sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

José de Souza Martins: Consumidor insurgente

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A nova e confusa direita brasileira alimenta seus antagonismos e combates contrapondo-se a inimigos ideológicos velhos de mais de meio século. Enquanto se prepara para governar em nome de concepções políticas ultrapassadas, fora de seus domínios surgem novas e sutis formas de compreensão das contradições e antagonismos sociais. As sociedades mudam mesmo depois de mudar. Outras formas de ação política emergem.

São fortes os indícios de que o novo sujeito social das tensões e enfrentamentos políticos já não é nem mesmo a rua, cujo potencial pode ter se esgotado nas manifestações antipetistas que ganharam corpo a partir de 2013. As eleições de 2018 podem ter posto fim à eficácia desse tipo de luta política.

O novo sujeito da ação emerge, no mundo neoliberal, da indignação moral da aparentemente irrelevante figura do consumidor, uma variante dos que se expressaram nas ruas e nas redes sociais. É aquela que sob a passividade anestesiante da sociedade de consumo não se rende à desumanização e à coisificação que decorrem do primado da mercadoria e do dinheiro na vida do homem comum e moderno. Uma insurreição silenciosa vai se esboçando.

A atenção popular vê coisas que economistas, empresários e empresas não veem. Caso recente foi o da cachorrinha violentamente morta pelo segurança de um supermercado, de Osasco, de famosa rede internacional. Tudo motivado pela subserviente "limpeza de área" em virtude da próxima visita de diretores da empresa.

Nos protestos à porta do estabelecimento e em manifestações similares diante de outros estabelecimentos da rede, em outros pontos do país, ficou evidente que a relação entre o cliente e a empresa é bem diferente da relação entre a empresa e o cliente. O que não tem sentido para aquela tem sentido para este. O que para aquela se esgota no ato puramente econômico e lucrativo da venda de um produto, para este se desdobra para além da mera compra e ganha sentido na própria circunstância da relação de compra e venda.

Fernando Abrucio: Quando o maior inimigo são os aliados

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Terminada a fase de montagem do ministério, constata-se que o futuro governo vai abrigar diversos grupos e ideias diferentes. Até certo ponto isso é natural, porque governar um país tão heterogêneo como o Brasil significa abrir espaços para várias correntes políticas e sociais. Mas as contradições e ambiguidades que aparecem no discurso dos aliados e em seus interesses não serão facilmente arbitrados pelo presidente eleito. Ao contrário, pode ser que aqueles que hoje estão de mãos dadas com Bolsonaro se tornem sua maior dor de cabeça na lua de mel presidencial.

Geralmente se pensa que o maior adversário de um governo eleito é a oposição derrotada nas urnas. No caso brasileiro, nem sempre isso é verdadeiro, porque há dois vetores de dispersão do poder: a fragmentação do Congresso Nacional, que vem crescendo na última década, e a pluralidade de partidos que elegeram governadores de Estados. No momento atual, a principal oposição é o PT, que tem força importante nas governadorias do Nordeste, mas está longe de ter força institucional para ser um obstáculo ao Executivo federal.

A chance de o PT barrar propostas e projetos do governo Bolsonaro está em se aliar a outras legendas partidárias. E isso não será tão fácil por duas razões. A primeira é que os partidos querem ter uma relação diferente com o petismo, pois temem ser hegemonizados ou, pior, receber respingos do antipetismo e perder votos nas próximas eleições. Em segundo lugar, a situação é de crise de todo o núcleo anterior do sistema partidário, gerando, pelo menos no curto prazo, uma fragilidade em todas as agremiações.

Vale lembrar que, na época do governo FHC, o PT ainda tinha muito mais força nos grupos organizados da sociedade civil, o que lhe conferia um poder de fogo importante no jogo contra o governismo. Atualmente, essa capacidade de aglutinação e apoio social reduziu-se sensivelmente. Vários fatores podem explicar esse fenômeno: mudanças econômicas e demográficas, decepções com o petismo e agora a reforma trabalhista, entre outros, enfraqueceram o suporte do Partido dos Trabalhadores. De todo modo, o PT terá que se voltar novamente às bases do eleitorado para se reconstruir. Mano Brown estava certo.

As outras legendas estão em situação ainda pior, em particular o centro do sistema político, que perdeu votos, cadeiras e rumo. Esperar que a oposição se organize a partir desse grupo é, no curto prazo, pouco provável. Há outros potenciais adversários do presidente Bolsonaro, como os sindicatos (enfraquecidos pela reforma trabalhista), universidades, movimentos sociais, ONGs e até empresários, pois o ministro Paulo Guedes aparentemente quer fazer reformas para mexer com os capitalistas do país, como no caso da mudança do Sistema S.

