domingo, 27 de agosto de 2017

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Na sociedade civil, coração ético do Estado, a intolerância só faz crescer, quase não há mais ação comunicativa, ainda que as redes sejam a praia dos falantes. Aí dorme o problema principal, pois, sem um ativismo democrático que articule interesses e pressione por um futuro melhor, pouco haverá de correção de rumos e recuperação do Estado.

Poucos percebem que a democracia perde qualidade não tanto porque o sistema político derrapa, mas porque os cidadãos democráticos não conseguem se articular entre si. Os liberais democráticos não se projetam, a esquerda moderada e a centro-esquerda são inoperantes e a esquerda “pura”, radicalizada, é prisioneira de seus fantasmas e idiossincrasias, esperneia e joga palavras ao vento, mas pouco faz. Tais vetores da democracia estão se distanciando da sociedade, perdendo a credibilidade conquistada ao longo da democratização do País.

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* Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp, “A reforma que não cabe em si”, O Estado de S. Paulo, 26/8/2017.

O retrato de um desencanto | Cacá Diegues

- O Globo

Foram as alianças heterogêneas e esdrúxulas o principal motor da desmoralização do PT, do fim do mito de que poderia ser um partido diferente dos outros

Vi no jornal as fotos do senador Renan Calheiros e seu filho Renanzinho, governador de Alagoas, cercando o ex-presidente Lula em sua viagem ao Nordeste, em campanha para as eleições de 2018. Os três se abraçavam e riam muito, o riso de felicidade dos vencedores ou daqueles que pretendem vencer e não admitem outro fim da história.

Não sei o que isso significa em termos de aliança eleitoral, se cada um deles precisa mesmo dos outros dois para melhor desempenho nas urnas. Mas é difícil entender por que estão juntos, nos braços uns dos outros, naqueles retratos. É como ver o homem da mala correr com ela cheia pelas ruas noturnas da cidade, enquanto na televisão todos, de todos os partidos (inclusive o da própria mala), saúdam a vitória da luta contra a corrupção, anunciando seu apoio à Lava-Jato e ao Ministério Público.

É como se de dia proclamássemos a justiça e, na calada da noite, seguíssemos cometendo os mesmos crimes de sempre. É isso o que fazem os políticos que se abraçam naquelas fotos com aqueles sorrisos, diante do povo que pretendem enganar. Porque só pode ser por engano.

O projeto político dos Calheiros nunca foi muito diferente desse. Nele, enganar a população faz parte da natureza de sua presença na política. Não tem outro jeito de se levar vantagem em tudo.

A experiência, no passado, desse tipo de aliança heterogênea e esdrúxula já devia ter ensinado alguma coisa a Lula. Foram elas, as alianças heterogêneas e esdrúxulas, o principal motor da desmoralização do Partido dos Trabalhadores, do fim do mito de que o PT poderia ser um partido diferente dos outros pela sua fidelidade a um programa, pelo seu rigor ético, pelo seu real interesse pelo povo brasileiro. A governabilidade, ou a cooptação (podem escolher a palavra e o conceito que prefiram), acabou com aquela ilusão.

Notas sobre a decadência | Fernando Gabeira

- O Globo

A crise brasileira é tão brava que, às vezes, nos esquecemos de que existe uma outra mais ampla nos envolvendo: a decadência dos valores ocidentais. Alguns escritores franceses teorizam sobre a decadência da civilização judaico-cristã e chegam a prever a futura dominação muçulmana. Michel Onfray acha que os muçulmanos tendem a predominar, entre outras coisas, porque estão dispostos a morrer por sua crença.

Não tenho a mesma certeza da força da fé, sobretudo no universo político. Sem conhecimentos tecnológico e científico, tática e estratégia adequadas, a disposição de morrer por uma causa pode representar um autoextermínio em grande escala.

O que me atrai nisso tudo é estabelecer um nexo entre a crise ocidental e a brasileira; a mesma realidade, só que em dimensões diferentes.

