domingo, 24 de junho de 2018

Roberto Romano*: A sacralidade (paga pelo contribuinte) do STF

- O Estado de S.Paulo

Temos aí a síntese de temas examinados pela sociologia da forma estatal

Em editorial recente o Estado discutiu um ato do Supremo Tribunal Federal (STF) que ainda não foi devidamente discutido. Desde o título temos materiais para a diagnose do sistema estatal brasileiro: As celebridades do STF (9/6, A3). Após citar o aluguel de sala exclusiva para espera, embarque e desembarque dos magistrados no aeroporto brasiliense (ao custo de reais aos milhares), o autor do texto não mastiga palavras: “Agora, o STF tem não apenas uma área reservada para seus ministros, mas há um procedimento de embarque exclusivo. Acham melhor não se misturar com o povo. Contato com o populacho, só por intermédio das ondas esterelizadoras da televisão e do rádio oficiais”.

Temos aí a síntese de temas examinados pela sociologia da forma estatal. Desde a modernidade notamos um esforço para pensar o desempenho dos que operam o Estado em cenas trágicas ou bufas. Um livro que no Brasil teve pouco sucesso de venda expõe a lógica de quem manipula instituições e representa papéis diante das massas boquiabertas. Refiro-me ao volume de Richard Sennet O Declínio do Homem Público. Hoje os indivíduos, grupos, corporações desejam manter uma existência “íntima” no mesmo átimo em que brilham diante dos olhos populares. Impossível manter a contradição durante longo tempo. Logo, são ordenadas medidas para salvar a própria intimidade segundo a força econômica, política, social de cada setor. Celebridades que só atingem fama graças aos admiradores, paradoxalmente, fogem dos paparazzi que lhes dão renomada.

Volto ao texto do Estado: os juízes do STF gostam de aparecer nas telas, revistas, jornais. E são conhecidos por multidões que os admiram ou detestam. E tudo fazem para ter sua face lembrada. Entreveros no plenário ajudam. Como no telecatch examinado por Roland Barthes (Mitologias), temos no STF lutadores. Uns representam o Bem e outros, o absoluto Mal. A perversão e a bondade são reversíveis: os insultos voltam como bumerangues, fazem rir do herói, ontem trágico. Num processo o juiz desempenha o bom moço, mas noutro é execrado pelos pares ou pela plateia.

Bruno Boghossian: Disputando no escuro

- Folha de S. Paulo

Presidenciável quer evitar debates na TV e expõe divergências com seu economista

Jair Bolsonaro (PSL) não quer participar de debates no primeiro turno. O presidenciável também se recusa a discutir sua proposta de reforma tributária e diz que não vai mostrar o pacote de medidas econômicas preparado por sua equipe, “para não levar pancada por aí”.

Faltam 105 dias para a eleição, e o candidato que lidera boa parte das pesquisas ainda é um enigma. Bolsonaro ganhou o selo do livre mercado sem esforço, graças a sua aliança com economistas liberais, mas seu comportamento na corrida indica que ele esconde algumas surpresas.

Dissonâncias entre o candidato e seu guru Paulo Guedes se tornaram mais evidentes nos últimos meses. Em abril, o economista indicou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que Bolsonaro resistia a defender uma reforma da Previdência mais dura durante a campanha.

“Pô, Paulo, você faz o que quiser depois, mas se eu fizer isso, nem chego lá. O Lula está falando que vai mexer na Previdência? O Alckmin?”, disse Bolsonaro, segundo Guedes.

Vera Magalhães: PT preso a Lula

- O Estado de S.Paulo

Partido que venceu últimas quatro eleições não consegue apresentar uma ideia para o País

Pouco antes de ser preso, numa das cenas da narrativa épica em que tentou transformar o que, na verdade, era uma derrota sem precedentes, Lula cunhou a frase segundo a qual não era mais uma pessoa, mas uma ideia. Passados mais de dois meses de sua prisão, não houve comoção nacional, minguou a vigília, as tentativas de levar a sua soltura fracassam uma a uma e o PT, seu partido, segue preso à pessoa de Lula, sem uma única ideia a apresentar ao País.

Os debates presidenciais já começaram, a despeito do calendário eleitoral oficial ter sido propositalmente empurrado para a frente. Pré-candidatos reais e figurativos se revezam em encontros com associações, entrevistas e sabatinas de imprensa e ocupam as redes sociais com estratégias políticas e esboços de propostas.

Instados por jornais, portais, rádio e emissoras, expõem aos eleitores ainda muito céticos suas propostas para temas cruciais para o Brasil, como reforma da Previdência, reforma tributária, educação, segurança pública e ajuste fiscal.

O PT, por vontade própria, insiste em se ausentar deste debate. O partido que venceu as quatro últimas eleições presidenciais no País não consegue formular um programa com o qual se apresentar de novo ao eleitor depois do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de seu maior líder.

Insiste ad infinitum na tese segundo a qual foi vítima de um golpe envolvendo o Supremo Tribunal Federal, as duas Casas do Congresso, quase todos os partidos, a imprensa, as demais instâncias do Judiciário, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e quantas mais instituições houver. Haja perseguição!

Míriam Leitão: Ciro e o tempo

- O Globo

Ciro Gomes chega à terceira disputa presidencial confirmando certos defeitos e algumas qualidades. Continua sendo um atirador a esmo, como mostrou nos últimos dias quando mirou em um vereador de primeira legislatura. O tempo não conteve seu temperamento. Ele tem se preparado para o cargo e pode mostrar bons trunfos como gestor, mas suas ideias econômicas permanecem com muitos equívocos.

No Ceará, Ciro e depois seu irmão Cid, como governadores, fizeram uma revolução na educação e, curiosamente, ele tem falado pouco disso. Hoje são inúmeras as cidades cearenses que constam entre as mais bem avaliadas nos anos iniciais e finais do ensino médio. Em Sobral, onde ele foi prefeito, há várias escolas com as melhores avaliações. Esse bom desempenho se espalhou pelo estado. No excruciante problema da educação, há um caminho que passa pelo Ceará no fundamental, como há um caminho que passa por Pernambuco no ensino médio. Sei de visitar escolas nos dois estados.