Todos eles deverão fazer algum barulho e poderão crescer com os erros do governo. Mas, por ora, seu poderio é disperso e não tem a capacidade de paralisar a gestão do presidente Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde: As bruxas estão soltas

- O Estado de S.Paulo

Executivo, Judiciário e Legislativo terminam 2018 como começaram: surpreendendo e chocando

Às vésperas do Natal e da posse de Jair Bolsonaro na Presidência, as bruxas estão soltas em Brasília, com decisões contundentes, ou chocantes, para todo lado. A reverência do ministro Marco Aurélio Mello ao ex-presidente Lula, o pendor corporativista do ministro Ricardo Lewandowski, o deputado Rodrigo Maia esquecendo que é economista...

E mais: a PGR na cola do presidente Michel Temer nos estertores do mandato, a PF revirando imóveis de Aécio Neves, as revelações sobre Gilberto Kassab ameaçando sua posse na Casa Civil de Doria e a condenação de Ricardo Salles por improbidade administrativa pairando sobre sua vaga no Meio Ambiente de Bolsonaro.

E o motorista milionário do gabinete do senador eleito Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio? Esse fantasma incomoda o clã Bolsonaro e pode incorporar hoje, quando Fabrício Queiroz finalmente deve depor ao Ministério Público sobre suas movimentações bancárias “atípicas”.

Fabrício deporia na quarta-feira passada, mas seus advogados alegaram que ele não passava bem e que eles próprios não tinham tido tempo suficiente para se inteirar de todos os detalhes do processo. Todo mundo estava voltado para o solta-não-solta o ex-presidente Lula e daria pouca atenção ao funcionário. Hoje, a história é outra. Sem assunto, o grande assunto será ele.

A dedução geral, certa ou errada, é que Fabrício Queiroz não apareceu na quarta-feira por um motivo bem mais explosivo: a falta de explicações. Por que, com um salário de pouco mais de R$ 8 mil, ele movimentou R$ 1,2 milhão num ano? Os valores entravam e saíam de sua conta em dinheiro vivo? Os depositantes eram os outros funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro? E o cheque para Michelle Bolsonaro?

Flávio diz que não tem nada a ver com isso, mas qualquer deslize ou incongruência no depoimento de Fabrício, hoje, vai cair naturalmente nas costas de Flávio. Tudo acontecia no seu gabinete, envolvendo seus funcionários, tendo como pivô um motorista que era amigo dos Bolsonaro e que empregava ali a própria família. E, afinal, o gabinete não era do motorista, era do deputado Flávio.

Elena Landau: #FicaTemer

- O Estado de S.Paulo

O essencial é o presidente e a equipe econômica falarem a mesma língua

Com o leilão da empresa de Alagoas (Ceal) no dia 28 enfim se completa o ciclo de privatização das distribuidoras da Eletrobrás. Independentemente do seu resultado, a política de desinvestimento da empresa já é um sucesso: cinco empresas mal administradas e cronicamente deficitárias passam a ser geridas sem influência política.

O governo Temer começou com 156 empresas estatais, tendo 43 delas sido criadas durante os governos PT e com elas mais de 100 mil novos empregos foram contratados. Ao final do governo Dilma, o total de empregados chegou ao recorde de 550 mil. As muitas dezenas de empresas acumulavam prejuízos que ultrapassavam R$ 25 bilhões. Com a mudança da administração e um choque de governança, ajudado pela nova Lei das Estatais, o panorama é outro; elas terminarão este ano com lucro acima dos R$ 50 bilhões e 50 mil funcionários a menos.

E mais: 21 estatais estão fora das mãos do governo. Resultado do bom trabalho dos técnicos da SEST. E esse não é um caso isolado. No Ministério da Fazenda reformas microeconômicas, como cadastro positivo e o fim da TJLP, ajudaram a diminuir o custo e a desigualdade no acesso ao crédito. A TLP provocou um rápido e eficiente processo de crowding in, contradizendo o antigo discurso desenvolvimentista. Até mesmo no financiamento à infraestrutura, o mercado de capitais privado superou o desembolso do BNDES. O PSI (Programa de Sustentação do Investimento) do BNDES que oferecia linhas de créditos fortemente subsidiados, iniciado em 2009 e acelerado por Dilma, também foi suspenso. Em boa hora, já que o apoio a esse programa pelo Tesouro custou cerca de R$ 500 bilhões. Uma política que, além de inútil, posto que não gerou nem aumento na produtividade nem na taxa de investimentos, foi injusta ao por alocar dinheiro dos contribuintes para quem menos precisava. Aliás, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos subiram de 0,5% do PIB em 2007 para 9,5% em 2015.

Celso Ming: O ressentimento das classes médias e o Brasil

- O Estado de S.Paulo

Após a eleição de Jair Bolsonaro, os partidos derrotados já têm consciência de que é preciso entender o que sente a sociedade, mas não têm clareza sobre como resgatar a esperança popular

Não foi apenas o PT que perdeu seu contato com a população. O PSDB cometeu o mesmo erro, com estragos talvez maiores. A rigor, a classe política saiu desestruturada das eleições e agora precisa de realinhamento. Não está claro em que direção e sob qual liderança.

