domingo, 8 de outubro de 2017

Opinião do dia – Barack Obama

Sempre que me encontro com jovens, eu lhes digo que, se um deles pudesse escolher quando nascer, talvez pudesse escolher qualquer momento na História da Humanidade. E que talvez não soubesse anteriormente quem você seria: brasileiro, americano, homem, mulher, pobre, rico, branco, negro. Mas você teria que tomar uma decisão e teria que escolher agora. E você escolheria o momento presente. Não obstante todos os desafios que enfrentamos, o mundo é mais seguro, mais bem instruído, mais tolerante do que qualquer momento na História da Humanidade. Suas chances de ter uma vida melhor são maiores agora do que há 20, 50, até 100 anos. Digo isso, muitas vezes, para os jovens terem uma certa perspectiva. Não para que fiquemos complacentes, mas para que possamos entender que o progresso humano é possível.


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Barack Obama, ex-presidente dos EUA, no Fórum Cidadão Global, em São Paulo, 5/9/2017

Quais os rumos do País? | *Fernando Henrique Cardoso

- O Estado de S.Paulo

Se não organizarmos já um polo democrático, podemos ver no poder quem não sabe usá-lo

Quando ainda estava na Presidência, eu dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los. Nesta quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a falta que faz ver os rumos que tomaremos.

Com o fim da guerra fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, tornou-se visível o predomínio dos Estados Unidos. Desde antes do final da guerra fria, por paradoxal que pareça, em pleno governo Nixon – do qual Henry Kissinger era o grande estrategista – começou uma aproximação do mundo ocidental com a China. Com a morte de Mao Tsé-tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final dos anos 1970, um período de extraordinário crescimento. A partir da virada do século passado, o peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente. No plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma ascensão pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá guerra sempre que uma nova potência tentar deslocar a dominante).

Enquanto a China não mostrava todo o seu potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana. A Europa se integrava, os Estados Unidos e boa parte da América Latina se beneficiavam do comércio com a China e a África aos poucos passava a consolidar a formação de seus Estados nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o fim da 2.ª Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”. No início do século 21 apenas a antiga União Soviética, transmutada em República Russa, ainda era objeto de receios militares por parte das alianças entre os países que formaram a Otan. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.

Vinte e nove anos atrás... | Cármen Lúcia

- O Globo

Vinte e nove anos depois da promulgação da Constituição, a nação brasileira demonstra igual ânsia para mudar. Quer mudar. Precisa mudar. Quatro horas da tarde de 5 de outubro de 1988. Brasil festivo. Promulgava-se a Constituição da República. Era chamada de nova, mote adotado na campanha indireta para presidente que precedera a convocação da Assembleia. Envelheceu aquela República? Ou a nova não passou de quimera que se gastou e se mostrou alheia ao batuque cívico das praças?

Vinte e nove anos atrás, aquele dia aparecia como página de uma “história abensonhada” (à maneira de Mia Couto): benção e sonho democrático. Um Brasil desabrochado novo na forma da Constituição promulgada.

Naquela tarde, em seu discurso de promulgação da Constituição, Ulysses Guimarães lembrou o início da caminhada constituinte brasileira: “Dois de fevereiro de 1987. Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A nação quer mudar, a nação deve mudar, a nação vai mudar.”

Vinte e nove anos depois, a nação brasileira demonstra igual ânsia para mudar. Quer mudar. Precisa mudar. E como naquele atestado democrático da fala do presidente da Assembleia Constituinte, a nação vai mudar. Mais: impõe mudanças ao Estado, à política nele praticada, à justiça (ainda demorada) nele prestada.

O Brasil fracassou? | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Quem olha para a foto do momento fica tentado a responder afirmativamente à pergunta do título. O que vemos, afinal, é um presidente acossado por graves denúncias de corrupção oferecendo sem nenhum pudor cargos e verbas a deputados para que eles suspendam o andamento do processo.

Parlamentares se fartam em aprovar regras difíceis de justificar sob a ótica do interesse público das quais ainda são beneficiários, como o novo fundo eleitoral e o novo Refis.

