investigar delitos conexos, praticados (…) pelo ex-presidente da República, diretores da Odebrecht e agentes do BNDES”. As palavras são fortes porque, diante das provas, os procuradores estão convencidos de que têm um caso sólido.

No período em que a Odebrecht contratou Lula, ela recebeu US$ 7,4 bilhões do BNDES, divididos em 52 contratos fora do Brasil. A construtora investigada na Lava Jato pagou R$ 4 milhões para a L.I.L.S., empresa de palestras de Lula, e ainda arcou com despesas no valor de US$ 1,2 milhão e e 40.331 com fretamentos de aeronaves, carros e hospedagens. Na superfície, o ex-presidente era patrocinado pela empreiteira para dar palestras em países onde a empresa possui obras de infraestrutura. Uma perícia do MPF demonstra que, no período em que Lula foi contratado pela Odebrecht, a empreiteira passou a conseguir dinheiro do BNDES com incomum rapidez. Os peritos analisaram 30 operações de crédito realizadas pelo banco estatal em nome da Odebrecht. No BNDES, o tempo médio de um processo desse tipo é de 488 dias. A perícia aponta que 17 das 30 transações da Odebrecht estão abaixo do prazo de tramitação comum. Entre elas, está um empréstimo de US$ 229 milhões concedido em maio de 2013, para a controversa ampliação do Porto de Mariel – que, ao todo, levou 176 dias, desde a solicitação até a assinatura dos contratos.

O padrão, ou modus operandi, identificado pelos procuradores começou quando Lula ainda estava no Planalto. Um exemplo disso é o financiamento no valor de US$ 747,1 milhões liberado pelo BNDES, em novembro de 2009, para a Odebrecht construir duas linhas de metrô na Venezuela. Essa operação foi fruto de um encontro realizado seis meses antes, em maio de 2009, entre Lula e o então presidente venezuelano, Hugo Chávez. Os dois governantes se encontraram em Salvador, na Bahia, onde acertaram que o banco estatal teria maior participação nos investimentos em infraestrutura no país vizinho. Tão logo as obras começaram, a Odebrecht recebeu pagamentos antecipados, que não correspondiam ao avanço físico do projeto, um fator atípico em relação aos procedimentos internos do BNDES. O caso passou a ser investigado pelo Tribunal de Contas da União, conforme revelou ÉPOCA em abril do ano passado.

Em meados de 2011, o governo venezuelano atrasava os pagamentos para a Odebrecht – e acumulava dívidas de cerca de US$ 1 bilhão. Em junho daquele ano, a construtora bancou uma viagem e contratou Lula para dar uma palestra no país. De acordo com telegramas secretos e inéditos do Itamaraty, dias antes da visita do ex-presidente brasileiro a Caracas o então chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro, disse a um diplomata brasileiro que recebeu instruções de Chávez para “saldar as dívidas com a Odebrecht”. Lula se reuniu no mesmo dia com Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, preso na Lava Jato, e com Chávez. No dia seguinte a esse encontro, o embaixador José Antônio Marcondes de Carvalho informou numa mensagem diplomática reservada: “Obtive confirmação hoje sobre o equacionamento da dívida do governo venezuelano com a construtora brasileira Odebrecht”. Em 14 de junho daquele ano, Lula emitiu uma nota no valor de R$ 359.281,44, declarando que prestou serviços como palestrante para a Odebrecht na Venezuela. Em julho, Luciano Coutinho, presidente do BNDES nomeado para o cargo pelo petista, se reuniu com o ex-presidente no Instituto Lula.

Para os procuradores, não se trata de uma mera coincidência. “A construtora valeu-se da influência e do trânsito do ex-presidente Lula para poder obter o pagamento de quantia recebida pelo país do BNDES”, diz um dos despachos do MPF.

Segundo o MPF, o contrato de Lula para dar palestras não convence. O que rendeu ao ex-presidente os R$ 359 mil pela palestra na Venezuela é um pequeno pedaço de papel, supostamente assinado em 1o de maio daquele ano, Dia do Trabalho, pouco antes da viagem. Nesse contrato, também chama a atenção que dentre as testemunhas que subscreveram o acordo está Alexandrino Alencar, lobista da Odebrecht. Alexandrino era o companheiro de viagens de Lula. Ele esteve, por exemplo, ao lado do ex-presidente em reuniões com autoridades no Peru em junho de 2013. Os dois companheiros caíram num grampo da Lava Jato em que demonstravam, numa conversa telefônica, certa preocupação com as notícias envolvendo o BNDES. O lobista foi preso em junho de 2015, com Marcelo Odebrecht, e foi liberado quatro meses depois em decisão do Supremo Tribunal Federal.

E assim, pela primeira vez, produziu-se um documento oficial que qualifica como “criminosa” a relação de Lula com a principal empreiteira do petrolão. Segundo o despacho, a empresa de palestras de Lula “emitiu nota fiscal contendo recolhimento dos tributos devidos sob a operação a fim de dar aparência de legalidade à remuneração paga pelo tráfico de influência exercido por Lula em favor da Odebrecht na Venezuela”.

O homem de Lula no BNDES
A relação entre Lula, a Odebrecht e Luciano Coutinho, presidente do BNDES, é detalhada pelos investigadores. Um laudo produzido por peritos do MPF cotejou as agendas oficiais de Coutinho com as datas das viagens do ex-presidente para países onde há obras da Odebrecht financiadas pelo BNDES. “Ao relacionar as datas das etapas do processamento das operações de financiamento com as visitas do ex-presidente Lula a países com projetos financiados pelo BNDES e com os encontros oficiais de Luiz Inácio com o mandatário do BNDES, pode-se verificar uma proximidade temporal entre os eventos”, diz o relatório dos peritos do MPF. Foram identificadas ao menos oito reuniões que contaram com a participação de Lula e Coutinho. A maior parte delas ocorreu na sede do Instituto Lula, em São Paulo. Os eventos foram nomeados oficialmente de “Conversas sobre a Conjuntura Econômica”. Mas alguns não constavam da agenda oficial de Coutinho.

Um desses encontros ocorreu no dia 15 de julho de 2011. Cerca de um mês antes, Lula viajara para Cuba, onde visitara o Porto de Mariel, empreendimento sob responsabilidade da Odebrecht, e levara de volta para o Brasil uma carta endereçada ao então ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, com um pedido de dinheiro para um projeto da empreiteira na ilha. Em agosto daquele mesmo ano, ou seja, dois meses após a visita de Lula a Cuba e no mês seguinte à reunião do ex-presidente com Coutinho no Instituto Lula, o BNDES liberou uma parcela no valor de R$ 150 milhões referente à modernização do Porto de Mariel. Para quem está acostumado aos prazos da burocracia, pareceu um recorde. E foi. É essa sincronia de fatos que leva os procuradores a usar expressões como “modus operandi criminoso”.

Outro caso que chamou a atenção dos peritos foi o financiamento de US$ 136,9 milhões, liberado pelo BNDES em 21 de agosto de 2013 para a Odebrecht desenvolver um projeto de irrigação no Equador. O tempo total do procedimento foi de 217 dias, quase metade do prazo médio. Pouco antes, em 6 de junho de 2013, Lula viajara para o Equador, onde se encontrara com o presidente do país, Rafael Correa.

Em Angola, a relação entre Lula e a Odebrecht se estendeu também para um sobrinho do ex-presidente. A empreiteira assinou 11 contratos e oito aditivos com a empresa Exergia, que tem como sócio Taiguara Rodrigues dos Santos, filho do irmão da primeira mulher de Lula. Em dezembro de 2012, a construtora brasileira apresentou ao BNDES o pedido de financiamento do projeto de aproveitamento hidroelétrico de Laúca. No início de 2013, a Odebrecht subcontratou a Exergia. A operação de crédito foi aprovada em 26 de novembro daquele ano e liberada somente em agosto de 2014, três meses após a visita do ex-presidente Lula a Angola, em 7 de maio de 2014. A viagem de Lula ao país africano foi bancada pela Odebrecht, que desembolsou R$ 479.041,92 pela palestra Gestão dos programas Fome Zero e Bolsa Família. Durante sua visita a Angola, Lula foi acompanhado por Emílio Odebrecht e se encontrou com o presidente angolano José Eduardo Santos, com quem falou sobre financiamentos do BNDES, de acordo com documentos diplomáticos. Dias depois, em 26 de maio, a Exergia firmou novo contrato com a Odebrecht no valor de R$ 2,4 milhões. Em depoimento à CPI do BNDES, em outubro de 2015, Taiguara reconheceu que prestou serviços à Odebrecht.

