domingo, 23 de setembro de 2018

Marcos Guterman*: A pertinência de Hannah Arendt

- O Estado de S.Paulo

Pensadora é considerada uma das maiores intérpretes do século 20

A pensadora alemã Hannah Arendt (1906-1975) é considerada uma das maiores intérpretes do século 20, mas suas ideias ainda conservam enorme pertinência ante o desafio de compreender o século 21. Em meio à ruína da tradição e à emergência da fragmentação política global, com a consequente desmoralização da democracia, Arendt vem em socorro dos que ainda acreditam na possibilidade de alcançar consensos por meio da negociação e do diálogo.

Nesse sentido, ao lidar com o terrível processo que levou uma parte do mundo civilizado a rejeitar a razão e a experimentar o totalitarismo, Arendt revela-se, em essência, uma pensadora “generosa” - termo com o qual a qualifica um de seus grandes discípulos e propagadores de suas ideias no Brasil, Celso Lafer.

Ex-chanceler, jurista e membro da Academia Brasileira de Letras, Lafer é conhecido por sua profunda familiaridade com a obra de Arendt, de quem foi aluno na Universidade Cornell em 1965, e produziu inúmeros textos a respeito da temática arendtiana. Uma seleção de alguns dos melhores momentos dessa produção está reunida no livro Hannah Arendt: Pensamento, Persuasão e Poder (Editora Paz e Terra), que chega agora à terceira edição, atualizando uma compilação iniciada em 1979. Nesse trabalho, Lafer ciceroneia o leitor pelos meandros das ideias de Arendt, e o faz de tal maneira que a sensação é de estar na mesma sala de aula onde o autor fruiu do conhecimento daquela extraordinária intelectual pública.

Mas o livro de Lafer, ao contrário do que pode sugerir, não é apenas um bom guia para os que pretendem se iniciar no pensamento de Arendt. Trata-se de trabalho relevante também para os que já estão embrenhados nos estudos arendtianos, pois oferece a esses leitores o olhar precioso de quem viveu a experiência de ser aluno de Arendt e de quem posteriormente, em sua rica vida pública, pôde aplicar na prática os ensinamentos daquela notável professora, ajudando a decifrar uma obra “polêmica, excepcionalmente criativa, não convencional, de difícil classificação”, como a descreveu Lafer.

Rolf Kuntz*: O desgoverno em três programas populistas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e Ciro Gomes tentam impressionar o eleitor com exibições de firmeza

A mais otimista e mais errada profecia política dos últimos 30 anos - “pior do que está não fica” - será mais uma vez testada, quando o novo presidente ocupar sua mesa no Palácio do Planalto. A previsão será de novo desmentida pelos fatos se o eleito insistir nas piores ideias apresentadas pelos candidatos e seus assessores. Várias foram sustentadas por Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes, os mais pontuados nas últimas pesquisas, ou por seus conselheiros. As promessas do grupo incluem revogação do teto de gastos, intervenção nos juros e no câmbio, protecionismo comercial, recriação da CPMF, uso de reservas para abater a dívida pública, revisão da reforma trabalhista e menor ênfase à reforma da Previdência. Cada programa combinou apenas alguns desses pontos e nem sempre ficou clara a concordância entre o candidato e seu conselheiro. Mas qualquer combinação é tóxica. O palhaço Tiririca, autor, há alguns anos, da famosa profecia, absteve-se até agora de comentar os programas dos três mais cotados para a Presidência.

Os três são populistas, prometem soluções simples para os problemas nacionais e dois deles, Bolsonaro e Ciro Gomes, tentam impressionar o eleitor com exibições de firmeza. Ciro Gomes comprometeu-se, por exemplo, a controlar a especulação “com mão de ferro”. Como realizará a façanha? Qual o sentido técnico da palavra “especulação” nesse discurso? Há mercado sem ação especulativa? Quem decide - e como - o limite entre a formação “normal” dos preços e a perversão introduzida pelo especulador malvado? Nenhuma pessoa alfabetizada em economia e finanças levará a sério essa promessa, mas ficará certamente preocupada com a bravata voluntarista.

Dorrit Harazim: Opinar em tempos de cólera

- O Globo

A história de um país tem marcadores com datas-chave. A eleição de outubro para presidente do Brasil é uma delas

‘É preciso coragem para crescer e tornar-se quem você realmente é”, ensinou E. E. Cummings, um dos bons de poesia do século XX. Se considerarmos válido o bordão caro aos ingleses de que na construção de um estado de direito os primeiros 500 anos são os mais difíceis, a democracia brasileira ainda não saiu da primeira infância. Os atuais ocupantes da terra brasilis —nós —também não. Mas como canta Leonard Cohen em “O futuro”, “Há uma brecha em tudo/ É por ela que entra a luz”.

Domingo passado, ao final da partida no qual o Palmeiras derrotara o Bahia por 1 X 0, o volante Felipe Melo dedicou o gol da vitória a Deus, à família “e para nosso futuro presidente Bolsonaro”. Foi um auê. Por um triz, nossa estreita brecha de luz não se fechou ainda mais. Feita ao vivo e sem aviso prévio, a declaração virou rastilho nas mídias sociais e quase levou o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) a enquadrar o atleta. Felizmente (ainda) não existe dispositivo legal no regulamento da entidade para justificar a punição de um atleta por manifestar suas preferências políticas.

Pelo contrário. Tudo o que se quer é que todos os brasileiros, inclusive jogadores de futebol, se sintam em segurança permanente para declarar abertamente seus votos, sejam para quem forem. O jornalista Juca Kfouri, insuspeito de qualquer pendor bolsonarista, cuidou de cravar as balizas certas, e de imediato. “Se criticamos a alienação dos esportistas, normalmente voltados para os próprios umbigos, não há razão para críticas quando algum deles se manifesta... Imagine se fosse nos anos 1980, quando surgiu a libertária Democracia Corintiana. O mundo viria abaixo… Doutor Sócrates batia de frente com Emerson Leão, Casagrande enfrentava o treinador Jorge Vieira, e a turbulência era saudavelmente permanente, porque só os autoritários desejam a paz dos cemitérios”, escreveu na “Folha de S.Paulo”. Que seja feito o debate como se faz na sociedade, porque o futebol não é um mundo à parte.

Merval Pereira: Novas maneiras de votar

- O Globo

Nos Estados Unidos, experimentos procuram dar ao eleitor a condição de exprimir a intensidade da sua preferência

Experimentos nos Estados Unidos procuram encontrar uma maneira de fazer com que o voto de cada cidadão represente realmente sua escolha, procurando mitigar a influência do dinheiro ou de promessas populistas na definição de seu representante.

O voto quadrático (quadratic vote) procura dar ao eleitor a condição de exprimir a intensidade da sua preferência, que o levou a votar neste e não naquele candidato ou proposta.

Baseado em princípios do mercado, cada eleitor recebe um determinado número de “créditos” que deve utilizar para influenciar a aprovação ou desaprovação de determinada decisão. Se quiser aumentar seu poder de influência, o eleitor pode “comprar” votos adicionais.

O “preço” de cada voto adicional será determinado por regras definidas pela autoridade eleitoral, e aumenta à medida que o eleitor “compre” mais votos. O eleitor pode carregar todo o seu crédito em um candidato ou assunto, mas terá reduzida sua influência por critérios matemáticos que utilizam a raiz quadrada, daí o nome de “voto quadrático”. A ideia é reduzir a possibilidade de que uma minoria se imponha artificialmente.