No final do século, a European Science Foundation realizou uma ampla pesquisa e publicou cinco livros sobre ela. Um deles tem o título “O impacto dos valores”. A tese dos sociólogos e pesquisadores envolvidos no trabalho era que estava havendo uma mudança de valores. Esta mudança não era compreendida pelos governos que insistiam apenas em falar de melhorias materiais e mais riquezas, quando despontavam aspirações novas: desejos não materiais e emancipatórios. Isso acontece no Brasil em alguma escala, quando se defende qualidade de vida ou se constata o crescimento da espiritualidade.

Evidências, narrativas e civilização | Murilo de Aragão*

- O Estado de S.Paulo

Em vez de buscar novos cadáveres, o ideal seria enterrar os que já devem ser enterrados

Não temos dúvidas: para o bem e para o mal, a Operação Lava Jato cumpre uma missão que extrapola os limites do Judiciário. Talvez, até mesmo, resgatar o curso de nosso processo civilizatório. Não sem tempo, já que, se a política não se renova nem se recupera, alguém tem de fazer isso. Poderia ser pior – por exemplo, um golpe bolivariano, uma revolução bolchevique ou um golpe militar clássico.

No entanto, o seu curso é afetado por algumas obsessões, açodamentos, ativismo e pela busca da narrativa perfeita. Alguns dos procuradores acreditam que somente com a narrativa redonda será possível fazer a transformação que almejam. Uns creem nisso por idealismo; outros, por interesse próprio. No entanto, não precisamos apenas de narrativas perfeitas. Precisamos do império da lei e de que esta seja aplicada de forma clara e justa. Sem cadáveres de mentira nem denúncias “tabajaras”.

Por isso, como em alguns casos os cadáveres ainda não existem e as narrativas não se completam, o Brasil segue em suspense. Vivendo das teses do “não é possível” que não vá aparecer a bala de prata. A delegada Graziela Machado da Costa e Silva, em relatório ao Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado sobre alguns políticos carecia de provas. Ou seja, segundo a Polícia Federal, neste caso não há “cadáveres” a enterrar. Tal constatação quebrou a narrativa que amparava o acordo de delação de Machado, que está “asilado” em sua mansão.

Alckmin pronto para a briga | Eliane Cantanhede

- O Estado de S. Paulo.

Há dúvida sobre Doria. Alckmin fala em “experiência”.

Os partidos tradicionalmente aliados ao PSDB acompanham a corrida tucana com nervosismo e atenção redobrada, como em uma Olimpíada. A melhor aposta continua sendo o governador Geraldo Alckmin, porque é cedo para concluir se o prefeito João Doria terá fôlego para ser o candidato à Presidência da República, apesar de estar a mil por hora, viajando pelo País, ocupando espaço na mídia e se destacando nas pesquisas.

Sempre se fala em “fadiga de material” e que é hora de trocar o governo de São Paulo, depois de 22 anos de PSDB, mas o partido é vitorioso eleição atrás de eleição e acaba mantendo o Bandeirantes. Um dos motivos é que, em meio a uma crise que afundou a União e estados como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, São Paulo continua respirando – e com uma reforma da Previdência de dar inveja.

Alckmin tem boa parcela de responsabilidade nisso, além de outros trunfos: é tucano de raiz, tem longa carreira política no Legislativo e no Executivo e recall de presidenciável em 2006. Até por isso, o presidente interino do partido, Tasso Jereissati, avisa: “Alckmin é o primeiro na fila do PSDB”.

Shakespeare e nós | Merval Pereira

- O Globo

O livro, “Ele, Shakespeare, visto por nós, os advogados”, a ser lançado amanhã, traz reflexões sobre nossa crise política, fazendo paralelos com “o complexo quadro das paixões, motivações, comportamentos, e grandeza e a mesquinhez humana”, abordado na obra de Shakespeare, segundo o editor José Luis Alqueres, que organizou o livro juntamente com o advogado e professor José Roberto Castro Neves, um bardólatra assumido.