Procurada, a Odebrecht disse que “prestou as informações solicitadas pelo Ministério Público Federal em inquérito que corre em sigilo e reafirma que mantém uma relação institucional e transparente com o ex-presidente Lula”. A construtora ainda afirmou que “o ex-presidente foi convidado pela empresa para fazer palestras para empresários, investidores e líderes políticos sobre as potencialidades do Brasil e das empresas do país, exatamente, o que têm feito presidentes e ex-presidentes de outros países, como Estados Unidos, França e Espanha”. Sobre a contratação da Exergia em Angola, a Odebrecht disse que a escolha foi baseada na capacidade técnica da empresa para execução dos serviços necessários. “O senhor Taiguara Rodrigues dos Santos nunca foi contratado diretamente para a execução de nenhum desses serviços. Nas diligências de contratação realizadas pela empresa não foi apontado parentesco com o ex-presidente Lula.”

A assessoria do BNDES, por sua vez, disse que Luciano Coutinho discutiu apenas cenários econômicos nas reuniões que teve no Instituto Lula: “A ocorrência desses encontros é pública e notória e a prática do Instituto de sediá-los é usual, tanto com autoridades do governo quanto com acadêmicos ou representantes do setor privado”. O BNDES assegurou que não há qualquer relação entre a visita do presidente Luciano Coutinho ao Instituto Lula e a concessão de crédito para Cuba. “O financiamento do BNDES às exportações de bens e serviços brasileiros na obra do Porto de Mariel já estava em curso”, disse o banco. “Qualquer tentativa de estabelecer vínculos entre a concessão de financiamento pelo BNDES e supostas gestões do ex-presidente Lula junto ao presidente Luciano Coutinho não tem fundamento lógico e é absolutamente leviana. O ex-presidente Lula não interferiu, nem poderia ter interferido, em nenhum processo do BNDES.” A respeito das operações de crédito que tiveram uma aprovação num prazo acima da média, o banco afirmou que “é normal que haja variação entre os prazos de tramitação de operações, em função das características de cada projeto”. Especificamente sobre a obra do metrô da Venezuela, o BNDES disse que os financiamentos “seguiram todas as práticas usuais do banco, sem qualquer excepcionalidade ou descumprimento de regras, e com as garantias adequadas”.

Procurado, o ex-presidente Lula não quis se manifestar.

Aparelhamento de fundos afeta 500 mil aposentados

• Rombo bilionário ameaça rendimentos de servidores de estatais

• Gestão de sindicalistas ligados ao PT direcionou investimentos que causaram perdas de R$ 29 bi

O loteamento político da gestão dos fundos de pensão de estatais nos últimos 12 anos, a partir de um núcleo sindical dos bancários de São Paulo, está por trás do rombo bilionário que ameaça os rendimentos de beneficiários pelas próximas décadas, contam Bruno Rosa, Danielle Nogueira, José Casado e Ramona Ordoñez. Gestados na burocracia do PT, esses dirigentes direcionaram investimentos que, no caso de três fundos (Petros, Postalis e Funcef), causaram perdas de R$ 29,6 bilhões até agosto de 2015, e podem prejudicar 500 mil pessoas. A origem do aparelhamento e seu fortalecimento são temas de uma série a partir de hoje.

Perdas e danos de um projeto de poder

• Uso político dos fundos de pensão estatais causa prejuízos e ameaça pagamento de benefícios

José Casado, Danielle Nogueira, Ramona Ordoñez, Bruno Rosa – O Globo

De segunda a sexta, é tudo sempre igual. Sai de casa cedo, no Jardim América, Zona Norte, viaja uma hora até o Centro do Rio e passa o dia à espera de um serviço de despachante no entorno da sede da Petrobras, onde trabalhou um terço da vida. Deixou a estatal, em 1993, levando um plano de previdência anunciado na empresa como a garantia de um “futuro mais tranquilo”.

Aos 71 anos, Livaldo Pereira de Souza é um aposentado preocupado com o seu futuro e o de outras 150 mil pessoas que, como ele, apostaram no fundo de previdência da Petrobras:

— Não é possível que a Petros possa estar em situação difícil — hesita. — Quando mais vou precisar, ela não poderá pagar minha pensão? Como um fundo como a Petros, que tinha um dos maiores patrimônios depois da Previ (Banco do Brasil), pode estar em situação difícil? Isso só pode ser má gestão dos dirigentes, que sempre foram nomeados por indicação do governo federal.

Aflição similar há um ano consome o cotidiano em Brasília de Maria do Socorro Ramalho, de 56 anos. Ex-funcionária da Caixa Econômica Federal, ela começou a ouvir rumores sobre uma crise no fundo de previdência Funcef. O boato virou realidade numa segunda-feira, 13 de abril, quando ouviu o presidente da Funcef Carlos Alberto Caser confirmar o déficit:

— Foi chocante, porque eles viviam falando que estava tudo bem.

Maika, como prefere ser chamada, soube de uma mobilização dos sócios do fundo dos Correios. Aposentados da Funcef e do Postalis foram ao Congresso pedir ajuda para obter informações sobre a situação das contas. Ela descobriu que a situação no Postalis é bem pior que na Funcef.

Em quatro meses de ativismo, ela percebeu também como é a elevada sensibilidade do Legislativo às pressões do funcionalismo: a Câmara abriu uma CPI dos Fundos de Pensão e o Senado já tem outra na fila.

Sobram motivos. Um deles é o tamanho do déficit na Petros (da Petrobras), Funcef (Caixa) e Postalis (Correios): R$ 29,6 bilhões, pela última medição governamental, em agosto do ano passado. Outra razão é a velocidade em que o rombo aumenta: média de R$ 3,7 bilhões ao mês, até agosto. Nesse ritmo, os balanços de 2015 de Petros, Funcef e Postalis, cuja divulgação está prevista para abril, devem fechar com perdas de R$ 44,4 bilhões — um valor sete vezes maior que as perdas reconhecidas pela Petrobras com corrupção.

O pagamento dessa fatura será dividido ao meio entre associados de Petros, Funcef e Postalis e as estatais patrocinadoras — ou seja, pela sociedade, porque as empresas são controladas pelo Tesouro Nacional. No Ministério da Previdência e na CPI, considera-se provável que os 500 mil sócios dos três fundos atravessem as próximas duas décadas com reduções nos rendimentos. De até 26% no caso do Postalis.

— Roubaram meu dinheiro — desabafa Jackson Mendes, aposentado com 42 anos de trabalho nos Correios.

Professor de Matemática, Mendes integra o grupo que levou a Câmara a instalar a CPI.

Ele se diz convicto:

— Fizeram investimentos mal explicados e o dinheiro virou pó.

A maioria dos responsáveis pelos déficits das fundações públicas tem em comum a origem no ativismo sindical. Nos últimos 12 anos, os principais gestores dos fundos de Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios saíram das fileiras do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

É uma característica dos governos Lula e Dilma, e as razões têm mais a ver com perspectivas de poder e negócios do que com ideologias.

Os sindicalistas-gestores agem como força-tarefa alinhada ao governo. Compõem uma casta emergente na burocracia do PT. Agregam interesses pela capacidade de influir no acesso de grandes empresas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte principal de recursos subsidiados do BNDES. Onde não têm hegemonia, por efeito do loteamento administrativo, convivem em tensão permanente com indicados pelo PMDB e outros partidos, caso do Postalis.

O uso dos fundos de pensão estatais como instrumento de governo é um traço peculiar do modo de organização política brasileira. Moldadas no regime militar, as 89 fundações públicas existentes dispõem de uma reserva de investimentos (R$ 450 bilhões no ano passado) que seduz governantes: permite-lhes vislumbrar a possibilidade de induzir iniciativas econômicas, por meio da participação dos fundos na estrutura de propriedade das empresas envolvidas. Petros, Previ, Funcef e Postalis, por exemplo, concentram dois terços do patrimônio dos fundos públicos.

Essas entidades paraestatais cresceram nas privatizações iniciadas por Fernando Collor e Itamar Franco. Com Fernando Henrique Cardoso, passaram ao centro das mudanças na mineração (Vale) e nas comunicações (Telefônicas).

Quando chegou ao Planalto, em 2003, Lula estava decidido a ampliar esse canal de influência sobre o setor privado, pela via da multiplicação da presença dos fundos de pensão estatais e do BNDES no quadro societário das empresas.

Havia um projeto, desenhado desde os primórdios do PT e da Central Única dos Trabalhadores, por iniciativa de Luiz Gushiken, então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo.

Tipo incomum, ascendera à liderança sindical convocando greves a bordo de terno e gravata. Trocou a militância no comunismo trotskista pela composição com Lula, líder dos metalúrgicos, a partir de uma conversa de botequim. Ajudou a escrever o primeiro estatuto, presidiu o PT, elegeu-se deputado federal três vezes e se tornou um dos mais influentes assessores de Lula.