Na economia, o ex-ministro da Fazenda continua confuso e com propostas mal explicadas. A ideia que ele defende de estabelecer um teto para o gasto com a dívida é a mais perigosa das que já defendeu nesta campanha. Segundo ele, seria um mecanismo parecido com o que existe nos Estados Unidos. Lá quando bate no teto, como se viu, ou o Congresso o eleva ou o governo fecha as portas. Mas o que espanta é ele não ter entendido ainda o que é ser emissor da moeda mais desejada do mundo, e da dívida que mais atrai investidores, e ser um país que sequer tem grau de investimento. Ao mesmo tempo que diz que sabe que a dívida é a poupança dos brasileiros, Ciro aproveita as entrevistas para defender a ideia, fácil e errada, de que os juros da dívida pública são pagos apenas aos banqueiros. Foi exatamente desse erro que o PT fugiu quando quis se tornar viável em 2002. Tantos anos depois, Ciro comete o mesmo equívoco. Limite para pagamento do serviço da dívida pode ser o primeiro passo para um calote.

Merval Pereira: O futebol como metáfora

- O Globo

A seleção de futebol da Rússia está prestes a se classificar para as oitavas de final da Copa do Mundo, o que só aconteceu em 1986, quando ainda existia a União Soviética. E já superou um tabu, pois nunca vencera duas vezes seguidas em uma Copa. A festa pelas ruas de Moscou ou São Petersburgo é muito mais simbólica do que em qualquer outra edição da Copa do Mundo, pois os russos, além de estarem no centro das atenções de bilhões de pessoas pelo mundo, com a realização de uma Copa do Mundo até aqui impecável como organização, reafirmam com a atuação da antes desacreditada seleção de futebol a reconquista do orgulho nacional.

Há uma explicação histórica para tal, a alma russa se impõe nas comemorações. Para o historiador russo Dmitri Trenin, do Carnegie Moscow Center, que antes de se juntar a esse prestigioso think tank serviu por 21 anos no Exército soviético e nas forças terrestres de segurança da Rússia, aposentando-se como coronel, o povo russo sofreu muito ao longo do século XX: “Dificilmente outros povos terão sofrido tanto”, definiu ele em recente palestra no Centro Brasileiro de Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI).

O povo russo, na concepção do especialista, se percebe como “um grande país solitário”. Faz fronteira, de um lado, com a Noruega e de outro com a Coréia, inúmeras etnias e idiomas, é a maior área geográfica do planeta e se sente traído pela União Européia, que atraiu seus ex-satélites.

Trenim resume assim os anos de sofrimento: “Convulsões sociais na alvorada do século, Primeira Guerra, 70 anos de regime comunista, única grande experiência humana no marxismo que naufragou depois de muito sacrifício de seu povo, Stalin, Segunda Guerra com 28 milhões de mortos, mais Stalin, fim da URSS, perda de suas repúblicas”.

Para ele, a ambição original pós-comunismo era uma integração com União Européia, desde a reunificação da Alemanha em 1990. O único pleito russo, feito por Shevardnadze a Kohl, da Alemanha, foi não crescer a OTAN. Apesar do compromisso, com Bush o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) cresceu muito. Os russos se sentiram isolados e traídos, ressalta Dmitri Trenin.

Marcos Lisboa: Parlamento

- Folha de S. Paulo

Há o risco de discutirmos só a sucessão presidencial e nos esquecermos dos outros candidatos

O nosso presidencialismo mudou. Sem plebiscito ou emenda constitucional, o Brasil tornou-se um quase parlamentarismo.

A Constituição de 1988 concedeu ao presidente imensos poderes, como o de editar medidas provisórias com força de lei que podiam ser reeditadas sem qualquer restrição. O ministro da Casa Civil talvez fosse mais importante do que a liderança da Câmara.

Não mais. As medidas provisórias agora têm prazo de validade e são extintas caso não sejam aprovadas em 120 dias pelo Parlamento. O Orçamento público tornou-se impositivo, devendo ser cumprido pelo Executivo. Foi-se o tempo em que se bastava eleger o presidente para determinar os rumos do governo.

Nossas leis determinam gastos públicos que ultrapassam 100% das receitas correntes. O novo governo precisará do apoio do Congresso para reduzir seus gastos ou propor aumentos de tributos para evitar o crescimento explosivo da dívida.

Aprovar mudanças na legislação requer, em princípio, maioria simples do Congresso. Nas últimas décadas, entretanto, nossos parlamentares transformaram as principais políticas públicas em emendas constitucionais. Reformá-las exige a aprovação por parte de 60% da Câmara e do Senado.

O presidente ainda decide sobre nomeação de cargos, o que garante algum poder de persuasão, mas cada vez menor com as novas leis, como a das estatais, que restringem as nomeações políticas. O controle da sociedade sobre a escolha de ministros também tem evitado algumas nomeações típicas do Brasil Velho.

Samuel Pessôa: Economia política do teto dos gastos

- Folha de S. Paulo

Sem o teto e se não aceitarmos a volta da inflação, será necessário elevar a carga tributária

Têm sido correntes entre os candidatos críticas à emenda que estabeleceu que o gasto primário da União não pode, por dez anos a se iniciarem em 2017, crescer a velocidade superior à alta da inflação.

Considera-se que, se o gasto suplantar o teto constitucional estabelecido, a emenda terá fracassado.

Esse entendimento está errado. A força da emenda constitucional que estabelece um limite ao crescimento do gasto primário vem da elevadíssima probabilidade de o teto ser rompido, caso não sejam feitas reformas importantes nas regras que determinam o crescimento da despesa obrigatória. Se não houvesse possibilidade de rompimento, a emenda não seria necessária.

Explico-me: a função da chamada emenda do teto é levar a uma profunda discussão do Orçamento com a redução gradual da despesa primária (em percentual do PIB) para que o país consiga fazer o ajuste fiscal.

Adicionalmente, a própria emenda estabelece regras de ajuste compulsório da despesa pública caso o gasto público ultrapasse o limite.

Nesse caso, não será possível aumentar salários de servidores públicos, elevar o salário mínimo real, contratar novos servidores além do necessário para repor os que se aposentam, renovar ou ampliar programas de isenção de impostos (como atualizar a tabela do Imposto de Renda ou elevar o nível para enquadramento de uma empresa no regime tributário especial do Simples), criar despesas obrigatórias etc.