Um eleitor que seja militante a favor do casamento gay, por exemplo, poderia gastar todo seu estoque de votos a favor, e até mesmo “comprar” mais votos de eleitores que não se importem muito com a questão. O mesmo podendo fazer os que são militantemente contra. Mas cada voto a mais “custa” mais caro

Com esse sistema, os autores de um livro da Princeton University Press denominado “Mercados radicais: desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”, o economista da Microsoft e da Universidade de Yale Glen Weyl e o jurista da Universidade de Chicago Eric Posner pretendem usar o voto para exprimir o real desejo do eleitor. Vão ter que mudar o nome e simplificar o sistema.

Elio Gaspari: A gestão Tabajara do ‘Posto Ipiranga’

- O Globo

Jair Bolsonaro diz que não entende de economia e que o doutor Paulo Guedes é seu “Posto Ipiranga”. Deve-se suspeitar que o sábio multiuso tenha terceirizado a gestão de seu estabelecimento para as “Organizações Tabajara”, imortal criação do humorista Bussunda.

Numa só reunião ele fez duas boas. Recusando entrevistas a canais de televisão, Guedes foi a uma reunião na GPS Investimentos, anunciou que pretendia propor a criação de um imposto sobre transações financeiras (leia-se CPMF) e declarou que em 2015 foi convidado pela presidente Dilma Rousseff para o Ministério da Fazenda. As pérolas foram reveladas pela repórter Mônica Bergamo.

A promessa iria melhor se tivesse sido anunciada publicamente, e não numa conversa fechada, promovida na banca. Trata-se de uma ideia que pode ser discutida como um mecanismo de política tributária, sem significar aumento nem redução de carga de impostos.

Na revelação de que Dilma o convidou é que entra o sistema Tabajara de gestão. Há algumas semanas a repórter Malu Gaspar publicou um perfil de Guedes no qual ele ligou sua metralhadora giratória e lançou uma acusação factualmente errada contra o banqueiro Persio Arida. Ele respondeu, chamando-o de “mitômano”.

Numa de suas conversas com Malu Gaspar, Guedes contou que foi chamado para um jantar com Dilma e que ela avisou que demitiria o então ministro Joaquim Levy, passando a perguntar o que ele achava que se devia fazer na economia. Nenhuma referência a convite.

Depois da divulgação de sua conversa na GPS e do desmentido de Dilma, Guedes explicou-se, em “tabajarês”:

“Ela está perfeitamente habilitada a dizer que não me convidou para ser ministro da Fazenda, e eu estou perfeitamente habilitado a me sentir sondado. Ninguém chama alguém para jantar e faz essas (...) perguntas se não está fazendo um convite.”

Foi mal o “Posto Ipiranga”. Não houve convite algum, nem sondagem. As perguntas revelavam curiosidade, talvez interesse. Doutor Guedes está perfeitamente habilitado a dizer apenas que Dilma quis saber suas opiniões, e só.

A cabeça do genial Steve Jobs operava com um campo de distorção da realidade, mas ele criou a Apple. Já os “fatos alternativos”, enunciados por uma assessora da Casa Branca, produziram a presidência de Donald Trump, de onde já saíram mais de duas mil mentiras.

Eliane Cantanhêde: Os dois Brasis

- O Estado de S.Paulo

Direita solidamente no Sul e Centro-Oeste, esquerda definitivamente no Nordeste

Ao empurrar a eleição para dois candidatos que representam os extremos, a polarização do processo político também divide claramente o Brasil, com a esquerda cada vez mais consolidada no Nordeste (27% do total do eleitorado) e a direita impondo-se no Sul (15%), com reflexo direto na eleição para a Presidência e para os governos estaduais.

Jair Bolsonaro (PSL) disparou em todas as regiões e chega a 37% no Sul e a 36% no Centro-Oeste, dois arraigados redutos da direita. Ratinho Júnior (PSD) no Paraná, Ronaldo Caiado (DEM) em Goiás e Mauro Carlesse (PHS) em Tocantins têm forte chances de vitória para seus governos já no primeiro turno.

No Nordeste, a situação se inverte. Fernando Haddad (PT) já lidera e, apesar da crise de Dilma Rousseff, que afetou diretamente os Estados, cinco dos governadores têm grandes chances de se reeleger no primeiro turno. Três são do PT: Rui Costa (BA), Camilo Santana (CE) e Wellington Dias (PI). O quarto é Flávio Dino (MA), do PCdoB. E o campeão é Renan Filho (AL), do MDB, com apoio do PT e de Lula.

Vão-se criando assim dois Brasis. Um se alinha com o discurso da bala, da segurança, da antipolítica, do antipetismo e do conservadorismo de costumes. O outro é grato às benesses sociais, suscetível às promessas populistas, desconhece a importância do equilíbrio fiscal, acha natural o aparelhamento do Estado e releva a pregação contra a corrupção.

No Sudeste, com 43% do eleitorado e as três maiores economias do País – São Paulo, Rio e Minas –, Bolsonaro já atinge 30%. Com a decisão do governador Paulo Hartung de não disputar a reeleição, Renato Casagrande (PSB) pode se eleger em primeiro turno no Espírito Santo, um exemplo de gestão, mas no resto tem de tudo, inclusive surpresas.

Vera Magalhães: Casamento arranjado

- O Estado de S.Paulo

A crise na união de conveniência de Bolsonaro e Paulo Guedes começou antes

Quando um casamento é de fachada, as juras de amor podem até parecer sinceras, mas o caráter fake da união não demora a se apresentar. O que era esperado para os primeiros meses de governo, caso Jair Bolsonaro fosse eleito, já começou a se mostrar antes mesmo do primeiro turno na relação entre ele e seu “posto Ipiranga”, Paulo Guedes.

Envaidecido e “empoderado” pela alcunha que lhe foi dada pelo candidato, Guedes se pôs a falar sobre propostas ainda não consignadas no plano de governo de Bolsonaro e bastante controversas sob os aspectos econômico e político.

No caso do estudo de reforma tributária, o esforço dos aliados do candidato de dizer que se tratava de “fake news” sua intenção de recriar a CPMF não dá conta de todos os aspectos duvidosos da proposta. Guedes defendeu, sim, a criação de um tributo que, em substituição a outros, teoricamente traria um efeito “neutro” sobre a carga tributária, mas incidiria sobre movimentações financeiras. Inclusive sobre transações em dinheiro. No crédito e no débito.

Justificou sua razoabilidade dizendo que seria um “imposto único”. Mas o tributo não incluiria a CSLL nem o Imposto de Renda, em relação ao qual sua proposta é ainda mais discutível, pois levaria a uma perda de arrecadação bilionária para a União e reduziria a tributação justamente para aqueles que têm renda mais alta.

Esta proposta não foi desmentida por Bolsonaro como a da CPMF – foi, inclusive, elogiada por ele em entrevista do hospital à Folha de S.Paulo. Talvez o candidato não a tenha compreendido.

Hélio Schwartsman: Por que acreditamos em políticos?

- Folha de S. Paulo

Nascemos prontos a ser enganados e nosso mecanismo de defesa é o ceticismo

O Homo sapiens é uma espécie naturalmente crédula. A própria linguagem nos predispõe a assumir como verdadeiro aquilo que nos é contado. E faz sentido que seja assim. Línguas naturais só se desenvolveram porque nossos ancestrais recebiam de seus interlocutores mais informações verdadeiras do que falsas.

Se fosse o contrário, não haveria um substrato estável o bastante para que idiomas se fixassem como uma ferramenta útil e fossem preservados pela evolução.