Foram os negócios nada ortodoxos entre fundos estatais e empresas privadas durante o governo Collor, em 1991, que levaram Gushiken e dois diretores do sindicato paulistano, Ricardo Berzoini e Sérgio Rosa, a abrir o debate dentro do PT sobre o potencial político dos fundos de pensão — até então percebidos como meros instrumentos governamentais de cooptação de sindicalistas.

No ano seguinte, a cúpula político-sindical do PT elegeu bancários para diretorias da Previ e da Funcef, derrotando a velha guarda da Confederação dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito.

O grupo avançou com a eleição de Berzoini à presidência do sindicato paulistano, com Sérgio Rosa e João Vaccari Neto na diretoria. Meses depois, esse trio teve a ideia de entrar no ramo imobiliário com apoio financeiro dos fundos de previdência: nascia a Bancoop, cooperativa habitacional, hoje alvo de múltiplos processos por suposto desvio de dinheiro para campanhas do PT e calote em mais de dois mil clientes.

Gushiken decidiu não disputar o quarto mandato de deputado federal pelo PT, em 1998. Berzoini ficou com a vaga. Elegeu-se, mas fez questão de continuar na direção da Bancoop até a campanha presidencial de Lula, em 2002.

Na sede da CUT, Gushiken instalou um curso para formação de sindicalistas em Previdência Complementar. Sinalizava o rumo nas apostilas: “No Brasil, o fundo de pensão como fonte de poder ou como potente agente de negociação nunca foi objeto de discussão nos sindicatos (...) Existe a possibilidade, não remota, de que este monumental volume de recursos, oriundos do sacrifício de milhões de trabalhadores, venha a se transformar num gigantesco pesadelo para estes mesmos trabalhadores”.

O grupo testou o potencial de um fundo estatal na campanha presidencial de 2002. Sérgio Rosa estava na diretoria de Participações da Previ, onde decidem-se os investimentos. Numa quinta-feira, 9 de maio, ele despachou cartas a uma centena de conselheiros do fundo em empresas privadas. Pediu informações sobre como a disputa política “está sendo abordada na empresa em que nos representa” e “qual o posicionamento” das companhias privadas quanto à “participação efetiva no processo”.

Naquele ano eleitoral, as aplicações da Previ no mercado de ações foram quadruplicadas. Adversários sindicais, como Magno de Mello e Valmir Camilo, relacionaram as aplicações da Previ com doações de empresas privadas para Lula e 254 candidatos do PT em todo o país.

Eleito, Lula deu à burocracia sindical 11 dos 33 ministérios e partilhou diretorias na Petrobras, Banco do Brasil, Caixa e Correios com PMDB e PTB, entre outros integrantes da “maior base parlamentar do Ocidente”, como definia o ministro da Casa Civil, José Dirceu.

Gushiken ficou com a Secretaria de Comunicação; Berzoini foi para o Ministério da Previdência; e Vaccari assumiu o sindicato em São Paulo. Eles definiram com Lula o comando dos maiores fundos de pensão estatais a partir do núcleo do sindicalismo bancário. Assim, Sérgio Rosa ganhou a presidência da Previ, Wagner Pinheiro ficou com a Petros e Guilherme Lacerda foi para a Funcef. Ao PMDB reservaram o menor, Postalis.

Na Previdência, Berzoini fechou o circuito com a nomeação de um ex-conselheiro fiscal da Bancoop, Carlos Gabas, para a secretaria-executiva do ministério, que controla o órgão de fiscalização dos fundos de pensão, a Previc. Passaram os anos seguintes testando na prática o projeto que haviam imaginado na década de 80. Os bons companheiros estavam no poder.

Apostas em negócios de alto risco, com apoio do governo

• Em 12 anos, fundações acumulam prejuízos bilionários

José Casado, Danielle Nogueira, Ramona Ordoñez e Bruno Rosa - O Globo

Fundador de uma empresa que recebeu R$ 3 bilhões em investimentos dos fundos de pensão da Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, João Carlos Ferraz inquietou-se na cadeira ao ouvir as perguntas:

— O senhor disse que num momento de fraqueza recebeu propina milionária no exterior? Também prometeu devolver uma parte e repatriar outra?

O antigo presidente da Sete Brasil respondeu quase sussurrando: — Gostaria de reafirmar que eu vou permanecer em silêncio.

Uma voz alta surgiu no plenário da CPI dos Fundos de Pensão, ironizando: — Se é verdade, vai tomar um baita prejuízo, porque levou propina com o dólar a dois reais e pouco e vai devolver a quatro e pouco... Talvez seja um dos bons investimentos que a Petrobras fez nos últimos tempos.

Os fundos de previdência estatais ainda se encontram no lado menos visível das investigações sobre corrupção nos negócios da Petrobras. Mas as evidências dos enlaces em negócios suspeitos se espraiam por diferentes inquéritos. E são realçadas pelo acervo de prejuízos bilionários que as fundações acumularam nos últimos 12 anos.

O caso da Sete Brasil é exemplar. Criada no governo Lula, dentro de uma Petrobras eufórica com o pré-sal, previa construir 28 navios-sondas para a petroleira. Os fundos Petros e Funcef compraram 18% das cotas do empreendimento. A Previ se limitou a 3,5%.

Propinas para gerentes da Petrobras
Após meia década, empresa e sondas só existem no papel. O dinheiro das aposentadorias virou pó: Petros e Funcef já perderam R$ 828 milhões, e Previ, R$ 161 milhões. Os fundos justificam o fracasso indicando as “perspectivas favoráveis” do projeto em 2010, quando o barril de petróleo custava US$ 100 (fechou a semana a US$ 33).

Sobraram propinas, como as recebidas por João Carlos Ferraz e Pedro Barusco, ex- gerentes da Petrobras que montaram o projeto, se aposentaram na estatal e viraram executivos da Sete Brasil. Na Justiça fizeram acordos de delação, prometendo devolver os subornos: Barusco contabilizou US$ 97 milhões (R$ 388 milhões); Ferraz declarou US$ 1,9 milhão (R$ 7,6 milhões), e batalha para evitar o sequestro judicial dos bônus recebidos (R$ 11,5 milhões) na presidência da companhia.

Os déficits nas fundações públicas têm origem em atos típicos de gestão temerária, em negócios obscuros e nos frágeis sistemas de controle.

— É notável que os fundos de pensão estatais integrem um circuito bilionário de negócios sem controle efetivo — diz o deputado federal Raul Jugmann (PPSPE). — Os dirigentes não respeitam as regras, a fiscalização faz vista grossa, a Comissão de Valores Mobiliários não tem poder para punir, e o Congresso não entende, só se interessa pelo assunto episodicamente.

Organismos de fiscalização recebem apelos constantes para intervenção nos fundos estatais deficitários. Responsável pela supervisão setorial, a Previc, do Ministério da Previdência, responde com a lembrança “dos limites legais de sua competência”, e a necessidade de “avaliar tecnicamente pressupostos, necessidade e consequências”.

O histórico recente dos investimentos desses fundos de previdência indica que apostas de alto risco, como a realizada na Sete Brasil, não foram acidentais. Havia um grupo de sindicalistas-gestores trabalhando de forma coordenada. Em agosto de 2003, eles se reuniram com Lula na sede da Petrobras, no Rio. Saíram convencidos de que deveriam apoiar integralmente todos os projetos governamentais de infraestrutura.

O alinhamento com o Palácio do Planalto, orientado pelo secretário de Comunicação Luiz Gushiken, intensificouse a partir da autorização para confrontar parceiros privados — como o grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas—, considerados impeditivos à participação mais direta no controle de empresas de telefonia, privatizadas no governo anterior.

Estabeleceram uma rotina de reuniões, uniram recursos e partiram para a batalha societária.
Venceram. Desde então, com respaldo do Planalto, houve uma escalada nas aplicações de alto risco com o dinheiro das aposentadorias, a despeito de contra-indicações jurídicas internas ou da oposição no conselho fiscal.

— Na Petros adotou-se um estilo extremamente autoritário, invertendo-se a lógica da governança— conta Fernando Siqueira, ex-representante eleito nos conselhos fiscal e deliberativo.

Apesar das perdas e danos, o legado do loteamento político é defendido pelos atuais diretores dessas fundações, também originários desse proceso. A Funcef, por exemplo, admite “resultados deficitários”, mas os atribui ao “fraco desempenho das economias nacional e internacional”. Acha que se constitui num “modelo" de governança. A Petros se afirma empenhada em “continuar reforçando” controles. No Postalis rejeita-se a palavra “déficit”. Diz-se apenas que “não há previsão de superávit”.

Para aposentados como Livaldo Pereira de Souza, sócio da Petros, Maria do Socorro Ramalho, da Funcef, e Jackson Mendes, do Postalis, resta uma certeza: sua renda será reduzida. Com sorte, talvez consigam recuperá-la antes do Carnaval de 2035.

