Daniela Lima, Valdo Cruz, Machado da Costa – Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - O chanceler José Serra anunciou dez diretrizes para a política externa do Brasil que, em seu conjunto, indicam um distanciamento das praticadas sob os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) e da presidente afastada, Dilma Rousseff.
Em seu primeiro discurso à frente do Itamaraty, afirmou que o país deixará de guiar sua diplomacia por interesses "de um governo ou de um partido" em favor das prioridades do "Estado e da nação". A ordem, afirmou, é assumir "com os olhos no futuro, não no passado".
Dos dez pontos anunciados —depois ele incluiria um item "extra", sobre dar atenção às fronteiras como polo do crime organizado—, seis tratam de comércio, atribuição que até sua chegada cabia principalmente ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Serra afirmou que o Brasil passará a priorizar acordos bilaterais, em detrimento à negociação multilateral há quase 15 anos inconclusa na Organização Mundial do Comércio, e mencionou a Argentina, governada pelo centro-direitista Mauricio Macri desde dezembro, como parceiro preferencial na região.
O chanceler disse que o multilateralismo priorizado pelo país fracassou e deixou o Brasil fora dos acordos bilaterais que alçaram economias de outras nações. "Vamos recuperar oportunidades perdidas", disse.
Prometendo ampliar o intercâmbio com "parceiros tradicionais", listou EUA (com os quais quer negociar soluções rápidas para barreiras não tarifárias), União Europeia e Japão como exemplos preferenciais, mas insistiu em priorizar também a Ásia, sobretudo China e Índia.
Disse que não abdicará da África, embora tenha proposto uma recalibragem. "Ao contrário do que se procurou difundir, a África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos", afirmou.
Da mesma forma, em um aceno aos que temiam a ruptura completa com a política Sul-Sul construída por Lula, Serra afirmou que ela continuará a ser essencial, mas provocou: quer uma abordagem "estreita e pragmática", sem "finalidades publicitárias (...) e grandes investimentos diplomáticos".
Democracia e clima
O novo ministro tentou neutralizar temores levantados por analistas e diplomatas de que só o comércio seja enfatizado, e outros temas globais sejam esquecidos.
Em recado à Venezuela, que passa por uma aguda crise política e econômica, disse que o Brasil será vigilante a violações da "democracia, liberdades e direitos humanos em qualquer país".
Com outros governos membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), Caracas foi alvo da primeira nota diplomática do Itamaraty de Serra, rejeitando críticas à lisura do processo de impeachment em tom inusualmente ríspido.
Mas mesmo aí o viés econômico prevaleceu.
O chanceler ressaltou o papel do país em negociações de paz na ONU, propondo também tratar de "fatores desencadeadores das frequentes crises financeiras".
Comprometeu-se a assumir as responsabilidades do Brasil na área ambiental e apontou contrapartida econômica, como a afluência de recursos de entidades internacionais voltadas ao tema.
Serra fez um aceno ao corpo diplomático e a servidores do órgão, ao prometer tirar o Itamaraty da "penúria", que atribui à "irresponsabilidade fiscal" do governo Dilma.
À plateia de políticos (como o ex-presidente José Sarney e o ministro do Planejamento, Romero Jucá), embaixadores estrangeiros e diplomatas brasileiros —que se declararam entre cautelosos e entusiasmados–, mencionou as dificuldades do órgão.
Brincou com Jucá, a quem, a Folha revelou, reivindicou R$ 800 milhõespara cobrir um rombo deixado pelo governo anterior, e tentou motivar o corpo diplomático.
"O Itamaraty volta ao núcleo central do governo", disse. "Nossa diplomacia terá que se atualizar e inovar."
Novas diretrizes do Itamaraty
1. Diplomacia voltará a refletir interesses do país como um todo, "e não de um partido político e de seus aliados"
2. Preocupação com a defesa da democracia e dos direitos humanos em qualquer país
3. Brasil assumirá "especial responsabilidade" em assuntos na área ambiental
4. Na ONU e em outros fóruns globais e regionais, Brasil agirá em favor de soluções pacíficas e negociadas, ao mesmo tempo que se empenhará em fatores desencadeadores de crises financeiras e contração do comércio internacional
5. Brasil não mais se restringirá à "adesão paralisadora" às negociações multilaterais na OMC, que o mantém à margem de acordos bilaterais de livre comércio
6. Iniciar negociações comerciais, usando a vantagem do acesso ao mercado interno brasileiro, em busca de soluções negociadas e com base na reciprocidade
7. Um dos focos de atuação será a Argentina, "com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia"; busca por pontos de contato, e não divergências, com a Aliança do Pacífico
8. Ampliação do intercâmbio com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e Japão; negociar, com os EUA, uma solução prática e de curto prazo para trabalhar na remoção de barreiras não tarifárias e em parcerias de energia, ambiente, ciência, tecnologia e educação
9. Relação prioritária com a Ásia, principalmente com a China e a Índia; manutenção dos laços com a África, mas sem se basear em laços "fraternos do passado"; solidariedade com países do Sul continuará a ser diretriz, mas com atenção ao custo-benefício
10. Nas políticas de comércio exterior, Brasil terá sempre a "boa análise econômica"; necessidade de investir na produtividade e competitividade e ênfase na redução do custo Brasi