A novidade com a qual os políticos não contavam é o profundo ressentimento das classes médias pelos políticos. Hoje se sentem lesadas por governos alienados, que não entregaram o que prometeram e, mais do que isso, que preferiram fazer o jogo do poder, tomaram as instituições do Estado e desviaram recursos públicos, em grande parte das vezes nem para a “causa”, mas para proveito próprio, como a Operação Lava Jato sobejamente demonstrou.

Esse ressentimento popular não é fenômeno exclusivamente brasileiro. Por toda parte aparece como adesão das classes médias a lideranças comprometidas com propostas autoritárias, populistas, xenófobas, de grande aversão aos imigrantes e, do ponto de vista da política econômica, eivadas de protecionismo.
É o que se viu com a eleição do presidente Trump nos Estados Unidos; com o Brexit; com as seguidas derrotas eleitorais da chanceler Angela Merkel, na Alemanha; com a ascensão de Matteo Salvini, na Itália, e de Recep Erdorgan na Turquia; com a força obtida pela direitista Marine Le Pen, na França; e, ainda, com o fortalecimento dos partidos da direita nacionalista na Áustria, na Hungria e na Polônia.

Aqui no Brasil, o ressentimento começou a aparecer mais fortemente nas manifestações de 2013 e, em seguida, nas furiosas batalhas digitais via WhatsApp que culminaram nas últimas eleições cujos resultados mostraram o repúdio às práticas da política tradicional.

Hélio Schwartsman: A liminar de Marco Aurélio

- Folha de S. Paulo

O que motivou ministro foi mais a vontade de aparecer do que a de alterar situação jurídica

É mais a psicologia do que as ciências jurídicas que explica a decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, de suspender a prisão de condenados em segunda instância.

O mais contramajoritário dos magistrados aproveitou a chegada do recesso para dar um caráter ainda mais bombástico à sua liminar, ignorando que já havia sido marcada uma data para o julgamento da questão pelo plenário e desafiando a decisão colegiada sobre a matéria que está em vigor, apesar de não ser definitiva.

De resto, Marco Aurélio tem suficientes anos de casa para desconfiar que sua liminar seria cassada pela presidência do STF, como de fato aconteceu, de onde se conclui que foi mais a vontade de aparecer do que a de alterar a situação jurídica de milhares de presos que o motivou. Marco Aurélio é reincidente nesse tipo de espetáculo, mas não é o único magistrado a estrelar solos na corte.

No que diz respeito ao mérito da prisão em segunda instância, há bons argumentos jurídicos tanto para defendê-la como para exigir que o encarceramento só ocorra após o trânsito em julgado. Tudo depende da perspectiva filosófica que se adota em relação ao direito.

Os mais principistas tendem a abraçar a tese de Marco Aurélio. A presunção de inocência é uma garantia fundamental, devendo, portanto, ser preservada em grau máximo. Já aqueles com pendores consequencialistas, grupo no qual me incluo, buscam, tanto quanto possível, compatibilizar o respeito a princípios com os resultados práticos das interpretações que se dão à Carta e às leis.

Bruno Boghossian: O primo húngaro

- Folha de S. Paulo

 O que Bolsonaro pode aprender com seu primo húngaro

Embora a retórica ideológica tenha ocupado boa parte do tempo de Jair Bolsonaro no período de transição, suas prioridades precisarão mudar a partir de 1º de janeiro. O presidente eleito receberá a faixa com a popularidade em alta, mas seu sucesso dependerá de mudanças nos ponteiros da economia.

Acontecimentos recentes na Hungria podem servir de advertência. Em seu terceiro mandato seguido, Viktor Orbán ampliou seu poder ao corroer as instituições democráticas do país. O premiê capturou o Judiciário, manipulou o sistema eleitoral e ampliou o controle dos meios de comunicação, provocando reação de organismos internacionais.

Sua popularidade, entretanto, continuou praticamente intacta. Na última eleição, em abril, seu partido renovou no Parlamento a supermaioria de dois terços necessária para fazer mudanças na Constituição.

O primeiro revés significativo só ocorreu na semana passada, com a aprovação de uma lei que flexibiliza direitos trabalhistas. Pelo texto, patrões poderão exigir que funcionários trabalhem o equivalente a um dia a mais por semana, podendo pagar as horas extras só três anos depois.

Reinaldo Azevedo: Que Bolsonaro modernize Guedes

- Folha de S. Paulo

Ou o presidente vira o conselheiro do ministro da Economia ou a nau afunda

Os tais "mercados", vocês sabem, têm em Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, a garantia de que Jair Bolsonaro não vai sair do eixo. É mesmo? Vai aqui uma leitura que contraria o senso comum nesse grupo influente, mas ingênuo em política: espero que Bolsonaro seja a garantia de que Guedes não vá sair do eixo. Se, a partir de 1º de janeiro, o presidente não ministrar uma mistura de Rivotril com Aristóteles a seu contador arrogante, pode esperar crises em cascata. "Impossível o Aristóteles?". Ok. Só o Rivotril já ajuda.