Miguel Reale Júnior trata de Ricardo III. Luís Roberto Barroso apresenta Júlio César, com inquietante apreciação acerca do poder. Andréa Pachá manda uma carta para William. Francisco Müssnich tira reflexões sobre as desventuras do mundo contratual do Soneto 87. José Roberto de Castro Neves fala dos canalhas nas peças de Shakespeare. O jurista e professor Tercio Sampaio Ferraz Junior Brasil fala sobre o embate em torno da legitimidade no exercício do poder, referindo-se ao impeachment de Dilma Rousseff, que levou ao poder seu vice Michel Temer, “(...) girando em torno de mecanismos inerentes à ordem constitucional: uma vitória eleitoral inconteste contra o impeachment nela previsto. Na tela de fundo de uma tragédia anunciada, a luta pelo poder legítimo refletia o argumento do governante eleito, mas incapaz de dar conta dos desafios, contra a necessidade de um governo preparado, política e tecnicamente, para enfrentá-los.

Tempestade política | Míriam Leitão

- O Globo

O Brasil pode ter uma tempestade política perfeita. O conceito, importado do inglês, perfect storm, nasceu na meteorologia e foi para a economia. No nosso caso, pode ir para a política. O governo Temer, por seus defeitos e sua herança, vai desgastar a ideia das reformas e ordem fiscal. O PT falsifica os fatos recentes. Aumentou o risco da saída populista que poderá levar ao colapso da dívida pública.

O ministro Henrique Meirelles disse que o eleito em 2018 pode ser um candidato reformista. Isso é mais desejo do que realidade. governo Temer não conseguiu ainda entregar ao país um horizonte de equilíbrio fiscal e algum conforto econômico. Houve apenas pontos de alívio com a queda da inflação e dos juros. Mas o desemprego é muito alto, e a crise fiscal pode ficar mais aguda nos próximos meses, com a paralisação de serviços essenciais. Então, o caminho de reformas e de tentativa de controle de gastos será apontado como o culpado pela crise.

Quem desenhará os distritos eleitorais? | Elio Gaspari

- O Globo

O voto distrital tornou-se o quindim futurológico da reforma eleitoral. A ideia é boa, dividese cada estado em distritos e os candidatos a deputado disputam os votos desse eleitorado. Na sua versão pura, é o sistema inglês e americano. Para acompanhar diversidades étnicas e sociais, nesses países há distritos com as formas mais absurdas, e alguns desenhos tornaram-se exemplos de corrupção eleitoral. Até hoje nenhum sábio do Congresso ou do Judiciário respondeu a uma pergunta elementar: quem desenhará os distritos brasileiros?

Para brincar de voto distrital, imagine-se a cidade do Rio de Janeiro. Com cerca de cinco milhões de eleitores, o município seria dividido em 20 distritos e cada um deles agruparia cerca de 250 mil eleitores. (Hoje o Estado do Rio tem 12 milhões de eleitores e elege 46 deputados federais, o município do Rio elegeria 20.)

Seguindo-se o mapa das zonas eleitorais da cidade, pode-se construir o distrito “A”. Ele englobaria toda a Barra da Tijuca, o Alto da Boa Vista, São Conrado, a Rocinha e mais um pedaço da Gávea. A Rocinha, cuja zona eleitoral inclui cidadãos de outros bairros e, no conjunto, soma 74 mil votos, ficaria encapsulada num pedaço do Rio que sonha em ser Miami. Seria um desenho lógico, e o distrito teria 250 mil eleitores.

O público, o privado e o custeio dos partidos | Rolf Kuntz

- O Estado de S.Paulo

Respeitar os direitos políticos de todos não implica o dever de financiar candidatura

Candidato, vejam só, vem da palavra cândido. Candidus, em latim, significa branco, brilhante, sincero. O candidatus ao Senado vestia-se de branco. O modelito era escolhido, segundo alguns estudiosos, para indicar as boas intenções do aspirante a um posto público elevado. Candidaturas, no Brasil, têm sido sustentadas com recursos de propaganda muito mais complexos, mais caros e em boa parte financiados com dinheiro público. Os programas de rádio e televisão, usados há muito tempo e custeados pelo governo, são o exemplo mais conhecido. Há também o fundo partidário, recurso federal transferido todo ano, com ou sem eleição, a entidades privadas conhecidas como partidos. Tem-se discutido com frequência o uso dessa verba. Muito menos comum tem sido o debate sobre a questão mais importante, a única, de fato, fundamental: por que manter essa indecente e improdutiva drenagem do Tesouro? Mas a história continua. No arremedo de reforma política em discussão no Congresso, tentou-se criar um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, pendurado, naturalmente, na conta da viúva. A tentativa, por enquanto, se mantém, e mais uma vez o contribuinte está ameaçado.