Estamos no meio de fortíssimo conflito distributivo. A dívida pública de mais de 70% do PIB e a carga tributária de 33% do PIB são elevadas para um mercado emergente. Por outro lado, tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que reduzam o gasto público, como a reforma da Previdência. Também tem sido muito difícil aprovar no Congresso medidas que elevem a carga tributária.

Rolf Kuntz*: Um desastre muito maior que a crise do transporte

- O Estado de S.Paulo

Esqueceram o Brasil ao cuidar da crise dos caminhoneiros

Esqueceram o Brasil ao cuidar da crise dos caminhoneiros. O cartel do transporte, um monstrinho gerado no Palácio do Planalto, nem começou a funcionar plenamente, mas os brasileiros continuam pagando a conta, com preços mais altos, trava na atividade econômica e nova sangria no Orçamento federal. O efeito inflacionário pode ter sido passageiro, mas outros danos serão com certeza duradouros. O custo final é um mistério. A tabela de fretes criada pela Medida Provisória (MP) 832/18 deve ser consagrada em lei na primeira quinzena de julho. A votação deve ser completada no dia 11, segundo previsão divulgada pelo Congresso. Será a legalização de um cartel, mas quantos, em Brasília, se preocupam com detalhes tão desprezíveis?

Um parecer equilibrado foi prometido pelo relator da MP, deputado Osmar Terra (MDB-RS). É preciso, segundo ele, dar o peso adequado aos interesses dos caminhoneiros e das transportadoras. “Temos de buscar um acordo do tipo ‘ganha-ganha’, que não beneficie só um lado ou outro”, disse o relator, segundo informação publicada no portal da Câmara. Poderá ser um acordo “ganha-ganha” para os participantes do cartel. Para os brasileiros ficarão os custos. O acordo, dirão os defensores do governo, foi negociado para evitar uma paralisação mais longa e mais prejudicial a todos. Acredite nisso quem tiver suficiente boa vontade.

A história é obviamente outra. De fato, a autoridade cedeu a uma extorsão, quando podia ter reagido. Ao se livrar do problema, deixou em segundo plano os interesses da maior parte da população e também a legalidade, violada com o bloqueio das estradas.

Ricardo Noblat: O direito de Bolsonaro ao silêncio

- Blog do Noblat

O candidato que prega o confronto tem medo de debates

O líder das pesquisas de intenção de voto sem Lula, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) cogita não comparecer a debates no rádio e na televisão com os demais candidatos à sucessão do presidente Michel Temer. E por isso já começou a ser duramente criticado.

Ora, ele tem esse direito. Não será o primeiro candidato a presidente ou a qualquer outro cargo importante a fugir de debates. Até Lula já fugiu em 2006 quando foi candidato à reeleição – e venceu. Dilma também fugiu em 2010 e em 2014, e venceu.

No caso de Bolsonaro não será novidade. Ele evita até mesmo a conceder entrevistas. Alega que a mídia o persegue e só lhe deseja fazer mal. Convidado a expor suas ideias para plateias com o direito de lhe fazer perguntas, costuma faltar.

Candidatos procedem assim por cálculo político. Uns porque estão demasiadamente na frente das pesquisas e temem darem-se mal nos debates. Outros porque detestam correr riscos. Candidatos nanicos, esses não perdem um debate. São os mais assíduos.

De fato, Bolsonaro teme o confronto não por que lidera as pesquisas apenas, mas porque é um despreparado. Não sabe o que dizer sobre os principais problemas do país. Não sabe dizer como governaria. Na maioria das vezes, o que diz não resistiria ao contraditório.

Luiz Carlos Azedo: A decantação da Lava-Jato

- Correio Braziliense

A divisão no Supremo Tribunal Federal (STF) entre “garantistas” e “punitivistas”, revela um choque de concepções jurídicas que veio para ficar

Está em curso a decantação da Operação Lava-Jato, com reflexos na disputa eleitoral deste ano. Embora sejam dois processos distintos, têm um ponto de convergência: a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e 1 mês de reclusão em regime fechado.

Decantação é um processo da separação de substâncias líquidas ou sólidas que não devem ser misturadas. É o método utilizado para tratamento de esgoto e retirada das impurezas da água. Um processo simples, quase natural: a decantação ocorre devido à diferença da densidade e da solubilidade entre substâncias heterogêneas. No caso de dois líquidos – a água e o óleo, por exemplo —, a substância com maior densidade (óleo) tende a se acumular sob a menos densa (água).

A decantação também é usada para separar líquidos de sólidos, como a água e a areia. Em repouso, a força da gravidade fará pouco a pouco que as substâncias estejam visivelmente separadas. Também é possível acelerar esse processo. A centrifugação, por exemplo, faz com que a força da gravidade atraia a substância mais densa para o fundo do recipiente, como acontece com as roupas numa máquina de lavar.

No caso dos políticos com mandato envolvidos na Operação Lava-Jato, a decantação começou no Supremo Tribunal Federal (STF) com a absolvição da presidente do PT, Gleisi Hoffman, e o marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, por insuficiência de provas, pela segunda turma da Corte. Todos os ministros do chamado “Jardim do Éden” votaram contra a condenação por formação de quadrilha e corrupção passiva. O ministro-relator da Lava-Jato, Edson Fachin, porém, pediu a condenação da presidente do PT por falsidade ideológica (crime de caixa dois), mas foi acompanhado apenas por Celso de Mello, num voto de 100 páginas. Votaram contra a condenação os ministros Ricardo Lewandowski, presidente da turma, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

A decisão aparta as delações premiadas das provas do processo; ou seja, decanta as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra os políticos baseadas na delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. E deve servir de base para a jurisprudência do tribunal que norteará os demais julgamentos de envolvidos na Lava-Jato, principalmente os com direito a foro privilegiado.

Há cheiro de manjericão e orégano no ar, mas ainda não há pizza. Tudo vai depender das decisões do pleno do STF, no qual o voto derrotado de Celso de Mello pode servir de fio da meada para uma nova jurisprudência. Se o julgamento fosse na primeira turma, apelidada de “câmara de gás”, não haveria nenhuma surpresa se o resultado fosse o inverso e Gleisi acabasse condenada por uso de caixa dois. O plenário do Supremo terá que se pronunciar caso a caso, examinando as provas de cada acusação, daí a decantação.