Esse viés de verdade embutido em nossas mentes dá aos mentirosos uma vantagem. Já nascemos prontos a ser enganados. O restante da história da humanidade pode ser descrito como uma corrida armamentista entre técnicas de ludibriar melhor os outros e modos para tentar identificar os aproveitadores.

Bruno Boghossian: ‘Carta ao golpista brasileiro’

- Folha de S. Paulo

Haddad planeja 'frente democrática', mas siglas temem vingança por Dilma e Lula

Se quiser o apoio de políticos de centro e de direita no segundo turno, Fernando Haddad precisará escrever uma “Carta ao golpista brasileiro”. Os partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff desconfiam dos sinais emitidos pelo PT nesta eleição e temem que um governo da sigla seja “revanchista”.

Legendas que ficarão pelo caminho no dia 7 de outubro estão em cima do muro. Embora suas bases sejam majoritariamente simpáticas a Jair Bolsonaro, alguns dirigentes rechaçam o discurso radical do candidato do PSL. Os petistas querem atrair essa ala com apelos à criação de uma “frente democrática”.

O velho establishment político dá um passo atrás. O receio do grupo é que o PT —ferido pela prisão de Lula e pela queda de Dilma— saia em busca de vingança. Os caciques creem que o partido poderia concentrar o poder, implementar uma agenda inflexível e dinamitar medidas tomadas nos últimos anos.

Em campanha, Haddad lança mensagens ambíguas. “Vamos fazer um acerto de contas sem revanchismo, sem ódio. Queremos que o povo brasileiro mande no Brasil. Eles têm que aprender a respeitar o resultado das urnas. O povo vai se lembrar de tudo o que aconteceu”, disse na sexta-feira (21), em Minas Gerais.

Luiz Carlos Azedo: A “fulanização” sem projeto

- Correio Braziliense

Bolsonaro (PSL), à direita, e Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa pela Presidência, representam opiniões radicais formadas a partir das redes sociais

Ao contrário do que muitos imaginam, a criação do sistema de representação proporcional uninominal vigente no Brasil, uma jabuticaba de autoria do gaúcho Assis Brasil, teve como objetivo fortalecer os partidos e não os enfraquecer, como afirmam muitos dos seus críticos. Foi a saída encontrada para mitigar uma característica da política brasileira desde a criação da primeira Câmara Municipal, em São Vicente, já em 1532, no início do período colonial: o fato de que os eleitores votam nas pessoas e não nos partidos, seja nos legislativos seja nos executivos. Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste na tese de que um conjunto de ideias, mesmo majoritárias na sociedade, para conseguir se tornar um projeto político viável, precisa encontrar alguém capaz de “fulanizá-las”.

Foi o que aconteceu com a sua eleição para a Presidência em 1994, no embalo do Plano Real, com um programa cujo eixo era a estabilidade econômica, a reforma administrativa do Estado e as privatizações de empresas estatais nos setores siderúrgico e de telecomunicações, principalmente. Àquela época, o candidato favorito nas pesquisas era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está preso em Curitiba, em razão do recebimento de vantagens indevidas no exercício da Presidência (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). FHC conseguiu “fulanizar” o Plano Real. Por ironia do destino, mais tarde, em 2010, Lula terminou o governo melhor avaliado do que o tucano e hoje isso faz a diferença na hora de “fulanizar” o seu candidato, Fernando Haddad (PT). O mesmo não ocorre com Geraldo Alckmin (PSDB), apoiado por FHC, que goza de enorme prestígio e frequenta as salas de espera dos aeroportos de cabeça erguida, acompanhado apenas da esposa.

Mas voltemos à fórmula de Assis Brasil. O Brasil elege representantes para a Câmara dos Deputados desde 1824, logo após a Independência. Até 1880, durante o Império, o sistema de votação era feito em dois níveis: os votantes elegiam os eleitores (primeiro nível), que, por sua vez, escolhiam os representantes para a Câmara dos Deputados (segundo nível). Em 1881, as eleições para a Câmara dos Deputados passaram a ser diretas. Na Primeira República (1889-1930), três sistemas eleitorais foram utilizados; todos majoritários. O mais duradouro (1904-1930) dividia os estados em distritos eleitorais de cinco representantes; o eleitor podia votar em até quatro candidatos e ainda podia votar no mesmo candidato mais de uma vez, o que facilitava as fraudes em larga escala.

Em 1932, após a Revolução de 1930, novo código eleitoral modernizou o processo: as mulheres passaram a ter o direito do voto; foi criada a Justiça Eleitoral — que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos; foram tomadas medidas para garantir o sigilo do voto. Assis Brasil e João Cabral participaram da redação do Código Eleitoral de 1932 e defenderam a introdução do voto proporcional: para Câmara dos Deputados, um sistema misto (com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional), cuja operação era bastante complexa. Mas veio o “autogolpe” de 1937 e Getúlio Vargas suspendeu as eleições, fechou os partidos e o Congresso.

As eleições voltariam em 1945, com o processo de democratização do país. Somente naquele ano, o sistema proporcional proposto por Assis Brasil foi integralmente adotado nas eleições para Câmara dos Deputados e demais casas legislativas, com exceção do Senado, com objetivo de fortalecer os partidos recém-criados, carreando para eles a tradição do voto “fulanizado”. Nas eleições para prefeito, governador, senador e presidente da República, o voto continuou majoritário. O sistema funcionou razoavelmente antes do golpe militar de 1964, que teve outras causas.

Míriam Leitão:Em busca da racionalidade

- O Globo

Eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil vive

Em qualquer país democrático do mundo, os eleitores oscilam entre tendências, ora mais à esquerda, ora mais à direita, mais intervencionista na economia ou mais liberal. As eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil está vivendo. O PT que havia vencido os temores de empresários e investidores ao começar a governar em 2003 voltou a ser visto como um perigo. A direita tem um candidato que negou, ao longo de toda a sua vida, valores e princípios democráticos.

Esta é uma eleição que será por muito tempo caso de estudo dos analistas de todas as áreas —psicanalistas, inclusive. Eles certamente encontrarão razões profundas para essa polarização doentia que surgiu. Nada parece racional. Os que estão no centro precisam avaliar o que fizeram de errado para que os votos antipetistas estejam sendo capturados por alguém tão radical e sem a mínima condição de unificar o país após as urnas. O PT também precisa assumir que cometeu erros que o levaram a ser visto como uma ameaça política e econômica.

Na campanha de Jair Bolsonaro, os últimos dias foram de previsível crise. O que era obscuro ficou ainda mais confuso. Os economistas que assessoram o candidato falaram em reuniões no mercado, ou em entrevistas, a respeito de um imposto que incidiria sobre transações financeiras. Foi entendido como uma nova CPMF. O candidato respondeu por tuítes negando tudo e o comando da campanha mandou o economista em chefe, Paulo Guedes, e o candidato a vice falarem menos. Ou seja, a 14 dias da eleição, o líder das pesquisas faz escolha deliberada por esconder informações sobre seu programa econômico.

Vinicius Torres Freire: Algo que não vai mal no Brasil

- Folha de S. Paulo

Apesar da bagunça dentro de casa, finanças externas até que vão bem

O Brasil não parece um país em situação tão assustadora quando visto apenas de fora, do exterior. Para ser mais preciso, a entrada de capitais, a rolagem de dívida externa e indicadores das transações com o resto do mundo não sugerem que o dinheiro esteja dando o fora daqui.