A Bolsa comemora | Celso Ming

- O Estado de S.Paulo

A aposta do mercado é de que a recessão esteja no fim ou tenha ficado para trás

Então, a Bolsa ultrapassou os 71 mil pontos, nível que não se via desde janeiro de 2011.

Novidade que levanta as cismas e as desconfianças de sempre, porque Bolsa também é como nuvem: você olha e está de um jeito, olha outra vez e já mudou.

A principal cisma tem a ver com a relação causa-efeito: se o mercado deve refletir o valor das empresas no estado em que estão e com os resultados possíveis, como pode haver uma valorização de 18,01% apenas em 2017 ou de 8,23% em agosto, enquanto a economia amarga brutal recessão, sofre com 13,5 milhões de desempregados e, nas contas públicas, apresenta um rombo cada vez maior que o anterior? E essa crise política, não tem nenhum impacto sobre o comportamento da Bolsa?

O que dá para dizer é que a Bolsa tende a sair na frente, sempre antecipa resultados. Como ficou dito nesta Coluna na edição publicada aqui na quinta-feira, a aposta do mercado é de que a recessão esteja no fim ou tenha ficado para trás. E de que, daqui para a frente, a recuperação é bem mais provável do que a continuação da prostração.

Os últimos meses de Temer – Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Muitas cabeças rolaram para que fosse paga a conta dos votos que evitaram a decapitação de Michel Temer, a abertura do processo que o afastaria do cargo. Desafetos perdem cargos às dezenas. Vão-se anéis e dedos que em tese poderiam votar em alguma reforma da Previdência, hoje quase uma memória desbotada.

No entanto, há gente no Congresso e no governo que acha possível aprovar "alguma coisa" da mudança previdenciária a partir de outubro. O que seria essa coisa pouca? Idade mínima de aposentadoria e um tapa em servidores públicos.

O aumento do tempo de contribuição para 25 anos e todo o resto relevante iriam para o vinagre. Se sobrarem 40% da poupança estimada originalmente pela reforma do governo, será um milagre.

A prioridade, porém, é aprovar o pacote de agosto, as medidas desesperadas para evitar um buraco ainda maior nas contas do governo, e o pacotão privatizador, que pretende tapar o buraco na imagem do governo que se jactava do ajuste fiscal, que não veio, e da reforma essencial, a previdenciária, que vai indo.

Vai dar pé? Há refregas de geometria variada no Congresso.

Dívida pública e rentismo | Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

O gasto do tesouro com serviço da dívida pública que é a renda dos rentistas, é muito muito menos do que se diz por aí


Na Semana passada, discuti as diversas meias-entradas que fazem com que o gasto público seja muito elevado. Argumentei que o inferno somos todos nós.

De uma forma ou de outra, há programas públicos que nos favorecem individualmente. A soma de todas essas distorções produz um Estado disfuncional. Não serve ao público e não consegue pagar suas contas. A dívida pública cresce ilimitadamente.

Houve comentários à coluna lembrando meias-entradas que esqueci. Por exemplo, a isenção de pagamento de impostos para as igrejas. Bem lembrado.

Outro desconforto comum dos leitores com a coluna é o tratamento dirigido aos juros da dívida pública. Por que não se trata de uma meia-entrada?

Liberal? | Marcos Lisboa

- Folha de S. Paulo

O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, concedeu uma entrevista ao "Valor Econômico" em que defendeu a prestação das contas da entidade. Por ser "privada, não cabe fazer a sua gestão discutindo publicamente".

Sobre os recursos públicos destinados ao Sesi e Senai, destacou a existência de mecanismos de controle, como a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Por fim, argumentou que uma pesquisa interna apontou a satisfação de 90% dos usuários do sistema. "Quem presta o serviço está feliz, quem paga a conta está feliz."

Skaf defendeu ainda a "união daqueles que olham na direção de uma economia liberal, de mercado, de mais iniciativa privada".