Empreiteiros discutem exigências de Lula para obras em mensagens, diz revista

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Mensagens apreendidas no celular de Léo Pinheiro, ex-presidente e sócio da OAS, e divulgadas pela edição deste fim de semana da revista "Veja", revelam que ele discutiu com então funcionários da empreiteira supostas exigências do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de sua mulher, Marisa Letícia, nas obras de reformas em um sítio em Atibaia (SP) e em um tríplex em Guarujá (SP).

O envolvimento de empreiteiras nas obras do sítio e do tríplex é investigado pela força-tarefa da Operação Lava Jato. Léo Pinheiro já foi condenado a 16 anos de prisão por participação no esquema de corrupção na Petrobras, mas recorre em liberdade.

Na troca de mensagens sobre projetos para as cozinhas dos dois imóveis, há menções a "chefe" e "madame". Segundo a veja, seriam referências a Lula e Marisa.

Em 12 de fevereiro de 2014, Paulo Gordilho, diretor da OAS, avisa a Léo Pinheiro, de acordo com a revista: "O projeto da cozinha do chefe está pronto. Se marcar com a Madame, pode ser a hora que quiser".

O empreiteiro responde: "Amanhã às 19 hs. Vou confirmar. Seria bom tb [também] ver se o do Guarujá está pronto". "Guarujá também está pronto", confirma Gordilho.

No dia seguinte, porém, Léo Pinheiro avisa que a reunião foi desmarcada: "O Fábio ligou desmarcando. Em princípio será às 14 hs na segunda. Estou vendo, pois vou para Uruguai". Fábio, segundo as investigações, seria Fábio Luís, um dos filhos de Lula.

Em nota, o Instituto Lula já admitiu que o ex-presidente e sua mulhervisitaram o tríplex 164A, no condomínio Solaris, acompanhados por Léo Pinheiro. A suspeita é que o apartamento, que está em nome da OAS e foi reformado pela empreiteira ao custo de R$ 777 mil, estaria reservado para Lula. O ex-presidente nega ser dono do imóvel.

Lula e Marisa adquiriram uma cota no condomínio em 2005, quando o empreendimento pertencia à cooperativa habitacional Bancoop. A construção do Solaris foi repassada para a OAS em 2009, devido a uma crise da cooperativa.

Segundo o Instituto Lula, a cota dava direito a uma unidade comum, mas Marisa perdeu o apartamento ao não decidir, em 2009, se pagaria à OAS pelo imóvel ou se preferia ser ressarcida. Ainda segundo Lula, a família ainda mantinha uma opção de compra no condomínio e, por isso, visitou o tríplex que estava à venda, mas desistiu da compra.

As mensagens apreendidas mostram ainda que Léo Pinheiro era informado de detalhes do projeto. Em 21 de fevereiro de 2014, Gordilho lhe escreve: "A modificação da cozinha que te mandei é optativa. Puxando e ampliando para lateral. Com isto fica tudo com forro de gesso e não esconde a estrutura do telhado na zona da sala".

Atibaia
Registrada em nome de sócios de Fábio Luís, a propriedade rural em Atibaia foi reformada por uma espécie de consórcio informal de empresas –OAS, Odebrecht e pelo pecuarista José Carlos Bumlai– conforme revelou a Folha. As obras começaram em 2010, último ano de Lula na Presidência.

A suspeita é que Lula seja o verdadeiro dono do sítio. Só a Odebrecht gastou cerca de R$ 500 mil em materiais para a obra. O ex-presidente afirma quefrequenta o local, mas não comenta as reformas.

Em março de 2014, Léo Pinheiro recebe uma mensagem de interlocutor não identificado. "Dr Léo, o Fernando Bittar aprovou junto à Dama os projetos tanto de Guarujá como do sítio", diz.

Bittar é um dos donos do sítio e mantém uma relação próxima com a família Lula.

"Só a cozinha Kitchens completa pediram 149 mil, ainda sem negociação. Posso começar na semana que vem. É isso mesmo?", pergunta o interlocutor. "Ok", responde Léo Pinheiro.

Segundo a "Veja", documentos da investigação comprovam que as duas cozinhas foram pagas pela OAS a uma loja em São Paulo e custaram mais de R$ 500 mil.

Outra troca de mensagens sugere que Léo Pinheiro tenha visitado o sítio. Ele pergunta a um funcionário em 3 de novembro de 2013: " Tem algum aeroporto perto de Atibaia?". Em 7 de novembro, envia mensagem à mulher: "Já estou em Atibaia. Vamos voltar do Rio na segunda, as 10 hs. Tudo bem".

Outro lado
Procurada pela Folha, o Instituto Lula informou que não iria se manifestar especificamente sobre as mensagens publicadas pela "Veja" e que osesclarecimentos sobre o tríplex já constam em notas divulgadas anteriormente sobre o tema.

Segundo essas notas, um ano depois de concluída a obra do prédio em Guarujá, em 2014, Lula e Marisa Letícia visitaram o tríplex acompanhados por Léo Pinheiro, ocasião em que o imóvel que estava disponível para venda.

"Lula e Marisa avaliaram que o imóvel não se adequava às necessidades e características da família, nas condições em que se encontrava. Foi a única ocasião em que o ex-presidente Lula esteve no local", segundo a nota.

"Marisa Letícia e seu filho Fábio Luís Lula da Silva voltaram ao apartamento, quando este estava em obras. Em nenhum momento Lula ou seus familiares utilizaram o apartamento para qualquer finalidade", completou a assessoria do ex-presidente.

A Folha não conseguiu localizar a OAS até a publicação desta reportagem.

Lava Jato prevê já para este ano prisão de condenados

Após decisão do STF, Lava Jato prevê prisões de condenados ainda este ano

• Força-tarefa avalia que alteração promovida pelo Supremo e provas reunidas nos processos devem possibilitar aos tribunais de segunda instância a condenação e o encarceramento de executivos de empreiteiras e de políticos sem foro privilegiado

Por Ricardo Brandt e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

CURITIBA - A força-tarefa da Operação Lava Jato considera que as provas reunidas nos processos de réus condenados pelo juiz federal Sérgio Moro, que terão recursos julgados em segundo grau ainda este ano, permitem que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região mande prender empresários, executivos e políticos. A possibilidade foi aberta com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que alterou jurisprudência e permitiu a execução da pena em segunda instância – sem necessidade de aguardar o transitado em julgado do processo.

“Acho que argumentos de sobra existirão para possibilitar a prisão dessas pessoas que não estão ainda detidas na Lava Jato, agora com base numa decisão definitiva de execução penal. Que, no meu ver, é muito mais gravoso do que a prisão preventiva”, afirmou ao Estado o procurador da República Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa da Lava Jato.

Um primeiro pacote de processos julgados pelo juiz Sérgio Moro, estão em grau de recurso no TRF-4 e podem ser julgados ainda este ano. Ao menos 17 condenados estão nesse grupo.

Entre eles estão alvos das ações penais da 7.ª fase da Lava Jato, deflagrada em novembro de 2014, que condenou empreiteiros da OAS, Camargo Corrêa, Engevix, entre outras. Todos acusados de integrar o cartel que, em conluio com agentes público e políticos do PT, PMDB e PP, fatiavam obras na Petrobrás, mediante o pagamento de propinas que variavam de 1% a 3% dos contratos.

“Temos expectativa de que, com base nessa nova decisão do STF e também no abundante conjunto probatório, haverá execução de pena. Mesmo porque todas as teses possíveis e imagináveis que poderiam ser aventadas pelas defesas de nulidades formais do processo já foram usadas nos vários habeas corpus e foram sumariamente negados”, disse Mattos.

Revés. Para as maiores bancas criminalistas do País, a decisão do STF foi um revés na estratégia de enxergar nas cortes superiores ambiente mais profícuo para o sucesso de recursos em prol de seus clientes. Mais de 800 pedidos foram apresentados nas cortes de 2.º e 3.º graus, desde o início da Operação Lava Jato, em março de 2014, até o mês passado. Desses, menos de 4% foram providos.

O criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defende um dos executivos ligado à Camargo Corrêa, é enfático. “É uma coisa muito hipotética. Em primeiro lugar, a decisão do Supremo não é vinculativa. Os tribunais do Brasil ainda continuarão independentes para decidir com liberdade sobre a prisão ou não daqueles que vierem a ter suas condenações confirmadas. O Supremo apenas decidiu, mesmo contra a opinião de quatro ministros, que a prisão poderia ocorrer num caso concreto. Assim, cada caso deverá ser examinado por cada tribunal, por cada câmara de cada tribunal do País, podendo os desembargadores decidirem pela prisão ou não”, avaliou.

Mariz disse, ainda. “O Supremo não legisla, ele apenas decide num caso concreto, num caso específico. Quem faz lei no País é o Congresso. Portanto, a decisão (do Supremo) não vincula os tribunais”, disse.

