domingo, 19 de março de 2017

Opinião do dia - José Álvaro Moisés

O problema é que não existe um momento ideal para a reforma ser feita. Sempre haverá forças políticas a querer influenciá-la em defesa de seus interesses. E o argumento de suposta ilegitimidade do governo e do Congresso para enfrentar a questão é pueril, além de ser conceitualmente equivocado. O presidente Michel Temer e a maioria dos membros do Parlamento são impopulares, mas não é isso que define a sua legitimidade institucional, pois eles foram conduzidos às suas funções atuais pelo voto popular. Aliás, é por isso que no caso do processo de abuso de poder nas eleições de 2014, em exame pelo TSE, Temer é citado ao lado da ex-presidente Dilma Rousseff, e não em separado, pois ambos foram eleitos pelos mesmos eleitores numa chapa comum.

*José Álvaro Moisés é professor de Ciência Política Universidade de São Paulo. “Qual reforma política?”, O Estado de S. Paulo, 18/03/2017

Presidenciáveis abalados

Delações e lista de Janot tiram capital político dos principais atores para 2018

Sérgio Roxo | O Globo

SÃO PAULO - Em seus três anos, completados na última sexta-feira, a Lava-Jato passou como um rolo compressor sobre os nomes de destaque da cena política nacional. As citações em delações premiadas reduziram substancialmente o capital político de presidenciáveis e transformaram a corrida pelo Planalto em 2018 em um jogo totalmente aberto, sujeito à aparição de um novo nome.

O petista Luiz Inácio Lula da Silva, os tucanos Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra e até Marina Silva (Rede) caíram nas pesquisas de intenção de voto, mudando o xadrez político brasileiro. Como resultado das denúncias e investigações, um em cada quatro eleitores declara não ter candidato a presidente. Em pesquisa Datafolha divulgada em dezembro, em três dos quatro cenários testados, 20% dos entrevistados disseram que pretendem votar em branco ou nulo em 2018. Outros 6% não souberam opinar.

— Há um descontentamento muito grande com os nomes que estão postos — analisa o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

‘Outsiders’ buscam espaço

No vácuo deixado por políticos tradicionais, nomes alternativos sonham em se viabilizar para disputar o maior cargo do país

Júnia Gama | O Globo

BRASÍLIA - Com a publicação da lista dos envolvidos nas delações da Odebrecht, alguns dos principais précandidatos à Presidência da República em 2018 podem se ver comprometidos com a Justiça a ponto de não conseguirem consolidar seus nomes até lá.

Neste contexto, somado ao rechaço da sociedade aos políticos tradicionais, a tendência é que haja uma corrida eleitoral de outsiders. No páreo, estão nomes como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), o empresário Roberto Justus, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa.

Para o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), as eleições de 2018 devem seguir a lógica do que foi visto nas disputas municipais de 2016, quando a figura dos “antipolíticos” prevaleceu nas campanhas.

— A eleição de 2018 vai ser muito surpreendente e atípica. Vamos ter que aguardar até o final do ano para saber quem vai concorrer — afirma.

Dilma detalha no TSE despesas pagas para Temer

Defesa da ex-presidente tenta impedir a separação da chapa de 2014 no julgamento do processo de cassação

Eduardo Bresciani | O Globo

-BRASÍLIA- A defesa da ex-presidente Dilma Rousseff protocolou na noite de sexta-feira no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma petição para defender que a chapa formada por ela junto com o atual presidente, Michel Temer, não pode ser dividida no julgamento do processo de cassação. Para sustentar a argumentação, o documento detalha despesas de Temer pagas pela campanha de Dilma.

Entre as despesas citadas estão recursos repassados a uma gráfica sob suspeita de ser de fachada e ao marqueteiro João Santana, que está preso em Curitiba pela Operação Lava-Jato. A peça ainda minimiza o fato de Temer ter uma conta separada de campanha, destacando que mais de 80% dos recursos dela foram repassados a outros candidatos do PMDB, em vez de bancar despesas.

A defesa de Temer tem se manifestado a favor da separação da chapa. Procurada pelo GLOBO, a assessoria do Planalto reiterou que a arrecadação para a campanha foi feita de forma separada.