A situação não é mais bonita para o STF, que não só vem abusando da criatividade hermenêutica como faz pouco para acelerar os trâmites para julgar em tempo hábil todos os políticos com direito a foro especial denunciados. É provável que muitos sejam beneficiados pela prescrição.

Se, porém, desviarmos a atenção dos instantâneos e nos concentrarmos no filme dos últimos anos, a situação parece menos desesperadora.

Empresários e políticos sem foro estão sendo julgados e condenados. O mesmo destino deverão ter, após o término de seus mandatos, o presidente e outras figuras de relevo cujos casos se tornaram emblemáticos demais para ser ignorados.

Armas e guitarras | Fernando Gabeira

- O Globo

A semana começou pesada com o massacre em Las Vegas. O número de mortos e feridos só crescia. De novo, pensei, virão à tona as discussões de sempre: controle de armas e as causas que levam uma pessoa a esses crimes tenebrosos. Cheguei a pensar um pouco sobre Stephen Paddock. Ele foi a uma loja em Mesquite chamada Guns and Guitars. Suponho que venda armas e guitarras. Se fizesse a escolha certa, no máximo incomodaria o vizinho. D epois, veio a questão do pai, assaltante de bancos, fugitivo da prisão. Será que há alguma coisa genética nisso e, se houver, é possível demonstrá-la cientificamente? Não ouso avançar nesse difícil caminho de entender o ódio pela Humanidade. Os do amor ferido são mais transparentes.

Digo isso pelo jovem que se jogou da ponte RioNiterói e antes gravou uma sofrida mensagem para a noiva. Ele soube que ela transava com outros e antes de se jogar disse que estava fazendo isto para puni-la. A única coisa que poderia fazer contra ela era o suicídio.

Mas, quanto menos entendemos, é preciso mais cautela. Esse debate que surgiu no Brasil com a exposição em Porto Alegre e, agora, no MAM, com a performance de um ator nu, poderia ser mais tranquilo.

O ponto de partida é aceitar duas premissas: a liberdade da arte e as classificações dos espetáculos. Esses dois componentes se completam. Não é preciso gostar da classificação por idade, mas é o arcabouço legal. Dizer que houve pedofilia e essas coisas é um exagero que acaba enfraquecendo um argumento que poderia ter uma grande aceitação: a necessidade de se observar a classificação por idade.

STF moderador, ou imperial? | *Roberto Romano

- O Estado de S.Paulo

Se ele for considerado acima dos outros Poderes, teremos 11 mandarins onipotentes

Nas guerrilhas praticadas pelos Poderes nacionais, analistas indicam o Supremo Tribunal Federal (STF) como força moderadora a ser usada em proveito do Estado. Em debate na televisão e em artigo aqui publicado, o dr. Carlos Velloso invocou aquele alvo do Supremo (Uma decisão surpreendente, 29/9). Aceito as razões do prudente especialista, mas noto algo que não pode ser demoradamente discutido, pois a mídia é focada no hic et nunc. Trata-se do caráter atribuído à forma moderadora da Suprema Corte, iniciativa cuja origem vem de Benjamin Constant. Aquele liberal assistiu ao abuso do Poder Legislativo durante a Revolução Francesa – o que levou à ditadura jacobina – e seguiu o arbítrio do Poder Executivo, sob Napoleão. Para evitar hegemonias desastrosas no Estado, o teórico francês imaginou um sistema de freios que designou como Poder Moderador.

O referido poder deveria agir em defesa das instituições estatais, cuja garantia se encontra na guarda da Constituição. Os estudiosos conhecem as vertentes opostas no século 20 sobre o tema, Hans Kelsen e a tese de uma Corte constitucional como zeladora da Carta Magna e Carl Schmitt, que atribui tal múnus ao presidente do Reich. Existe algo em comum nas proposições: a moderação marcaria um Poder neutro, não superior ou inferior aos demais. A fonte comum da doutrina também se localiza em Benjamin Constant. O rei seria capaz de moderar os Poderes por representar uma potência neutra. No Curso de Política Constitucional (1818-1820) o monarca garante o equilíbrio e a independência dos setores, em caso de choques. “Os poderes políticos”, diz ele, “tal como os conhecemos até hoje, o Executivo, o Legislativo e Judiciário, são três molas que devem cooperar, cada uma em sua parte, para o movimento geral; mas quando aquelas molas desajustadas se cruzam, se entrechocam e se entravam, é preciso uma força que as coloque em seu lugar. Tal força não pode residir numa das molas, pois serviria para destruir as outras; é preciso que ela seja externa, neutra, de algum modo, para que sua operação seja preservadora e reparadora, sem ser hostil. O rei está no meio dos três Poderes, autoridade neutra e intermediária, sem nenhum interesse em desmontar o equilíbrio e tendo, ao contrário, todo o interesse em mantê-lo.” Notemos o sabor mecânico do trecho, inspirado no relógio posto por Hobbes, no Leviatã, para o controle geral do Estado.