Bernardo Mello Franco: O último sobrevivente

- O Globo

Os golpistas já festejavam a vitória quando Waldir Pires se sentou pela última vez diante de sua Olivetti no Palácio do Planalto. Aos 37 anos, o advogado baiano era responsável pela forma jurídica de todos os atos do governo João Goulart. Na madrugada de 2 de abril de 1964, ele escreveu que o presidente havia voado para o Rio Grande do Sul, onde permanecia “à frente das tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais”.

O senador Auro de Moura Andrade ignorou a mensagem e declarou vaga a Presidência. Waldir tentou resistir no palácio com Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil. Às duas da manhã, ao ver os militares cercando a área, interpelou o comandante militar do Planalto, Nicolau Fico: “Mas general, o senhor traiu o presidente?”. Menos diplomático, Darcy chamou o oficial de “gorila”. Os dois se mandaram antes que fossem presos.

Nas 36 horas seguintes, Waldir e Darcy viveriam uma aventura de cinema. A primeira tentativa de sair de Brasília fracassou. A dupla quis embarcar num avião da FAB, mas foi informada de que a frota já estava sob comando dos golpistas. “Doutor Waldir, o que o senhor está fazendo aqui?”, surpreendeu-se um major. “Saia logo. Se virem o senhor, vão prendê-lo”, avisou.

No dia 3, o deputado Rubens Paiva começou a montar uma operação para levar os aliados até Porto Alegre. Na madrugada do dia 4, os dois rastejaram pela cabeceira da pista e correram até um monomotor. A torre tentou barrar a decolagem, mas Darcy obrigou o piloto a partir.

Na escala em Mato Grosso, outras más notícias. O combustível não chegou, e a aeronave teve que ser reabastecida com gasolina de caminhão. Pelo rádio, Waldir e Darcy souberam que a resistência havia fracassado. Jango estava em Montevidéu, era preciso mudar a rota para o Uruguai. Na tarde do dia 5, a poucos quilômetros do destino, os viajantes enfrentaram uma tempestade. O piloto precisou forçar o pouso no meio de um rebanho de ovelhas, conta Emiliano José no recém-lançado “Waldir Pires: A Biografia”.

Waldir era o último sobrevivente entre os dez primeiros cassados pela ditadura — a lista incluía Prestes, Jango, Jânio, Brizola, Darcy e Arraes. Mais tarde, seria governador da Bahia, deputado e ministro da Previdência, da CGU e da Defesa. Morreu na sexta-feira, aos 91 anos.

PPS lamenta morte do ex-governador da Bahia Waldir Pires

O presidente do PPS, Roberto Freire, divulgou nota pública (veja abaixo) lamentando a morte do ex-governador da Bahia, Waldir Pires, aos 91 anos, nesta sexta-feira (22), em Salvador.

Ele teve intensa atuação política no Legislativo e Executivo. Foi deputado estadual, em 1954, e deputado federal em 1958, quando atuou como vice-líder do governo Juscelino Kubitschek. Foi governador da Bahia, entre 15 de março de 1987 e 14 de maio de 1989, e voltou novamente à Câmara Federal, nos períodos 1990-1994 e 1999-2003.

Para o PPS, a “Bahia e o Brasil perderam, no dia de hoje, um modelo de político e de homem público, com formação intelectual e acadêmica das mais destacadas”.

“Perda de um político de rica trajetória
A Bahia e o Brasil perderam, no dia de hoje, um modelo de político e de homem público, com formação intelectual e acadêmica das mais destacadas, o cidadão Waldir Pires, vítima de uma parada cardiorrespiratória, aos 91 anos de idade, em um hospital, em Salvador.

Ele dedicou a sua rica e enriquecedora vida à política e à atividade pública, tendo exercido mandatos populares os mais diversos, e cargos públicos os mais importantes. Foi eleito deputado estadual, em 1954, e deputado federal em 1958, quando atuou como vice-líder do governo Juscelino Kubitschek. 

Foi governador do seu querido Estado natal, entre 15 de março de 1987 e 14 de maio de 1989, e voltou novamente à Câmara Federal, nos períodos 1990-1994 e 1999-2003, quando tivemos uma fraterna convivência, e sua última atividade parlamentar foi como vereador de Salvador, entre fevereiro de 2013 e dezembro de 2016.

Em termos de cargos públicos, em 1950, aos 24 anos, foi secretário de Estado da Bahia durante o governo de Pacheco Pereira. No mesmo ano, casou-se com Yolanda Avena Pires, falecida em 2005. 

Em 1963, foi escolhido pelo governo João Goulart para o cargo de consultor-geral da República. Com o golpe militar de 1964, deixou o país, aqui retornando após seis anos no exílio, sendo impedido de exercer atividade política, sofrendo perseguições e tendo dificuldades para se empregar. Nesse período, dedicou-se ao trabalho à frente de uma pedreira. Até que em 1978, com o fim do AI-5, recuperou seus direitos e retomou suas atividades políticas.

Destaque-se que ele chegou a ser Ministro de Estado do Controle e da Transparência da Controladoria-Geral da União (em 2003), e Ministro da Defesa (entre 31 de março de 2006 e 25 de junho de 2007), no Governo Lula, e que, além das funções políticas, foi coordenador dos Cursos Jurídicos da Universidade de Brasília (UnB), onde também ensinou Direito Constitucional.

Homem simples, de caráter impoluto (nunca em sua longa trajetória cometeu qualquer deslize de malversação de recursos públicos), era um lúcido combatente pelos ideais da democracia, de um país republicano, sem as absurdas diferenças sociais existentes entre os cidadãos brasileiros.

Em meu nome pessoal, e em nome do Diretório Nacional do Partido Popular Socialista, lamento a imensa perda desta figura exemplar e cuja trajetória nos ilumina na continuidade da nossa batalha, que era também a sua, por um Brasil cada vez melhor, e transmito aos seus familiares nossas fraternas condolências.

Brasilia, 22 de junho de 2018

Roberto Freire
Presidente Nacional do PPS“

Vinicius Torres Freire: País ama e odeia Copa, Neymar e o 7 a 1

- Folha de S. Paulo

Datafolha mostrou desinteresse pela Copa, mas jogos batem recordes de audiência

Desde 1994, o desinteresse pela Copa não era tão grande, disseram os brasileiros ao Datafolha neste mês: 53% afirmavam não ter interesse algum pelo Mundial.

