domingo, 28 de outubro de 2018

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*

Como foi possível que, na segunda década do século 21, a disputa presidencial transcorresse como se o País ainda estivesse no século 20? Suas elites políticas e intelectuais ignoraram os sinais de que algo estava a fermentar nos subterrâneos da vida social. Nada se discutiu de substantivo, nenhum mapa cognitivo saiu dos debates, nenhuma luz iluminou o eleitorado, que chegou às urnas enfeitiçado por pregações mágicas e regressistas, alheias ao razoável, mudas diante dos desafios que se abrem para o futuro.

O resultado foi a ampliação dramática das divisões políticas e do desentendimento social.

Tornamos inviável o centro político, a inteligência e a moderação, em benefício da estridência reacionária, da agitação irresponsável, do apelo a um passado mitificado. O oportunismo, a demagogia e a prevalência de interesses mesquinhos tomaram o palco de assalto, marginalizando as demais candidaturas. Sobraram os antípodas, que se escolheram reciprocamente, impelidos por uma ordem social despedaçada e sequiosa de “segurança”, um o espelho invertido do outro.

Nenhuma vitória terá força suficiente para desprezar esse quadro social. O vencedor e sua oposição terão de negociar, dialogar, contemporizar. Um pacto terá de ser costurado.

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*Professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp. “Os próximos dias do resto da nossa vida”, O Estado de S. Paulo, 27/10/2018

Merval Pereira: No mesmo time

- O Globo

Para sair da crise, será preciso a união das forças políticas, pois nenhum dos dois candidatos terá capacidade de governar sozinho

A importância desta eleição presidencial é dada pelo clima de radicalização política que a dominou. Cruzamos a linha civilizatória com o atentado à vida de Jair Bolsonaro e prosseguimos em uma campanha radicalizada e de acusações de fake news de ambos os lados, com a utilização ao extremo dos novos meios de comunicação, amplificando-as.

Ao radicalismo dos oponentes neste segundo turno contrapõe-se a mensagem apaziguadora do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, publicada ontem pelo GLOBO.

Em bom momento o STF coloca-se, por seu presidente, como instituição mediadora dos conflitos, dando ênfase a esse papel que cabe na definição do Supremo como Corte Constitucional, mas não pela limitação de seus poderes, como querem os dois oponentes, nem uma Corte política, como também acusam os dois candidatos que disputam hoje o segundo turno.

Coincidentemente, na sexta-feira dois assuntos chamaram a atenção sobre o STF, de maneira positiva. O coronel da reserva que bravateou nas redes sociais contra o Supremo, atingindo a honra de vários ministros e até mesmo ofendendo pessoalmente a ministra Rosa Weber, que preside também o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acabou com tornozeleira eletrônica e circulação restrita pelo país.

Míriam Leitão: Democracia nunca foi uma planície

- O Globo

Foi muito longa e penosa a estrada que nos deu o voto direto. Quem for eleito hoje governará nos limites da ordem democrática que construímos

Hoje, 147 milhões e 300 mil brasileiros farão História. São os que estão aptos a votar. Quem não for, ou votar nulo, também está dentro desse universo de decisão. Jamais deixarei de me emocionar em momentos assim. Foi muito longa e penosa a estrada que nos deu o voto direto. A democracia brasileira nunca foi uma planície. É como se tivesse que ser conquistada de novo a cada momento. Ela se expande, toma susto, é desafiada, volta a crescer, encontra obstáculo, supera. Sempre será essa incompleta obra coletiva. Como um tecido que fiamos juntos e os pontos às vezes se rompem.

Temia-se, desta vez, o desinteresse. Não foi o que tivemos. Houve momentos desta campanha em que parecia não haver outro assunto possível. O envolvimento é parte fundamental da renovação dos laços com o regime democrático. Saímos desta jornada exaustos, mas o país se engajou nesta escolha e o tema central passou a ser a própria democracia. Pelos cenários feitos, havia uma lista dos temas que certamente seriam os mais relevantes — e continuam sendo — segurança, educação, crise fiscal, desemprego. Mas o país se dividiu, discutiu, brigou pela democracia em si. Ela foi boa até aqui? Fez um bom trabalho? Tem defeitos? É frágil? É robusta?