Mérito. A expectativa dos procuradores e dos delegados da Lava Jato é que, a partir da revisão de entendimento sobre a execução da pena pelo STF, as defesas de empreiteiros e políticos condenados passem a focar mais no mérito das acusações.

O delegado da PF Márcio Anselmo, um dos que iniciaram as investigações da Lava Jato, acredita numa mudança de foco das defesas. “Infelizmente, o que se vê no Brasil é um processo penal ineficiente e interminável. Em mais de dez anos como delegado de polícia pouquíssimos foram os casos que pude acompanhar que transitaram em julgado. A experiência dos outros países é muito diferente do que vinha sendo defendido no Brasil. Defender quatro instâncias (1.ª, 2.ª, Superior Tribunal de Justiça e STF) é algo que não encontra correspondência em outros países.”

“O recado é que está inaugurado um novo tempo. As defesas terão que enfrentar os méritos das acusações, o que até agora na Lava Jato não vi ninguém fazer. Os valores bilionários de propina continuam sem explicação”, avaliou o procurador da força-tarefa Diogo Mattos, especialista no estudo de recursos abusivos no Judiciário e a impunidade contra criminosos do colarinho branco.

Decisão do STF de prender após 2ª instância deve estimular delações

Graciliano Rocha, Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo

CURITIBA, SÃO PAULO - A decisão do Supremo que autoriza prisões a partir da condenação em segunda instância, na semana passada, deverá estimular o surgimento de novos delatores na Operação Lava Jato.

O diagnóstico é feito por procuradores e advogados de defesa, um raro caso de concordância entre antagonistas.

Representantes do Ministério Público ouvidos pela Folha dizem que o fim da era dos recursos a perder de vista poderá dar à Lava Jato destino diferente ao de casos como o escândalo do Banestado, que teve quase cem condenações na Justiça do Paraná e, em apenas três casos, a sentença foi executada.

A maioria prescreveu quando os recursos eram debatidos no STJ.

"Vai ter de haver uma mudança de atitude de muitos advogados. O STF mostrou que não vai aceitar o abuso recursal, de manobras meramente protelatórias visando que a prescrição livre o réu daquilo que a prova o condena", afirma Vladimir Aras, secretário de cooperação internacional da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Integrante do grupo da PGR que investiga o envolvimento de políticos com foro com o petrolão, Aras diz que réus condenados em duas instâncias dispõem atualmente de três meios para não cumprirem a pena por seus crimes: a prescrição, a fuga e a colaboração premiada.

"Agora, a porta da prescrição foi fechada", diz.

Potencial afetado
Para os advogados, o entendimento do Supremo fere a Constituição. Edward Carvalho, que defende o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, condenado a 16 anos de prisão, prevê que o recurso deve ser julgado em seis meses pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. Se for negado, Pinheiro irá para a prisão.

"Acho que a decisão do Supremo vai estimular delações e pode levar os executivos condenados mais rapidamente à prisão. Mas isso é um absurdo. O Supremo rasgou a Constituição. Os ministros agiram como legítimos representantes do desejo popular de punição. Não posso chamar de corte constitucional um Supremo que age assim", declara Carvalho.

A Constituição e o Código de Processo Penal dizem que um réu só pode ser preso quando houver uma sentença "transitada em julgado", ou seja, quando não houver mais recursos possíveis.

Carvalho considera a decisão do Supremo estapafúrdia e prevê que ela não perdurar por muito tempo.

O advogado Alberto Toron, que defende Fernando Bittar, sócio do sítio frequentado por Lula em Atibaia, diz que as delações devem aumentar porque sempre que o sistema penal "mostra seus dentes", cresce a possibilidade de delações e confissões.

A decisão do Supremo, segundo ele, equivale a uma estratégia usada pela Inquisição nos séculos 16 e 17. "Bastava os inquisidores mostrarem os instrumentos de tortura para um investigado confessar", afirma.

Ele conta que o historiador Ronaldo Vainfas relata um caso assim no livro "A Traição": um religioso confessa crimes só ao vislumbrar os rituais de tortura pelos quais passaria.

O argumento de que prisões são realizadas, mesmo preventivamente, para forçar delações é veementemente refutado pelos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, no Paraná.

Dos 179 acusados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, 62 foram condenados em primeira instância.

A decisão também deverá ter impacto sobre a recuperação de ativos no exterior. De acordo com Aras, da PGR, o Brasil tem US$ 230 milhões bloqueados em outros países.

"Com as certidões de trânsito em julgado a partir dos TRFs ou dos Tribunais de Justiça, será possível recolher os valores bloqueados, em alguns casos há mais de uma década, e depositá-los no Tesouro Nacional", afirma Aras.

Com bandeira propositiva, Aécio quer estreitar laços com Renan

• Movimento é visto como caminho para alcançar protagonismo no PSDB

Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), busca aproximação com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), após ver perder força o impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso e a estratégia de aproximação levada a cabo em 2015 com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e com o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP).

Nesta semana, das oito propostas apresentadas a Renan para tentar mostrar uma agenda propositiva, cinco já estavam inseridas na chamada Agenda Brasil do peemedebista, documento divulgado por ele no ano passado com propostas para a retomada da economia.

Oficialmente, os tucanos defendem a importância dessas negociações para promover a recuperação do País. Entretanto, interlocutores apontam que a aliança com Renan deve ajudar Aécio a manter o protagonismo dentro do seu partido.

Além disso, com o PT fragilizado, senadores de oposição entendem que a proximidade com Renan cria uma “janela de oportunidade” para se aprovar matérias que são consideradas “dogmáticas” para o partido da presidente Dilma. O projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que põe fim à obrigatoriedade de a Petrobrás ser operadora única na exploração do pré-sal, é um exemplo de matéria trazida pela oposição, apoiada por Renan, e fortemente combatida pela bancada do PT. De acordo com o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), “a formação política mais liberal de Renan dá mais empatia aos projetos da bancada do PSDB”.

Outras propostas do PSDB que já faziam parte da lista de Renan são a Lei das Estatais, o projeto de autoria de Aécio – que limita a quantidade de cargos comissionados na administração pública – e o projeto de Serra que cria um limite para a dívida da União.

Em fevereiro do ano passado, os dois senadores bateram boca, com direito a dedo em riste de Renan, no processo de escolha dos cargos da Mesa Diretora do Senado. A bancada tucana apoiou o peemedebista Luiz Henrique (SC) na disputa à presidência da Casa. O alagoano chamou Aécio de “estrela”.

Distância
Por outro lado, a bancada do PT demonstrou distância de interesses com Renan.

Segundo o senador Lindbergh Faria, o grupo vai buscar projetos que promovam a arrecadação de tributos, mas vai focar a taxação nos contribuintes mais ricos. Os senadores do PSDB teorizam publicamente que essa falta de sintonia do PT com Renan se deve ao fato de que as pautas do partido são alheias ao momento emergencial vivido pela economia do País.

Luiz Sérgio Henriques: Crise, partido, nação

- O Estado de S. Paulo

Ganhou a solidez própria do senso comum a definição de crise como intervalo acidentado e cheio de riscos entre o velho, que muitas vezes não morre, e o novo, cuja afirmação não é linear. Vale para a trajetória dos países e a de seus partidos significativos, cuja história, segundo outra indicação conhecida, é um aspecto “monográfico” da história mais ampla do contexto nacional e internacional em que atuam.

Os 36 anos do Partido dos Trabalhadores, há quase 14 instalado no poder central, são uma ocasião privilegiada para pensar o partido e nosso país. A trajetória daquele teve impacto forte neste, mobilizando setores genericamente ditos “subalternos” e distintas tradições culturais, reunidos sob um grupo dirigente capitaneado por um operário “autêntico”, formado “a partir de baixo” – e já nisso muito diferente de agrupamentos precedentes da esquerda, habituados ao cálculo político e, ainda quando proscritos, desejosos de se integrar ao sistema partidário e ao jogo parlamentar.

É tentador investigar a forma como Lula e seu PT ajudaram a moldar a experiência inaugurada com a Carta de 1988, quais valores e orientações fomentaram entre eleitores e cidadãos, mesmo não filiados, e quais, em troca, relegaram a plano subordinado. Um papel que está longe de ser negligenciável, dado o caráter praticamente único desse partido diante da fragilidade dos demais. Diferentemente do PT, as outras agremiações, ainda que relevantes, têm uma vida interna rarefeita, que só se adensa nas conjunturas eleitorais, e relações intermitentes com a vida social, dando a impressão de ainda não terem compreendido a fundo as características de massa da nossa democracia.

Daquele núcleo sindical decisivo, transposto sem maiores mediações para a arena política, guarda o petismo traços até hoje não superados. O dado social bruto, “concreto e objetivo”, conferiu aura de radicalidade classista avessa a maquinações de corredores e gabinetes refrigerados. A grande e a pequena política se diferenciariam pelo fato de a primeira se manter exclusivamente, ou quase, com os ouvidos colados ao chão social, a cujas diferentes e conflitantes manifestações se recusava o trabalho da síntese propriamente política. Pequena política seria todo o resto, inclusive, para mencionar um elemento emblemático, tecer alianças além da esquerda por ocasião da ultrapassagem do regime autoritário.