Mesmo o aperto geral nas condições de financiamento de países ditos emergentes, como o Brasil, não causou abalos, com a exceção circunstanciada do dólar. Haveria algo de errado nisso que parece estar dando certo, a relativa ordem e calmaria nas contas externas?

A situação doméstica é ruinosa, sim. A atividade econômica está longe de se recuperar do tombo que começou em 2014, os governos estão quebrados e não há por ora indício de que o presidente a tomar posse em 2019 tenha capacidade política e/ou ideias econômicas razoáveis o bastante para começar a arrumar esta bagunça.

Além do mais, não leva muito tempo, uns poucos meses, para que uma situação externa confortável possa mesmo ficar sufocante, até de modo surpreendente.

Na crise internacional de 2008-2009, quando a vida no Brasil parecia risonha e franca, uma seca abrupta de financiamento externo e a alta do dólar arrebentaram empresas gigantes que faziam jogatina no mercado de câmbio, várias delas sendo salvas por ajudas diretas e indiretas do governo Lula 2.

‘A grande ilusão do populismo é o retorno à unanimidade’

Pierre Rosanvallon/historiador

Para o especialista do Collège de France, eleições a cada quatro anos já não satisfazem cidadãos, que buscam uma democracia permanente. E esse desencanto alimenta o populismo

“Há uma aspiração a uma democracia permanente, na qual se tenha o sentimento de que o poder se sente responsável e que sua responsabilidade pode ser questionada”

“Os cidadãos desejam ser ouvidos além das campanhas eleitorais”

Fernando Eichenberg | O Globo

PARIS - O mundo vive um clima de fatalismo no limiar de uma nova era da modernidade, marcada por uma profunda crise da democracia eleitoral representativa, que já não supre as aspirações emancipatórias dos cidadãos. O desencanto democrático estimula o crescimento dos populismos, principalmente na Europa. Neste período de transição, emergem cada vez mais líderes políticos híbridos, na ideologia e na ação.

Esse é o diagnóstico traçado por Pierre Rosanvallon, especialista em História Moderna e Contemporânea do Collège de France e fundador do grupo de reflexão República das Ideias, em seu mais recente ensaio “Nossa história intelectual e política (19682018)”. Rosanvallon conversou em Paris com O GLOBO sobre o “preocupante desmoronamento democrático” nas sociedades contemporâneas.

• Em seu ensaio, o senhor diz não se contentar em “organizar o pessimismo”, mas em tentar inverter a tendência deprimente de nosso tempo. Como define o estado do mundo?

Esse estado da sociedade francesa, que mistura a perplexidade e o desencanto, a morosidade e a cólera, são sentimentos que vemos em todas as sociedades contemporâneas. Desse ponto de vista, a situação francesa não é diferente do que vemos na América Latina, na Ásia, na América do Norte. É um contexto mundial geral, com suas especificidades. A palavra mais forte que resume todos esses sentimentos é “impotência”, numa insatisfação que favorece uma democracia negativa, sob formas de comunidades de rejeição. São paixões da ordem da repulsão, bem mais do que da atração, que se desenvolvem por todo lado.

Raimundo Santos – Reformismo de esquerda e democracia política

Esse é o título do livro de Luiz Sergio Henriques, que será lançado na próxima 2ª. feira, dia 24 de setembro no Rio de Janeiro. Chega em uma hora de desorientação de proporções desconhecidas no Brasil contemporâneo.

Aceitando sem reservas a democracia política e o Estado Democrático de Direito, o autor interpela criticamente as correntes hegemônicas nas esferas governamentais, no associativismo e em setores da cultura durante a era petista.

Ao mesmo tempo, refere-se a uma esquerda democrática que tarda em se afirmar no Brasil, mesmo contanto com áreas social-democráticas, reformistas e socialistas em vários ambientes, bem como com numerosos intelectuais independentes.

O livro tem como pano de fundo uma autorreflexão que, com o olhar posto no tempo atual, o autor realiza sobre o campo da esquerda pecebista, a que ele próprio se manteve filiado durante muitos anos.

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Raimundo Santos é professor universitário e autor do livro O marxismo político de Armênio Guedes.

Livro de Luiz Sérgio Henriques discute reformismo da esquerda e democracia

Às vésperas das eleições, obra traz análises do contexto político contempladas em artigos publicados pelo autor no jornal Estado de S. Paulo

Por Cleomar Rosa

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) vai lançar, no dia 24 de setembro, o livro Reformismo de Esquerda e Democracia Política (Verbena Editora), do pensador e integrante do conselho consultivo da instituição Luiz Sérgio Henriques. O evento será realizado, a partir das 18h30, no Restaurante La Fiorentina, em Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ).

A obra, que será lançada em um período de intensa turbulência política e polarizações partidárias no país, reúne artigos publicados por Luiz Sérgio, entre 2010 e 2018, no jornal O Estado de S. Paulo. No livro, o autor explica, com detalhes, o panorama da esquerda ocidental e sua relação com a sociedade brasileira.

Considerado um dos pensadores mais refinados do país, o autor aborda o tema fazendo profundas análises do que é a própria esquerda. Além disso, entre outros pontos, ele mostra a relação dela com aspectos de política e cultura, faz uma leitura a partir da perspectiva socialdemocrata e elenca as aproximações entre Itália e Brasil.

A obra também contempla análises de corrupção e instituições, assim como comportamentos de indignação. “Hoje, a indignação dos jovens – e não tão jovens – merece tornar-se força transformadora e capacidade hegemônica, o que só é possível através de uma democracia renovada por atores comprometidos com um explícito regime de liberdades”, diz um trecho.

FHC diz que carta é destinada a eleitores, não a candidatos e partidos

No Twitter, ex-presidente voltou a falar da união do que chama de 'centro popular e progressista'

Caio Sartori | O Estado de S.Paulo

Após a repercussão gerada pela carta divulgada na quinta-feira passada, na qual defendeu que é preciso deter o que classificou como “marcha da insensatez”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou o Twitter neste sábado, 22, para afirmar que o texto foi direcionado “aos eleitores e eleitoras, não aos candidatos ou aos partidos”.

O tucano afirmou que há meses defende a criação do que chama de centro popular e progressista. “Parece que na conjuntura água mole não racha pedra dura. O que não muda minhas convicções.”

Na carta, Fernando Henrique defende que os candidatos considerados de centro se juntem para evitar uma vitória de Jair Bolsonaro (PSL) ou de Fernando Haddad (PT) na eleição presidencial. Os dois lideram as pesquisas de intenção de voto. "Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez. Como nas Diretas-já, não é o partidarismo, nem muito menos o personalismo, que devolverá rumo ao desenvolvimento social e econômico", diz o texto.

Ao comentar a carta, o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, disse que, no momento, não vai procurar os demais postulantes. "A ideia é uma reflexão junto ao eleitorado", apontou Alckmin, que é apoiado por FHC na eleição.

Já o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, terceiro colocado nas pesquisas, disse que "é mais fácil boi voar de costas" do que o chamado centro se unir no primeiro turno. "O FHC não percebe que ele já passou. A minha sugestão para ele, que ele merece, é que troque aquele pijama de bolinhas que está meio estranho por um pijama de estrelinhas."

Marina Silva (Rede), por sua vez, afirmou que o PSDB de Alckmin e FHC passa pelos mesmos problemas do PT e que "fazer um discurso para que haja uma união e dizer que o figurino cabe no candidato do seu partido talvez não seja a melhor forma de falar em nome do Brasil."

