domingo, 14 de janeiro de 2018

Opinião do dia - *Bolívar Lamounier

Não subestimo nenhuma dessas hipóteses, mas penso que o problema é bem outro. Na história das democracias, o fator preponderante nos retrocessos e rupturas sempre foi a falta de convicção das elites, sua falta do mais elementar bom senso e sua covardia quando o exercício da autoridade governamental se fez necessário. A República de Weimar e o Brasil de 1961-64 são bons exemplos. Por tudo isso, dói constatar que o Brasil ainda não se livrou em definitivo do populismo e de uma classe política virtualmente desprovida de responsabilidade pública.
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*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é autor de ‘Liberais e Antiliberais’ (Companhia das Letras, 2016). “A quinta morte da democracia”, O Estado de S. Paulo, 13/1/2018.

*Pedro Malan: 2018, ano crucial para 2019-2022 e muito além

- O Estado de S.Paulo

Nos últimos 71 anos o Brasil escolheu pelo voto direto oito presidentes: Dutra, Getúlio, Kubitschek e Quadros, antes do regime militar; Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma desde então

Nos últimos 71 anos o Brasil escolheu pelo voto direto oito presidentes: Dutra, Getúlio, Kubitschek e Quadros, antes do regime militar; Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma desde então. Nada menos que quatro dentre eles não concluíram o mandato para o qual foram eleitos. Nos últimos 91 anos, apenas três presidentes civis, eleitos diretamente pelo voto popular, passaram a faixa presidencial a outro presidente também civil e eleito diretamente pelo voto popular: Kubitschek, Fernando Henrique e Lula. Desses três, por fim, apenas um – Lula – não só transmitiu a faixa ao sucessor, como também a recebeu de outro civil, também eleito pelo voto direto.

Seriam as dores do crescimento de uma jovem democracia – que desde 1930 alternou dois períodos centralizadores/autoritários (1930-1945 e 1964-1985) e dois democráticos (1946-1964 e 1985 até o presente)? Segundo Jorge Caldeira em seus trabalhos, o Brasil teve experiências com eleições desde a colônia e o Parlamento funcionou durante o Império e na Primeira República.

O que tornou especialmente tumultuosas as últimas décadas, a meu ver, é o fato de o Brasil ter evoluído vertiginosamente, dos anos 30 até meados dos anos 80, na direção de tornar-se uma das maiores sociedades de massas urbanas do mundo. Hoje é a terceira maior democracia, após Índia e EUA, sem nenhum concorrente democrático à terceira posição.

Nossa população urbana passou de 36% (de um total de 52 milhões de pessoas) em 1950 para os atuais 86% (de um total de 208 milhões). Trata-se de um aumento, em termos absolutos, de 9,5 vezes, que não tem paralelo no mundo – nem sequer na China e na Índia. É impossível entender por que o Brasil experimenta há pelo menos três décadas o que venho chamando de pressão estrutural por crescentes gastos públicos – que se expressa em seu crescimento acima do crescimento do PIB, da inflação e da arrecadação – sem referência a essa transição demográfica e à pressão extraordinária dessas massas urbanas sobre governos em termos de investimentos em infraestrutura física e infraestrutura humana. O debate recente vem mostrando, ademais, que a esses fatores deve ser adicionada a força dos corporativismos dos setores públicos e privados na defesa de seus interesses. A conta simplesmente não fecha.

Samuel Pessôa: Os intangíveis

- Folha de S. Paulo

Meu primeiro curso de economia foi de "economia brasileira", como aluno ouvinte. Matéria da graduação da FEA-USP ministrada por José Roberto Mendonça de Barros no segundo semestre de 1986.

José Roberto, profissional com carreira muito exitosa, tanto na academia –estudos sobre história econômica e economia agrícola– quanto no setor privado –lidera há anos sólida empresa de consultoria–, ficava a cargo da disciplina mais interessante e complexa da grade da graduação. Éramos apresentados à história econômica brasileira do período do café, a partir de 1860, aproximadamente, até a época atual, no caso, os conturbados anos 1980.

O jovem físico (isto é, eu) achava, como é comum entre os físicos, que o desenvolvimento de uma sociedade resultava do domínio das técnicas mais avançadas e da produção de bens mais complexos. Achava que o orçamento da Nasa e do Pentágono e a política de compras do governo americano eram responsáveis pelo desenvolvimento daquela sociedade.

Era entusiasta da reserva de mercado de informática. Essa política pública era muito popular entre os físicos à época. Lembro-me de meu professor da disciplina de "fenômenos aleatórios em física" entusiasmado com os computadores que produzíamos. O que o desanimava era o custo: "Samuel, temos um problema de custos...".