Foram ações “clássicas” desse núcleo petista a expulsão dos representantes que se dispuseram a votar no colégio eleitoral em Tancredo Neves, um democrata com relevantes serviços prestados à República, ou o voto contrário ao texto constitucional, vazado – aquele voto – em termos estridentemente sindicais. Como resultado, pequena e grande política se embaralharam: ao contrário do que supunha o petismo, o grande movimento era participar da refundação do País, aderindo sem restos à letra e ao espírito da Constituição; o pequeno lance, em vez disso, consistia em conferir aparência de radicalidade à fragmentação corporativa que assolava a sociedade brasileira, mal saída de selvagem modernização capitalista em regime de exceção.

Discutível, nesse sentido, a contribuição pedagógica do PT para o conjunto da sociedade: valeria mais a expressão de um radicalismo despolitizado do que a construção de uma razão política atenta tanto aos movimentos sociais quanto às exigências da redemocratização. De pouca serventia, ainda, a presença no petismo original de conspícuos elementos do catolicismo de esquerda ou de difusas ideologias de extrema esquerda, “cubanas” e terceiro-mundistas, que logo se amalgamaram ao núcleo sindicalista. Podem ter-lhe dado penetração em comunidades religiosas ou expertise na montagem do aparelho burocrático, sem, contudo, contribuir para um pensamento e uma prática que “educassem” para a democracia.

Sobre o catolicismo de esquerda, uma palavra. Estamos muito longe de qualquer visão redutiva ou “ateia” do laicismo republicano, ignorando as relações entre religião e razão ou cancelando os valores religiosos na esfera pública. Aliás, impossível ignorá-los: e se fosse possível, seria indesejável. No entanto, está claro que na fisionomia do petismo, como tem lembrado José de Souza Martins, o dualismo religioso, sem nenhum filtro, terminou por gerar uma compreensão dicotômica da luta política entre o bem (a esquerda e o PT) e o mal (a direita e os “neoliberais”). Ainda em 2014, para dar um exemplo, ouviu-se em importante área religiosa a caracterização do adversário como “inimigo do povo” – categoria infame, matriz de intolerância e de todo tipo de autoritarismo.

Quanto às diferentes manifestações de extrema esquerda, é bom que existam livremente, como, de resto, suas congêneres simétricas e antagônicas, respeitados os comandos constitucionais. Ruim é quando encontram um caldo de cultura favorável à expansão da mentalidade apparatchik e minúsculos “valores” a esta associados, como a subestimação da “democracia burguesa” e o ataque reiterado a seus pilares, como, entre outros, uma Justiça e uma imprensa não partidariamente controladas e uma oposição perfeitamente legitimada para assumir o poder a cada rodada eleitoral, em qualquer das instâncias da União.

Neste fim de ciclo do petismo no poder, convém, pois, considerá-lo mais como figura de uma crise geral do que como expressão de novidade histórica, que, a partir da esquerda, contribua para atualizar e ampliar as instituições. Os ingredientes que o constituíram não terão sido os melhores, ou não foram reagrupados segundo sábia e prudente razão política, mas não era inevitável que a “receita” desandasse a tal ponto.

Não é a primeira vez nem será a última que uma força de esquerda falha – um sinal adicional de que, na sociedade dos homens, não pode haver quem detenha o monopólio da virtude e possa subtrair-se ao jogo democrático.
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Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta. É um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

Fernando Gabeira: O processo de morrer

• Marqueteiros e médicos sempre têm uma solução para retardar a morte

- O Globo

O “New York Times” revisou no domingo cinco livros que falam de morte. O tema voltou às livrarias americanas. Na verdade, volta e desaparece, com constância. Um desses livros, “Mortais”, de Atul Gawande, acabo de ler. Ele é um jovem médico filho de um médico indiano, que acompanhou, além da morte do próprio pai, outros processos delicados e dolorosos.

Atese básica do livro é a de que a sociedade tecnológica, talvez pela sua incrível capacidade científica, descuidou do processo de morrer, de como é importante para os doentes escreverem seu próprio capítulo final. Em vez de cuidados paliativos diante da morte próxima e inevitável, os médicos, às vezes, submetem os pacientes a longos processos extremamente dolorosos, caros e, no final das contas, inúteis. Durante a doença e morte de Tancredo Neves, cheguei a fazer um programa onde interrogava, com todo o cuidado, se não era melhor desligar os aparelhos e deixá-lo morrer em paz. O problema não se limita ao instante final.

A medicina paliativa, segundo os exemplos que Gawande nos dá, não só evita inúteis processos de quimioterapia e operações dolorosas. Ela, efetivamente, ajuda as pessoas a escreverem o capítulo final de suas vidas, às vezes ir à formatura de um neto, rever um certo lugar do mundo, enfim, as escolhas dependem de cada pessoa. Em países pobres, com um sistema de saúde precário, quase não existe essa intensificação tecnológica diante do leito de morte. É um problema das classes médias e países desenvolvidos. O tema me interessa muito do ponto de vista humano. Mas, às vezes, sou tentado a extrapolar os limites do indivíduo e examinar o processo de morte no curso da história.

Na política, a morte é quase uma palavra proibida. Partidos se preparam para a longevidade no poder. Sérgio Motta, um ministro tucano, dizia que o projeto do PSDB era ficar 20 anos no governo. Quando o PT tinha as mesmas pretensões de tempo. Mas, rapidamente, caiu na tentação da eternidade. Para um pensamento rigoroso de esquerda, não havia, realmente, alternância no poder, mas uma simples troca de siglas, representando os interesses do mesmo grupo dominante. Como produzir uma ilusão de alternância e manter o poder para sempre? No caso da burguesia, a base fundamental de sua proeza era a propriedade dos meios de produção.

É muito difícil estatizar tudo na economia. Mesmo não estatizando tudo, o pouco que se avança nesse caminho é suficiente para grandes tragédias econômicas, como a da Venezuela. Mas é possível criar uma burguesia amiga em torno do estado, comprar o Congresso, escolher juizes e procuradores e, com algum dinheiro, criar imprensa favorável. Mas um país não é feito apenas de corruptos e idiotas, embora no Brasil exista uma concentração respeitável que reúne essas duas condições. A experiência econômica fracassa, a corrupção torna-se um escândalo. Em princípio, o caminho é negar. Com o tempo, adota-se o argumento de que todos fazem. O partido que prometeu ética na política decadente procura se esconder nas dobras do sistema político que condenava. Ser igual aos corruptos tradicionais é, na verdade, uma atenuante, porque ele se sabe muito pior. Seu projeto não é apenas se corromper, mas tocar um universo corrompido como um grande maestro.

Os marqueteiros soam para mim como os médicos que dominam a tecnologia: sempre têm uma solução para retardar a morte, mesmo em detrimento da qualidade de vida. O PT e o sistema partidário no conjunto vivem uma vida miserável sob aparelhos: infusões, radioterapia, náuseas e vômitos, tudo isso porque são incapazes de escrever o seu próprio capítulo final. Um indivíduo diante da morte costuma revisitar lugares, cicatrizar feridas, reparar, dentro dos limites, alguns dos erros, admitir sua finitude e desaparecer com dignidade. Nada disso está em cena. Nem com o PT nem com os restantes partidos que perderam o contato com a seiva vital: a participação ativa da sociedade.

Essa incapacidade de reconhecer que os partidos são mortais, seria apenas mais uma ilusão, entres os milhares que povoam as modernas salas de cirurgia. No entanto, na busca desesperada de uma sobrevida, o PT e aliados não se importam em arrastar o país para o abismo. Se o Brasil aceitar isto, ele não morrerá. Mas as novas gerações terão seu futuro comprometido. Entre as ruínas, veremos a aliança de corruptos e babacas sustentar a presidente que sugere que saiamos por aí para destruir a “mosquita”.

De fato, é a fêmea que transmite zika, e, hoje, se produzem mosquitos estéreis exatamente para que, no contato com elas, inviabilizar seus ovos. Já imagino os domingos em que, seguindo a orientação da grande líder, sairemos às ruas para matar a “mosquita”, certamente com uma boa cartilha superfaturada. A política do Brasil tornou-se uma farsa. Balões de oxigênio, soro, macas, sedativos tarja preta — os partidos insistem em nos governar do seu hospital no planalto. O próprio ministro da Saúde se sentiu mais à vontade no hospício parlamentar do que nas ruas onde corre a epidemia. Simplesmente se recusam a morrer. Se passam na sua frente, você grita ladrão. Mas se não passam, é como se habitassem um mundo paralelo. É uma imagem imprecisa; paralelas só se encontram no infinito. Estamos sendo ferrados diariamente.