O discurso de Guedes na Firjan (Federação das Indústrias do Rio), na segunda (17), quando prometeu "meter a faca no Sistema S", constituiu um notável espetáculo de truculência. A promessa veio junto com uma ameaça: referindo-se a Eduardo Eugênio Gouveia Vieira, presidente da entidade, que oferecia o almoço, arreganhou os dentes: "Se tivermos interlocutores inteligentes, preparados, que queiram construir, como o Eduardo Eugênio, cortamos 30%; se não tiver, é 50%". Marcos Cintra, da equipe de transição, já anunciou que a intenção é tomar metade dos recursos. Síntese: não haveria, pois, no empresariado, "interlocutores inteligentes". No encontro, o ex-banqueiro não desceu do salto da ironia em momento nenhum. Quando anunciou a facada, ele mesmo fez um "Ohhh", simulando a reação de espanto dos empresários que o ouviam, reduzidos a infantilidade.

O Sistema S é uma espécie de imposto —o correspondente a 2,5% da folha de pagamento—, administrado por entes que representam setores empresariais. Por óbvio, compõe a carga tributária, que recai sobre todos, mas só beneficia a parcela que usufrui dos serviços oferecidos. Ditas as coisas dessa maneira, pergunte-se: por que não fincar a faca até o cabo e extinguir "isso daí"? No manual do perfeito idiota liberal latino-americano, todos sairiam lucrando.

Vinicius Torres Freire: Quem pagará os impostos das empresas?

- Folha de S. Paulo

Economistas de Bolsonaro querem reduzir a carga tributária sobre a folha de salários

Os economistas de Jair Bolsonaro estão animados com a ideia de enxugar quase todos os tributos que incidem sobre a folha de salários das empresas. Em geral, em tese e em si mesma, é uma ideia correta, que em teoria tende a baratear o custo de empregar, entre outras vantagens. Mas não é simples assim.

A carga de impostos sobre a folha de salários é uma das tantas aberrações brasileiras. É preciso e possível reduzir um tanto esse peso. Os economistas de Bolsonaro, no entanto, falam até em acabar com as contribuições previdenciárias sobre a folha de salários, o que é um problemaço fiscal, redistributivo e mesmo de teoria tributária.

Para começar pelo curto e grosso: quem paga a conta das desonerações da folha? Há impostos que de fato não deveriam estar ali. Por exemplo, os R$ 19 bilhões de contribuições para o Sistema S e os R$ 20 bilhões do salário-educação, que vão para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (que vai para programas de apoio à educação básica e para estados e municípios).

Tirar toda a contribuição previdenciária da folha de salários é um problema ainda maior e multifacetado.

Uma estimativa de guardanapo indica que a contribuição patronal para a Previdência (tirando o pessoal do Simples etc.) deve ter sido de pelo menos uns R$ 190 bilhões em 2017, uns 2,8% do PIB, 50% mais que o déficit público primário, por exemplo.

Míriam Leitão: Vício e virtude do Sistema S

- O Globo

Sistema S tem vícios e virtudes. É preciso manter o que dá certo, mas acabar com zonas de sombras que permanecem sobre algumas das suas atividades

A declaração do futuro ministro Paulo Guedes sobre o Sistema S provocou tremores e temores, mas precisa ser entendida mais profundamente. O Sistema S tem inúmeras qualidades e trabalhos meritórios, e tem uma zona de sombra no financiamento da representação empresarial. É isso que o ministro quis dizer quando comparou com a CUT, que perdeu o dinheiro do imposto sindical. O desafio do próximo governo vai ser corrigir as distorções sem atingir as “louváveis atividades educacionais”, na expressão de um integrante da próxima administração.

A grande crítica dos economistas em geral, e dos liberais em particular, ao Sistema S, tem até um símbolo: a pirâmide da Fiesp na Avenida Paulista. A época da construção da sede foi o auge da confusão no uso desses recursos. Criou-se uma espécie de holding, o Sistema Fiesp, e nele os dinheiros se misturavam: o que vinha dos impostos pelo Sistema S, para financiar a qualificação do trabalhador, e o dinheiro recolhido dos sindicatos patronais. Esse caixa comum financiava tudo, das escolas à representação. Essa estratégia do caixa único foi replicada no Brasil inteiro e financiou tudo: sedes próprias, defesa dos interesses empresariais no Congresso, lobby protecionista, alavancagem de algumas carreiras políticas. E tudo isso com dinheiro que onera a folha de pagamento, apesar de o custo da folha sempre ser criticado pelos próprios empresários.