Fernando Gabeira: Os loucos e o poder

- O Globo

Não tenho condições de afirmar que Trump é louco

A discussão sobre a saúde mental do homem mais poderoso do mundo é algo novo para mim. Mas o tema associando loucura e política certamente apareceu em muitos momentos da História. Nos tempos mais recentes, sempre foi mais comum uma discussão sobre a saúde física. No caso de Franklin Rooosevelt, o que estava em jogo era sua mobilidade, algo aparentemente superado nos dias de hoje: a cadeira de rodas não é um obstáculo intransponível.

A questão da loucura apresenta dificuldades: como definir que uma outra pessoa é louca contra a vontade dela, sobretudo quando ocupa o cargo político mais importante do planeta? O debate sobre a saúde mental de Trump se acentuou com o lançamento do livro “Fogo e fúria”, de Michael Wolff. Os argumentos que tenho lido não me convencem de que Trump é louco. Às vezes detêm-se em análises de gestos simples como levantar um copo de água, sem considerar que certas hesitações se devem mais à velhice do que à loucura.

A disputa com Kim Jong-un sobre quem tem o botão maior, embora infantil na boca de um presidente, expressa uma tendência à competição onipresente em inúmeras atividades humanas.

No tempo em que Stalin dominava a União Soviética, muitos opositores foram mandados para o hospício. Era algo bastante temido, sobretudo entre intelectuais. O regime comunista não só monopolizava o poder como também se sentia em condições de monopolizar a razão. Ser de oposição era sintoma de uma doença mental. Numa sociedade democrática deve haver alguns protocolos, inclusive para uso da Justiça, determinando se a pessoa cruzou ou não a fronteira da sanidade. Quando se trata de algo tão político, é evidente que se formem duas grandes correntes, cada uma desconfiando abertamente da imparcialidade científica da outra.

Não tenho condições de afirmar se Trump é louco ou não. Outro dia, em Porto Alegre, um jovem me fez uma longa e complexa pergunta, concluindo: acha que estou louco? Quem sou eu para dizer que uma pessoa está louca, respondi. Tenho dúvidas a respeito de mim mesmo. No passado, Francisco Nelson, um grande amigo do exílio, sempre me confortava: tudo bem, você está lúcido.

Chico Nelson morreu de enfarte. Desde então, dedico-me a responder sozinho e falta energia para julgar os outros.

Merval Pereira: Os riscos da urna

- O Globo

Se o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmar no dia 24 a condenação do ex-presidente Lula, sua defesa terá duas batalhas distintas pela frente: tentar anular a decisão e suspender a inelegibilidade em consequência da Lei da Ficha Limpa. Sempre através de recursos a tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou o Supremo Tribunal Federal (STF). Lula e o PT terão que decidir, em algum momento dessa disputa, se forçam uma crise institucional tentando levar a candidatura até as urnas, mesmo correndo o risco de ela ser impugnada, ou indicam em tempo hábil um substituto.

As duas batalhas podem ser imediatas, uma na área criminal e o outra na eleitoral, ambos no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Embora o registro da candidatura no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) só possa ocorrer a partir de 20 de julho e até 5 de agosto, o ex-presidente pode pedir imediatamente após o julgamento do TRF-4 uma liminar para continuar na disputa eleitoral.

Pela Lei das Inelegibilidades, em decorrência da Ficha Limpa, poderá ser suspensa a inelegibilidade em caráter cautelar, “sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal”. Mas, conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre os demais, à exceção dos de mandado de segurança e habeas corpus. Para que não haja espaço para recursos protelatórios.

Eliane Cantanhêde: Um leão por dia

- O Estado de S.Paulo

Justiça derruba MPs de Temer, publicidade do governo e até atos privativos do presidente

Além da rejeição da opinião pública, dos problemas de saúde, das chantagens dos aliados e das rusgas entre pré-candidatos governistas, o presidente Michel Temer consome boa parte de sua energia e do seu tempo com decisões de juízes (inclusive de primeira instância), do Ministério Público e até da Polícia Federal, órgão do Executivo. O governo é refém da Justiça e do emaranhado do sistema judicial.

Começa com o próprio Temer, às voltas com 50 perguntas da PF sobre suposto favorecimento do grupo Rodrimar no Porto de Santos, citando mais de dez nomes, como o de Rodrigo Rocha Loures, o homem da mala. Isso mantém uma nuvem sobre o presidente, que na sexta-feira, dia seguinte ao rebaixamento da nota do Brasil pela Standard &Poor’s, estava com o advogado Antônio Mariz tentando preencher o questionário. Bom não é.

Mais rumorosa ainda é a “não-posse” da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Temer deve estar rezando para o PTB arranjar outro nome, qualquer um, mas tem aquele probleminha: quem?
Enquanto isso, um juiz de primeiro grau suspende a posse, um tribunal mantém e a Advocacia Geral da União (AGU) é obrigada a entrar com um recurso atrás do outro – perdendo todos. (Temer, aliás, elogia a advogada geral, Grace Mendonça.)