Dora Kramer: Aparência, nada mais

O Estado de S. Paulo

A meninada da antiga sabe o que é jogo do joão-bobo. São necessárias, no mínimo, três crianças para jogar: duas para arremessar a bola e uma no meio para interceptar os lances. Desta se diz que está “no bobinho”, com os jogadores fazendo de tudo para lhe dificultar a posse da bola.

É mais ou menos a situação em que se encontra a reforma da Previdência Social, considerada essencial para o acerto de contas públicas. O governo propõe, a oposição rebate dizendo que apoia, mas condiciona à adesão do PT, sabendo que essa sustentação não tem a menor chance de acontecer.

O governo ainda não se entendeu a respeito dos pontos de alteração no sistema previdenciário, mas o PT já fechou questão a respeito: não vai aderir a mudanças, quaisquer que sejam elas, pelo simples motivo de que considera esse o único traço de união com suas bases (centrais sindicais e movimentos sociais) e, portanto, a última esperança de algum se desempenho eleitoral minimamente razoável.

Quando o PSDB anuncia atitude mais “propositiva” dizendo-se disposto a apoiar medidas que fazem parte do histórico programático do partido, o faz mediante condicionante sabidamente impossível.

Fica a reforma, então, destinada até segunda ordem a transitar como ‘bobinho’ entre a conveniência do PT e o interesse da oposição.

Qualquer semelhança.

Há quem veja na manifestação da jornalista Mirian Dutra sobre seu relacionamento com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso uma daquelas oportunidades tão caras ao PT de cotejar suas agruras com os dissabores do PSDB, a fim de se beneficiar da mistura de estações.

Por esse raciocínio, o constrangimento na seara tucana serviria para desviar o foco das suspeitas de favorecimento ilícito que pesam sobre o ex-presidente Luiz Inácio da Silva.

Dificilmente. E já que os petistas gostam tanto de comparações, vamos a elas: ao contrário de Lula, FH se manifestou de pronto, explicando que o dinheiro enviado a Mirian saiu de seu bolso e foi transferido por contas bancárias legalmente mantidas no exterior.

A princípio, não há relação entre o exercício da presidência e o pagamento de mesada para sustento do filho que Fernando Henrique reconhece como dele, não obstante a existência de dois exames de DNA negando a paternidade. A ponta solta desse caso - que pode e deve ser objeto de investigação - é se a empresa (Brasif) que fez o contrato de trabalho fictício com Mirian para o envio de US$ 3 mil mensais obteve em troca algum benefício do governo.

Nem tanto ao mar. O sistema de tramitação de ações judiciais não conspira a favor da celeridade, é fato. Ocorre, porém, que a pressa mediante atropelo de etapas constitucionalmente previstas tampouco confabula em prol da perfeição.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de autorizar a prisão de réus condenados em foros de segunda instância, sem dúvida resulta em economia processual. Este é um aspecto da questão. O outro diz respeito à subtração de direitos expressos no capítulo das garantias individuais consagradas na Constituição, cujos ditames asseguram as prerrogativas de todo e qualquer cidadão. Poderosos ou não.

De onde há razão dos dois lados: entre os que defendem e os que condenam a decisão. Conforme, aliás, esteve expresso no resultado da votação do Supremo (7 a 4) com os votos vencidos, entre outros, de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, ministros de inquestionável experiência e notório saber jurídico.

Merval Pereira: Os direitos da sociedade

• Prisão após decisão de 2ª instância equilibra direitos do acusado e da sociedade

- O Globo

O projeto de lei do deputado Miro Teixeira, da Rede, que altera a legislação processual, permitindo que seja decretada a prisão de um condenado em segunda instância, tornando lei o que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu como jurisprudência, foi sugerido pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), cujo presidente, Antônio César Bochenek, escrevera no ano passado um artigo em coautoria com o juiz Sérgio Moro defendendo que a condenação de primeira instância “por crimes graves” já resultasse em efetivação da pena, podendo o condenado recorrer preso.

Na proposta original, baseada em projeto aprovado no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, a Ajufe pretendia resgatar “a eficácia imediata da condenação por crimes graves e com possibilidade excepcional de efeito suspensivo para a apelação quando plausível”.

Entretanto, após divulgar a proposta, entendeu que não havia clima para um passo tão largo, e seria melhor buscar a alteração apenas do regime de recursos contra acórdãos condenatórios: “Proposta da espécie terá melhor chances de aceitação pela sociedade brasileira e pelo Congresso, e melhor se justificaria considerando que o julgamento em segunda instância é colegiado, diminuindo as chances de erro judiciário”.

Embora a prisão já na primeira instância aconteça em vários países, como Estados Unidos, França, Canadá e Reino Unido, os juízes recuaram da proposta considerada “radical” e propuseram o que chamam de “um equilíbrio entre os direitos do acusado e os direitos da sociedade” para viabilizar a decretação da prisão para crimes graves (hediondos, tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção ativa ou passiva, peculato, lavagem de dinheiro) como regra a partir do acórdão condenatório em segundo grau de jurisdição.

O juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, que já vinha defendendo a prisão imediata após condenação em segunda instância, diz que a decisão do Supremo vai atingir sobretudo os crimes de “colarinho branco”, pois “em regra, o acesso aos Tribunais Superiores ainda é difícil para pessoas sem elevado poder aquisitivo”.

Quanto à presunção de inocência, que os advogados criminalistas apontam como a grande vítima da decisão do STF, na justificativa do projeto de lei está citado que os exemplos “de dois países que constituem o berço histórico do princípio da presunção de inocência (Estados Unidos e França)” revelam que a imposição da prisão na fase de recurso não é incompatível com tal garantia.

“De todo modo, na proposta ora apresentada, a prisão decretada no acórdão condenatório ainda tem natureza cautelar e, portanto, não viola a presunção de inocência”. Para crimes “gravíssimos como os arrolados na proposta”, lembram os juízes, o tribunal pode impor a prisão cautelar no acórdão condenatório, “salvo se houver garantias de que o condenado não irá fugir ou não irá praticar novas infrações penais se permanecer solto”.

Eles explicam que “há certa inversão do ônus de demonstração de que a liberdade do condenado não oferece riscos na fase de recurso, diferenciando-se da situação existente antes do julgamento, o que é justificável, pois aqui já há um acórdão condenatório, com prévia deliberação de um tribunal colegiado sobre as provas e os argumentos das partes, e, portanto, maior segurança para a imposição da prisão”.

O espírito da lei é que “havendo plausibilidade e seriedade no recurso — e não somente propósito protelatório — poderá o Tribunal Superior atribuir ao recurso especial ou extraordinário efeito suspensivo”. Com essa cautela, “possibilitando a concessão do efeito suspensivo ao recurso revestido de plausibilidade, previne-se a imposição de prisões cautelares prematuras quando há chances de êxito na instância recursal superior, e sem comprometer a efetividade em regra dos acórdãos condenatórios, especialmente para crimes graves”.

Nas justificativas, é lembrado que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao declarar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, admitiu que uma condenação criminal por órgão colegiado, mesmo sem o trânsito em julgado, seria apta a tornar inelegível o condenado.

“O julgado representa o entendimento de nossa Corte Suprema de que o princípio da presunção de inocência não impede em absoluto a imposição de restrições aos direitos de pessoa condenada criminalmente mesmo antes do trânsito em julgado, apontando para a compatibilidade com a Constituição do projeto ora apresentado”.

Hélio Schwartsman: Quem não deve não teme

- Folha de S. Paulo

"Eu diria que o presidente está tomando uma posição de covarde. Quem não deve não teme." Essas frases não são de tucanos frustrados porque Lula conseguiu adiar um depoimento que poderia colocá-lo em maus lençóis, mas do próprio Lula. O paradoxo se desfaz com a informação de que as palavras foram proferidas no já longínquo ano 2000, quando o então líder oposicionista fustigava o então presidente Fernando Henrique Cardoso por manobrar para enterrar uma CPI contra seu governo.

A versão tucana do "quem não deve não teme" é naturalmente mais prolixa. Em 2006, diante do mensalão petista, FHC escreveu: "quem transgride as leis, os costumes, as práticas aceitas em uma comunidade (...), responderá pela transgressão perante a comunidade e estará sujeito às penalidades do caso".

O que eu gosto da política é que ela escancara a parcialidade de nossos cérebros, que não hesitam em adequar os critérios morais que usamos à pessoa que está sendo julgada. Aos amigos, os benefícios da dúvida, aos inimigos, os rigores da lei.

Como não sou amigo nem inimigo nem de FHC nem de Lula, tenho algumas observações a fazer. O "timing" das novas suspeitas levantadas contra FHC é obviamente suspeito. Elas surgem num momento em que o líder petista vinha tendo dificuldades para explicar seu relacionamento com empreiteiras. A possibilidade, porém, de que a história contra FHC tenha sido desenterrada por encomenda não muda o fato de que ela precisa ser explicada.