Teria mudado o Natal ou mudamos nós, para emendar o sonetinho de Machado de Assis? O país do futebol não é mais? Ou apenas estamos fulos e fartos de tanto 7 a 1, na política, na economia e, por tabela, até no futebol?

Na manhã da sofrência de sexta-feira (22) contra o time da Costa Rica, 82% das TVs ligadas mostravam o jogo pela Globo, na Grande São Paulo; no Rio, 85%. A TV por assinatura não entra na conta. Foi a maior audiência desde 2006, quando os recordes foram um final de novela e o jogo entre Brasil e França pela Copa daquele ano.

Embora os dados não sejam comparáveis, parece haver uma bola dividida aí.

Por vezes, uma resposta a pergunta de pesquisa de opinião expressa preocupação com algo diferente. Por exemplo, a expectativa de alta de preços que aparece nas pesquisas do Datafolha nem sempre reflete temor real quanto à inflação, mas ansiedade com o noticiário de crises políticas, motivo de medo de que a vida piore em geral.

Cacá Diegues: Um craque barroco

- O Globo

Por motivos às vezes muito diferentes uns dos outros, Garrincha, o mais original de todos os nossos jogadores de futebol, foi sempre equivocadamente mitificado pela imprensa, pelos especialistas e pelos torcedores.

Tratado como exemplo sublime de nossa inocência e generosidade como povo, alguns talentosos jornalistas esportivos e, depois, quase todos os brasileiros de seu tempo o consideraram o suprassumo da simplicidade e do desligamento do que há de mau no mundo.

Uma verdadeira alma de passarinho, como os passarinhos com que, dizia-se, ele convivia nas matas de Pau Grande, onde nascera e morava, nas montanhas vizinhas ao Rio de Janeiro.

E, no entanto, extraordinário jogador de futebol, craque consumado em qualquer posição que jogasse, numa pelada ou no Maracanã, Garrincha fazia, da ponta direita em que jogava, um matadouro de adversários perplexos, incapazes de evitar, não apenas seus dribles imprevistos e nunca vistos, mas também a desmoralização que ele os fazia sofrer, sempre com um sorriso se armando nos lábios e a ginga desmoralizante de seus largos quadris e pernas tortas.

Garrincha foi o mais cruel jogador de futebol para quem o tentasse marcar, para quem estivesse à sua frente. Seus contemporâneos lembram certamente um amistoso contra a Itália, jogado em Milão, na preparação da seleção brasileira para o campeonato mundial de 1958, o primeiro do qual saímos campeões, na Suécia. Garrincha disputava a posição com Joel, ponteiro aplicado do recente tricampeonato carioca do Flamengo, conquistado no início daquela década.

E era Joel, clássico ponteiro de muitas qualidades, o preferido da torcida, da imprensa e da moderna comissão técnica. A favor de Garrincha, estavam apenas os visionários do futebol brasileiro, que sabiam que craques como ele e Pelé eram o emblema de uma nova geração de um novo futebol. Pois naquela noite, em Milão, mesmo disputando uma partida que seria seu teste final para ocupar um lugar na seleção, Garrincha irritava, com o que fazia em campo, todos os dirigentes conservadores da então CBD.

PSDB isola MDB e prioriza outros aliados nos estados

DEM, PSD e PP são tratados como parceiros prioritários por Alckmin

João Pedro Pitombo | Folha de S. Paulo

SALVADOR - No momento em que potenciais aliados como DEM e PP flertam com a candidatura de Ciro Gomes (PDT), o PSDB faz uma contraofensiva em prol do presidenciável Geraldo Alckmin por meio da costura de palaques nos estados.

Diferentemente de 2014, quando teve o MDB como seu principal aliado nas eleições estaduais, os tucanos neste ano terão DEM, PSD e PP como parceiros prioritários.

Faltando cerca de um mês para as convenções partidárias, o PSDB caminha para apoiar candidatos desses três partidos em sete estados.

Os tucanos fecharam apoio ao DEM na Bahia, Pará e Amapá, ao PP no Paraná e no Acre e ao PSD no Amazonas e no Rio Grande do Norte.

Para consolidar essas alianças, o PSDB abriu mão de candidaturas próprias em estados que eram governados pelo partido, como no Pará e no Paraná, e retirou pré-candidaturas, caso da Bahia.

“É um movimento natural. Os diretórios locais têm relativa autonomia para definir suas alianças. Não há nenhuma camisa de força ou diretriz única”, afirma o secretário-geral do PSDB, deputado Marcus Pestana (MG).

Mesmo dando liberdade aos estados, Alckmin e o coordenador político da campanha, Marconi Perillo, atuam diretamente nas negociações.

No cenário atual, o DEM já o campeão em parcerias com o PSDB: os dois partidos estarão no mesmo palanque em pelo menos dez estados.

Alckmin diz que vice deve ser do Nordeste e de outro partido

Tucano faz aceno ao DEM para garantir apoio do partido a sua candidatura

Bruno Boghossian | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, afirmou neste sábado (23) que é "natural" que o vice em sua chapa seja um político do Nordeste e que seja indicado por outro partido.

A declaração foi interpretada por aliados como um aceno ao DEM, que ainda não definiu como caminhará na eleição deste ano. Um dos cotados para a vaga de vice de Alckmin é o deputado Mendonça Filho (DEM-PE).

"É natural que o vice venha do Nordeste e que não seja do PSDB. Deve ser escolhido pelos nossos partidos aliados", declarou Alckmin em Campina Grande (PB).

O ex-governador ressaltou que o Nordeste é a segunda maior região do país em número de eleitores. Mais de um quarto dos votos são disputados naqueles nove estados.

Alckmin aparece com apenas 2% das intenções de voto no Nordeste, atrás de Jair Bolsonaro (PSL), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede).

Ao indicar disposição para a escolha de um vice da região, o tucano também tenta fazer frente às negociações do DEM com Ciro, que foi governador do Ceará.

Os democratas estiveram com o pedetista e com Alckmin em Brasília nos últimos dias. Parte dos dirigentes do DEM no Nordeste vê com bons olhos uma aliança com Ciro.