Em conversa com o Estado, semana passada, o presidente reclamou: “Como um juiz de primeira instância derruba um ato privativo do presidente da República?”. E mandou um recado amigável para o PTB, mas bem polêmico para a sociedade, ao dizer que não considera as acusações contra a deputada suficientes para impedir a posse. Como assim? Quem desrespeita lei trabalhista pode ser ministra justamente do Trabalho?

Vera Magalhães: Mito de pés de barro

- O Estado de S.Paulo

No primeiro percalço, Bolsonaro expôs ao País o material do qual é feito, mas idolatria persiste

Um conhecido aforismo conta que, certa feita, Nabucodonosor, rei da Babilônia, sonhou com uma estátua de um gigante cuja cabeça era feita em ouro, o tronco e os braços em prata e bronze, as pernas em ferro e os pés em barro. Uma pedra vinha e, atingindo os pés sensíveis, derrubava a estátua de uma vez. Chamou os sábios para interpretar o sonho e eles viram ali o destino não só do império, mas da humanidade.

Desde então a história vem sendo usada como alegoria daquilo que, parecendo sólido, se desmancha ao primeiro impacto. A história está cheia de ídolos de pés de barro, e volta e meia eles aparecem na política.

Geralmente falam grosso, fazem bravatas, ameaçam os que não se curvam, impressionam os incautos, mas não resistem ao mínimo choque, às vezes com seu próprio passado.

O “mito” (sic) da vez na política brasileira, Jair Bolsonaro, já permitia antever – sem a necessidade de sábios para desvendar nada – que continha em sua composição, se não todos os metais nobres da estátua do rei, ao menos o barro a lhe arrematar os pés. E bastou ser confrontado de leve por dois questionamentos básicos para um candidato – seu patrimônio e o uso que faz, como parlamentar, das verbas a que tem direito em seu mandato – para despencar do pedestal em que foi colocado por um eleitorado entre perplexo e revoltado com os rumos da política nos últimos anos.

Reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Bolsonaro e os filhos experimentaram uma evolução patrimonial incompatível com o salário que amealharam com mandatos.

Em vez de explicar a aquisição dos imóveis, muito por valor bastante abaixo do mercado, o deputado fez aquilo que políticos tradicionais – aqueles mesmos dos quais ele tentava se diferenciar na base do gogó bravateiro – fazem: tergiversou, culpou a imprensa, distribuiu impropérios e ameaças, desmentiu o que não foi dito para calar sobre o que foi questionado. Em resumo: enrolou.

Bernardo Mello Franco: O que preocupa Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

"Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava pra comer gente, tá satisfeita agora ou não? Você tá satisfeita agora?".

As palavras são de Jair Bolsonaro, pré-candidato à Presidência. Ele respondia a uma repórter da Folha que o questionou, de forma educada, sobre o uso de verbas da Câmara.

Não foi a única grosseria da entrevista, concedida na quinta-feira. Em outros momentos, o deputado usou palavrões após ouvir perguntas sobre a sua evolução patrimonial.

"Porra, você está enchendo o saco, porra", disse. "Vocês fizeram uma bomba de merda", acrescentou. "Sai fora que vocês não vão ter resposta nenhuma", concluiu.

Nos últimos dias, os repórteres Camila Mattoso, Italo Nogueira e Ranier Bragon mostraram como a família Bolsonaro multiplicou os bens na política -o capitão tem dois filhos deputados e um vereador.

O jornal também revelou que o chefe do clã nunca abriu mão do auxílio-moradia, apesar de ter apartamento próprio em Brasília. Ele ainda deu um cargo de assessora à mulher de seu caseiro em Angra dos Reis.

Vinicius Torres Freire: De olho em Lula, povo de Temer se bate

- Folha de S. Paulo

Presidente, Maia e Meirelles enchem de azeitonas podres a empada do noticiário vazio de janeiro

No final desta semana, começa o carnaval dramático do juízo final de Lula da Silva. Ainda que condenado à guilhotina política, o ex-presidente não seria executado tão cedo. Decepado, talvez caminhe até as vésperas da eleição com sua cabeça sob o braço, feito um mártir cristão medieval. Tem lá seu apelo, nesta terra de razões sobrenaturais.

Seja como for, as conversas de candidaturas a presidente ainda serão irrisórias antes do julgamento de Lula, no dia 24. De corpo presente ou ausente, o líder petista define a geometria da eleição.

Ainda assim, a turma de Michel Temer se dá cotoveladas a fim de ver quem marca 3% dos votos em eventual pesquisa eleitoral ou sobe no poleiro de cima para cantar mais alto sobre as definições políticas do Planalto. É apenas um dos sinais de desordem provinciana no governismo.

Desde a semana de Festas, o governo enche de azeitonas podres a empada vazia de notícias políticas das viradas de ano. Um vácuo do empadão foi recheado de picuinhas entre Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, potenciais candidatos a talvez nada.