Bernardo Mello Franco: Temer se despede com deboche e autoelogios

- O Globo

A poucos dias de deixar o Planalto, o presidente inaugurou um memorial a si mesmo e indicou um aliado ficha-suja para a direção da Anvisa

Michel Temer vai perder o foro privilegiado, mas não quer perder a piada. Na última reunião ministerial, o presidente fez troça com os constantes protestos contra seu governo. “Vou sentir muita falta do ‘Fora, Temer’. Quando falavam ‘Fora’, era porque eu estava dentro. Agora estarei fora mesmo”, gracejou.

É melhor rir do que chorar, mas Temer não tem muitas razões para mostrar os dentes. Ele deixará o poder como o presidente mais detestado desde o fim da ditadura. Seu governo é reprovado por 85% dos brasileiros, informou o Ibope na semana passada.

Se a saudade do “Fora, Temer” pode soar como humor inoportuno, os últimos atos do presidente refletem uma clara atitude de deboche. No início da semana, ele indicou o notório André Moura para o cargo de diretor da Anvisa. O deputado já foi alvo de quatro condenações na Justiça.

Na quarta-feira, o presidente tomou um avião da FAB para inaugurar um monumento a si mesmo: o Centro de Memória Michel Temer, em Itu. O local vai abrigar 76 mil itens, sendo que 47 mil serão cópias de e-mails. O acervo também reunirá 1.129 mídias audiovisuais. O Planalto não informou se a gravação com o empresário Joesley Batista integra a lista. Deveria, porque nela o emedebista disse a frase mais marcante dos seus 963 dias de governo: “Tem que manter isso, viu?”.

Nelson Motta: Cultura é bom negócio

- O Globo

A cultura diverte, emociona, informa, critica, discute e fantasia a vida real de cada um e do país

Parece um pouco estranho ver a Secretaria de Cultura dentro do Ministério do Desenvolvimento Social. Pero no mucho .

Afinal, não pode haver desenvolvimento social sem cultura. Não passar fome não é desenvolvimento, é sobrevivência. Mesmo com emprego e proteção social, sem cultura não haverá desenvolvimento humano. São os livros, filmes, músicas, peças, artes plásticas, museus e balés que desenvolvem a sensibilidade coletiva, é a industria cultural nacional que constrói nossa identidade e unidade.

“A gente não quer só comida/ A gente quer comida, diversão e arte”.

A cultura é um instrumento do desenvolvimento social porque diverte, emociona, informa, critica, discute e fantasia a vida real de cada um e do país. Sem ela, serão massas de trabalhadores mal pagos em tarefas repetitivas que logo serão feitas por robôs. Os desinformados sofrem pelos motivos errados e apoiam decisões contra eles mesmos.

Alta ou baixa, popular ou erudita, nacional ou regional, a cultura é expressão da nacionalidade, e na era moderna se transformou num motor da economia gerando divisas e prestígio internacional como soft powerque cria simpatia e abre mercados.

Dora Kramer: Auxílio insultuoso

- Revista Veja

O caso aproxima o Judiciário dos piores momentos do Legislativo

A maneira como o Judiciário lidou com o caso da concessão de auxílio--moradia a seus pares lembra os piores momentos das mais insidiosas transações feitas no âmbito do Legislativo, causa direta do repúdio da população à política em geral, senadores e deputados em particular, e uma das mais fortes motivações para a ascensão de Jair Bolsonaro de coadjuvante no Congresso a protagonista da Presidência da República.

O resultado final aparentemente correto, no qual o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impõe uma série de restrições à autorização do adicional para ajuda de pagamento de moradia, não passa de uma aparente correção.

São elas: só pode receber auxílio o magistrado transferido de sua comarca de origem para outra localidade onde não tenha imóvel funcional nem próprio, incluindo nisso o cônjuge ou qualquer pessoa com quem divida a casa; o benefício será temporário, concedido mediante comprovação do gasto e restrito ao pagamento de aluguel, excluídas todas as outras despesas.

Mas espere aí, isso tudo podia? Ganhar a graninha (4 377,73 reais) mesmo tendo casa na cidade ou morando com alguém que tivesse? Era para a vida toda, sem comprovante e podendo pagar condomínio, impostos (IPTU, por exemplo) ou qualquer outra coisa sem restrição? Por incrível que pareça, era aceito, a despeito de a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) estabelecer que a ajuda de custo seria paga “onde não houver residência oficial à disposição do magistrado”.

Claudia Safatle: É mais eficaz jogar dinheiro de helicóptero

- Valor Econômico

Políticas públicas, no Brasil, agravam a desigualdade

Há algo de muito errado nas políticas públicas do país. Uma debruçada sobre dados coletados e organizados por técnicos do Ministério da Fazenda leva a conclusões aflitivas sobre o impacto das políticas públicas na redução das desigualdades.