Enquanto FHC defende a carta e a unificação do centro, a campanha de Alckmin reforçou a narrativa do voto útil e passou a pregar que Marina, Henrique Meirelles (MDB) e João Amoêdo (Novo) não têm viabilidade eleitoral. Os candidatos rechaçaram qualquer possibilidade de desistirem das candidaturas.

“Escrevi uma Carta aos eleitores e eleitoras, não aos candidatos ou aos partidos. Há meses repito ser necessário um “centro popular e progressista”. Parece que na conjuntura água mole não racha pedra dura. O que não muda minhas convicções” (FHC)

FH diz que carta era voltada 'aos eleitores e eleitoras, não aos candidatos ou aos partidos'

No texto, ex-presidente pregou união de candidaturas de centro

- O Globo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse neste sábado no twitter que a carta divulgada por ele na quinta-feira - em que pregou a união de candidaturas de centro contra o que chamou de “marcha da insensatez” - era voltada “aos eleitores e eleitoras, não aos candidatos ou aos partidos”.

- Há meses repito ser necessário um “centro popular e progressista”. Parece que na conjuntura água mole não racha pedra dura. O que não muda minhas convicções - disse o tucano na rede social.

Desde que divulgou a carta, FHC tem sido alvo de duras críticas de candidatos. No mesmo dia em que ele publicou o documento, a candidata da Rede, Marina Silva, desdenhou da proposta no twitter. “Ninguém chama para tirar as medidas com a roupa pronta”, escreveu ela. Já seu vice, Eduardo Jorge, disse que o ex-presidente havia ignorado proposta semelhante feita por ele no início do ano.

No dia seguinte, Ciro Gomes, do PDT, ironizou a proposta de FHC.

- É muito mais fácil um boi voar de costas.

O FHC não percebe que ele já passou. A minha sugestão para ele, que ele merece, é que troque aquele pijama de bolinhas que está meio estranho por um pijama de estrelinhas. Porque, na verdade, ele está preparando o voto no Fernando Haddad, porque ele não tem respeito a nada e a ninguém, a não ser ao seu próprio ego - afirmou, em ato de campanha em Brasília.

A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, criticou a carta e disse que Bolsonaro é cria do PSDB, pelo twitter. Por outro lado, o candidato do PSL escreveu em sua página oficial, sem citação às palavras do ex-presidente. “Tentaram nos tirar da disputa na covardia, mas o esforço de cada um, mesmo no momento mais crítico, só nos ergue ainda mais. Estamos mostrando que é possível vencer sem vender a alma, sem mentiras, e isso ninguém vai apagar! Vamos em frente! Chega de facções comandando o Brasil”.

Na carta em que pregou a união dos candidatos para evitar situações extremas, FHC não fez menção direta ao candidato de seu partido à Presidência, Geraldo Alckmin. Mas, no twitter, ele disse que Alckmin seria mais bem preparado para a missão. Publicamente, Alckmin elogiou a carta, mas refutou união de centro nesse momento: 'Não vou procurar candidatos'.

FHC e Clinton: A política precisa recuperar a confiança da sociedade

Por Humberto Saccomandi | Valor Econômico

SÃO PAULO - Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, e Bill Clinton, dos Estados Unidos, tentaram passar uma mensagem de otimismo nesta sexta-feira (21) em São Paulo, mesmo ressaltando os muitos desafios no mundo, às vésperas das eleições no país. Os dois ex-presidentes participaram do evento Expert 2018, organizado pela XP Investimentos.

Eles concordaram que o desafio mais urgente é fazer a política reconquistar a confiança da sociedade. Ao final, FHC afirmou que o que mais o preocupa no momento "é a irracionalidade e o ódio que separam". "Precisamos nos unir", disse, ecoando a carta aberta que ele divulgou na quinta (20), propondo uma união das forças políticas contra os extremismos.

Clinton destacou que há, no mundo, uma reação contrária à globalização, "alimentada principalmente por parte de pessoas que se sentem deixadas para trás economicamente". Parte da insatisfação que vem se manifestando nesta campanha eleitoral no Brasil faz parte desse contexto.

"Mas não acredito que podemos reverter a globalização. Precisamos enfrentar os seus problemas", disse Clinton, que governou os EUA de 1993 a 2001. Isso significa identificar e formular políticas para lidar com o que está causando esse fenômeno de “Brexit" global, isto é, uma crescente tendência de isolacionismo, que ele chamou de "tribalismo negativo", de separação entre os grupos nas sociedades.

Nesse contexto de "crise global de representatividade", FHC ressaltou que "o sistema político brasileiro foi minado pelos escândalos, pela corrupção", que a democracia no país vem sendo "financiada por um sistema mais ou menos corrupto" e que isso gerou uma "quebra na confiança" entre a sociedade e seus representantes.

"Não se pode preservar a democracia se a confiança acaba", complementou Clinton. Para FHC, a política só vai recuperar essa confiança dialogando com a sociedade
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"Utopia viável"
"É um momento em que você não vai para a frente se não tiver uma utopia", disse FHC. Mas "precisa ser uma utopia viável", afirmou, reconhecendo que se trata de uma contradição.

Ambos insistiram que a solução para o Brasil passa pelo combate à desigualdade. "A desigualdade constrange no Brasil, pois é gritante", disse FHC. "A desigualdade é um impedimento ao crescimento do Brasil. Combater a desigualdade traria benefício econômico", completou Clinton.

O presidente americano repetiu várias vezes que ele acha que poucos países no mundo têm as capacidades que tem o Brasil, tanto em termos de recursos naturais como de capital humano.

"O Brasil não deveria olhar a si mesmo sempre de modo negativo. É um país abençoado", disse Clinton.

Partidos perderam a capacidade de influenciar as pessoas, diz FHC

Por Beth Koike | Valor Econômico

SÃO PAULO - A capacidade dos partidos políticos de influenciar as pessoas diminuiu muito e cada vez mais a população está usando as mídias sociais e internet para se informar. A opinião é do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que classifica o fenômeno como crise da democracia representativa, que ocorre tanto no Brasil como no mundo.

“As eleições existem, mas a capacidade dos partidos de conduzir a opinião das pessoas diminuiu muito. As pessoas formam opiniões por elas mesmas, por intermédio das novas tecnologias, formam tribos, vão para o Twitter, daí há também ‘fake news’ em quantidade. Mas bem ou mal as pessoas usam esses instrumentos para se conectarem”, disse Cardoso, durante abertura do Congresso da Abramge, associação das operadoras de planos de saúde que ocorre em São Paulo, hoje e amanhã.

FHC disse ainda que, atualmente, as classes estão fragmentadas, não são mais institucionalizadas, mas os partidos políticos ainda são institucionalizados. Para exemplificar ele lembrou da recente greve dos caminhoneiros em que não havia um apenas um sindicato representando a categoria e a comunicação era feita pela internet. “No meu governo, também teve greve dos caminhoneiros, mas havia uma entidade representativa”, lembrou para mostrar as diferenças no cenário atual.

Haddad, um petista de pensamento enigmático

Ambíguo em relação à economia, o petista Fernando Haddad se divide entre afagos ao mercado e aos aliados de esquerda.