No dia seguinte ao Natal, o novo secretário de Governo, Carlos Marun (PMDB-MS), disse que trocava empréstimos da Caixa por votos a favor da reforma da Previdência. Foi acusado de chantagem por governadores. Estreia digna de um estafeta de Eduardo Cunha.

Míriam Leitão: Longo labirinto

- O Globo

A inflação abaixo do piso da meta foi um momento breve de conforto para o governo na segunda semana do ano. O resto do tempo ele se debateu em torno de questões como o rombo das contas públicas, o esforço para nomear uma pessoa inadequada para o cargo de ministra do Trabalho, a fogueira das pretensões presidenciais entre aliados e, por fim, o rebaixamento da nota de crédito do Brasil.

Foi uma semana ruim, com um breve intervalo de comemoração. A inflação, que já arruinou tantos governos no Brasil, chegou ao número mais baixo desde o começo do sistema de metas de inflação. E tão baixa que o presidente do Banco Central teve que se explicar publicamente. Se os alimentos não tivessem caído tanto, a inflação teria ficado matematicamente no ponto certo de 4,5%. Mas ficou em 2,95%. O presidente Temer quis brilhar e montou um palco para subirem todos, ele e sua equipe econômica. Durou pouco a alegria, porque as más notícias aguardavam na saída da breve comemoração.

A inflação baixíssima deu o ar de sua graça, mas ao mesmo tempo o país continua cercado de más notícias. O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão — esse é o nome completo do órgão — tem que preparar neste começo de ano a Lei de Diretrizes Orçamentárias e depois o Orçamento. Mas não sabe por onde começar. Há um problema incontornável naquele ano. Puxa daqui e estica dali, não dá para cumprir a regra de ouro que proíbe o governo de se endividar mais do que o valor que investe. Dentro do governo, foi discutida a ideia de suspender temporariamente essa lei num pacote que daria outros instrumentos para administrar melhor o Orçamento. A regra de ouro foi escrita, na época da Constituinte, pelo deputado Maia, Cesar Maia. O deputado Maia, Rodrigo Maia, rebelou-se contra a mudança na Constituição da regra disciplinadora de autoria paterna. Isso ajudou a fortalecer os protestos contra a mudança e a melhorar a foto do presidente da Câmara na galeria da pré-corrida presidencial.

Celso Ming: Nem tudo é calamidade

- O Estado de S.Paulo

O mercado financeiro pouco se importou com a decisão tomada pela agência Standard & Poor’s (S&P) de rebaixar a qualidade dos títulos de dívida do Brasil.

Em vez de disparar, a cotação do dólar em reais caiu sexta-feira mais 0,31%; a Bolsa ficou no zero a zero, recuou 0,2%; e, depois de certa vacilação, o rendimento (yield) dos títulos do Tesouro do Brasil traduzido nos juros futuros pouco oscilou, ficou nos 9,63% para o vencimento de 2023. O índice de risco Brasil apontado pelo Credit Default Swap (CDS) dos títulos de 5 anos pouco oscilou, como se os papéis do País ainda ostentassem grau de investimento.

A explicação apressada para esse baixo impacto foi a de que a expectativa de rebaixamento “já estava nos preços” dos ativos financeiros e que, por isso, não tinham mesmo de dar seus pinotes. Há duas outras explicações mais consistentes para a baixa reação.

A primeira é a de que continua existindo impressionante abundância de recursos nos mercados, que não dispõem de opções atraentes de aplicação. Assim, para afastar os investidores não bastou o rebaixamento em mais um nó na tabela de classificação da S&P, que já era antes de grau especulativo.

A outra explicação é a de que a economia do Brasil passa por impressionante reação de melhora – com a exceção da situação calamitosa das contas públicas.

Foi dureza para todos os brasileiros tanto a recessão como a inflação de há alguns anos. Em proporção tal que a população tem dificuldades para perceber a virada do jogo. Mas ela é inegável. Aqui vai a relação de alguns avanços.

A inflação em 12 meses, de 2,95%, é a mais baixa desde 1998. É verdade que falta conferir até que ponto o recuo é sustentável, mas o retrato do momento é esse.

Os juros básicos (Selic) despencaram dos 14,25% ao ano aos atuais 7% ao ano. Assim, concorrem para reduzir o custo da dívida pública e estimular o crédito.

Acabou a recessão. O PIB de 2017 deve ter avançado ao menos 1,0% e deve alcançar os 2,7% em 2018. O desemprego, que chegou aos 13,70% da força de trabalho, recuou para 12,0% e tende a recuar mais. As safras de grãos em 2017 foram recorde histórico; atingiram os 240,6 milhões de toneladas, 30% a mais do que as do ano anterior. E 2018 desponta para a segunda maior safra da história. As máquinas da indústria, antes semiparalisadas, voltaram a girar. As projeções para 2018 são de crescimento da produção acima dos 3%.