É cedo, porém, para os petistas soltarem rojões. Mesmo que FHC se afunde nas explicações, isso não significará que Lula e o PT tenham se livrado de seus problemas, que são em maior número e parecem mais graves. O paralelismo entre os dois ex-presidentes também desaparece em relação ao futuro. FHC não seria candidato a mais nada, enquanto Lula é a grande esperança do PT para 2018.

Eliane Cantanhêde: Tira essa zika daí!

- Folha de S. Paulo

O processo contra Eduardo Cunha entra na reta decisiva no Supremo Tribunal Federal e o presidente da Câmara se prepara para voltar para casa levando na bagagem um fardo do qual jamais vai se livrar: foi ele quem salvou o mandato da presidente Dilma Rousseff. Com sua biografia, suas contas na Suíça e suas relações vorazes com a Petrobrás, quanto mais se empenhou em derrubá-la, mais conseguiu salvá-la. Como disse importante aliado dele, “o Eduardo vai ter de conviver com isso para sempre”.

Chegamos, então, à perspectiva de mais três anos com Dilma, num 2016 de dar medo: rombo de R$ 60 bilhões nas contas públicas, inflação não só acima da meta, mas acima do próprio teto da meta, risco de três anos seguidos de recessão. Os anúncios fúnebres se sucedem: numa semana, o desastre da indústria; na outra, o desespero do comércio; na seguinte, até os serviços despencam. E os empregos? O gato comeu.

As expectativas são desanimadoras na economia, a política está para se livrar de Eduardo Cunha, mas nem por isso vai virar uma maravilha, e a Lava Jato corre solta, agora com o foco no senador Delcídio Amaral e em tudo o que ele pode revelar de eletrizante sobre a Petrobrás em sucessivos governos.

Nada disso nos conduz a um exercício de otimismo pelos próximos três anos, sem falar que a relação entre o vírus zika e a microcefalia é cada vez mais evidente, a dengue já é uma epidemia, a chikungunya está por aí e que até a sífilis congênita está saindo das catacumbas para assustar, por exemplo, o Espírito Santo.
Se o presente é um desastre, o futuro é incerto, não sabido e preocupante, abrindo uma janela para uma inflação de presidenciáveis de todo tipo querendo se dar bem na crise de credibilidade e de lideranças dos principais partidos e dos candidatos mais vistosos à luz do dia.

A candidatura de Lula depende de tríplex, sítio, empreiteiras, medidas provisórias, mulher e filhos, mas o PT terá certamente um candidato próprio, mesmo que seja para defender o partido nos debates, na TV e no rádio. Mas, se Lula é uma incógnita, o PSDB é um saco de incógnitas.

Aécio Neves é o nome mais natural, mas ele está fora dos holofotes e, em vez de acrescentar, vem perdendo votos em sua cesta de 2014 com as agruras de Dilma e Lula. Geraldo Alckmin namora o PSB e vice-versa. José Serra está próximo do PMDB, que anuncia candidatura própria e joga ao vento Eduardo Paes – se vencer na Olimpíada.

Hoje mesmo surge um novo nome em meio à polarização, com a filiação do senador Cristovam Buarque ao PPS, não para ganhar, mas para divulgar ideias. O PDT, de onde Cristovam sai, deve ir de Ciro Gomes, que já foi PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e hoje já fala e age como candidato do partido.

Outro ex-tucano da lista é Álvaro Dias, agora no PV que alavancou Marina Silva. Ela enfim materializou a Rede Sustentabilidade e é uma das opções fortes para 2018.

Também já se alvoroçam, pela esquerda, a indefectível Luciana Genro, (PSOL), e, pela direita, Jair Bolsonaro (PP), tendo parte dos militares na retaguarda, e Ronaldo Caiado (DEM), impulsionado pelo agronegócio.

É gente que não acaba mais, o que nos remete a 1989, que teve de tudo um pouco e acabou dando no mais improvável, Fernando Collor. É por isso que já se ouve, daqui e dali, “quem vai ser o Collor de 2018?”. Tira essa zika pra lá!

Em 1989, o Brasil abria os horizontes para o novo, o arrojado e o futuro, o que Collor, injusta e dramaticamente, encarnou. Em 2016, fecha-se um ciclo que começou pela direita com Collor, passou pelo centro e chegou a um fim melancólico e surpreendente com o PT (quem, em 1989, poderia imaginar tudo isso?) Não é hora de aventuras nem de arrojo, mas de segurança, estabilidade e credibilidade. Estes três anos dirão.

Luiz Carlos Azedo: Aos sem-partido

• Se os atuais líderes não derem conta do recado, as novas lideranças terão de enfrentar o desafio

- Correio Braziliense

A crise de representação dos partidos políticos não é um fenômeno novo. Ganhou corpo com o surgimento dos modernos meios de comunicação de massa, a sociedade de consumo e a desconstrução do sujeito moderno, cuja existência estava associada a classes sociais mais ou menos homogêneas, que deram origem aos modernos partidos de massas. Com a globalização, o enfraquecimento dos estados nacionais e o surgimento de novos atores políticos, essa crise adquiriu a configuração que temos hoje.

Devido à crise ética e ao impasse político que estamos vivendo, o fenômeno virou uma megajabuticaba aqui no Brasil. Tem todos os ingredientes da crise de representação que sacode, por exemplo, a política europeia, cujos melhores exemplos são a Grécia e a Espanha, do ponto de vista de novos atores, e a França, a Itália e Portugal, quanto às agremiações tradicionais. Mas ocorre em meio à recidiva do populismo latino-americano, que já colapsou na Argentina e na Venezuela. E tem como ponto alto o “nunca antes neste país” do PT, cujo transformismo desaguou no escândalo da Petrobras, que está sendo desnudado pela Operação Lava-Jato.

Cerca de 36 partidos com representação no Congresso compõem o cenário do impasse político brasileiro, porém, seus principais protagonistas são três: o PT, partido da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; o PMDB, do vice-presidente Michel Temer, encastelado no comando do Congresso; e, na oposição, o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do governador paulista Geraldo Alckmin e dos ex-governadores José Serra e Aécio Neves, os três pré-candidatos a presidente da República.

Embora se digladiem, esses grandes partidos engessam o sistema político brasileiro, de maneira que os demais só conseguem emergir como uma quarta força, com caráter de renovação, seja qual for o espectro político que represente. E bloqueio do processo político existe em razão de um arranjo institucional complexo: presidencialismo; federação esvaziada pela União; voto proporcional unipessoal para as casas legislativas, com exceção do Senado, onde o voto é majoritário; e sistema de distribuição do tempo de televisão e do fundo partidário que favorece o status quo. Aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o fim do financiamento privado de pessoas jurídicas nas campanhas eleitorais aumentou a barafunda partidária.

A reação dos grandes partidos à mudança foi triplicar o fundo partidário, cuja distribuição é proporcional ao número de deputados de cada partido, e abrir uma janela de 30 dias para filiações partidárias, sem risco de perda de mandato, que começou a vigorar na sexta-feira passada. Legendas de aluguel procuram atrair deputados na Câmara dos Deputados oferecendo a divisão dos recursos adicionais do tempo de televisão na base do meio e meio, ou seja, metade para o “dono” do partido, metade para os deputados, que passam a administrar as seções regionais como se fossem franquias.

O canto da sereia atrai parlamentares que desejam se candidatar às prefeituras de suas cidades e não têm como financiar suas campanhas eleitorais, o que estressa as relações nas bancadas dos partidos que não adotam esse tipo de prática. É desnecessário dizer que esse leilão é um ingrediente a mais na panela de pressão da crise ética, que ameaça degolar dezenas de cabeças do Congresso envolvidas nas investigações da Lava-Jato.

Sangue novo
O modelo de financiamento de campanha adotado pelo STF seria mais compatível com o voto distrital, pois obstrui ainda mais a renovação da política brasileira, ao favorecer quem já está no poder, os candidatos de grandes posses e a utilização de caixa dois. Com o desgaste dos políticos, a possibilidade de levantar recursos nas campanhas eleitorais mediante as doações de pessoas físicas é muito exígua. A grande maioria dos eleitores não quer saber dos partidos, o que dirá doar dinheiro para suas campanhas.

Mas o problema é que não se pode prescindir dos partidos para construir saídas democráticas para a crise que o país atravessa. Esse é o drama atual da sociedade brasileira, cuja conta será paga pelas próximas gerações, uma vez que a atual elite política fracassou, tanto quanto a anterior. O Estado brasileiro não cabe mais no seu orçamento e o atual sistema político está bloqueado. São problemas que não se resolvem à margem da política e sem a participação dos políticos.