Com um pé em cada canoa, incerteza ainda marca Haddad

Na economia, candidato é ambíguo e se divide entre acenos ao mercado e as disputas internas em seu partido

Marcello Corrêa e Sérgio Roxo |O Globo

RIO E SÃO PAULO Fernando Haddad é um intelectual de esquerda que se equilibra entre diferentes correntes de pensamento em busca de moderação. Candidato do PT à Presidência, é formulador de um plano de governo temido pelo mercado por não priorizar o ajuste nas contas públicas. Mas, quando foi prefeito de São Paulo, fez uma gestão marcada pela responsabilidade fiscal. Nestas eleições, recebe críticas por defender uma política econômica considerada intervencionista. No passado, criticou o represamento de preços como forma para conter a inflação, adotado no governo Dilma Rousseff. A duas semanas das eleições, é visto como ambíguo: acena ao mercado, enquanto tenta manter apoio entre aliados.

O paralelo mais frequentemente traçado para imaginar o que seria um governo Haddad é com o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente em relação à política fiscal. Cumprindo o que prometeu na “Carta ao Povo Brasileiro”, o ex-presidente orquestrou um forte ajuste, que garantiu superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública) de 4,25% do PIB. O exemplo oposto é a passagem de Dilma pelo Planalto, cuja gestão das finanças públicas é criticada até por integrantes do PT.

A prefeitura de Haddad em São Paulo, entre 2013 e 2016, é considerada responsável. O petista entregou a cidade ao sucessor João Doria (PSDB) com cerca de R$ 3 bilhões em caixa e grau de investimento, chancela de bom pagador conferida por agências de classificação de risco, graças a uma renegociação de dívidas com a União. Ao longo do mandato, promoveu corte de gastos.

Em pelo menos duas oportunidades, em 2013 e em 2015, editou decretos determinando a renegociação de contratos para redução de 20% dos gastos de custeio. Segundo dados do Tribunal de Contas do Município (TCM), seu mandato terminou com 37,3% da receita comprometidos com gasto de pessoal, bem abaixo do limite de 60% da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O programa do PT ressalta a importância de manter o equilíbrio fiscal, mas diverge dos adversários em relação à necessidade de um ajuste. Na avaliação da sigla, primeiro é preciso fazer o país voltara crescer. A consequência seria o reequilíbrio das contas. Economistas ortodoxos veem a ordem inversa: política fiscal responsável leva ao crescimento.

Como a prefeitura não é o Planalto, há dúvidas sobre o que esperar de um eventual governo Haddad. Para o economista Samuel Pessôa, crítico do PT e ex-colega do candidato, ainda não é possível decifrar o que ele faria, na prática: —O que não está claro para mim é quanto disso tudo (propostas defendidas por Haddad) é apenas um discurso político para manter a base. A dúvida que agente tem é: qual vai ser a gestão econômica dele? Vê mas maluquices que os assessores de Campinas falam ou vem o governo Lula do primeiro mandato? A referência de Pessôa é aos economistas da Unicamp que ajudaram a elaborar o plano de governo do partido —Márcio Pochmann é um deles. Na semana passada, Haddad enviou um sinal ao diminuir a influência do economista, um heterodoxo mal visto pelo mercado, no programa do PT, durante sabatina promovida por SBT-Folha-UOL. 

Questionado sobre a avaliação de Pochmann de que a reforma da Previdência não era urgente, o presidenciável disse que o assessor foi apenas um entre “300 colaboradores” na elaboração do documento do PT.

Ciro, Alckmin e Marina tentam se cacifar como ‘3º via’

Polarização nas eleições impõe desafio a Ciro, Alckmin e Marina

Restando duas semanas para a votação em 1º turno, campanha segue tendência que dificulta a possibilidade de uma alternativa à disputa Bolsonaro-Haddad

Daniel Bramatti, Gilberto Amendola, Pedro Venceslau, Ricardo Brandt e Marianna HolandA | O Estado de S.Paulo

A duas semanas da votação em primeiro turno das eleições 2018, a campanha presidencial segue uma tendência que representa um desafio às candidaturas que podem despontar como uma terceira via à polarização entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). A análise das pesquisas mostra que, se quiserem se cacifar como uma terceira via, os candidatos situados no bloco intermediário das intenções de voto – Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) – terão 14 dias para reverter o movimento atual que está sendo impulsionado pela coesão do eleitorado antipetista em torno de Bolsonaro e do lulista/petista em torno de Haddad.

Este cenário tem moldado as estratégias das campanhas que ainda lutam para chegar ao segundo turno. O foco da campanha de Ciro será insistir em apresentá-lo como um nome de terceira via, capaz de quebrar aquilo que o próprio candidato tem chamado de “polarização odienta”.

Os marqueteiros de Alckmin não indicam que vão alterar a estratégia agressiva em busca do voto útil. Produziram comerciais que apelam para o medo de uma polarização PSL-PT e pregam que os demais postulantes do campo da centro-direita “não são competitivos”.

Após perder uma camada significativa de intenções de voto com o crescimento de Haddad nas pesquisas, Marina mira no eleitorado negro, pobre, de baixa escolaridade e, principalmente, nas mulheres – sua principal base de votos, mas que encolheu nas pesquisas mais recentes. Nas últimas semanas, a candidata da Rede também adotou um tom mais propositivo.

Até o momento, a série de quatro pesquisas Ibope/Estado/TV Globo indica dificuldades para a viabilização de uma terceira via. Os candidatos do PSL e do PT são os dois únicos que ganharam terreno em todos os levantamentos. Os demais oscilaram ou caíram.

Eleitores 'volúveis' podem mudar de voto
Há uma quantidade razoável de eleitores “volúveis”, que admitem probabilidade “alta” ou “muito alta” de mudar de voto para evitar a vitória de um candidato do qual não gostam. Os volúveis são um terço do total.

Marina Silva repete 2014 e vê apoio minguar nas eleições 2018

Com segunda maior rejeição, candidata da Rede perde votos às vésperas da eleição

Marianna Holanda | O Estado de S.Paulo

Pela primeira vez com seu próprio partido, a candidata da Rede, Marina Silva, chega a duas semanas do primeiro turno das eleições 2018 com o risco de ter metade – ou menos – dos votos que conquistou nos pleitos anteriores, se a situação que as pesquisas projetam se concretizar. A ex-ministra perdeu metade das intenções de voto que tinha (12% para 6%) e despencou em quase todos os cenários, conforme o mais recente levantamento do Ibope.

As explicações, segundo o Estado apurou com a campanha e cientistas políticos, vão da falta de estrutura da Rede até o posicionamento pouco incisivo da candidata. A hipótese mais aventada é a de que Marina é considerada como uma “ótima segunda opção” na hora do voto.

Marina não apenas não conseguiu ampliar seu eleitorado como perdeu capital eleitoral e apresenta a segunda maior rejeição dentre os candidatos (26%), atrás só do candidato do PSL, Jair Bolsonaro (42%). O que dificulta uma reação é que a rejeição não está concentrada em um único setor, segue a mesma média em todos.

Alfredo Sirkis, ex-coordenador de campanha de Marina em 2010, diz que ela pode ter um papel fundamental no segundo turno. “Seja quem for para o segundo turno, a Marina, como grande líder da sociedade civil, vai jogar um papel importante para derrotar Bolsonaro.”

Aliados tendem a diferenciar as dificuldades da candidata nesta eleição da anterior, mas admitem que neste ano a queda é mais preocupante. Há oito anos, sabiam que a probabilidade de ela ser eleita era baixa e que o importante era mostrar uma alternativa à polarização. Já em 2014, além de ela não ter se preparado para ser candidata a presidente, a falta de intimidade com uma estrutura de campanha e de partido (PSB) que não foram feitas para ela teriam afetado seu desempenho.