Eleição de 2018 vai tirar 21 ministros do governo Temer

Coluna do Estadão | O Estado de S. Paulo

A próxima eleição vai tirar mais ministros do governo de Michel Temer do que as denúncias da Operação Lava Jato. De um total de 28, 21 pretendem disputar o pleito no próximo ano e precisam se desincompatibilizar dos cargos em abril de 2018.

Deles, 14 são deputados federais e dois são senadores. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu investigação contra seis ministros: Eliseu Padilha (PMDB), Moreira Franco (PMDB), Gilberto Kassab (PSD), Bruno Araújo (PSDB), Aloysio Nunes (PSDB) e Marcos Pereira (PRB).

Como Michel Temer definiu que os ministros envolvidos na Lava Jato só saem se forem denunciados, a desincompatibilização vai afastá-los antes que sejam atingidos.

Gilmar Mendes convenceu Temer a priorizar reforma política
A reforma Política não estava nos planos do governo, mas se impôs. O presidente Michel Temer foi convencido pelo ministro Gilmar Mendes a incluí-la no pacote de reformas que promete fazer.


PSDB quer emplacar Marcus Pestana como relator da Comissão de Orçamento do Congresso

O PSDB tenta emplacar o deputado Marcus Pestana (MG) relator da Comissão de Orçamento do Congresso. A presidente será a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES).

PMDB cogita tirar Meirelles do PSD para lançá-lo à presidência em 2018
Sem opção de candidato para a eleição presidencial de 2018, peemedebistas não descartam tentar roubar o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, do PSD.

O PSD, do ministro Gilberto Kassab, reage. Caciques do partido dizem que o PMDB é dividido demais para garantir legenda a Meirelles.

Odebrecht pagou mesada a irmão de Lula, diz revista

- Folha de S. Paulo

A Odebrecht pagou mesada de R$ 5.000 a um irmão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por mais de dez anos a pedido do petista, segundo reportagem da revista "Veja" desta semana.

A informação constaria da delação de Alexandrino Alencar, ex-diretor de relações institucionais da Odebrecht.

Segundo Alencar, a empreiteira repassou o dinheiro a José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, ao longo dos dois governos do petista (2003 a 2010). A mesada teria sido interrompida quando executivos da empreiteira foram presos.

A reportagem não especifica as datas.

José Roberto Batochio, advogado de Lula, afirmou que "o ex-presidente jamais solicitou nem sequer teve conhecimento de qualquer espécie de favorecimento a pessoas de seu círculo familiar, social ou partidário".

A democracia em crise e seus partidos | Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S. Paulo

Os democratas estão sendo chamados a esconjurar um desvio para o inferno

Impossível predizer minimamente, no denso cone de sombra em que nos movemos, o futuro do sistema partidário, ainda e apesar de tudo elemento essencial de qualquer moderna democracia de massas que se preze. Partidos – diz a expressão famosa – são, ou devem ser, a democracia que se organiza e se afirma, elos decisivos, mas não exclusivos ou excludentes, de uma relação saudável entre sociedade civil e sociedade política.

Nunca tivemos tradições partidárias propriamente consolidadas, que encarnassem interesses e concepções de mundo relativamente estáveis e transmitidas de uma geração para outra. O peso do Estado na modernização brasileira não raro impossibilitou a emergência e a consolidação de partidos organizadores de opinião e formadores de quadros dirigentes. Basta lembrar que em 1964 se interrompeu bruscamente o sistema que bem ou mal se vinha constituindo nos marcos da Constituição de 1946. E, no ocaso do regime autoritário, Arena e MDB seriam dissolvidos ou mudariam de pele, dando origem ao pluripartidarismo afinal consagrado na Constituição de 1988.

O joio e o trigo | Fernando Gabeira

- O Globo

Tentativa de anistiar caixa dois vai arrasar sistema político. Assim que foram homologadas as delações de Odebrecht, começou um movimento para anistiar o caixa dois e separar o joio do trigo. Se me lembro bem da parábola em Mateus, todos, mesmo os mais simples de espírito, queriam separar o joio do trigo. A sabedoria de Cristo foi indicar quando isso era possível, o momento em que, realmente, se separa o joio do trigo. Na crise do sistema político brasileiro também existe um momento adequado para separar o joio do trigo: o fim das investigações.