Que o Brasil é um campeão da desigualdade já se sabe. O mais grave é que as políticas de gastos tributários, decorrentes da concessão de benefícios fiscais, assim como as transferências monetárias (pagamento de aposentadorias e pensões) por classe de renda, que deveriam ajudar em uma melhor distribuição da riqueza, estão, ao contrário, agravando esse quadro.

Os assessores da Secretaria de Política Econômica (SPE) da pasta da Fazenda criaram a tese do "helicóptero" como instrumento para dimensionar a regressividade ou a progressividade dos gastos tributários na distribuição da riqueza. A tese pressupõe que jogar dinheiro pelas janelas de um helicóptero, considerando que todos os cidadãos vão pegar a mesma quantia, é mais distributiva do que a grande maioria dos gastos tributários - que mais do que dobraram entre 2003 e hoje. Eram de 2% do PIB e subiram para 4,1% do PIB.

Para construir a tese, os técnicos tomaram o helicóptero como o ponto neutro da comparação.

Os programas de desenvolvimento regional, de benefícios do trabalhador, as isenções de impostos para os rendimentos das cadernetas de poupança e das letras imobiliárias, assim como o Simples, dentre as diversas isenções de impostos e reduções de alíquotas, fazem parte do leque de gastos tributários cujos efeitos sobre a renda são regressivos.

Luiz Carlos Azedo: O “poder moderador”

- Correio Braziliense

“A grande imprensa e o Ministério Público emulam com o Supremo como “contrapeso” aos poderes Executivo e Legislativo”

Quando tentou revogar por liminar a jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina a execução imediata de pena após condenação em segunda instância, o ministro Marco Aurélio Mello, com toda a sua experiência, colocou em xeque o presidente da Corte, Dias Toffoli, que se viu obrigado a sustar a liminar tão logo isso foi solicitado pelo Ministério Público Federal (MPF). A decisão representaria a libertação imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de mais 169 mil presos, entre os quais outros notórios autores de crimes de colarinho branco e alguns milhares de estupradores e assassinos.

Era meio óbvio que a liminar monocrática, no último dia antes do recesso do judiciário, iria provocar uma comoção popular e grande estresse político. A repercussão foi tanta que a questão chegou a entrar na pauta da reunião do Alto Comando do Exército, que já estava agendada. Esse não é um assunto sobre o qual cabe aos militares deliberar, mas os desdobramentos políticos e sociais possíveis, ao se imaginar o circo que seria armado em torno da libertação de Lula e seu deslocamento até São Bernardo do Campo, em São Paulo, não poderiam ser subestimados. Seria o primeiro ato da campanha eleitoral de 2022, iniciada antes mesmo de o presidente eleito tomar posse. Fora do poder, Lula não sabe fazer outra coisa.

Digamos que o papel de “poder moderador” que o STF avocou para si, a partir do princípio de que é o guardião da Constituição de 1988, provavelmente entraria em colapso, tamanha a escalada da tensão entre os poderes, ainda mais às vésperas da posse do novo presidente da República, Jair Bolsonaro, e diante do fato de que Marco Aurélio, em outra decisão, também invadiu as atribuições do Senado. O ministro do STF determinou que eleição do presidente do Senado seja feita com voto aberto, quando o regimento daquela Casa diz que o voto deve ser secreto, exatamente para impedir a interferência de outros poderes.

No Brasil, com suas peculiaridades políticas, o “poder moderador” é uma herança do Império. Foi incorporado à Constituição de 1824 por Dom Pedro I, inspirado no esquema clássico de separação de poderes. Montesquieu, que os dividiu em Executivo, Legislativo e Judiciário, mas acrescentou mais um: o poder real. Na França, o modelo parlamentarista inglês, no qual o rei não governa, nunca foi adotado. Nas monarquias constitucionais, em tese, o soberano deveria moderar as disputas entre os poderes, buscando a conciliação; na prática, o que acontecia era exatamente o contrário.

Natal: há 40 anos voltei do exílio

Exilados voltam e passam o Natal explicando por que voltaram sem passaportes

JORNAL DO BRASIL - terça-feira, 26/12/78

Legenda: Graziela e Gilvan Cavalcanti de Melo foram liberados na Polícia Marítima às 11 horas

Fora do país há seis anos, absolvido em setembro ultimo da acusação de pertencer ao PCB, o ex-funcionário do INPS Gilvan Cavalcanti Melo, chegou do Panamá com a mulher e os dois filhos, no domingo e foi preso. A Embaixada do Brasil informara que poderiam desembarcar só com a carteira de identidade, mas a polícia deteve o casal por 12 horas durante a noite de Natal, para saber porque estavam sem passaportes.