O conjunto da obra da entrevista surpreende.

A riqueza pública | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

O valor dos nossos ativos é muito maior do que a dívida pública; administrá-los melhor poderia ajudar a resolver o problema do endividamento e, ao mesmo tempo, financiar o crescimento econômico

Sem preconceito, o governo Michel Temer virou um grande balcão de negócios. O seu novo programa de privatizações, que pretende se desfazer de 57 ativos, entre os quais a Casa da Moeda, a Eletrobras e a Reserva Nacional de Cobre (Renca), para citar os mais emblemáticos, pretende alienar boa parte da riqueza da União. Os argumentos a favor da decisão são verdadeiros: primeiro, o país não tem como financiar investimentos na modernização de nossa infraestrutura sem a venda de ativos e a entrega de serviços à exploração das empresas privadas; segundo, as empresas estatais e a gestão dos serviços públicos sempre estiveram a serviços dos partidos políticos, que miram seus próprios interesses e não os da sociedade. O problema é como isso será feito.

A necessidade de voltar a crescer e a impossibilidade de investir, com um Orçamento cujo deficit este ano será da ordem de R$ 159 bilhões, repôs o debate sobre as privatizações na ordem do dia. A tendência é a discussão reproduzir a velha polarização esquerda versus direita, ou seja, o embate entre um projeto nacional desenvolvimentista e o modelo neoliberal. É a mesma polêmica aberta nos anos 1980 por Margaret Tatcher, a primeira-ministra conservadora que reformou a economia britânica. E que pautou a discussão sobre as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, na década seguinte. Será que vale a pena reprisar esse debate, que pautou as eleições presidenciais de 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014?

As brumas sobre 2018 | Vera Magalhães

- O Estado de S.Paulo

Com incerteza sobre regras e candidaturas, eleição pode virar um salto no escuro

O que esperar das eleições de 2018? A pergunta que mais ouço de leitores, ouvintes, amigos, familiares, empresários, taxistas, enfim, de todos com quem converso é justamente a mais difícil de responder.

E não apenas pela natural imprevisibilidade de uma eleição, agravada, neste caso, pela profunda crise econômica e política na qual o País está mergulhado há quase quatro anos. Mas porque ela se soma a uma completa incerteza sobre as regras que vão reger o pleito, quem serão os candidatos (e quais estarão aptos legalmente a concorrer) e até quais serão os partidos existentes.

Esse salto no escuro pouco mais de um ano antes daquela que é vista como a mais importante eleição desde a redemocratização é alarmante. Evitá-lo deveria ser um compromisso de todos aqueles que têm responsabilidade institucional com um ou vários aspectos que provocam a incerteza.

O problema da doação empresarial – Editorial | O Estado de S. Paulo

Constitui flagrante distorção, no debate acerca das doações eleitorais feitas por empresas, o argumento segundo o qual o grande problema desse tipo de financiamento é o ensejo à corrupção. Conforme esse raciocínio, bastaria então melhorar os mecanismos de fiscalização e dificultar os acertos criminosos entre doadores e candidatos para que as doações empresariais passassem a ser aceitáveis, como parte do jogo legítimo da democracia.

Como o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de manifestar, em julgamento encerrado em setembro de 2015, a questão central das doações eleitorais feitas por empresas não é o eventual caráter corrupto da iniciativa. Naquela ocasião, os ministros que deram vitória, por 8 votos a 3, à tese de que essas doações são inconstitucionais sustentaram, como ponto principal de sua argumentação, que empresas não podem ser equiparadas aos cidadãos.

Sanear o Estado – Editorial | Folha de S. Paulo

O plano de Michel Temer (PMDB) para desestatizar a economia é pleno de propósitos corretos -e tornou-se ainda mais ambicioso.

Além de nova e extensa rodada de concessões de serviços à iniciativa privada, que inclui aeroportos como o de Congonhas, retoma-se a venda de estatais, da gigante Eletrobras à Casa da Moeda.

Passado o impacto da surpresa, surgem de pronto duas questões. A primeira, sobre o realismo das ambições de uma administração à qual resta menos de um ano e meio de vida. A segunda, acerca de como regular e financiar a infraestrutura nesse novo ambiente, mais expurgado de estatismo.