Neste ano, a ex-senadora disputa pela primeira vez com o seu partido, criado há três anos, com pouca estrutura e recursos. No período, elegeu seis prefeitos, mas perdeu importantes quadros e parlamentares, o que criou um problema a mais: ultrapassar a cláusula de barreira. Dentro do partido, algumas pessoas defendiam que Marina não se lançasse neste ano, para focarem em fortalecer a sigla. A tendência foi minoritária. Como resultado, até sexta-feira, 21, a campanha de Marina foi a que mais recebeu repasses do partido, proporcionalmente. Mais da metade do fundo eleitoral foi destinado à disputa pelo Planalto.

Auxiliares defendem a tese de que o patamar de 12% refletia a incerteza em torno da candidatura petista e que a corrida eleitoral começou apenas quando Fernando Haddad virou cabeça de chapa do PT.

‘Eleição não pode ficar entre prisão e uma facada’, diz ACM Neto

Entrevista com ACM Neto, presidente do DEM e coordenador da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB)

Coordenador da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência, prefeito de Salvador afirma que partidos do Centrão mantêm apoio a tucano

Vera Rosa, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente do DEM, ACM Neto, disse que o Centrão não jogou a toalha. Coordenador da campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência, ele afirma que o atual quadro de dificuldades para o candidato tucano é fruto de uma “comoção” causada pelo atentado sofrido por Jair Bolsonaro (PSL), além da novela em torno da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de quem seria o herdeiro do espólio petista. “Nós sabíamos que apoiar Geraldo não era o caminho mais fácil”, afirmou ACM Neto, que é prefeito de Salvador. “Agora, a eleição não pode ficar entre uma prisão e uma facada. Depois, não adianta chorar sobre o leite derramado.”

• Por que a campanha de Geraldo Alckmin chegou a essa situação dramática?

Não estamos vivendo nenhum drama. Até agora, a campanha acabou sendo dominada por dois fatos de caráter muito emocional. De um lado, a prisão de Lula e todo o debate sobre ele poder ou não ser candidato. De outro, a lamentável facada tomada pelo candidato Bolsonaro, que gerou uma comoção. Essa campanha ainda não teve espaço para o debate de propostas para o País.

• E não houve erros?

Não adianta agora tratar sobre os erros. Isso não ajuda em nada. O que adianta é ajustar os ponteiros para a arrancada rumo ao segundo turno.

• Em uma carta a eleitores, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez um apelo pela união do centro para deter o que ele chamou de “marcha da insensatez”. O sr. acha isso possível?

Com todo respeito à história do presidente Fernando Henrique, não adianta apenas esse apelo. É preciso que isso venha acompanhado de um movimento de líderes da sociedade, que possam ajudar a construir um ambiente favorável a essa conciliação do centro.
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• Mas o eleitor antipetista está indo para Bolsonaro, e não para Alckmin

O que os antipetistas não estão enxergando é que, no segundo turno, dificilmente Bolsonaro reúne condições de derrotar o PT. Se as pessoas que não querem o PT de volta votarem em Bolsonaro, poderão eleger o Haddad (Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo).

• O ex-governador está pagando o preço do escândalo envolvendo o senador Aécio Neves na Operação Lava Jato?

Geraldo tem uma das menores rejeições, apesar do desgaste do PSDB. Na hora em que nós o apoiamos, já sabíamos que o PSDB estava desgastado.

• O Centrão quase apoiou Ciro Gomes (PDT), mas, na última hora, decidiu por Alckmin. O sr. se arrepende dessa aliança?

Não me arrependo de jeito nenhum. Nós sabíamos que não era o caminho mais fácil, mas era o melhor caminho para o País. E continuamos acreditando nisso. Quando digo que a gente tem que fugir desse conteúdo emocional é porque a eleição não pode ser decidida entre uma prisão e uma facada. Não há espaço para aventura nem para testes.

• Mas muitos aliados do Centrão já estão abandonando Alckmin. Como conter a debandada?

Não há debandada. O deputado Onyx Lorenzoni, por exemplo, já estava com Bolsonaro antes de o DEM apoiar Geraldo. Caiado (senador Ronaldo Caiado, candidato do DEM ao governo de Goiás) não está fazendo campanha para presidente. No dia em que fechamos a aliança, Ciro Nogueira (senador e presidente do PP) deixou claro que não teria como fazer a campanha no Piauí. Nós vamos com Geraldo até o fim. Acreditamos na virada.

• E se o segundo turno da eleição ficar entre Bolsonaro e Haddad ou até entre Bolsonaro e Ciro? O bloco vai se dividir?

Não cogito essa hipótese nesse momento. Eu só tenho um foco: levar Geraldo ao segundo turno. Espero que nós não estejamos condenados a viver um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad. Depois, não adianta chorar sobre o leite derramado.

• O sr. chegou a dizer, a portas fechadas, que viajaria para o exterior, para não votar, se o segundo turno ficasse entre Bolsonaro e um candidato do PT. A promessa poderá ser cumprida?

Eu não quero avaliar o que será do Brasil nessa hipótese.

• O economista Paulo Guedes, guru de Bolsonaro, propôs a criação de um novo imposto, nos moldes da CPMF, para financiar a Previdência. O sr. afirmou que esta é uma pauta do PT, mas no governo FHC o então PFL, hoje DEM, apoiou esse tributo.

Naquele momento, a CPMF era em caráter transitório, para financiar a saúde. A essa altura do campeonato, o Brasil não pode penalizar a classe média e os mais pobres para sair da crise. Vamos ter de discutir tributação sobre herança e dividendos, mas não CPMF. Bolsonaro vinha pregando a redução de impostos. A declaração do Paulo Guedes desmascara isso. O Brasil não pode eleger alguém sem saber o que ele vai fazer. Já vivemos isso com Collor (Fernando Collor, hoje senador), em 1989, e deu no que deu.

• O Centrão é conhecido por ter apreço aos cargos. O bloco formado por DEM, PP, PR, PRB e SD participará de qualquer governo?

Eu não incluo o DEM nessa qualificação de Centrão que você faz. O DEM só estará no governo se concordar com suas propostas. Nós resistimos na oposição nos dois mandatos de Lula e em um e meio de Dilma.

‘Se CPMF fosse bom, o resto do mundo teria feito’

Entrevista com Persio Arida, economista e coordenador econômico da campanha do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB)

Responsável pelo plano econômico do PSDB, Persio Arida diz que é possível fazer ajustes sem aumentar tributos

O economista Persio Arida, coordenador econômico da campanha do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), é categórico ao afirmar que, apesar de as contas públicas agonizarem, a retomada do País não passa pelo aumento de impostos. Em sabatina realizada nesta sexta-feira, 21, em São Paulo pelo Estadão em parceria com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Arida rechaçou uma possível recriação da CPMF, que voltou à pauta com declarações de Paulo Guedes, da campanha de Jair Bolsonaro (PSL). “Se CPMF fosse bom, o resto do mundo já teria feito”, disse.

O economista defende a agenda de reformas, como a da Previdência e a tributária, além de uma reforma constitucional para dar mais flexibilidade à política econômica, mas não via Constituinte. “Ela abre uma caixa de Pandora de complicações”, afirmou.

Do lado das receitas extraordinárias, Arida afirmou que, no plano de governo tucano, Petrobrás e Banco do Brasil ficam de fora das privatizações, mas, questionado insistentemente, não descartou uma eventual desestatização da Caixa Econômica Federal. A seguir, os principais trechos da sabatina.