O Sr Gilvan e D. Graziela Cavalcanti Melo passaram a noite num sofá da Delegacia de Polícia Marítima, onde foram interrogados ontem de manhã e liberados depois de preencherem um questionário mimeografado. Os filhos, Gilvan de 16 anos, paralítico, e Ana Amélia , de 12, foram dispensados pela polícia ainda no aeroporto e ficaram com parentes.

GARANTIA

Hoje, com 43 anos, o Sr Gilvan de Cavalcanti Melo, nascido em Pernambuco, foi demitido do INPS por decreto baseado no AI-5, em 1972, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro. Logo após foi com a família para Buenos Aires, Porto Alegre e finalmente Santiago onde trabalhou na Corporação de Fomento.

Com a derrubada do Governo Allende, asilaram-se na Embaixada do Panamá, país onde o Sr. Gilvan conseguiu trabalho numa empresa de administração. Morou durante algum tempo em Cuba que lhe forneceu documento de identidade.

Ao saber de sua absolvição em processo na 2ª Auditoria da Marinha em 19 de setembro, o Sr Gilvan consultou a Embaixada do Brasil no Panamá e recebeu a garantia de que poderia voltar normalmente apenas com a carteira de identidade brasileira emitida em 1972 se viajasse por uma empresa aérea brasileira.

A família embarcou num vôo da Varig às 8,43 de domingo e chegou ao Aeroporto Internacional do Rio às 19,50. Levados para a Polícia Marítima e Aérea, o casal e os dois filhos foram informados de que teriam que prestar depoimentos, por não estarem com passaportes.

Após entendimento com os policiais, o Sr Gilvan conseguiu que os filhos fossem liberados, enquanto ele e a mulher eram levados à sede da Polícia Marítima, na Av. Rodrigues Alves. Ali passaram a noite do Natal, recostados num sofá. O advogado Humberto Jansen chegou à delegacia às 7hs, mas só conseguiu liberar o casal, às 11h, depois que os dois prestaram depoimentos de uma hora cada um. 

No questionário tiveram que informar as condições de saída do país, como viviam e onde trabalhavam no exterior e porque voltaram. “Agora o que quero fazer mesmo é assistir um jogo do meu Vasco”, disse o Sr Gilvan.

Verdades e falsas lições de 2018: Editorial | Època

O ano se encerra. O calendário convencionado pelos homens indica a renovação e convida à reflexão sobre o período que passou. As horas de balanço são saudáveis exercícios de revisão de atos, pensamentos e proposições. ÉPOCA convidou dezenas de personalidades a apresentar as lições que 2018 deixa — e estampa o resultado nesta edição especial.

São tantas as possibilidades de abordagem do tema que é difícil resumi-las aqui. Por exemplo, é possível enumerar não lições: ideias e avaliações que se mostraram desvirtuadas, incompletas ou equivocadas.

Amaldiçoar a política, apontando-a como fonte de toda corrupção, talvez seja a primeira dessas não lições de 2018. Mais: dizer que o sistema eleitoral não expressa a vontade popular porque está dominado pelo dinheiro ou porque foi desvirtuado por máquinas de notícias falsas; reclamar de que as casas legislativas reúnem os de pior caráter associados com os de maior ganância; limitar eleitores ao estereótipo de cordeiros dispostos a dizer “sim”.

Outra não lição é resumir o voto diferente do próprio às categorias do alienado, do desinformado ou do desenganado. Um erro comum é atribuir à ignorância algo que pode ser explicado a partir de variáveis e realidades diferentes daquelas em que uma verdade se construiu.

Uma lição factual a registrar-se é que a linguagem violenta — na política ou na sociedade —, incluindo ameaças sub-reptícias ou explícitas, aplaina o caminho para a violência física. Aterrorizar os adversários com ameaças e alimentar o clima da medo são estratégias que se voltam para seus propagadores mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente.

Deboche no Supremo: Editorial | O Estado de S. Paulo

Chega a ser tedioso ter de reafirmar o óbvio, mas não há democracia sem segurança jurídica. Um dos pilares dessa segurança é a jurisprudência assentada pelos tribunais superiores, que serve de referência para a interpretação das leis. Por esse motivo, a jurisprudência não pode ser questionada a todo instante, muito menos atropelada pela vontade individual de algum magistrado, sob pena de transformar o sistema judiciário do País numa loteria. No limite, quando esse sistema envereda pelo caminho da imprevisibilidade, falha em sua tarefa de alcançar a pacificação social e ameaça até mesmo a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Assim, a vergonhosa aventura protagonizada na quarta-feira passada pelo ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal, ao conceder intempestiva liminar para suspender a possibilidade do início da execução penal após condenação em segunda instância, constituiu gravíssimo atentado ao princípio da segurança jurídica. De quebra, deixou o País intranquilo diante da perspectiva de que, a partir da canetada de um ministro do Supremo, o ex-presidente Lula da Silva pudesse ser libertado, situação que certamente causaria tumulto e confusão, ainda mais às vésperas da posse do presidente Jair Bolsonaro.