De nada adianta construir um arsenal de leis protetoras antes que as investigações precisem o que representa cada caso. Muitos acham que essa teia de proteção é necessária para preservar o sistema político. Mas qualquer tentativa nesse sentido vai arrasar ainda mais sua credibilidade. Disseram, por exemplo, que a LavaJato estava criminalizando as doações oficiais e que esse erro foi seguido pelo Supremo, que tornou réu o senador Valdir Raupp. Todos sabem que não é bem assim. Não se criminalizou doação oficial. O que estava em debate era o uso da doação oficial para mascarar propina.

Acordos destravados | Merval Pereira

- O Globo

Lava-Jato: MP e TCU tentam destravar acordos. Está prestes a ser firmado um entendimento entre o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público (MP) para destravar os acordos de leniência firmados pelas três maiores empreiteiras — Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Correia —, que não vinham tendo efetividade diante de desavenças entre os dois órgãos. E também entre esses órgãos e a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU).

O acordo entre TCU e MP tem como objetivo permitir que as empreiteiras retornem às licitações de obras governamentais, e tenham condições de devolver aos cofres públicos os prejuízos provocados pelos ilícitos que já admitiram nas delações premiadas e nos acordos de leniência. As empreiteiras pagaram multa em acordo firmado com os procuradores de Curitiba e não estavam conseguindo participar de licitações em estatais, como a Petrobras, ou receber empréstimos do BNDES, embora teoricamente estivessem em dia depois do acordo firmado.

Carne podre, carne fraca | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

A cada dia, sua agonia. Está difícil comer, trabalhar, respirar, sobreviver

Quando a política e a Lava Jato pegavam fogo, a surpresa foi 2017 abrir já no primeiro dia com os massacres em prisões, que começaram com decapitações em Manaus e contaminaram Boa Vista e Natal, com cerca de 125 mortes no total, chamando a atenção para um descalabro nacional e mostrando ao mundo o lado das trevas numa das dez maiores economias do planeta.

Quando o pacote do procurador Rodrigo Janot foi entregue ao Supremo Tribunal Federal e passaram a vazar as listas dos ilustres citados nos 83 pedidos de abertura de inquérito para os que têm foro privilegiado e mais 211 para quem não têm, a semana terminou com a operação “Carne Fraca”, sobre as carnes podres que comemos e a carne fraca de corruptos insaciáveis.

Esquinas do Brasil | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

Não há como retomar o crescimento com inflação controlada e justiça social sem enfrentar os problemas do gasto público e da Previdência

Cidade parque, conceito adotado por Lúcio Costa, cujo projeto urbanístico completou 60 anos, Brasília não tem esquinas, queixam-se os forasteiros que chegam por aqui. Em compensação, na Praça dos Três Poderes, não faltam encruzilhadas em relação ao futuro do país. Tem a esquina da Operação Lava-Jato (anistia ou não para o caixa dois eleitoral), da reforma política (voto uninominal ou voto em lista), do julgamento da chapa Dilma Rousseff- Michel Temer (separa ou não separa as contas de campanha), das reformas da Previdência e trabalhista (faz agora ou deixa pra depois) e da taxa juros (reduz devagar ou acelera), só para citar as mais próximas.

Todas estão associadas a escolhas estratégicas dos governantes, tanto àquelas que já foram feitas ou quanto às que foram empurradas com a barriga. No primeiro caso, por exemplo, estão o caixa dois eleitoral, o julgamento das contas de campanha e a redução da taxa de juros; no segundo, as reformas política, trabalhista e da Previdência. Escolhas sempre representam perdas, porque é preciso abrir mão de alguma coisa para obter algo em troca. A escolha errada é resultado da relação custo-benefício. O país está pagando alto preço pelas escolhas feitas pelos governos Lula e Dilma. Muitos dirão que nossos problemas são seculares; por que, então, culpam o governo Temer? Realmente, há muitas maneiras de olhar o passado.