• Diante do quadro fiscal, não é eleitoreiro dizer que não será necessário aumentar impostos?

Dá para fazer ajustes sem aumentar a carga tributária. Nós elevamos a carga enormemente no Brasil: ela foi de 21% do PIB para os atuais 33%, 34%, e o déficit público hoje é maior do que antes. O que nós vamos fazer é rever muitas desonerações, sem sombra de dúvida, porque elas ferem o princípio de tratamento igual a todos. A introdução do Imposto de Valor Adicionado (IVA) visa a arrecadar o mesmo montante (que os outros impostos). A redução do imposto corporativo, associada à tributação sobre dividendos, pretende manter o mesmo montante, mas simplificar.

• Que outros ajustes podem ser feitos?

Há muita confusão quando se fala de gastos obrigatórios, porque muitas vezes um gasto é obrigatório, mas é mais flexível do que parece. Uma coisa é você dizer que os salários dos funcionários públicos têm de ser pagos, é verdade. Mas, a progressão automática de carreira não precisa necessariamente acontecer. Rever as progressões automáticas de carreira, a concessão de bônus – que não segue meritocracia – são coisas simples, mas que diminuem o custo da folha de pessoal. Outra questão importante é a Reforma da Previdência, que é um tema espinhoso, complexo.

• E a vinculação do salário mínimo aos benefícios previdenciários?

Nós vamos ter a oportunidade de fixar uma nova regra para o salário mínimo, ou não fixar regra nenhuma. A nossa posição, primeiramente, é a favor de regra. Qual é a regra certa? A evolução do salário mínimo tem de refletir índices de produtividade.

• Por que a recriação da CPMF seria uma má ideia?

Se CPMF fosse uma boa ideia, o resto do mundo já teria feito. O mundo simplifica impostos por meio do IVA. Não é só que a carga tributária é alta. O número de impostos é excessivo e o cumprimento das regras legais é extraordinariamente complicado. Então, simplificar a carga tributária e reduzir o número de impostos é muito importante. Fazer isso via CPMF é um equívoco, pois é um imposto em cascata e socialmente regressivo. O IVA é um imposto bom, porque não tem o efeito cascata, cobra no destino, o que é correto – a nossa ideia é alíquota única –, ou seja, um imposto melhor do que a CPMF para simplificar e evitar distorções na economia. Sou filosoficamente contra. E mais: não precisa.

• Como passar as reformas pelo Congresso?

O Brasil precisa caminhar em direção à união. Todos têm de ter consciência da gravidade da situação. O presidente tem um capital político e terá de usá-lo para implementar as reformas. Tenho certeza de que o Congresso terá boa vontade com o presidente na partida. A questão da aliança com o Centrão, pela qual o (Geraldo) Alckmin foi muito criticado... há duas opções: fazer aliança com o Centrão antes ou depois. Essa ideia de que dá para governar sem o bloco é equivocada. Eu não tenho a menor dúvida de que o Alckmin tem capacidade política e sabe articular.

• Uma reforma constitucional é necessária?

Não há a menor dúvida. A questão é: qual é o conceito que se quer? Evidentemente, uma Constituinte feita por não políticos traz más memórias a todo mundo que conhece a história latino-americana. O nosso caminho é outro. Não gosto da ideia de Constituinte, porque abre uma caixa de Pandora de complicações. Tem de ser um caminho de reformas da Constituição. Há pessoas que querem fazer reformas mudando certos pilares básicos, como equilíbrio federativo e direitos fundamentais: não é disso que se trata. Outra coisa é tornar a política econômica mais flexível. O ideal na reforma do IVA, por exemplo, não é colocá-lo na Constituição, substituindo outros impostos. O ideal é desconstitucionalizar todos os itens tributários. Por um motivo: a economia é dinâmica e muda o tempo todo. O Brasil não pode cristalizar na Constituição as prioridades de política econômica que tinha em 1988. O mundo muda numa velocidade cada vez mais rápida.

A hora do compromisso: Editorial | O Estado de S. Paulo

Instalou-se no País um clima de aflição com o futuro imediato em razão da perspectiva de que o próximo presidente da República seja eleito como resultado de um embate entre forças populistas, com tendências autoritárias. É em momentos como esse, em que a confusão suplanta a razão, que urge compreender, longe do calor dos discursos, os aspectos fundamentais dos desafios que assombram o País, pois, do contrário, a crise tende a se perpetuar, numa dinâmica que pode inviabilizar a desejada estabilidade política, econômica e social.

O primeiro aspecto diz respeito à legitimidade do pleito, colocada em dúvida desde sempre pelas forças políticas que agora aparecem nos primeiros lugares das pesquisas de intenção de voto. Enquanto Jair Bolsonaro (PSL) já disse, mais de uma vez, que qualquer resultado que não seja sua vitória será prova de que houve fraude nas urnas eletrônicas, os petistas vêm há bastante tempo sustentando que uma eleição sem a presença de seu demiurgo, Lula da Silva, também seria ilegítima. É perda de tempo procurar argumentos para rebater tamanha afronta à razão e à democracia, nem se poderia esperar comportamento diferente daqueles que sempre pautaram sua vida política por ideologias autoritárias.

Violência cobra envolvimento do governo federal: Editorial | O Globo

As urnas precisam levar a que a Federação se integre no combate a um crime cada vez mais letal

O tema da violência já frequentava campanhas eleitorais, quando, em 2002, o candidato petista Lula, que seria vitorioso naquela corrida presidencial, propôs um programa de segurança pública com a participação do governo federal.

A proposta do candidato Lula, apoiada até por adversários, terminou engavetada no próprio governo do PT, por resistência política de assessores diretos do presidente. Achavam grande risco político o Planalto trazer para si o problema.

Como era possível prever, a criminalidade não estancou, ao contrário. Por meio do tráfico, quadrilhas ultrapassaram fronteiras estaduais e internacionais. E há tempos passou a haver no tráfico o combo de drogas e armas. O Brasil, além de mercado consumidor, tornou-se rota estratégica para a remessa de drogas latino-americanas (Colômbia, Bolívia, Peru) para o mundo. Confirmou-se, de maneira dramática e dolorosa, que o enfrentamento deste crime, há algum tempo fortalecido e ampliado territorialmente, só tem chance de êxito se for conduzido de forma integrada pela Federação.

Como vota o paulista: Editorial | Folha de S. Paulo

Com Doria, PSDB corre o risco de perder a longa hegemonia no estado

Não é apenas a eleição presidencial, a julgar pelo mais recente Datafolha, que ameaça quebrar os padrões de disputa das últimas décadas. A corrida pelo governo do estado mais rico do país também.

Em 1994 Mário Covas conquistava para o PSDB o Palácio dos Bandeirantes. Os tucanos daquela feita encerraram o domínio de oito anos da corrente peemedebista liderada por Orestes Quércia e iniciaram uma das mais longas hegemonias da história nacional. Venceram as cinco eleições seguintes —as três últimas no primeiro turno.

Essa fortaleza correu mais riscos de ser açambarcada em 1998, numa disputa duríssima entre Covas e Paulo Maluf, no então PPB. Parece que um confronto no mínimo tão difícil para o PSDB quanto foi aquele vai se configurando agora.

A dianteira, de acordo com o Datafolha, do situacionista João Doria (26%) para o emedebista Paulo Skaf (22%) não é suficiente para assegurar o favoritismo do tucano num provável segundo turno.

Carlos Drummond de Andrade: A máquina do mundo

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo."

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima - esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.