A pinguela de ouro | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias

É do ex-senador Marco Maciel uma das ironias mais finas do nosso folclore político recente: “O problema é que as consequências vêm depois”. É sob medida para a reforma política recém-aprovada pelo Congresso, que terá grande impacto no nosso sistema político e partidário. Por quê? Primeiro, porque cria condições muito favoráveis para que os caciques políticos e partidos enrolados na Operação Lava-Jato sobrevivam a eventual tsunami eleitoral em 2018, tamanha a “disparidade de armas” que terão a seu favor, em termos de financiamento de campanha e tempo de propaganda de tevê e rádio. Segundo, porque possibilita que esses partidos — principalmente o PMDB — canibalizem os demais, salvando os deputados eleitos das legendas barradas no baile.

O surgimento de uma alternativa renovadora dos costumes políticos e reformista da economia no centro democrático se tornou muito mais difícil, embora não seja uma engenharia impossível, à margem do atual sistema de poder. Na verdade, o aperfeiçoamento da democracia brasileira, que alguns consideram ameaçada por uma “ditadura do Judiciário” ou sob tutela militar, está sendo bloqueado, apesar do clamor por mais ética na política. No futuro, historiadores e cientistas políticos terão que explicar a submissão dos nossos reformadores progressistas à velha cultura ibérica, na qual entrincheiraram suas próprias ideias, em razão da experiência vivida de resistência pacífica à ditadura. Percebem o impacto causado pela globalização e pela revolução tecnológica, mas não conseguem traduzi-lo em novas práticas políticas.

Armados até os dentes | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S.Paulo

Decisão do STF na quarta é sobre impunidade e equilíbrio entre Poderes

O julgamento do Supremo na próxima quarta-feira, dia 11, vai muito além de definir se pode isso ou aquilo contra o senador tucano Aécio Neves porque estabelecerá limites para punições impostas pela alta corte a políticos com mandato e limites para a reação do Congresso. O que está em jogo é, de um lado, a impunidade dos políticos; de outro, o equilíbrio entre Poderes diante da corrupção.

Em três anos e meio, a Lava Jato jogou atrás das grades empreiteiros, executivos da Petrobrás, doleiros, políticos sem mandato e, agora, os maiores produtores de carnes do mundo. Quem falta? Deputados e senadores alvos de inquérito, inclusive os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e o próprio Aécio Neves. Critica-se a PGR e a Lava Jato, bloqueiam-se valores e bens de Joesley e Wesley Batista, toma-se partido na crise entre STF e Senado, mas decidir sobre esses processos, nada...

As exceções foram Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral. O Supremo retirou a presidência e o mandato de Cunha por atrapalhar as investigações, e a Câmara ratificou a decisão. Delcídio, primeiro senador preso desde a redemocratização, foi gravado acertando R$ 50 mil e rotas de fuga para evitar uma delação e caiu com base na Constituição, que só prevê prisão para senadores por flagrante delito inafiançável.

Atalho climático | Sérgio Besserman

- O Globo

Brasil pode ter matriz energética limpa

E m comemoração aos 80 anos do IBGE, o então presidente Paulo Rabello de Castro me convidou, há quase um ano, para um painel muito honroso, em sua companhia, do professor e economista Rubens Cysne, da FGV, e do também ex-presidente da instituição, professor Simon Schwartzman.

O tema era planejamento. Na minha fala mencionei que o Brasil já estava com os dois pés na “armadilha da renda média”, pântano no qual um país deixa de ser pobre mas nunca se torna desenvolvido. E acrescentei: nossa chance é apostar e nos planejarmos para a grande transição mundial rumo a uma economia global de baixo carbono.