A resposta é sim para todas as perguntas acima, apesar de parecer contraditório. É boa, fez um bom trabalho, tem defeitos. É frágil e robusta ao mesmo tempo. Fatos assustadores pareciam ser o prenúncio de volta do que o Brasil viveu. Sexta-feira foi o dia de ver de perto algo impensável. A repressão aos protestos em universidades. É da natureza dos jovens o debate acalorado que os mais velhos podem até achar radical, mas a ausência de liberdade de pensamento e manifestação nega a própria essência da universidade. O tempo cuidará de moderar o jovem, mas nada resgatará o que, alienado, não tiver olhos para nenhuma causa coletiva.

Elio Gaspari: Os recuos de Bolsonaro foram um aviso

- O Globo

O candidato acreditava que óleo de pirarucu curava reumatismo ou queria que os outros acreditassem?

Jair Bolsonaro disse que fundiria os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Agora diz que pode mudar de ideia. Juntar a Fazenda com o da Indústria? Pensou melhor e vai desistir. Abandonar o acordo climático de Paris? Ameaçou, mas vai ficar. Encrencar com a China? Nem pensar. Formar uma base parlamentar baseada em princípios programáticos? Tudo bem, mas está catando ministros na cesta onde o eleitorado jogou candidatos do DEM.

Bolsonaro encantou o mercado ao reconhecer que não entende de economia e por isso faria do doutor Paulo Guedes o seu "Posto Ipiranga". Como ele nunca produziu um prego, os papeleiros passaram a cultivar a ideia de que Guedes também precisaria de seus "Postos Ipiranga". De posto em posto, quem quiser comprar um prego acabará procurando uma velha e boa loja de ferragens, onde os pregos nacionais custam mais caro que os chineses.

A sabedoria convencional ensina que promessa de candidato é uma coisa, realidade de governante é outra. Mesmo assim, Bolsonaro ficou fora da curva. Quando ele falou numa reconstrução da base parlamentar a partir de princípios, sabia que estava vendendo óleo de pirarucu como cura de reumatismo.

No caso das fusões de ministérios, do vale-tudo ambiental e das relações com a China, exercitava o próprio primarismo. Ele pode querer agradar ruralistas interessados na expansão da área de cultivo da soja no Cerrado, mas precisa combinar com as grandes empresas internacionais que comercializam o grão e precisam defender suas marcas.

Ascânio Seleme: Um país fraturado

- O Globo

Quem vencer a eleição presidencial de hoje terá que governar um país fraturado. Além da tarefa gigantesca de redirecionar o país para fora da crise econômica e em direção ao futuro, recuperando a confiança de investidores e parceiros comerciais, o novo presidente terá de provar que reúne não apenas os votos, mas também a esperança dos brasileiros.

O presidente, que sairá das urnas com pouco mais da metade dos brasileiros ao seu lado, dificilmente conseguirá convencer a outra metade com o discurso do “governarei para todos”. Não importa se Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad, quem for eleito hoje terá enorme dificuldade para reconstruir todas as pontes dinamitadas ao longo da campanha e atrair o outro lado.

Bolsonaro passou a vida atacando a esquerda e a todos os que não se alinhavam com suas convicções de extrema direita. Como petistas conseguirão superar a bravata que o candidato fez no Acre, ao dizer que iria “metralhar a petralhada”? Tampouco será esquecido o discurso para a militância em que o capitão ameaçou prender e banir “os vermelhos”. Suas ofensas pessoais a membros de partidos de esquerda também serão sempre lembrados.