O legítimo e o criminoso nas doações | Sérgio C. Buarque

- Revista Será? (PE)

A doação de empresas a partidos e políticos para financiamento de campanha eleitoral é uma prática corrente, amplamente aceita e utilizada por todos, mas que evoluiu para uma grande promiscuidade entre o público e o privado. Entretanto, neste momento em que se multiplicam as denúncias e as investigações de doações e corrupção na política brasileira, é importante distinguir dois aspectos dessa relação, que separam a legalidade do crime: a origem do dinheiro e a forma de registro da doação. A combinação destes dois aspectos permite criar uma tipologia da relação, como mostra o quadro abaixo, para classificar as acusações, avaliando e julgando os políticos e governantes de modo a evitar a generalização e a condenação de todos os homens públicos brasileiros à vala comum da criminalidade:

Na história politica do Brasil tem havido, ao longo dos anos, financiamento legal de empresas (sem superfaturamento e corrupção), que os políticos (ou partidos) registram como doação oficial na sua contabilidade (valor e doador) apresentada à justiça eleitoral.

Reflexões sobre a Previdência, o desenvolvimento e o Bem-Estar Social | Cláudio de Oliveira

- Gramsci e o Brasil

Creio que a discussão em torno das aposentadorias no Brasil deve ser conduzida no horizonte de um debate mais amplo sobre o financiamento do Estado do Bem-Estar-Social e as condições econômicas necessárias ao desenvolvimento sustentado. Nossa experiência histórica demonstra que sem a expansão da atividade econômica aumentam as restrições do poder público para cumprir suas obrigações sociais determinadas pela Constituição.

Há um consenso de que sem investimento não há crescimento econômico. A China, país campeão do crescimento nos últimos 30 anos, prova a importância de combinar investimento público e privado, nacional e estrangeiro, para a promoção do desenvolvimento e, assim, da expansão da renda.

A alta taxa do crescimento do PIB chinês permitiu não só que centenas de milhões de chineses saíssem da pobreza, como também fez do gigante asiático exportador de capitais, alterando profundamente o seu papel na economia global, cujas consequências retroalimentam a expansão de sua economia interna. Tal crescimento econômico, com a determinação da liderança chinesa nessa direção, tem elevado o padrão de vida dos cidadãos e de sua capacidade de consumo, criando um círculo virtuoso para o desenvolvimento, o que coloca a China cada vez mais em melhores condições de negociação na arena internacional.

Intervencionismo e populismo | Suely Caldas

- O Estado de S. Paulo

Dilma Rousseff deu asas a uma parceria que, infelizmente, tem se propagado pelo mundo

Nos últimos dez meses, sem Dilma Rousseff na Presidência da República, a inflação anual medida pelo IPCA despencou de 9,27% para 4,75% e a taxa de juros Selic caiu de 14,15% para 12,15%. Nesse período, a queda dos dois indicadores se deu gradativamente, sem nenhuma alquimia, pirotecnia ou oscilações bruscas, simplesmente refletindo o ambiente econômico do momento e projeções confiáveis para o futuro. Com a inflação em queda, analistas já projetam um corte na taxa de juros para 11,25% em abril e para um dígito até o fim do ano.

Mas houve uma época, na gestão Dilma, em que a taxa Selic sofreu queda vertical: em apenas um ano, entre junho de 2012 e de 2013, desabou de 10,79% para apenas 7,5% – a mais baixa em 20, 30, 40 anos, talvez da História. Motivo de comemoração? Seria, não fosse o artificialismo impregnado na queda, a mão grande e visível da presidente Dilma sobre o enfraquecido e subserviente Banco Central (BC); não fosse, também, a desconfiança dos agentes econômicos, que constroem o dia a dia desses indicadores, de que a taxa era de mentirinha, teria vida curta e não se sustentaria.

Três anos de espanto | Míriam Leitão

- O Globo

É um avanço uma operação ter aniversário comemorado. No país em que a impunidade dos crimes do colarinho branco sempre foi a regra, uma operação completar três anos, e isso ser lembrado e comemorado, é um avanço. O que mudou após esses três anos de espanto? Principalmente nós. O país parou de achar que a corrupção podia ser tolerada e aprendeu nas 38 fases que a doença era mais profunda e disseminada.

A corrupção ameaça tudo o que conquistamos nas últimas décadas, a começar da democracia, a mais valiosa das conquistas. Os negócios sujos entre empresas e políticos se espalharam tanto e passaram a ser tão onipresentes que distorceram a representação política. Quem teria sido eleito sem o dinheiro da corrupção? Quem seriam hoje os governantes e os parlamentares? Como seriam as campanhas sem a abundância criminosa do dinheiro dado em troca de favores e vantagens?