Paulo e Rubens conhecem minhas opiniões como economista e me pouparam de esclarecer que mais urgente é acertar as contas fiscais e elevar a taxa de poupança da economia brasileira.

Creio que concordam comigo que essas são condições prévias e necessárias, mas não garantem o desenvolvimento. É claro que há muito mais reformas a serem feitas para tentar uma inserção competitiva na economia global.

Defasagens na política econômica | Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Laura Carvalho, na quinta-feira (5), sugeriu que não há evidências de que a aceleração do crescimento nos anos 2000 deveu-se à maturação das reformas liberalizantes iniciadas nos anos 90, que terminaram depois da saída do governo de Antonio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro mandato de Lula.

Três são as dificuldades apontadas por Laura. A primeira é que levou muito tempo para que o longo ciclo de liberalização aparecesse no crescimento econômico.

A segunda é que o crescimento se acelerou ainda mais em seguida à mudança na formulação da política econômica, com a troca de guarda na Fazenda no início de 2006. E a terceira é que os efeitos negativos da alteração do regime de política econômica em 2006 sobre o desempenho da economia tiveram defasagem muito menor que as políticas liberalizantes.

Os seus questionamentos são válidos. Há limites à nossa capacidade de conhecer, principalmente em ciência social. Além disso, é difícil separar movimentos causados pelos nossos fundamentos domésticos daqueles decorrentes da dinâmica internacional.

A passagem do tempo, porém, reduz a incerteza. Parece-me ser quase consensual, por exemplo, a tese de que o milagre brasileiro é tributário das reformas liberalizantes do governo Castelo Branco.

Soluço ou tendência? | Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

A inflação de setembro teve, digamos assim, um soluço. Mas, mesmo sendo tratada como soluço, a reação do mercado financeiro na sexta-feira pareceu exagerada – apenas porque o avanço do IPCA, de 0,16%, foi superior ao 0,8% ou 0,9%, que vinha sendo majoritariamente esperado.

Enfim, ainda estamos numa inflação surpreendentemente baixa, de 2,54% em 12 meses. Talvez o susto do mercado se devesse ao fato de que o brasileiro ainda não tenha se acostumado a conviver com o ritmo dos preços equivalente ao que prevalece nos países avançados.

De todo modo, é apressado concluir que a fase de inflação baixa esteja sendo revertida. Alguns dos itens que mais pesaram foram combustíveis e tarifas de energia elétrica. Têm a ver com aumento de custo, não de demanda – este o lado mais perigoso da inflação.

Continua sendo mais provável que a inflação acumulada em 2017 fique abaixo dos 3,0%. E que a de 2018 permaneça em torno dos 3,5%, como atestam as projeções do mercado.

O homem nu e a política pelada | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

A querela do homem nu e das artes pornográficas dá o que pensar sobre o sucesso de mídia de ideias conservadoras. Provoca também perguntas sobre o motivo do fracasso de debates públicos mais cruciais. Por exemplo, sobre quem paga a conta da falência do Estado, conflito que está para explodir.

O frenesi dos embates recentes pode ser transitório, mas o assunto está na pauta pelo menos desde o Junho de 2013. A guerra cultural é no mínimo sintoma. Do quê? De conversões maciças ao conservadorismo? Dos desertos que se formaram na política?

Há ojeriza a partidos, escasseiam organizações político-sociais para vocalizar interesses, a direita sem voto reforma a economia e a esquerda no poder acabou em catástrofe. O corpo político parece uma geleia, sem ossos.

Mas a guerra cultural não é só a política por outros meios.

Pouco antes do fechamento da exposição Queermuseu, o Datafolha publicava nova rodada da pesquisa que tenta medir a adesão a ideias de direita e esquerda. A esquerda cresceu desde 2014, voltando a empatar com a direita, parte da qual lidera a guerra ao homem nu. Embora irônico, o resultado não diz muito.

O campo e o tempo | Miriam Leitão

- O Globo

O agronegócio brasileiro precisa entender o século XXI. Nele, para ser global, é indispensável não ter a marca de quem produz destruindo o meio ambiente. Essa ideia tão cristalina ainda não foi entendida, como mostram as propostas defendidas pelos seus representantes no Congresso. A última é de uma Medida Provisória para arrendar terras indígenas.