Luiz Carlos Azedo: O mal-estar eleitoral

- Correio Braziliense

O ambiente “líquido” da disputa eleitoral fragmenta ainda mais os interesses da maioria e nenhum nome se apresenta como alternativa à radicalização

Um dos grandes fatores de incerteza na conjuntura política é a ausência de um projeto de país no debate eleitoral que se inicia. Outro, o fato de que o Estado brasileiro está em crise, com o fracasso das políticas públicas e uma crise de financiamento cuja conta está sendo toda pendurada no sistema de Previdência.

Ao mesmo tempo em que os políticos e seus partidos não oferecem uma alternativa convincente e motivadora para a situação, a Operação Lava-Jato revelou para a sociedade que o financiamento da política — e o enriquecimento pessoal de seus principais operadores — era feito por meio do desvio ilegal de recursos, que deveriam ter ido para escolas, hospitais, estradas, metrôs, etc.

É impossível evitar o enorme mal-estar instalado na sociedade, com o agravante de que isso está sendo potencializado por outros fenômenos que não são uma exclusividade brasileira. No mundo inteiro, o Estado perdeu sua referência. O que era moderno e sólido, organizado, produtor de justiça e provedor da qualidade de vida das pessoas está se desmanchando no ar. Como assinalou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (O mal-estar da pós-modernidade, Zahar), o Estado na pós-modernidade perdeu o poder para o mercado livre, perdeu o propósito de sua existência. Quanto maior, mais atrapalha. O Estado tornou-se uma empresa ineficiente.

Hélio Schwartsman: O fim das guerras

- Folha de S. Paulo

"The Internationalists", de Oona Hathaway e Scott Shapiro (Yale), conta a história de como a guerra deixou de ser a forma civilizada de resolver diferenças entre países e se tornou ilegal à luz do direito. Mostra como esse passo, que parecia o devaneio de alguns sonhadores, acabou sendo inscrito nos tratados internacionais e, dezenas de milhões de mortos depois, está se convertendo numa realidade (estamos aqui falando de conflitos entre Estados, não de guerras civis).

O ponto forte do livro é que os autores conseguiram transformar o que poderia ser um soporífero tratado de direito internacional num verdadeiro "page-turner". As duas primeiras partes da obra se leem como romance. É só a terceira que se parece mais com um texto de ciências sociais.

William Waack: Não sou racista, minha obra prova

- Folha de S. Paulo

Se os rapazes que roubaram a imagem da Globo e a vazaram na internet tivessem me abordado, naquela noite de 8 de novembro de 2016, eu teria dito a eles a mesma coisa que direi agora: "Aquilo foi uma piada —idiota, como disse meu amigo Gil Moura—, sem a menor intenção racista, dita em tom de brincadeira, num momento particular. Desculpem-me pela ofensa; não era minha intenção ofender qualquer pessoa, e aqui estendo sinceramente minha mão."

Sim, existe racismo no Brasil, ao contrário do que alguns pretendem. Sim, em razão da cor da pele, pessoas sofrem discriminações, têm menos oportunidades, são maltratadas e têm de suportar humilhações e perseguições.

Durante toda a minha vida, combati intolerância de qualquer tipo —racial, inclusive—, e minha vida profissional e pessoal é prova eloquente disso. Autorizado por ela, faço aqui uso das palavras da jornalista Glória Maria, que foi bastante perseguida por intolerantes em redes sociais por ter dito em público: "Convivi com o William a vida inteira, e ele não é racista. Aquilo foi piada de português."

Não digo quais são meus amigos negros, pois não separo amigos segundo a cor da pele. Assim como não vou dizer quais são meus amigos judeus, ou católicos, ou muçulmanos. Igualmente não os distingo segundo a religião —ou pelo que dizem sobre política.

Candidaturas de centro dividem líderes evangélicos

Principais referências do segmento abrem diálogo com Meirelles, Alckmin, Maia e até Bolsonaro

Thiago Prado / O Globo

A oito meses das eleições, os pré-candidatos à Presidência começam sua peregrinação entre as principais lideranças evangélicas do país de olho na força do voto conservador. Em jogo, a busca por um eleitorado que, segundo estimativas de pesquisadores, já alcança uma fatia de quase 30% da população. Os rumores de lançamentos de diversos nomes no campo da centro-direita dividem a opinião das mais influentes referências do segmento, que prometem trabalhar fortemente para que a bancada evangélica atinja a marca de mais de cem deputados no Congresso Nacional.