Já está em andamento, desde 2016, um programa de privatizações de resultados muito desiguais, para dizer o mínimo. Com o novo pacote, cabe perguntar se o governo não tem diante de si um prato maior do que é capaz de digerir. Há o risco de que a fome de recursos para cumprir as metas orçamentárias suscite atropelos e vendas impensadas de patrimônio.

PSDB e DEM precisam apoiar e defender privatizações – Editorial | O Globo

Resistência de frações desses partidos com respeito à redução do peso do Estado vai contra os programas fundadores de suas agremiações

Há 29 anos, ainda na transição do regime autoritário para a democracia, políticos identificados com a socialdemocracia e o liberalismo exercitaram a ousadia na formulação de um novo projeto político para o país. Havia convergência sobre objetivos na reconstrução nacional.

O PSDB, por exemplo, apresentou-se contra o populismo personalista e o autoritarismo concentrador do poder e da riqueza. “Longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas”, dizia no manifesto de fundação, em 25 de julho de 1988. Entre os compromissos, alinhou a reforma da administração pública “para livrá-la das práticas clientelistas e assegurar eficiência às empresas e órgãos estatais”.

Caravana da mentira – Editorial | O Estado de S. Paulo

Pondo em prática seu plano de concorrer à Presidência da República no ano que vem, o sr. Lula da Silva deu início, na quinta-feira passada, a uma caravana de 20 dias, percorrendo 25 cidades dos 9 Estados do Nordeste. Esses primeiros passos rumo às eleições de 2018 mostram que o ex-presidente petista continua exatamente o mesmo, sem assumir sua responsabilidade pela crise, sem fazer qualquer autocrítica e sem esclarecer seus atos, como se não tivesse sido condenado por corrupção passiva e lavagem dinheiro a 9 anos e 6 meses de prisão.

Se Lula deseja voltar a ocupar algum cargo público, seu primeiro dever é esclarecer cabalmente as acusações que recaem contra sua pessoa. É completamente descabido que, diante do clamor da população por um país mais limpo, uma pessoa condenada criminalmente e sendo ré em outras cinco ações penais inicie sua mobilização eleitoral como se nada existisse contra ela. É isso, no entanto, exatamente o que o sr. Lula da Silva faz, em completo desprezo pelas instituições do País e pela inteligência do cidadão.

Investigação sobre Dilma parou

Ministério Público Federal até hoje não pediu eventual reabertura de apuração sobre a suposta participação da ex-presidente na compra superfaturada de Pasadena, nos EUA

Maria Lima | O Globo

-BRASÍLIA - Passado um ano da saída da ex-presidente Dilma Rousseff da Presidência da República, não há qualquer despacho do Ministério Público pedindo eventual reabertura de investigação de sua suposta participação no escândalo da compra superfaturada da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Os delatores Delcídio Amaral e Nestor Cerveró, acusam Dilma de, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras, ter aprovado a operação sabendo de todo o esquema que resultou em um prejuízo de US$ 792 milhões ao erário. Em 2016, a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o então relator da Lava-Jato, Teori Zavaski, arquivou a investigação da presidente, em cumprimento ao artigo 86 da Constituição, que impede investigação por fatos anteriores ao mandato.

As investigações sobre o caso de Pasadena foram enviadas para a primeira instância pela PGR em março deste ano, mas não há pedido de providências de desarquivamento das investigações sobre a ex-presidente Dilma. Na mesma época o ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin, enviou para a Justiça de primeira instância, em São Paulo, as citações de executivos da Odebrecht sobre Dilma e os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, mas somente em relação a supostos pagamentos do departamento de operações estruturadas da empresa para caixa dois.

Semidistritão também não mudaria Congresso

Opção ao distritão, defendida por parte dos deputados, mudaria apenas 10% da Câmara

Sérgio Roxo | O Globo

BRASÍLIA - Apontado por deputados como sistema eleitoral que evitaria o enfraquecimento dos partidos, o chamado semidistritão não traria resultados eleitorais muito diferentes do que a sua versão original, o distritão, também defendido por uma ala do Congresso. Se o modelo estivesse em vigor na última eleição para a Câmara, em 2014, haveria mudança de apenas 51 dos 513 parlamentares (10%). Já na simulação do distritão seriam 46 novos nomes (9%).