O governo nega que fará a MP, mas a pressão dos ruralistas está crescendo. Imagine se um dos muitos concorrentes que o Brasil tem na sua bem sucedida expansão internacional fizer sua campanha contra nós explorando esse ponto? O agronegócio brasileiro exporta US$ 100 bilhões. É fundamental para a economia brasileira. Mas no setor convivem a lavoura arcaica e a agricultura de precisão. Seus porta-vozes, lobbistas e parlamentares não representam a parte moderna da agropecuária. Insistem em demonstrar pelas ideias, projetos e discursos que estão ainda nos clubes da lavoura do século XIX.

A proposta de arrendamento de terra indígena é péssima. As TIs são unidades de conservação, como os parques nacionais e as florestas nacionais. Quem se dispuser a acompanhar as imagens de satélites verá que os índios prestam um serviço ambiental ao país porque as suas áreas têm se mantido preservadas. Um ou outro caso que fuja dessa regra não confirma coisa alguma, porque em sua maioria as áreas ocupadas por indígenas, e demarcadas, estão entre as mais preservadas.

Democracia e responsabilidade – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ganha cada vez mais aceitação no País a ideia de que os políticos são tão corruptos e desinteressados dos anseios nacionais que só resta afastá-los todos – prendê-los seria melhor, para evitar que reincidam – e entregar o Executivo e o Legislativo ao controle do Judiciário ou, talvez, das Forças Armadas. Essa solução radical, segundo os que a defendem, atenderia finalmente aos reclamos dos brasileiros fartos da mendacidade dos políticos, os quais seriam incapazes de representar o povo que os elegeu. O poder, então, seria exercido por pessoas consideradas acima de qualquer suspeita, não apenas incapazes de qualquer malfeito, mas principalmente conscientes das reais necessidades do País, ao contrário dos políticos.

É assim, enamorados de saídas fáceis para questões complexas, que muitos cidadãos brasileiros – não apenas entre os apedeutas, costumeira massa a serviço do radicalismo redentor, mas também entre os que dispõem de meios de se informar – começam a admitir que a democracia seja destruída. Seria a única resposta possível para a degradação moral que atinge o País.

No caso do Judiciário, há tempos encontram respaldo popular decisões que contrariam a Constituição, mesmo no Supremo Tribunal Federal, cuja função, entre outras, é justamente guardar o texto constitucional. As ordens do Supremo para afastar políticos eleitos pelo voto direto, passando por cima da autoridade do Congresso, são apenas o mais recente capítulo de uma perigosa trajetória em que a principal Corte do País vem se comportando algumas vezes como um Poder acima dos demais, usurpando funções exclusivas de governantes e de legisladores expressamente definidas na Constituição. A lógica que preside tal atuação é perturbadora: já que os políticos não fazem o que deles se espera, então que os magistrados o façam, para o “bem do Brasil”.

Negligência com Educação explica desníveis sociais – Editorial | O Globo

A principal alavanca propulsora da melhoria da qualidade de vida da população, no sentido mais amplo, a Educação, ainda não recebeu o impulso de que necessita

Sinônimo de desigualdade social, o Brasil, a partir da redemocratização, em 1985, na prática elegeu por voto direto governos para resolver este problema. Os nós a desatar que aguardam qualquer novo mandatário no Planalto são amplos. Há problemas na economia, na infraestrutura e muitos outros. Mas, não existe dúvida de que, os desníveis de renda e de padrão de vida numa população gigantesca como a brasileira são o desafio central para governantes e toda a sociedade.

Na verdade, um plano responsável, sério de combate à pobreza e, por decorrência, a todas as suas mazelas, é necessariamente multidisciplinar. Envolve investimentos amplos em infraestrutura, como saneamento básico; também no transporte urbano, fator importante na formação do poder aquisitivo das famílias mais pobres; bem como política econômica, para que a inflação seja mantida sob controle e a fim de que haja recursos para programas assistenciais de fonte não inflacionária e fiscalmente saudável. Enfim, o combate à pobreza requer um programa de governo, com o envolvimento de muitas áreas.