A mais visível das articulações foi feita no início do mês pelo ministro Henrique Meirelles (PSD). Ele esteve na igreja Sara Nossa Terra, comandada pelo bispo Robson Rodovalho. Durante o ano passado, Meirelles, que é católico, já havia visitado templos da Assembleia de Deus, um roteiro típico de um postulante ao Planalto. Rodovalho, que preside a Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, diz não ter definido quem vai apoiar, mas dá pistas sobre qual o perfil do candidato que deve conquistar a sua preferência:

— O público evangélico está de olho em um candidato que seja liberal na economia e conservador nos valores.

Desanimado com o desempenho de Meirelles nas pesquisas (1%, segundo o último Datafolha), o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, pensa diferente. Por enxergar uma falta de “feeling político” no ministro, ele começou a articular o apoio ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Até o ano passado, o candidato preferido de Malafaia era o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), com quem troca mensagens no WhatsApp frequentemente. Como a candidatura do tucano naufragou, o pastor aposta no deputado:

— Eu e Bolsonaro vamos discutir esse apoio no fim deste mês. Tenho a seguinte tese: quem estiver citado na Lava-Jato não irá prosperar entre os evangélicos. É o caso de Geraldo Alckmin e Rodrigo Maia.

CRIVELLA QUER INDIO
O presidente da Câmara dos Deputados, caso de fato resolva colocar sua candidatura na rua, seria aquele com os apoios mais azeitados entre os evangélicos. Nos últimos anos, o DEM filiou, em uma só tacada, o braço-direito de Malafaia, o deputado federal Sóstenes Cavalcante, além de parlamentares ligados ao missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, e ao apóstolo Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus. Santiago, aliás, mantém-se, por enquanto, em agenda suprapartidária, sem definir que rumo tomar.

Indefinição nos estados preocupa Alckmin

Pré-candidato tucano tem dificuldade para montar palanque em três dos cinco maiores colégios eleitorais

Silvia Amorim / O Globo

SÃO PAULO - Por falta de quadros competitivos e de recursos financeiros, uma campanha do governador Geraldo Alckmin à Presidência deverá ser mais dependente de palanques de outros partidos do que do próprio PSDB nos maiores colégios eleitorais. Em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul, onde vivem 54% do eleitorado, os tucanos tendem a ter candidato a governador somente nas sucessões paulista e gaúcha. Na eleição baiana e fluminense, o plano A de Alckmin é usar palanques do DEM. Em Minas, para desespero do PSDB, o cenário é uma incógnita.

A aliança com os democratas, parceiros históricos de Alckmin, é natural, mas, desde a semana passada, passou a ser um negócio de risco, depois que, em entrevista ao GLOBO, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), confirmou que pode ser candidato ao Planalto. Se isso se concretizar, o governador poderá ficar sem suporte para a campanha em dois dos cinco maiores estados — Rio de Janeiro e Bahia. Com 23 milhões de eleitores, só perdem para São Paulo e Minas em peso eleitoral no país.

Alckmin reagiu à pretensão de Maia com um discurso amistoso dias atrás, dizendo que uma candidatura dele será legítima e bem-vinda. Reservadamente, entretanto, ele tem se mostrado cético quanto a uma entrada de Maia na disputa. O tucano também aguarda o desenrolar das movimentações de outro potencial candidato de centro à Presidência: o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD).

Geraldo Alckmin também precisa superar ritos burocráticos no PSDB, como as prévias com o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, para oficializar-se candidato tucano.

No plano A do governador, ele teria como principais cabos eleitorais no Rio e na Bahia os nomes cotados pelo DEM aos governos estaduais: Cesar Maia e ACM Neto, respectivamente. O PSDB não tem sequer interessados nas vagas. Diante da escassez de recursos para o financiamento eleitoral, a orientação no tucanato é investir somente em candidaturas próprias com chances de vitória.

Câmara gasta mais com ‘voo’ eleitoral de Bolsonaro

Segundo colocado na disputa pelo Planalto, deputado gastou 39% a mais neste mandato do que no anterior; regra não permite que verba seja usada para fins eleitorais

Felipe Frazão e Daiene Cardoso / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) viajou para Campina Grande, segundo maior colégio eleitoral da Paraíba, para dar palestras, falar com eleitores em praças e conceder entrevistas para rádios locais em 8 de fevereiro do ano passado. “Hoje estou perdendo a sessão em Brasília. Gostaria de estar lá, mas para quem tem pretensões outras tem de estar muito bem preparado para aquele momento em 2018. Vale a pena tudo isso aí”, afirmou em entrevista à época. A veículos de imprensa paraibanos, apresentou a meta de fazer duas viagens para fora da capital federal por mês: promessa cumprida.

Em campanha aberta para a Presidência da República, Bolsonaro aumentou seus gastos com passagens aéreas pagas com dinheiro público da Câmara dos Deputados. Levantamento feito pelo Estadão/Broadcast mostra que, nesta legislatura (entre 2015 e 2017), o deputado fluminense gastou 39% mais com passagens custeadas pela Câmara do que no período anterior (de 2011 a 2014): passou de R$ 261 mil para R$ 362 mil.