MUDANÇAS SÓ ATÉ OUTUBRO
As divergências sobre o sistema eleitoral têm emperrado a votação da reforma política no Congresso. Para valer na disputa do ano que vem, a mudança precisa ser aprovada até o começo de outubro. A ideia original de uma parcela dos parlamentares era implantar o distritão em 2018. Nesse modelo, são eleitos os deputados mais votados em cada estado, sem possibilidade de voto em legenda.

A bancada do PT e de outros partidos de esquerda se opõem ao modelo. Para buscar um consenso, foi proposto o modelo do semidistritão, em que são eleitos os mais votados, mas o eleitor tem a opção de escolher uma legenda. Esses votos no partido são distribuídos de foram igual entre os candidatos da legenda em cada estado.

Voto distrital, um debate secular

Em 1866, imortal defendia que votação proporcional refletia melhor a opinião nacional

Eduardo Barretto | O Globo

A eleição distrital é olho no olho entre candidato e eleitor, enquanto o modelo proporcional não desperdiça votos. O impasse é tão antigo quanto o Brasil Império. As observações são do romancista José de Alencar em 1866, um ano depois de ter publicado “Iracema”. Em 2017, o debate ressurgiu e tem os dias contados para provocar mudanças na campanha do ano que vem: resta ao Congresso pouco mais de um mês para definir as regras do jogo.

“Esse contato do eleito contra o corpo que o escolheu é, sem dúvida, um efeito salutar. Mas degenera-o completamente, desde que, para obtê-lo, se isola o deputado, colocando-o, nessa situação, constrangido. Então, o contato que era de ideias se transforma em condutor de paixões e interesses individuais”, escreveu Alencar no livro “Systema representativo”, em uma defesa firme da votação proporcional, nos moldes gerais em que é feita atualmente.

José de Alencar, que chegou a ser deputado pela província do Ceará e até ministro da Justiça de Dom Pedro II nos anos 1860, sustentava que o Congresso deveria representar uma opinião nacional, mas esse jeito de votar em distrito traria, no lugar, um conjunto de “paixões locais”.

Onda de rejeição alcança até ministros do Supremo

Repúdio ao Executivo e Legislativo chega ao Judiciário, revela pesquisa Ipsos; apenas Moro e Joaquim Barbosa mantêm índice elevado, apesar de queda de aprovação

Daniel Bramatti e Gilberto Amendola | O Estado de S.Paulo

A onda de rejeição a políticos e autoridades públicas já não se limita ao governo e ao Congresso e chegou com força ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pesquisa Ipsos mostra que, entre julho e agosto, houve aumento significativo da desaprovação a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o juiz Sérgio Moro enfrenta desgaste: apesar de seu desempenho ainda ser majoritariamente aprovado pela população, sua taxa de rejeição está no nível mais alto em dois anos.

A pesquisa avaliou a opinião dos brasileiros sobre 26 autoridades de distintas esferas de poder, além de uma celebridade televisiva, o apresentador de TV Luciano Huck. Quase todos estão no vermelho, ou seja, são mais desaprovados do que aprovados. As exceções são Huck, Moro e o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Os dois últimos são responsáveis pelos julgamentos dos dois maiores escândalos de corrupção do País: mensalão e Operação Lava Jato.

A uma Bailarina | Paulo Mendes Campos

Quero escrever meu verso no momento
Em que o limite extremo da ribalta
Silencia teus pés, e um deus se exalta
Como se o corpo fosse um pensamento.

Além do palco, existe o pavimento
Que nunca imaginamos em voz alta,
Onde teu passo puro sobressalta
Os pássaros sutis do movimento.

Amo-te de um amor que tudo pede
No sensual momento em que se explica
O desejo infinito da tristeza,

Sem que jamais se explique ou desenrede,
Mariposa que pousa mas não fica,
A tentação alegre da pureza.

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Paulo Mendes Campos, in 'Antologia Poética'