Bernardo Mello Franco: Um alerta do que vem por aí

- O Globo

As batidas policiais nas universidades foram um alerta do que pode vir por aí. Quem teme uma escalada autoritária ganhou novas razões para se preocupar

A democracia brasileira enfrentará uma prova de fogo se as urnas confirmarem o favoritismo de Jair Bolsonaro. O capitão reformado fez carreira exaltando a ditadura militar, um regime que amordaçou a imprensa e perseguiu opositores. Agora seus impulsos liberticidas vão testar a resistência das instituições e da Constituição de 1988.

Nos últimos dias, quem teme uma escalada autoritária ganhou novos motivos para se preocupar. Ao menos 20 universidades públicas foram alvo de operações da polícia e de fiscais eleitorais. A pretexto de coibir a propaganda irregular, as batidas suspenderam aulas, impediram a realização de debates e apreenderam faixas e cartazes.

O caso da Universidade Federal Fluminense resume os abusos da ofensiva. Uma juíza determinou a retirada de uma faixa laranja com a inscrição “Direito UFF Antifascista”, sem referência a partidos ou candidatos. Acrescentou que a polícia deveria prender o diretor da Faculdade de Direito em caso de descumprimento da ordem.

Eliane Cantanhêde: Bolsonaro, o novo Lula

- O Estado de S.Paulo

Se perder, o PT amanhece na oposição contra um ‘novo Lula’ com dogmas e multidões

Enfim, chegamos ao final dessa eleição que teve de tudo, até candidato presidiário e facada no líder das pesquisas. Se houve algo estável em toda a campanha, desde o primeiro turno, foi a dianteira firme e segura do candidato Jair Bolsonaro, do PSL, um capitão reformado que está há 28 anos na Câmara e meteu os filhos na política, mas surge como “o novo”, para fazer “tudo diferente”. Acaba a eleição, vem aí a prova dos 9.

O grande marco de 2018 foi o fim da disputa PT versus PSDB, que atravessou décadas desde 1994, e o início da polarização PT versus Bolsonaro, mas com fortes mudanças no velho petismo e o surgimento de um “novo Lula”, só que pela direita.

A estrela do PT já tinha sido jogada pela janela em outros carnavais, ou eleições, e nesta até o vermelho foi deixado de lado, mas o maior ausente não foram os símbolos, foram os atores. A famosa militância petista ficou em casa, a nova militância bolsonarista é que ocupou as ruas e a guerra eleitoral migrou para as redes sociais. Para o bem, principalmente para o mal.

Assim como tudo o que Lula diz é dogma para os petistas, tudo o que o capitão Bolsonaro diz passou a mover multidões pelo País afora, por mais barbaridades que tenha dito, sobre ditadura, tortura, mulheres, gays e por menos que tenha falado de pobres e do principal problema brasileiro: a desigualdade social.

Bolsonaro é um novo Lula, mas às avessas. Enquanto Lula garantia a fidelidade cega de artistas, intelectuais e da Igreja Católica cativando um eleitorado inabalável no Nordeste e entre os de baixa renda e escolaridade, Bolsonaro domina a classe média e se enraizou por todos os segmentos alavancado pelos ricos com diploma que emergiram como força política em junho de 2013. Mas a adoração a ambos tem muita semelhança, com uma realidade virtual em que tudo o que eles dizem vira verdade.

Vera Magalhães: Que vença a democracia!

- O Estado de S.Paulo

O eleito neste domingo deve entender que terá de se dobrar à Constituição, e não o contrário

Escrevi neste mesmo espaço na semana passada sobre os riscos que Jair Bolsonaro representa, e os que não representa, à democracia. Cotejei seu histórico de declarações autoritárias ou abertamente antidemocráticas com os limites impostos pela Constituição, pelas instituições e pela sociedade civil.

No mesmo dia, no entanto, Bolsonaro deu um show de desrespeito ao dissenso e fez ameaças concretas de retaliação a opositores no discurso que gravou para o ato em apoio à sua candidatura na avenida Paulista.