A carne continuará fraca | Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

Não é só a carne que está podre. A nova ofensiva da PF expôs o grau de decomposição avançada das relações entre o dinheiro, a política e os órgãos que deveriam proteger o consumidor no Brasil.

A operação Carne Fraca flagrou práticas de embrulhar o estômago: reembalagem de comida estragada, uso de substâncias cancerígenas para maquiar produtos vencidos, mistura de papelão nas salsichas.

Tudo era permitido graças à promiscuidade entre frigoríficos e funcionários do Ministério da Agricultura. A bancada ruralista é quem dá as ordens na pasta. Deputados nomeiam e demitem fiscais, travam ações sanitárias e fazem pressão para afrouxar o controle das mercadorias.

Ácido ascórbico político | Vera Magalhães

- O Estado de S. Paulo

No terreno das analogias da carne podre do prato com a carne queimada da política

No dia 19 de fevereiro, escrevi uma coluna intitulada “Carne queimada”. À espera da nova lista do Janot, que finalmente se materializou na semana passada, analisava que eram inúteis as tentativas dos políticos de acordos ou operações-abafa para se salvar, porque quem fosse “marcado com a cruz escarlate da Lava Jato será carne queimada”.

E eis que da metáfora à literalidade mais aterradora, descobrimos nesta semana que, no Brasil, não só o que consumimos nas urnas, mas também nas gôndolas refrigeradas dos supermercados, está adulterado.

Os paralelos entre a Lava Jato, que completou três anos no mesmo dia em que, na sua maior operação, a Polícia Federal veio nos lembrar que a carne é fraca e a propina grassa em todos os terrenos da vida nacional, não são poucos.

Capitalismo carne podre | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Das 25 maiores empresas do Brasil, ao menos 10 estão envolvidas em algum problema grosso, do petrolão ao papelão da carne. Das 50 seguintes, com má vontade se incluem apenas mais duas no rol do rolo ou das suspeitas ruins.

O copo está meio sujo ou meio limpo?

Na lista das 25 maiores não estão bancos, meia dúzia deles investigados no caso da compra de decisões em disputas sobre impostos no "tribunal" da Receita Federal, o Carf. Das cerca de 70 empresas investigadas nesse rolo, apenas três estão na "primeira divisão", entre as 25 maiores.

Três das quatro maiores empreiteiras da Lava Jato aparecem mais para baixo no ranking de 2016, depois do 90° lugar. Por ali também estão as empresas do cartel do metrô de São Paulo, várias múltis gigantes, mas menores no Brasil.

A recuperação está se consolidando | José Roberto Mendonça de Barros

- O Estado de S. Paulo

A MB Associados projeta expansão do PIB de 1% em 2017 e de 2,6% em 2018

Desde o último trimestre de 2016, estamos convencidos aqui na MB de que a economia brasileira sairá da recessão em 2017 e voltará a crescer em 2018. Em termos de números, projetamos uma expansão do PIB de 1% em 2017 e de 2,6% em 2018.

Resumidamente, nossos argumentos a favor da recuperação são os seguintes:

1- No segundo semestre, a taxa de desemprego vai começar, lentamente, a cair, revertendo a trajetória negativa dos últimos anos. Além disso, os bancos relatam que está se reduzindo o número de empresas que são transferidas do departamento de crédito para a área de recuperação de crédito. Emprego e balanços estão deixando de piorar.

2- Já começou a liberação das contas inativas do FGTS. Tudo indica que algo como R$ 35 bilhões entrará no sistema, reduzindo o endividamento das famílias e, em menor escala, levando a gastos em bens e serviços.

3- A produção agrícola não apenas será muito boa, como já está sendo revisada para cima. A Conab agora estima o volume de grãos em 220 milhões de toneladas, numa expansão de 20%. Projetamos um crescimento de 7,7% do PIB agrícola deste ano. Com isso, a redução da inflação de alimentos será acentuada, o volume de renda injetado no setor será grande e as exportações crescerão. Em janeiro e fevereiro, houve um salto de 42% nas vendas ao exterior.