Quem é o eleitor de Alckmin

Pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin tem melhores resultados nas pesquisas entre eleitores ricos, que ganham mais de dez salários mínimos, e moradores do Sudeste, onde o seu partido tem mais força política

Universo Alckmin

- O Globo

-RIO, SÃO PAULO, BELO HORIZONTE, NATAL E PORTO ALEGRE- Estagnado com 7% das intenções de voto para presidente e com dificuldade de costurar alianças, Geraldo Alckmin (PSDB) é um dos poucos pré-candidatos ao Planalto que têm desempenho homogêneo entre diferentes faixas etárias e de renda nas pesquisas do Datafolha.

Ainda assim, a parte mais significativa do eleitorado do ex-governador de São Paulo está concentrada nas camadas mais ricas da população, que têm renda igual ou acima de dez salários mínimos.

Nesse universo da população que vai às urnas em outubro, o tucano tinha 10% das intenções de voto na última pesquisa Datafolha, divulgada em junho. Geraldo Alckmin também se destaca na Região Sudeste, onde chega a alcançar 11% da preferência — reflexo claro do eleitorado de São Paulo e Minas Gerais, estados em que o PSDB tem histórico de boas votações.

O advogado carioca Roberto Gonçalves, de 40 anos, está no grupo que registra mais apoio ao tucano. Para ele, Alckmin tem perfil moderado, e isso seria o ideal para o momento político do país.

— Eu votei nele em 2006, e o Alckmin me parece a opção mais ponderada para este ano também. Temos candidatos muitos extremados, dos dois lados — analisa o advogado.

A funcionária pública de Minas Gerais Adriana Carvalho, de 45 anos, acredita que Geraldo Alckmin reúne integridade e experiência, atributos fundamentais para um presidente.

— Ele sempre mantém a responsabilidade fiscal — afirma Adriana.

Contra Alckmin, no entanto, ainda pesa uma alta taxa de rejeição entre os eleitores. O índice negativo do candidato alcançou 25% na última pesquisa — ou seja, um quarto dos eleitores não votariam nele de modo algum. Apenas o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os pré-candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Collor (PTC) têm índices piores que Alckmin.

Luciano Ferreira*, Tiago Aguiar*, Aura Mazda**, Fábio Corrêa** e Patrícia Comunello** opais@oglobo.com.br

(*Estagiários sob supervisão de Flávio Tabak e Leandro Loyola. **Especial para O GLOBO)

‘Você não muda as lideranças por decreto’, diz José Serra

PSDB faz 30 anos nesta semana e o senador comenta, ao Estado, falta de novos quadros: 'renovar não é uma decisão', diz

Adriana Ferraz | O Estado de S.Paulo

No PSDB desde a sua fundação, em 25 de junho de 1988, o senador paulista José Serra segue como um dos líderes do partido, que sofre críticas por não ter se renovado ao longo de sua história. O tucano, no entanto, afirma que lideranças não se criam.

Nesta semana, a legenda completa 30 anos. Em entrevista ao Estado, diz que “renovar não é uma decisão”. Veja os principais trechos da entrevista.

• O PSDB conseguiu fazer o que se propôs em 1988? Fugiu do fisiologismo partidário?

Conseguiu, numa primeira fase, e eu diria que até hoje é diferenciado, sem menosprezo ao MDB, e apesar dos problemas havidos.

• Mas, assim como o PMDB da época, o PSDB se tornou um partido de caciques. Não houve uma renovação de lá pra cá. Por quê?

Você não muda as lideranças por decreto. Há gente jovem boa, mas lideranças políticas têm de aparecer. Renovar não é uma decisão. E as pessoas precisam estar preparadas. Veja só, o Persio Arida é o coordenador (econômico) da campanha do Geraldo Alckmin. Veja, não estou menosprezando o Persio, que é ótimo, mas cadê a renovação? Não aparece ou não se arrisca.

• Depois dos escândalos envolvendo lideranças como Aécio Neves e Eduardo Azeredo, o PSDB falhou em não fazer uma autocrítica?

A autocrítica deve fazer parte permanente da vida de qualquer partido. O PSDB, neste sentido, não deve ser diferente. Nós fazemos pouco isso. Deveríamos fazer mais.

• Na sua avaliação, o PSDB vive uma crise? Uma crise ética?

Nós vivemos uma crise permanente (no PSDB). Mas é crise para todo mundo. A política toda está em crise, todos os partidos estão. No País, não há dois lados mais na política. Basta ver as discussões no Senado, não há um contra ou a favor. É a sociedade contra a política. Não se tem mais um conflito de partidos ou de pensamentos.

• Qual o maior feito do PSDB?

O Plano Real, sem dúvida, e depois o padrão de governo que criamos no Brasil. Não estou dizendo que o PSDB tornou tudo uma maravilha, mas elevou o padrão de governo.

• Que rumo o partido deve tomar a partir de agora?

Abrir caminhos, como fez no passado. Mobilizar-se, de fato, para fazer uma reforma política, especialmente a reforma do sistema eleitoral, implementar o voto distrital misto, que é exequível. Essa questão é urgente e a movimentação do PSDB em torno disso é fraca. E tem a questão do parlamentarismo, que, ao meu ver, tem de ser recolocada.

Sem celebração, PSDB completa 30 anos

Fundado há três décadas, partido terá comemoração discreta e fechada; crise ética e falta de renovação abalam sigla, avaliam cientistas políticos

Adriana Ferraz e Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo

O presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, pré-candidato do partido à Presidência, enviou na última quarta-feira um breve comunicado aos integrantes da executiva tucana com três itens relativos à próxima reunião do grupo em Brasília, marcada para terça-feira, 26. Entre eles, estava o convite para um “ato comemorativo” dos 30 anos de fundação da sigla. A ideia, dizem integrantes da cúpula, é fazer um evento discreto e fechado no salão de um hotel “só para a efeméride não passar totalmente em branco”.

Por mais que o discurso oficial diga o contrário, há consenso entre tucanos que não há motivo para celebrações. “É o momento mais difícil da história do partido”, reconheceu o deputado Nilson Leitão (MT), líder do PSDB na Câmara.

Em outra circunstância, o local escolhido seria o auditório Nereu Ramos, na Câmara. Foi lá que, no dia 25 de junho de 1988, os então senadores Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso anunciaram diante de centenas de militantes eufóricos a criação do novo partido, ainda sem nome.