Vice de Alckmin cobra 'gestos' do PSDB fora de SP por Presidência

Entrevista com Márcio França

Gabriela Sá Pessoa / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Vice-governador de São Paulo, Márcio França (PSB), 54, tem hoje 3% das intenções de voto para o governo do Estado, segundo o Datafolha. Porém, aposta na projeção que terá ao assumir o Bandeirantes, quando Geraldo Alckmin (PSDB) renunciar para disputar a Presidência.

Ex-prefeito de São Vicente e ex-deputado federal, França é conhecido por sua capacidade de articulação política: hoje, espera ter uma base de ao menos sete partidos, que lhe dariam exposição de rádio e TV na campanha.

Em entrevista em seu gabinete, diz que compreende uma candidatura do PSDB e que, apesar do confronto com os tucanos, terá o apoio do governador: "Serei um dos candidatos do Alckmin. Ele fez essa opção quando me convidou para ser vice, sabendo que eu iria assumir".


• Folha - O sr. assume São Paulo quando Alckmin deixar o governo e disputará a reeleição...

Márcio França - Toda a minha chance é resultado do cargo. Sou conhecido por 7% do Estado, é um número muito baixo. Venho de um eleitorado restrito [da Baixada Santista]. Desde o início, tenho dito que seria candidato. Sendo franco, o governador é experiente. Quando ele me escolheu como vice, sabia que deixaria a sucessão comigo. Me sinto, de alguma forma, prestigiado e escolhido por ele.

Ele vai renunciar porque a lei exige, e já disputou a Presidência numa eleição muito mais difícil que essa [em 2006], com o Lula em alta, e perdeu por 6% [França se refere ao primeiro turno, quando a diferença entre Lula e Alckmin foi de 6,9 pontos percentuais; no segundo turno, ela foi de 21,6 pontos percentuais]. Tirando os neófitos, qualquer um que você pergunte, hoje, quem é o favorito, dirá Alckmin.

O Bolsonaro está em partido com tempo muito pequeno de rádio e TV, tem só um deputado. Ele terá o tempo de um deputado, o que significa que terá de somar vários dias para ter um comercial de 30 segundos. Ele será atacado e não terá como se defender.

• Alckmin parece ser o candidato do centro, que está se fragmentando. Especula-se que Rodrigo Maia possa se candidatar, Henrique Meirelles.

Desde a eleição passada, as pessoas sempre vão com nomes. E o [Luciano] Huck? E o Maia? E o Joaquim Barbosa? Se outros nomes surgirem, a análise será diferente.

Com a presidência do PSDB na mão, Alckmin é um dos "players". Não há por que não imaginar que ele não estará no segundo turno, ele é o franco favorito a ter mais tempo de rádio e TV.

[França desliza o celular em sua direção, sobre a mesa de seu gabinete. Então mostra uma cartografia dos resultados das últimas eleições no Brasil: um país representado de vermelho no Norte e Nordeste, onde o PT tem a maioria dos votos, e azul no Centro-Oeste, Sul e Sudeste, onde o PSDB tem a preferência. Sua tese é que, para vencer a eleição, os tucanos precisam aumentar a vantagem no Nordeste, mais petista.]

Eliminando-se Bolsonaro pelo tempo de TV, fica entre PT e PSDB. Possivelmente, sem o Lula –o mais provável é que o PT indique o Jaques Wagner [ex-governador da Bahia], que é de um Estado grande e tem um sucessor. O eleitor tende a votar no candidato do seu Estado. Assim como no Ceará, a tendência é de se votar num candidato do Ciro. A margem que sobra [de votos] na Bahia e no Ceará é pequena, então o foco fica em Pernambuco.

• Que é onde o PSB tem força.

Tem força. Desde o início, o governador de alguma forma anteviu isso. Ele é uma pessoa discreta e estudiosa.

O PT sob o peso de sua história: Editorial/O Estado de S. Paulo

O cronograma eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) está atrasado, mostrou reportagem do Estado. Nas eleições passadas, neste período do ano, a legenda já tinha definido, ainda que informalmente, os nomes da coordenação da campanha, responsáveis pelas articulações políticas. Neste ano, até agora a legenda informou apenas que Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, será o coordenador do programa de governo. Ainda não se sabe, por exemplo, quem assumirá a coordenação-geral da campanha. Há quem diga que a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) exercerá a função. O partido informa, no entanto, que, até o momento, não há definição.

Questionado a respeito do atraso no cronograma, o PT afirmou que a montagem da equipe de campanha entrará no foco a partir do dia 25 de janeiro, um dia após a data marcada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região para o julgamento em segunda instância de Lula da Silva. O presidente de honra do PT tenta reverter a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Caso se confirme o veredicto condenatório, Lula da Silva ficará inelegível, conforme dispõe a lei. “São inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”, fixa a Lei Complementar 64/90, de acordo com a redação final dada pela Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa.