Como se sabe, existe jurisprudência firmada desde 2016, quando o plenário do Supremo decidiu, a partir do julgamento de um habeas corpus, que um réu condenado por órgão colegiado em segunda instância poderia começar a cumprir imediatamente a pena. Considerou-se que, nessa situação, não há mais por que se falar em presunção de inocência, pois a culpabilidade do réu já está devidamente assentada. É o que acontece na maioria dos países civilizados.

Ministros têm de defender a imagem do STF: Editorial | O Globo

Liminares concedidas por Marco Aurélio e Lewandoswski arranham o Poder Judiciário

Sabe-se qual a relevância de um Poder Judiciário respeitado ao se dar um balanço do protagonismo da Justiça nestes 30 anos de redemocratização, destacando-se o papel-chave, junto com o Ministério Público, que tem exercido neste ciclo histórico de enfrentamento pelo Estado brasileiro da corrupção instalada nas altas esferas públicas, por empresários e políticos poderosos.

Isso tem dado uma essencial segurança jurídica ao país. Daí ser deplorável que se volte a testemunhar a ação de ministros do Supremo, valendo-se do início do recesso da Justiça, para tomar decisões individuais, ou monocráticas, no jargão togado, em assuntos controvertidos que necessitariam ser levados ao escrutínio do plenário da Corte.

Esta pegadinha jurídica — sem discutir que tipo de interesse se move por trás de cada liminar solitária concedida —visa a tornar fato consumado veredictos no mínimo polêmicos, salvo recursos impetrados no plantão da Corte, que pode ser exercido pelo seu presidente.

No caso, Antonio Dias Toffoli, responsável por atender ao pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e derrubar deliberação de Marco Aurélio Mello para que fossem soltos todos os presos em cumprimento depena confirmada na segunda instância, anã ose rosques e encontravam em prisão preventiva.

O ministro assinou a determinação na quarta, pouco antes do início do recesso, depois de almoço de confraternização dos magistrados do Supremo, durante o qual não tocou no assunto. Não merece comentários.

A faca e o Sistema S: Editorial | Folha de S. Paulo

Há motivos para rever financiamento de entidades, como quer Paulo Guedes, mas de modo gradual

A equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), estuda, além de uma reforma previdenciária, um plano ambicioso de privatização e um redesenho da cobrança de impostos que tem provocado celeuma até mesmo no empresariado.

A controvérsia mais recente se dá em torno das contribuições obrigatórias —tributos, na prática— para o chamado Sistema S, que reúne entidades de serviço social e qualificação profissional como Sesi, Sesc, Senai e Senac, para citar algumas das mais conhecidas.

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a intenção de“meter a faca” nesse gravame, incidente sobre as folhas de salários. Desagradou, como seria de imaginar, às federações e confederações patronais responsáveis pela gestão dos recursos, com os quais também se financiam.

Na ausência dessa espécie de imposto sindical, as ações do Sistema Steriam de ser bancadas por aportes voluntários das empresas. Existem boas razões a amparar tal objetivo. O processo para atingi-lo, entretanto, não se mostra simples.

Os avanços ambientais têm sido pendulares no mundo: Editorial | Valor Econômico

A morte de Francisco Alves Mendes Filho faz 30 anos neste sábado. O seringueiro e líder sindical Chico Mendes havia sido condecorado no ano anterior pela Organização das Nações Unidas por sua defesa do meio ambiente. Participava e organizava "empates", a forma de luta de homens e mulheres que deitavam no solo da floresta no Acre para impedir, pacificamente, a ação de tratores e motosserras que derrubavam a Amazônia. A mata vinha abaixo pela extração ilegal de madeira e era trocada por pasto. O embate vitimara várias lideranças em anos anteriores sem que os crimes fossem investigados. Chico Mendes queria preservar e criar reservas extrativistas, os fazendeiros queriam desmatar e colocar gado. Foi morto a tiros de espingarda no quintal de sua casa, em Xapuri, por Darcy Alves da Silva a mando do pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva. O assassinato do "herói da floresta", como era conhecido, repercutiu no mundo todo. O Brasil ocupou manchetes pela derrubada da floresta, pelo sangrento conflito no campo e pela condição de impunidade dos crimes.

A agenda de luta de Chico Mendes continua atual, 30 anos depois, no Brasil e no mundo.

Os avanços ambientais nestas três décadas foram pendulares. A taxa estimada do desmatamento da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em 1988 foi de 21 mil km2. O desmate entre agosto de 2017 e julho de 2018 ainda é alto, mas três vezes menor do que aquele. O Brasil, contudo, lidera o ranking dos lugares mais perigosos para ativistas no mundo, com recorde de assassinatos em conflitos de terra em 2017. Foram 57 mortes (seis a mais do que em 2016), segundo o relatório da ONG Global Witness.

Joaquim Cardoso: Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.