Hoje, a se confirmarem as pesquisas, o candidato do PSL será eleito presidente da República. Qualquer que seja o porcentual que atinja, os 60% pretendidos por sua campanha ou números menos eloquentes mostrados por algumas pesquisas, terá a missão de governar para todo o País, e não só para os que o reverenciam nas ruas e nas redes sociais. E é preciso que, imediatamente, desça desse palanque no qual tem vivido nas últimas décadas e pare com essa retórica inflamável que não condiz com a responsabilidade do cargo que vai ocupar.

Não partilho da opinião dos que acreditam que, eleito, Bolsonaro vai implantar uma ditadura aos poucos ou aos solavancos no País. Cubro política há 23 anos, morei dez deles em Brasília, converso diariamente com aliados do deputado, com opositores, com ministros do STF, com economistas, com parlamentares. Sei que o tecido institucional vigoroso do Brasil e sua saúde civil impedem aventuras desse tipo. Por isso, digo aos que estão entre temerosos e histéricos: calma.

Geraldo Brindeiro *: A Constituição de 1988 e a democracia brasileira

- O Estado de S.Paulo

Que o povo, com a plenitude de sua liberdade, vote e decida o seu futuro

A democracia no Brasil não é mais a “plantinha tenra” a que se referia João Mangabeira, constituinte de 1934, preso por sua luta contra a ditadura do Estado Novo. Tivemos na nossa História republicana pequenos oásis democráticos no meio de longos períodos de regimes de força. A Constituição de 1988, contudo, promoveu a redemocratização do País, em 5 de outubro daquele ano, e tem garantido a liberdade e a plenitude do regime democrático por mais de 30 anos.

A democracia brasileira, pois, germinou, cresceu e se enraizou na sociedade, tornando sólidas suas instituições. Como observou, com lucidez e sabedoria, em recente pronunciamento a eminente ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “No Brasil as instituições estão funcionando normalmente. E juiz algum no País se deixa abalar por qualquer manifestação que possa eventualmente ser compreendida como conteúdo inadequado”.

As eleições presidenciais de 2018 foram precedidas das eleições presidenciais de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, todas realizadas dentro da normalidade democrática, respeitando a liberdade de voto e a lisura dos pleitos, sob os auspícios do TSE. É natural, porém, numa democracia - em que há diversidade e pluralismo político-ideológico - que a competição eleitoral possa tornar-se exacerbada. Tal tem ocorrido, até em recentes eleições, em países de longa experiência democrática, como EUA, França, Alemanha e Itália e outros onde há alternância do poder entre partidos políticos com visões de mundo diametralmente opostas em muitos aspectos - democratas e republicanos, socialistas e conservadores, trabalhistas e liberais, social-democratas e democratas cristãos, etc. - sem que tenha havido ruptura institucional.

Na República e na democracia, por definição, o poder político é temporário: não é vitalício e muito menos hereditário ou tutelado. O poder é também limitado, devendo ser exercido com o devido respeito à Constituição, às leis e aos direitos e liberdades fundamentais. Numa democracia, portanto, deve haver a alternância do poder, não devendo nenhum partido político pretender nele se eternizar.

Bruno Boghossian: Palavras de domingo

- Folha de S. Paulo

País vai precisar de mais do que palavras para juntar cacos da eleição

O chamado à união é o acessório mais barato do manual dos vencedores. Palavras de conciliação e pedidos de diálogo são o mínimo que um presidente eleito pode oferecer a seu país. É preciso ir muito além quando as circunstâncias exigem.

Quem acredita que uma eleição dá aval à maioria para esmagar a minoria não procura uma urna eletrônica, mas um rolo compressor. O discurso que o Brasil ouvirá ao fim da apuração ainda não será suficiente para evitar que a intolerância seja reconhecida como ferramenta política.

