• No Senado, líder do governo afirma que vice será o próximo a cair se Dilma sofrer ‘ golpe constitucional’
Evandro Éboli, Cristiane Jungblut - O Globo
- BRASÍLIA E SÃO PAULO- Um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição afirmou ontem, em ato pró- Dilma Rousseff na Câmara, que se o vice- presidente Michel Temer ( PMDB) vier a assumir a Presidência da República não terá paz.
— O que está ocorrendo é uma manobra inconstitucional, um golpe. Tanto Eduardo Cunha ( presidente da Câmara), réu no Supremo e acusado de muitos crimes, quanto o vice Michel Temer não vão ter paz. Vamos fazer uma luta política forte. Para manter os ganhos sociais, só há uma saída : manter Dilma na Presidência — disse Alexandre Conceição ao GLOBO.
O MST entende que afastar Dilma é um golpe, e Conceição anunciou que os manifestantes sem- terra que participarão da marcha de 31 de março em Brasília permanecerão na capital até o desfecho do processo de impeachment na Câmara:
— O pessoal já está acostumado a suportar e vai ficar o tempo que for necessário.
O coordenador do MST disse que se Cunha marcar a sessão do impeachment para um domingo, como chegou a ser divulgado, os sem-terra estarão nas ruas:
— Não há a menor dúvida. O dia que for, o pessoal vai para a rua.
O líder do governo no Senado, Humberto Costa ( PE), foi à tribuna do plenário dizer que Temer “será o próximo a cair” se assumir o governo, caso a presidente Dilma Rousseff sofra o que ele chamou de “golpe constitucional”. Costa afirmou que os movimentos que pedem a saída de Dilma não defenderão Temer. Ele disse ainda que, com a saída de Dilma, haverá “resistência”, e espera que o vice- presidente não entre na “vendeta” contra a presidente.
— Não pense que os que hoje saem organizados para pedir “Fora, Dilma!” vão às ruas para dizer “Fica, Temer”, para defendê-lo. Não. E, seguramente, Vossa Excelência será o próximo a cair, porque nós, do PT, dos movimentos sociais e todos aqueles que defendemos a democracia vamos seguir ocupando o Brasil inteiro, de Norte a Sul, para denunciar a ruptura da ordem democrática e dizer que não aceitamos qualquer tipo de golpe — disse Humberto Costa.
Chamando o processo de impeachment de “golpe”, Costa disse que Temer não deve cair “no canto da sereia” e querer trair a chapa em que foi eleito vice- presidente de Dilma:
— Se Vossa Excelência (Temer) sucumbir a essa vendeta em curso contra a presidenta Dilma, levará o Brasil inteiro a ser tragado por uma maré de forte instabilidade. O país e a sua biografia não merecem isso.
O petista chamou de “oportunismo de alguns” a intenção de o PMDB desembarcar do governo, tema que será tratado hoje em reunião do partido.
O líder do governo no Senado reforçou que petistas e defensores da presidente Dilma se manterão mobilizados:
— Não haverá trégua a esse movimento golpista, nem antes, nem depois, caso ele venha, vergonhosamente, a se materializar.
Mesmo com os ataques a Temer, Humberto Costa disse esperar que os principais líderes do PMDB tenham “responsabilidade para agir e manter a coalização”:
— Não precisamos criar outra crise, de proporções muito maiores.
Na mesma linha de Costa, os senadores Lindbergh Farias (PT- RJ) e Gleisi Hoffmann ( PT- PR) disseram que Temer está chancelando um “acordão” para permitir o impeachment.
Já o presidente do PT, Rui Falcão, disse ontem que “só a mobilização nas ruas pode barrar o golpe”. Falcão usou sua página nas redes sociais para convocar simpatizantes do governo Dilma e do PT para irem às ruas nesta quinta-feira, dia 31, lembrando ser o mesmo dia do aniversário do golpe militar de 1964. A ideia é que o ato aconteça no maior número possível de cidades.
“No dia 31 próximo vamos novamente às ruas para defender a democracia, o mandato da presidenta Dilma e mudanças na política econômica. É hora, também, de dialogar com os parlamentares, num processo de convencimento para que não votem contra o Brasil. Só a mobilização nas ruas, nos locais de trabalho, nas escolas, no campo e a vigilância permanente dos democratas podem barrar o golpe”, escreveu Falcão.
Manifesto em favor da democracia
O presidente do PT diz, na mensagem, que o golpe de 31 de março de 1964 ocorreu sob o pretexto de se combater a corrupção e “em defesa da democracia”. Para ele, diante da atuação da oposição, “um novo golpe está em andamento”.
“Motiva- o, mais uma vez, a ascensão das lutas populares, a conquista de direitos e a disposição dos movimentos sociais organizados e dos democratas de não admitirem nenhum retrocesso”.
Falcão elogiou o papel dos militares que “cumprem rigorosamente seu papel constitucional, avessos no momento ao chamamento das vivandeiras saudosas da ditadura”.
Mais de 530 intelectuais estrangeiros assinaram um manifesto sobre a situação política brasileira. Com o título “A democracia brasileira está seriamente ameaçada”, professores e pesquisadores afir maram que existe um risco de que o discurso do combate à corrupção esteja sendo utilizado para desestabilizar o governo. O documento foi organizado pelo professor de História do Brasil James N. Green, da Universidade Brown, e Renan Quinalha, pesquisador da USP na mesma universidade.
Segundo o documento, as investigações da Lava- Jato foram prejudicadas por excessos e medidas injustificadas. Os intelectuais citam as prisões preventivas, os vazamentos e a interceptação telefônica que envolveu a presidente Dilma e o ex- presidente Lula. “Durante suas investigações, alguns funcionários públicos estão violando direitos fundamentais dos cidadãos, tais como presunção da inocência, garantia de Judiciário imparcial, sigilo da comunicação entre cliente e advogado, além do direito à privacidade”, diz o documento.
Dentre os signatários, estão a historiadora Barbara Weinstein ( New York University), o historiador Jean Hebrard ( École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris), o sociólogo John Bellamy Foster ( University of Oregon), a cientista política Margaret Keck ( Johns Hopkins University), a filósofa Nancy Fraser ( New School for Social Research), o especialista em literatura brasileira Pedro Meira Monteiro ( Princeton University), o historiador Sidney Chaulboub ( Harvard), e a cientista política Sonia Alvarez ( University of Massachusetts).
A maioria das adesões é de professores universitários de Argentina e México. No entanto, o manifesto também foi assinado por professores de países como África do Sul, Índia, Japão e Turquia. (Colaborou Dimitrius Dantas, estagiário, sob supervisão de Flávio Freire)