4- A inflação continua surpreendendo para baixo. Projetamos agora um crescimento de 4,1%, muito abaixo da meta de 4,5%. Como resultado, o ganho real da massa de salários será superior a 2,5%, com evidentes impactos sobre o consumo ao longo do ano.

5- O Banco Central vai acelerar a queda dos juros. Projetamos agora um número de 8,5% para o final do ano. Com isso, certamente, haverá uma indução à elevação de consumo, especialmente no segundo semestre.

6- Embora o investimento industrial ainda seja medíocre, devido ao excesso de capacidade ociosa, teremos avanços em algumas áreas. A mais importante delas é o petróleo: a Petrobrás vai executar o programa de investimento a que se propôs, bem como as empresas internacionais que já operam no Brasil elevaram seu orçamento de gastos para este ano e para os próximos. Finalmente, teremos pelo menos três leilões nessa área que provavelmente serão bem-sucedidos, levando-se em conta a revisão da regulação do setor e o interesse já manifestado.

Ainda Trump | Celso Lafer*

- O Estado de S. Paulo

Sua falta de diplomacia no modo de agir é uma legítima preocupação num mundo instável

Numa democracia regida por uma Constituição, como os EUA, o presidente exerce seu poder dentro de certos limites. Um limite jurídico do poder político no plano interno é a separação dos Poderes, que Madison defendeu como meio de evitar os riscos de concentração de todos os poderes nas mãos de muitos, de poucos ou de um. Outro é o reconhecimento jurídico dos direitos humanos fundamentais, que integra a experiência constitucional americana e explicita o direito dos indivíduos de não padecerem os desmandos do poder. Trump, nestas primeiras semanas de sua presidência, está testando os limites internos do seu poder e lidando com posicionamentos críticos da sociedade civil norte-americana, dos que se opõem às suas políticas. Trump está também testando os limites externos do poder dos EUA.

Os EUA são uma grande potência, mas não são autossuficientes nem vivem em isolamento autárquico. Participam de um mundo integrado por outros Estados, os quais, na dinâmica de funcionamento da sociedade internacional, vão pôr os limites externos ao exercício do poder americano. No caso de Trump, a afirmação excludente e autorreferida do America First.

A oligarquia do Janot | Cacá Diegues

- O Globo

Quem sabe iniciamos um novo país após a lista de Janot. Saiu, afinal, a lista do Janot, o documento mais esperado na vida pública brasileira. Além de mais esperado, o documento que se imagina mais decisivo para o futuro do país, desde a carta-testamento de Getulio Vargas. Só que nele não há projeto político, nem poesia de exaltação. Apenas nomes e os supostos malfeitos pelos quais serão investigados.

Pelas personalidades citadas e as razões aparentes de suas citações, a lista do Janot é a ponta de um iceberg imensamente profundo, responsável pelos piores desastres na rota de navegação do país. O iceberg da oligarquia brasileira, um conjunto de poderes de uma só classe que, ao longo da História, transformou o Estado em propriedade privada em seu próprio benefício. A lista do Janot nos entrega alguns dos mais significativos representantes atuais da oligarquia que controla e rege o país desde sempre.

Reforma política de verdade – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não é mera coincidência que em meio a escândalos de corrupção prosperem ideias para uma reforma política sob medida para garantir sobrevida eleitoral de caciques partidários enrolados na Justiça e para ampliar o financiamento público de campanhas. Foi assim em 2007, quando o caso do mensalão fazia seus estragos e o PT passou a defender formalmente uma reforma política que incluísse o voto para deputado e vereador em lista fechada – em que o eleitor não vota num candidato, mas em uma relação oferecida pelo partido – e a criação de um fundo público para bancar as campanhas. É assim agora, quando, diante da ameaça da Lava Jato de ceifar parte considerável do Congresso e das lideranças partidárias, novamente ganham espaço propostas de reforma política que incluem lista fechada e fundo público eleitoral.

Nem bem a Procuradoria-Geral da República entregou ao Supremo Tribunal Federal (STF) os 83 pedidos de abertura de inquérito contra uma constelação de políticos das mais variadas extrações, o presidente da República, Michel Temer, reuniu-se com os presidentes do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – ambos citados na lista da Procuradoria –, além do ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, para discutir com eles a necessidade urgente de uma reforma política.