O líder nas pesquisas foi muito longe nessa direção. No comício que fez pelo celular no domingo passado, Jair Bolsonaro ameaçou punir adversários e banir opositores. A fala de pacificação que promete fazer caso confirme sua vitória não apagará seus instintos autoritários. A conciliação dependerá de atos concretos.

Reeleita em 2014, Dilma Rousseff falou cinco vezes em diálogo, mas não estendeu a mão, nem mencionou o nome do rival Aécio Neves. “Não acredito, sinceramente, que essas eleições tenham dividido o país ao meio”, declarou, encantada com o próprio triunfo na corrida presidencial mais apertada da história.

Hélio Schwartsman: Justiça Eleitoral derrotada

- Folha de S. Paulo

Magistrados pecaram por decisões e omissões

Independentemente de quem vença o pleito deste domingo, a Justiça Eleitoral sai, se não derrotada, certamente menor. Diga-se em favor dos magistrados, que pecaram por decisões e omissões diversas, que eles não são os únicos culpados. O Parlamento também tem o seu quinhão de responsabilidade, por ter criado uma legislação muito ruim, ultradetalhista, autoritária, contraditória, que não pode ser posta em prática sem que se cometam injustiças.

Foi escandaloso, por exemplo, ver a polícia sendo acionada nos últimos dias para entrar em universidades e recolher faixas com dizeres antifascistas e até para impedir a realização de eventos sobre temas como ditadura e democracia. É grotesca a interpretação de que manifestações genéricas desse tipo configurem propaganda eleitoral. Ora, o próprio TSE se autointitula “Tribunal da Democracia”. Pela lógica dos magistrados, seu site também deveria ser derrubado.

Se a lei coloca em situação de irregularidade um cidadão que está participando de boa-fé do processo político, podemos afirmar que é a lei que está errada e não o cidadão.

Samuel Pessôa: A maré da direita

- Folha de S. Paulo

A política está funcionando; se a democracia estiver em risco, iremos para as ruas

No início, era o antipetismo. Essa coisa meio amorfa. Tomou a rua. Fiquei surpreso com o tamanho da onda.

No domingo passado (21), o capitão falou. À la Trump, disse um monte de impropérios. Condenou a diferença e prometeu destruir os opositores. Não falou nada muito diferente do que muito radical petista fala em convenção do partido.

Mas há conteúdo positivo, propositivo, no voto para o tenente que se aposentou como capitão.

Há uma genuína agenda conservadora em gestação. Reforço do direito de propriedade com a criminalização das invasões —seja de imóveis urbanos ou propriedade rural—, empregadas como mecanismo de pressão contra nossas desigualdades históricas.

Redução do gasto público com as organizações não governamentais e, penso eu, corte em benefícios da Lei Rouanet. Provavelmente cobrança de mensalidade para universidades públicas de quem pode pagar.

Recrudescimento das penas para crimes, flexibilização da maioridade penal, maior liberalidade no porte de armas e elevação das garantias de proteção à atuação das polícias no engajamento com criminosos.

Luiz Carlos Azedo: Quem ganhar, leva!

- Correio Braziliense

Chegar ao dia da eleição sem declarar o voto, para um cronista político, é um sofrimento maior do que o de um comentarista esportivo obrigado a reconhecer que o time do seu coração está entregando o jogo. Por isso mesmo, respeito muito a opção dos colegas que resolveram tomar partido publicamente nessa campanha eleitoral e não escondem tal fato. Acontece que fui treinado para tomar distancia do meu interesse imediato para melhor compreender o processo político em curso. Fiz disso um estilo, o que, em bom sociologuês, significa tratar o fato político como um objeto exterior ao observador. Vamos às urnas!