Doria em queda – Editorial | Folha de S. Paulo

A avaliação do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB),piorou de modo relevante desde junho, indica pesquisa Datafolha. O resultado nada tem de surpreendente.

Desde que os paulistanos voltaram a eleger seu governante, 32 anos atrás, quase sempre demonstraram alguma frustração com o desempenho nos primeiros meses do mandato -a exceção foi a breve gestão de José Serra (2005-2006).

De todo modo, o prestígio de Doria -32% consideram seu governo ótimo ou bom, ante 41% há quatro meses- supera o de seus antecessores (fora Serra) em períodos comparáveis da administração.

Particularmente digna de nota se mostra a disparidade de opiniões a respeito do alcaide conforme os estratos sociais: sua aprovação chega a 54% entre os que têm renda familiar superior a dez salários mínimos, não passando de 23% na faixa até dois pisos salariais.

TSE alerta para infiltração do crime organizado na política

Relatório afirma que quadrilhas agiram em 19 zonas eleitorais do estado

Ações são investigadas também em São Paulo, Amazonas e Maranhão; presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, diz temer que facções financiem candidaturas e ampliem atuação

O Tribunal Superior Eleitoral acionou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal para que investiguem a influência de facções criminosas e milícias no processo eleitoral, revela JEFERSON RIBEIRO. No Estado do Rio, a ação do crime organizado foi identificada em 19 zonas eleitorais de sete cidades, que abrangem 9% do eleitorado fluminense, em 2016. Criminosos tentam influir em resultados também em outros estados, e o relatório do TSE cita São Paulo, Amazonas e Maranhão. O presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, avalia que o fundo eleitoral, criado pela reforma política recém-aprovada no Congresso, é insuficiente para financiar as eleições, o que poderá abrir brecha para um “laranjal” nas campanhas. Para Gilmar, o domínio de territórios por facções, como ocorre no Rio, não permite campanhas e votos livres.

O crime nas urnas

TSE pede à Abin e à PF investigação sobre interferência de tráfico e milícia na política

Jeferson Ribeiro | O Globo

O risco de o crime organizado ampliar sua infiltração na política levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a acionar os órgãos de investigação e inteligência do governo federal para coibir a iniciativa dos criminosos. A preocupação é com as eleições em todo país, mas no primeiro semestre a Justiça Eleitoral encaminhou para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e para a Polícia Federal um relatório com base na disputa de 2016 no Rio em que aponta a influência de facções criminosas e milícias em 19 zonas eleitorais de sete cidades, incluindo a capital. O crime, porém, já esticou seus tentáculos em outros estados como São Paulo, Amazonas e Maranhão.

Gilmar Mendes: ‘Temo pelo financiamento das eleições por organizações criminosas’

- O Globo

Presidente do TSE diz que crime já atua na política, e financiamento restrito pode abrir caminho para um laranjal nas campanhas

Qual o maior risco de interferência do crime nas próximas eleições?

Nós acabamos com o sistema de financiamento (empresarial) descolado do sistema eleitoral. O ideal era que tivéssemos feito ajustes no sistema eleitoral, porque aí poderíamos adequar melhor o financiamento. Certamente, teremos um número elevado de candidatos, porque as coligações estão mantidas, e aí entra a questão do financiamento. Eu temo muito pelo financiamento das eleições por organizações as mais diversas, inclusive as criminosas. Já temos casos de países em que o crime financia as eleições, como o México. No Rio, temos o problema do tráfico, das milícias, que é notório. Para colocarmos urnas nas favelas precisamos de blindados da Marinha. Portanto, a liberdade do voto está fortemente ameaçada. Em São Paulo, já se fala que o PCC elegeu vereadores na Câmara da capital. No Amazonas, a calha do (rio) Solimões vem sendo utilizada pelos traficantes e se diz que algumas prefeituras foram tomadas por eles. No Maranhão, nós acompanhamos a situação de agiotas financiando as eleições, com dinheiro que viria do PCC. Tudo isso é preocupante e não podemos querer que o quadro da política no Brasil, que já não é exemplar, se torne ainda pior.

Nesse cenário, a aprovação do fundo eleitoral público é boa ou ruim?