Na chapa – Editorial | Folha de S. Paulo

Soa inconvincente, para dizer o mínimo, uma das principais estratégias aventadas pela defesa do presidente Michel Temer (PMDB) no processo que enfrenta no Tribunal Superior Eleitoral.

Como se sabe, a chapa de que participou como vice, ao lado de Dilma Rousseff (PT), sofre contestação no TSE, acusada de irregularidades nas contas de campanha.

O impeachment da petista não interrompeu as investigações sobre a chapa vitoriosa em 2014. Recaindo as eventuais consequências do processo sobre o atual presidente, seus advogados sustentam que não haveria como responsabilizá-lo pelos supostos ilícitos cometidos por Dilma e seus auxiliares.

Mais avanços para a mulher brasileira – Editorial | O Globo

A sociedade ainda está longe de ser um espaço de igualdade para gêneros, e o problema é agravado pela falta de um sistema educacional de boa qualidade

Por alguma razão, ou várias, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado no mundo com uma dosagem especial de militância. Se houver um motivo que possa explicar a multiplicidade de manifestações em grandes cidades globais, este terá sido a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, depois de uma campanha nunca vista, em que ele desfiou um longo repertório de machismo, misoginia e sexismo. Semeou revolta e veio a reação.

No Brasil, a data serviu para que fossem relembradas características de uma sociedade marcada não apenas por disparidades de renda e de qualidade de vida, mas entre gêneros. O país urbanizou-se em alta velocidade, a partir da segunda metade do século passado, enquanto acelerava a industrialização. Mas não se exorcizaram, como seria saudável, preconceitos e barreiras na sociedade contra a mulher — no mercado de trabalho, na universidade, na divisão de tarefas familiares.

A apologia da violência – Editorial | O Estado de S. Paulo

"Você não combate violência com amor, combate com porrada, pô.” “Se eu chegar lá um dia (na Presidência da República), vou botar militares em metade dos Ministérios, gente igual a mim.” “Não é a imprensa nem o Supremo que vão falar o que é limite para mim. Vão catar coquinho!” “Por isso que essa porra desse país está nessa merda aí.” Essas boçalidades marcam a entrevista dada à Folha de S.Paulo pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) que, além da ostensiva e gratuita falta de respeito à profissional que o entrevistava, não teve o menor escrúpulo de sugerir que falava em nome dos militares, numa irresponsável tentativa de comprometer as Forças Armadas com a insensatez e a truculência de seu populismo rasteiro.

Jair Bolsonaro conseguiu revelar na entrevista as nuances mais sórdidas de um comportamento que ele certamente entende como político – de um político que se considera habilitado a sonhar com a Presidência da República –, mas não passa da manifestação descontrolada de quem defende o uso da violência para atacar tudo o que não se compatibiliza com sua doentia visão de mundo. É célebre a frase com que o deputado – que a repetiu na entrevista – repreendeu os torturadores que deram chance aos “vagabundos” que passaram por suas mãos de se “vitimizarem” em declarações posteriores: “Isso que dá torturar e não matar”.

Verão | Ferreira Gullar

Este fevereiro azul
como a chama da paixão
nascido com a morte certa
com prevista duração

deflagra suas manhãs
sobre as montanhas e o mar
com o desatino de tudo
que está para se acabar.

A carne de fevereiro
tem o sabor suicida
de coisa que está vivendo
vivendo mas já perdida.

Mas como tudo que vive
não desiste de viver,
fevereiro não desiste:
vai morrer, não quer morrer.

E a luta de resistência
se trava em todo lugar:
por cima dos edifícios
por sobre as águas do mar.

O vento que empurra a tarde
arrasta a fera ferida,
rasga-lhe o corpo de nuvens,
dessangra-a sobre a Avenida

Vieira Souto e o Arpoador
numa ampla hemorragia.
Suja de sangue as montanhas,
tinge as águas da baía.

E nesse esquartejamento
a que outros chamam verão,
fevereiro ainda em agonia
resiste mordendo o chão.

Sim, fevereiro resiste
como uma fera ferida.
E essa esperança doida
que é o próprio nome da vida.

Vai morrer, não quer morrer.
Se apega a tudo que existe:
na areia, no mar, na relva,
no meu coração - resiste.

© Ferreira Gullar
In Dentro da noite veloz, 1975