Os líderes do movimento dissidente do PMDB colocaram em votação o nome da legenda. Partido Democrático Popular, Partido Social Trabalhista e Partido da Social Democracia Brasileira estavam entre os mais cotados. Após a vitória da sigla PSDB, o senador paranaense José Richa, um dos recém-filiados, colocou a democracia interna como uma marca da nova legenda, que nascia em um momento de “descrença popular com os partidos e instituições”.

Trinta anos depois, a cerimônia fechada no hotel de Brasília ocorre no momento de uma nova onda de decepção popular com partidos e instituições, que desta vez atingiu em cheio o PSDB. “O momento é ruim para todos os partidos e para a política em geral. Há uma crise política sem precedentes”, minimizou o deputado Silvio Torres (SP), tesoureiro do PSDB.

Pré-candidato ao Planalto, Alckmin está estacionado nas pesquisas de intenção de voto com números que variam entre 7% e 10%, o pior desempenho de um tucano nesse período desde 1989. O ex-governador mineiro Eduardo Azeredo, que presidiu o PSDB, entrou para a história como o primeiro ex-presidente do partido preso, reforçando a crise da legenda e dificultando ainda mais o projeto de retomar o poder após 16 anos.

“Há 30 anos, criamos um partido para dar ao País uma opção política à altura de seus desafios. Na Presidência, fizemos o mais bem-sucedido programa de modernização e transformação econômica da história do Brasil”, disse Alckmin ao Estado. “Agora, precisamos lutar mais, vencer de novo as forças que emperram o avanço do País. O Brasil vai mudar para melhor e, nessa luta, o PSDB também.”

O auge eleitoral do partido ocorreu durante o segundo governo FHC, quando elegeu uma bancada de 99 deputados federais e sete governadores, em 1998, e quase mil prefeitos, em 2000. Embora tenha sido o partido mais vitorioso nas eleições municipais de 2016, o PSDB tem hoje a segunda menor bancada na Câmara dos Deputados de sua história, com 49 parlamentares – maior apenas do que a bancada eleita em 1990.

“O PSDB perdeu talvez o seu principal discurso, o discurso ético. E não apenas pelo caso envolvendo Aécio Neves, mas outras lideranças históricas, como Eduardo Azeredo, que está preso, e José Serra, que é investigado. Até o presidenciável tucano, Geraldo Alckmin, é citado em casos que envolvem corrupção”, avaliou o cientista político Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas.

Líderes. A promessa de uma “democracia interna” feita em 1988 não se concretizou. Prova disso é a falta de renovação de lideranças nacionais e regionais. “Os líderes ainda são os mesmos e estão velhos. Eles representam o ranço do partido. Foi uma geração boa, mas que não se renovou”, disse o professor emérito de Filosofia da USP José Arthur Giannotti.

Teixeira concorda. “Como todo partido, o PSDB não se renovou. Nasceu como um movimento de crítica à política que se praticava na época, ao fisiologismo do PMDB, e hoje se assemelha muito a ele. Aceita nomes que não têm nenhum compromisso com as bandeiras originais do partido dentro de um pragmatismo calculado para vencer eleições”, afirmou.

O cientista político Carlos Melo, do Insper, pontuou ainda que o PSDB, em determinado momento, optou por ser apenas oposição ao PT, perdeu seu rosto social democrata, sua posição progressista nos costumes e se descaracterizou. “Em determinado momento, com o fim do ‘malufismo’ em São Paulo, caminhou por uma extensa avenida que se abriu à direita. Mas, agora, perdeu até isso para Jair Bolsonaro. Não é mais direita nem centro-esquerda, como se definiu na fundação.”

Para os especialistas ouvidos pelo Estado, a crise atual não apaga os principais acertos do partido, a maioria econômicos. “O PSDB implementou no País um novo padrão de qualidade de gestão. Fez isso a partir do Plano Real, da Lei de Responsabilidade Fiscal, do controle de gastos”, avaliou o cientista político José Álvaro Moisés, da USP. “Esse legado não se quebrou.” / Colaborou Fabio Leite

‘Crise moral pôs todos partidos longe das ruas’, diz FHC

Na semana em que a legenda completa 30 anos, ex-presidente diz que partido está mais liberal, mas 'não menos socialmente orientado'

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo

Principal símbolo do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso considera que o partido criado por ele, Mario Covas, Franco Montoro e outras lideranças paulistas da época está hoje mais liberal. Nesta semana, a legenda completa 30 anos.

Apesar disso, FHC diz que tucanos continuam “socialmente orientados”. Confira principais trechos da entrevista:

• O manifesto de fundação do PSDB disse que o partido nascia longe das benesses oficiais, mas perto do pulsar das ruas. O partido está hoje perto disso?

O PSDB esteve mais perto do pulsar das ruas quando apoiou as medidas necessárias para manter o real. Lembrem-se que eu ganhei a eleição e a reeleição no primeiro turno. Depois, fora do governo federal, o PSDB manteve o controle político em expressivos Estados, como em São Paulo. Mas é indubitável que a crise político-moral que a Lava Jato desvendou levou todos os partidos para longe do pulsar das ruas.

• O PSDB está mais liberal do que antes?

O PSDB é hoje mais liberal, mas não menos socialmente orientado.

• Na sua avaliação, por que o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, tem um desempenho fraco nas pesquisas se comparado às pesquisas do mesmo período desde 1994?

Porque a sociedade mudou muito, os novos meios de comunicação estão à disposição do eleitorado e o momento é difícil para quem está no governo. Entretanto, é cedo para avaliar. O jogo eleitoral para o povo começa mesmo quando a televisão e o rádio entram.

• O que o PSDB deve fazer para recuperar seus eleitores e retomar militantes?

Dadas as características do momento brasileiro, a mensagem, a conduta moralmente correta de quem a emite e o desempenho dos atores políticos serão essenciais.

• O que a prisão de Eduardo Azeredo significa para o PSDB?

O Eduardo está sofrendo as consequências do que hoje ocorre: o passado é julgado pela métrica do presente. Além do mais, há uma busca na mídia por “equidistância”. Assim como houve um mensalão do PT, fala-se de um mensalão do PSDB mineiro, que não houve. O que houve, sim, foi caixa 2, que também está capitulado no Código. E o Eduardo teria sido beneficiário eleitoral, mas provavelmente não ator do delito. Mas para a opinião pública, é tudo “farinha do mesmo saco” e o partido paga o preço, além dele próprio, que foi condenado a 20 anos. Junto com Justiça, há também algo de vindita (vingança). Tempos bicudos.