Antes de mais nada, o eleitor brasileiro está cada vez mais consciente da importância de seu voto e do poder que isso lhe atribui para mudar a realidade política do país. Foi um longo aprendizado, que passou de geração em geração. Em 1974, por exemplo, o tsunami acabou com a maioria absoluta que o governo militar tinha no Senado. Em 1978, impôs a necessidade de abertura política, que resultou na anistia. Em 1982, inviabilizou nova troca de generais na Presidência; se não foi suficiente para restabelecer as eleições diretas para presidente da República, em 1985, viabilizou a eleição de Tancredo Neves. O caminho para a conquista da democracia foi o voto popular, sem embargo dos protestos, greves e articulações políticas. Não foi a luta armada, uma trágica tolice política, por mais glamourizada que seja por alguns.

Há uma astúcia popular no voto sufragado que precisa ser levada em conta. Desde 1989, o povo vem fazendo escolhas nas eleições que fazem algum sentido. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Quando viu o desejo manifesto nas urnas frustrado, foi às ruas apoiar o impeachment do presidente da República. Foi o que aconteceu com Collor de Mello e Dilma Rousseff. Golpe? Golpe coisa nenhuma. Ambos foram apeados do poder com base na Constituição de 1988, que estabelece as regras do jogo.

Ricardo Noblat: À espera da fumaça branca

- Blog do Noblat | Veja

O PT já está no lucro

Existem chances, sim, de uma virada que por gigantesca e surpreendente seria chamada de histórica. Mas o mais provável ainda é que ela não aconteça, e que Jair Bolsonaro (PSL) vá dormir esta noite na condição de eleito presidente da República do Brasil.

Se o segundo turno não fosse hoje, talvez daqui a uma semana – quem sabe? Ou se Lula tivesse liberado mais cedo Fernando Haddad (PT) para concorrer no seu lugar… Se o louco de Juiz de Fora não tivesse esfaqueado Bolsonaro… Ou se, se, se…

O país sairá rachado desta eleição, mas isso não será nenhuma novidade, ora. Saiu rachado da eleição presidencial de 2014 quando Dilma Rousseff, que se negou a abdicar em favor de Lula, por pouco não foi derrotada por Aécio Neves (PSDB).

Não foi por isso que ela caiu. O racha poderá ser bom ou ruim a depender do comportamento futuro do vencedor. Em 2002, depois de três derrotas consecutivas, Lua ganhou com 62% dos votos. Ninguém superou a marca desde então.

Poderia ter se valido da expressiva vitória para tentar impor todas as suas vontades, mas não o fez. Jogou o jogo, até mesmo no que o jogo sempre teve de mais sórdido e reprovável. Reelegeu-se. Elegeu Dilma e a ajudou a se reeleger.

Rolf Kuntz: Reconhecer os fatos deve ser o primeiro ato do eleito

- O Estado de S.Paulo

Nenhum país precisa de um imitador de Trump nem de uma encarnação mediúnica de Lula

Confirmada a vitória, o primeiro desafio para o presidente eleito será reconhecer os fatos e repensar seu plano de governo e suas promessas. Sem isso, o choque de realidade poderá ser devastador. Os caminhos indicados pelos dois candidatos estão cheios de minas, algumas com alto poder explosivo. O Brasil estará muito mais seguro se o vencedor engavetar seus papéis, pelo menos por algum tempo, e pedir ajuda a quem tem estudado assuntos vitais para o futuro do País, como a política educacional, a produção de tecnologia, a modernização dos tributos, a reforma da Previdência, a integração global e a gestão do ambiente. A contribuição do PT em todas essas áreas foi próxima de zero, negativa em vários aspectos, e nada melhor que isso apareceu no programa do candidato Fernando Haddad. O candidato Jair Bolsonaro pelo menos admitiu a existência de alguns problemas graves, como a dívida pública muito alta e o desajuste da Previdência. Mas sua campanha foi assustadora em alguns momentos - por exemplo, quando reduziu o debate sobre a questão educacional a um indigente discurso ideológico.