A conta do Estado do bem-estar: Editorial/O Estado de S. Paulo

O Estado do bem-estar social, criado pela Constituição de 1988, consome tantos recursos quanto seus equivalentes em países desenvolvidos. No entanto, os serviços oferecidos aos cidadãos diferem visivelmente, e qualquer paciente de hospital público ou aluno da rede pública no Brasil intui logo que não está na Noruega – exemplo de Estado do bem-estar social que consegue ser muito mais eficiente que o brasileiro gastando menos em relação ao PIB.

A explicação para essa distorção, dada pelo secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, ao jornal Valor, é apenas uma: o rombo da Previdência, que drena os recursos que deveriam financiar educação, saúde e outras necessidades sociais. Assim, é espantoso que alguns dos mais barulhentos defensores da manutenção do Estado do bem-estar social estejam igualmente na vanguarda da defesa do atual sistema previdenciário, que é deficitário porque estimula aposentadorias precoces e porque privilegia escandalosamente a elite do funcionalismo público. Essa situação traz graves prejuízos para o conjunto dos contribuintes, em vários aspectos.

O problema mais imediato é a necessidade de recorrer ao dinheiro dos impostos para cobrir o rombo da Previdência, que em 2017, até outubro, alcançou R$ 257 bilhões, 12% superior ao déficit de 2016. Um levantamento feito pela Folha de S.Paulo mostra, por exemplo, que em 2017, até outubro, cada servidor civil da União aposentado recebeu dos contribuintes incríveis R$ 63,3 mil, dinheiro que deveria ter sido destinado a outros fins – e o que não falta, no Brasil, são setores importantes carentes de recursos. Os impostos cobrem o déficit dos sistemas previdenciários público e do INSS, mas os grandes destinatários são mesmo os servidores inativos – os da União recebem 13 vezes mais do que os aposentados pelo INSS, enquanto os dos Estados ganham 8 vezes mais. Assim, está mais do que evidente que uma reforma da Previdência, para ser efetiva, deve atacar essa distorção.

Aumenta necessidade da reforma tributária: Editorial/O Globo

Trata-se de ponto nevrálgico para o futuro do país, por aprimorar carga tributária, distribuição de renda, capacidade de investimento do Estado e competitividade externa

O termo “custo Brasil” deixou de ser citado com frequência, mas o que ele significa jamais perdeu a importância, porque não se trata apenas de tornar o país atraente a investimentos, com a consequente criação de empregos e renda, mas impedir retrocessos no parque produtivo.

No tema, é referência a virada radical — e necessária — dada pela Alemanha, em 2003, sob o governo do social-democrata Gerhard Schröder, com o Plano 2010. Numa Europa em aceleração do processo de unificação econômica, já começando a englobar países do Leste, do ex-bloco soviético, o “custo Alemanha” incentivava a emigração de fábricas para países como a Polônia. A China também atraía linhas de produção, e não só alemãs.

Por isso, contra a visão ideológica clássica da social-democracia, Schöreder conseguiu viabilizar politicamente uma reforma trabalhista e previdenciária que lançou as fundações da Alemanha que resistiu à crise mundial e se firmou como a mais importante economia europeia, e umas das mais eficientes do planeta.

Segunda divisão: Editorial/Folha de S. Paulo

Diante do novo rebaixamento da nota de crédito brasileira, nenhum observador da economia nacional terá se chocado com outro lembrete de que o Orçamento do governo não só continua a se deteriorar como padece de males crônicos.

No curto prazo, não se trata de muito mais que um alerta, de resto ocioso. Mas, num eventual momento futuro de turbulência, o país estará fragilizado.

São mais do que sabidos os motivos pelos quais a agência Standard &Poor's considerou que o Brasil é hoje uma escolha mais arriscada para investimentos.

A dívida pública permanece em alta contínua, tendo atingido o equivalente a 74% do Produto Interno Bruto pelos critérios do Banco Central (na metodologia do Fundo Monetário Internacional, 82%). É o maior patamar entre as principais economias emergentes.

Tal escalada só será contida dentro de alguns anos, à medida que a receita de impostos cresça e a despesa federal se mantenha congelada, conforme o teto inscrito na Constituição. Este, porém, só será viável com a reforma da Previdência, hoje aposta incerta.

Se é verdade que herdou um caixa destroçado, o governo Michel Temer (MDB) também cometeu erros que ora tornam ainda mais difícil a administração das contas.

Ainda em 2016, estimou de modo imprudente que haveria aumento da arrecadação. A seguir, concedeu alegremente reajustes salariais generalizados aos servidores.

Carlos Drummond de Andrade: Lembrete

Se procurar bem você acaba encontrando.
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.