Usinas de concentração de renda: Editorial | O Globo

O Estado brasileiro, da forma como está estruturado, e sendo permeável à pressão de corporações, é ele próprio a causa das injustiças sociais

Injustiças sociais, com renda concentrada e precários serviços públicos básicos fazem parte da imagem do país. Afinal, essas mazelas acompanham o Brasil há muito tempo. Com a redemocratização, institucionalizada na Carta de 1988, pensava-se que o quadro social melhoraria. E melhorou, com o fim da hiperinflação herdada por Sarney da ditadura e o golpe certeiro que a alta dos preços recebeu do Plano Real, com Itamar Franco no Planalto e Fernando Henrique no Ministério da Fazenda. Mas controlar a inflação é necessário para combater a pobreza, porém não o suficiente.

Completam-se 30 anos de democracia sob a Constituição de 1988, e o quadro social não melhora. Algo deu muito errado, mesmo com promessas de avanços, aumentos reais do salário mínimo, Bolsa Família e assim por diante. Uma pista para ter a resposta é admitir a possibilidade de que, seja o país governado pela direita ou esquerda, o Estado brasileiro, da forma como está estruturado, e sendo permeável à pressão de corporações, é ele mesmo a causa das injustiças sociais. Por funcionarem no seu interior engrenagens que privilegiam poucos — empresas e pessoas.

Abuso de autoridade: Editorial | O Estado de S. Paulo

No início da sessão plenária de quinta-feira passada, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, informou que a Polícia Federal investigou os áudios de conversas entre executivos do Grupo J&F sem ter encontrado nada que indicasse a participação ou a citação de ministros do STF em algum ato ilícito. A finalidade do inquérito era apurar a afirmação do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que havia referências indevidas a ministros da Suprema Corte nessas gravações.

Na tarde do dia 4 de setembro de 2017, poucos dias antes de deixar o cargo, o sr. Rodrigo Janot convocou a imprensa para dizer que a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia recebido no dia 31 de agosto de 2017 uma gravação com conteúdo gravíssimo, que poderia levar à rescisão do acordo de delação premiada com os executivos da J&F. “Áudios com conteúdo grave, eu diria, gravíssimo, foram obtidos pelo Ministério Público Federal (MPF) na semana passada, precisamente quinta-feira, às 19 horas. A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal”, disse o sr. Rodrigo Janot.

Diante de tão grave afirmação, a presidente do STF emitiu prontamente uma “nota à sociedade brasileira”, na qual dizia: “Ontem, o procurador-geral da República veio a público relatar fatos que ele considerou gravíssimos e que envolveram este Supremo Tribunal Federal e seus integrantes. Agride-se, de maneira inédita na história do País, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal e a honorabilidade de seus integrantes. Impõe-se, pois, com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza a apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado”.

Juízes sem teto: Editorial | Folha de S. Paulo

Indefinição sobre o auxílio-moradia impôs ao país os custos de um privilégio indefensável

Uma decisão tomada há quase quatro anos pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, já custou mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos sem que a controvérsia em torno da legalidade da medida fosse solucionada pela corte.

Em setembro de 2014, como relator de três ações movidas por juízes, Fux estendeu a todos os magistrados do país o auxílio-moradia, benefício concebido originalmente apenas para os que atuassem em comarcas longínquas.

Desde então, até profissionais com casa própria e que residem na mesma cidade em que trabalham ganharam direito a um adicional de R$ 4.377 mensais, livre de tributos e do teto imposto pela Constituição aos vencimentos dos servidores —atualmente, o salário dos ministros do Supremo, R$ 33,7 mil.

Fux concedeu a dádiva por meio de liminares, ou seja, decisões de caráter provisório. Seus efeitos prevalecem até hoje porque as ações sobre o assunto não foram julgadas no plenário do STF.

1968–50 anos depois: O ativismo na era do desencanto

As lições do movimento de 1968 que chegaram até o Brasil dos dias atuais

Gabriel Cariello | O Globo

Em 2013, os jovens retornaram às ruas, como nos anos 1960. Mas agora o ativismo tem que encarar o desencanto. Os estudantes tomaram as ruas. Os operários pararam as máquinas. Os negros cerraram os punhos, e as mulheres queimaram os sutiãs. Revistos com o benefício do tempo, gestos de antes, durante e depois de 1968 hoje transformam aquele ano no ponto de convergência do ativismo no século XX — um século que oscilou entre o autoritarismo e a rebeldia. Cinquenta anos depois, algumas lições daquele momento histórico ainda reverberam, enquanto a ação ativista busca novas estratégias para não se pulverizar na era do desencanto.

Pensar o engajamento político no mundo em 2018 significa esbarrar em Brexit e Trump, palavras que não existiam no vocabulário ativista no início da década, quando Primavera Árabe e Occupy Wall Street eram sinônimos de esperança. No Brasil, mal nos acostumamos a falar das “Jornadas de Junho de 2013”. Já no ano seguinte, a Lava-Jato surgiu.

O mundo parecia experimentar outra vez, a primeira desde 1968, fagulhas de uma “combustão espontânea”, como o escritor Mark Kurlansky chamou a sucessão de protestos em diferentes nações.

— Os movimentos de 1968 foram eclodindo em vários países, sem ter necessariamente relação uns com os outros. O sentimento geral era o de luta pela liberdade, fosse política, social ou individual — explica Regina Zappa, autora, com Ernesto Soto, de “1968: eles só queriam mudar o mundo”.

O protagonismo foi dos jovens. Dos subúrbios de Paris às ruas de Praga, nas marchas de Washington e nas passeatas da Cinelândia, a juventude contestava as estruturas que dominavam suas vidas, cotidianos e relações familiares, Décadas depois, os jovens voltaram às ruas. A partir de 2010, uma onda de protestos na Tunísia e no Egito foi o epicentro da Primavera Árabe, que se propagou. Levou jovens americanos a ocupar o centro do sistema financeiro internacional. Provocou confrontos violentos entre policiais e manifestantes na Turquia. E chegou ao Brasil em 2013, com os movimentos contra o aumento nas tarifas de transporte.

Após cinco anos, no entanto, paira a sensação de que as denúncias de corrupção impediram que o engajamento político, para questões nacionais, se mantivesse nas ruas.

Manoel de Barros: O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.