Educação é componente fundamental da vida econômica. Pode-se discutir a política educacional a partir de vários ângulos, mas seria tolice negligenciar sua relevância para a produção, a competitividade e a criação de empregos. Só um dos candidatos, o tucano Geraldo Alckmin, apontou de forma clara e enfática a importância de considerar os padrões globais.

Ele incluiu entre as metas a melhora do desempenho brasileiro no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), conduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre representantes de 70 países, os brasileiros têm ficado perto da 60.ª posição nas provas de linguagem, matemática e ciências.

Durante a longa gestão petista a educação fundamental nunca foi prioritária. O grande objetivo, com retorno eleitoral muito mais seguro, foi sempre facilitar o acesso a faculdades. Uma pesquisa recente apontou a existência de 38 milhões de analfabetos funcionais. É fácil entender a escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, assim como os baixos níveis de produtividade e competitividade.

Eleição é uma etapa num processo de mudança na política: Editorial | O Globo

O crescimento de uma direita assumida melhora o equilíbrio ideológico da representação

O segundo turno das eleições presidenciais de 2018 traz a quebra da longa série de embates entre PT e PSDB, um duelo iniciado em 1994 e travado sucessivamente até 2014. Com um balanço largamente favorável aos petistas: oito anos consecutivos do tucano Fernando Henrique no Planalto; o mesmo período com Lula, quatro com Dilma Rousseff, eleita por Lula, e que ainda cumpriu um curto mandato adicional de pouco mais de um ano e meio, até sofrer impeachment, em agosto de 2016. Dilma cometeu crime de responsabilidade, passível de punição com perda de mandato, ao manipular a contabilidade pública, para escamotear déficits criados na desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal, incluída na Constituição.

Outro aspecto desta eleição é que PT, PSDB e demais partidos de alguma relevância chegaram à campanha manchados por desleixos com a ética. Lançada em março de 2014, a Lava-Jato passou a ser devastadora para PT, PSDB, MDB, PP, DEM, PTB, citando-se apenas os principais atingidos.

A grande fadiga de material que acelerou a corrosão do sistema político-partidário passou a abrir espaços para nomes que o eleitorado considerasse “novos” ou “outsiders”. Nem que não fossem tão novos nem outsiders assim.

A denúncia da existência do mensalão do PT, feita em 2005, foi a primeira avaria de algum porte sofrida por Lula e partido, ainda no início do primeiro mandato. E não pararia mais de surgirem malfeitos envolvendo petistas e seu chefe. Com o tempo, a exposição do PT a denúncias consistentes foi ampliada. Soube-se depois que o petrolão, o grande esquema de corrupção do lulopetismo e aliados, desvendado pela Lava-Jato, começou a ser montado na Petrobras já no primeiro mandato de Lula no Planalto.

A promulgação, por Dilma, em 2013, da Lei das Organizações Criminosas, consolidando juridicamente o mecanismo da “colaboração premiada” , daria as bases para que a Lava-Jato, a partir do ano seguinte, desmontasse a máquina de propinas criada pelo PT, a fim de financiar seu projeto de poder hegemônico. Não faltariam casos de enriquecimento ilícito.

Um deles, do próprio ex-presidente, preso em Curitiba por ter sido condenado em segunda instância, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no processo do tríplex do Guarujá —, recebido por Lula, segundo denúncia do MP aceita pela Justiça, da empreiteira OAS, em troca de facilidades em negócios na Petrobras.

Sem terceiro turno: Editorial | O Estado de S. Paulo

Depois de uma campanha eleitoral especialmente truculenta, em que a baixaria atingiu níveis inéditos e houve até atentado a faca contra um dos candidatos, os eleitores irão hoje às urnas praticamente sem saber o que de fato os dois postulantes à Presidência da República pretendem fazer para resolver os gravíssimos problemas nacionais.

A pobreza das propostas foi escamoteada pela troca de insultos e pela histeria, num clima de briga de torcidas que contaminou até mesmo as relações familiares e de amizade - não foram poucos os brasileiros que romperam contato com parentes e conhecidos em razão de suas opções políticas.