Eu torci pela aprovação do fundo, porque pelo menos temos um elemento institucional. O problema é que esse fundo é insuficiente para financiar as eleições, e continuamos dependendo das doações privadas. E é nesse caso de pessoas físicas que temos quadro de instabilidade. Das 730 mil doações feitas em 2016, em 300 mil pelo menos, indicou a Receita, havia problemas, sobretudo de capacidade financeira. É o que eu chamo de caça ao CPF, e isso pode alimentar o laranjal. É aí que entra o crime organizado.

Hoje o crime já está mesmo na política?

Acho que sim. Eu diria que não podemos ser ingênuos. A situação praticamente de domínio de certos territórios, como ocorre no Rio de Janeiro, não permite um voto livre, uma campanha livre, e, certamente, já há representantes de facções nos parlamentos municipais e quiçá até alguma identidade no plano federal. Temos que monitorar esse quadro, porque esse é o pior dos mundos. Temos que ter cuidado com o desenvolvimento disso e, por este motivo, dei atenção aos desdobramentos que tivemos no Rio e passei para as altas autoridades de segurança. É óbvio que a liberdade do eleitor está comprometida.

Após dois anos de queda, indústria puxa criação de empregos

Indústria volta a puxar geração de empregos após dois anos de retração

Ano começou com corte de 342 mil postos no setor, mas nos últimos três meses encerrados em agosto houve inversão e foram criadas 365 mil vagas

Cleide Silva | O Estado de S.Paulo

Após dois anos sem trégua nos cortes mensais de vagas, a indústria brasileira voltou a gerar empregos. O setor liderou a criação de vagas entre junho e agosto – o que é visto pelos economistas como um sinal concreto de que a recuperação econômica está se refletindo no mercado de trabalho.

A indústria é a terceira maior empregadora no País, atrás do comércio e do setor público. Dos 924 mil postos de trabalho criados entre junho e agosto, 40% vieram da área industrial. A retomada de contratações está sendo liderada principalmente pelos setores automotivo, têxtil, de calçados, de confecção, eletroeletrônico e químico/farmacêutico.

“Concretamente, há uma retomada da economia, que começou com a inflação caindo e, com isso, o salário real aumentou, gerando demanda por serviços e depois no comércio e, por último, na indústria”, diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Opus Investimentos e professor da PUC-Rio. “O emprego acompanhou essa movimentação.”

Do início do ano para cá, a taxa de desemprego total do País caiu de 13,7% para 12,6%, mas o Brasil ainda tem 13,3 milhões de desocupados.

Pelas projeções de Camargo, até o fim do ano o porcentual de desempregados entre a população ocupada deve ficar em 11,5%. “A economia está se recuperando, o desemprego cai há seis meses, e a tendência é de melhorar ainda mais em 2018.”

Na indústria, o número de contratações vinha sendo negativo desde maio de 2015 e só passou a ser positivo a partir de abril deste ano, quando foram abertas 94 mil vagas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Indústria impulsiona retomada

A contratação com carteira assinada começa a dar sinais de recuperação, e a indústria lidera o movimento. No segundo trimestre, foram mais de 136 mil vagas formais abertas em fábricas. O setor têxtil é destaque na criação de postos de trabalho.

Indústria puxa emprego formal

Nas fábricas, foram mais 136 mil. Banco prevê alta de 740 mil em vagas com carteira em 2018

Cássia Almeida e Marcello Corrêa | O Globo

A contratação com carteira assinada começa a dar sinal de vida nas estatísticas de emprego. Eé a indústria que vem puxando esse movimento. Foram mais de 136 mil vagas abertas no segundo trimestre pela atividade. A taxa de desemprego cai desde abril — passou de 13,7% naquele mês para 12,6% em agosto —, numa queda que vinha sendo sustentada até agora só pelas ocupações informais como os conta própria e trabalhadores sem carteira. Mas o quadro começou a mudar, a ponto de o Banco Itaú prever a criação de 740 mil vagas formais no ano que vem, afirmando que o emprego com carteira assinada vai liderar a geração de postos em 2018. Do emprego formal criado este ano, 40% vieram da indústria de transformação, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A Espantosa realidade das cousas | Fernando Pessoa (Alberto Caeiro)

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.