Ou seja, a campanha eleitoral que hoje termina foi muito além do tradicional e algumas vezes agressivo embate de programas para o País, quase sempre superado assim que as urnas fecham; o que se viu, por todos os lados, foi a completa recusa de ouvir a opinião alheia, de reconhecer a legitimidade de quem pensa de modo diferente e de usar a razão em vez da emoção. Provavelmente o desfecho da eleição não desanuviará de imediato tal clima de hostilidade.

Pode avizinhar-se, portanto, um terceiro turno, pois o resultado da eleição talvez não seja suficiente para aplacar os ânimos. Mas é preciso esquecer os discursos inflamados em que um lado falava em “metralhar” os simpatizantes do rival e o outro tratava o adversário como um ditador em potencial. Espera-se que a proclamação do vencedor seja capaz de encerrar a contenda eleitoral, a despeito da virulência da campanha. Afinal, o País necessita urgentemente de estabilidade e de medidas concretas para superar seus profundos desequilíbrios fiscais e estruturais, algo que só será possível por meio de um amplo acordo político.

Defesa da democracia: Editorial | Folha de S. Paulo

Qual Bolsonaro pode chegar à Presidência? O que promete pacificar o país ou o que age como chefe de facção de comportamento abominável?

Se confirmadas as pesquisas de intenção de voto, Jair Messias Bolsonaro será eleito hoje o 8º presidente do Brasil desde o fim da ditadura militar. Chegará ao Planalto levado por uma onda em que se misturam conservadorismo, antipetismo e um sentimento difuso contra o estado das coisas.

Contará com a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados e o apoio de governadores simpáticos à sua causa em estados importantes. Apesar da polarização profunda do país, terá a seu favor a boa vontade dispensada aos recém-alçados ao poder.

Mas qual Bolsonaro —confirmadas as pesquisas, vale repetir— assumirá o poder?

Esperava-se que o capitão reformado fizesse bom uso das três semanas a separar o primeiro do segundo turno para apresentar suas propostas, principalmente na área econômica, moderar a retórica extremista e acenar ao grande contingente de eleitores que fizeram outra opção em 7 de outubro.

Seu pronunciamento inicial se mostrou auspicioso. Ao Jornal Nacional, no dia 8, declarou-se “escravo da Constituição”, desautorizando seu vice, o general Hamilton Mourão, que aventava o despautério de uma nova Carta, a ser escrita por “notáveis”. O candidato do PSL disse ainda que pacificaria e uniria o povo brasileiro.

O que se viu nos dias seguintes foi o oposto disso.

Amparado no atestado de sua condição médica, fruto do ataque abjetoque sofreu em Juiz de Fora, Bolsonaro fugiu de debates no segundo turno, sendo o primeiro postulante ao cargo a fazê-lo desde a redemocratização. O impedimento não o privou de dar entrevistas à imprensa mais afável, no entanto, nem de participar de eventos políticos fora de casa.

Perdeu o eleitor a chance de conhecer um pouco mais que fosse do receituário de um candidato sem nenhuma experiência administrativa e que passou boa parte da campanha recolhido.

Que rumo dará à economia nacional, se eleito? O do parlamentar com registro de votos estatizantes e corporativistas ou o do liberal recém-batizado nas águas do mercado, que promete bater continência a Paulo Guedes?

Graziela Melo: Poema triste

Quantas vidas se passaram
Tantas águas desabaram!
Bocas que se encontraram,
Barcos que navegaram
E naufragaram!!!

Sonhos que engendrei,
Se esfumaram e
Os resonhei

Por quantas ruas vaguei
Nos bares por onde andei,
Botecos a onde entrei,
Te busquei!!!

Esquinas onde espreitei
Teus olhos nunca encontrei,
Sempre que os procurei

Mas nunca os esquecerei!!!