domingo, 23 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*:

Para enfrentar o furacão direitista que sacudirá o País nos próximos anos e que, à primeira vista, fará isso conforme as regras do jogo, necessitamos de um polo democrático progressista o suficiente articulado para se abrir à direita liberal e à esquerda democrática, a reformistas moderados e a socialistas, a liberais, verdes e sustentabilistas. Um polo que entre firme no século 21, abandone dogmas e roteiros já experimentados, disponha-se a elaborar uma nova teoria da sociedade nacional e a enfrentar com determinação os graves problemas do País.

Requerem-se iniciativas que sejam claramente democráticas, abertas, laicas, flexíveis, com capacidade de expansão e de negociação, que reverberem no Parlamento e nos ambientes da sociedade civil, compondo o que há de vida ativa no Brasil atual sem concessões desnecessárias à direita, à esquerda e ao centro. Nada disso é obra de curto prazo.

Que 2019 represente, para os democratas, a abertura de uma fase nova, na qual se compreendam as carências acumuladas, os erros cometidos e se prepare o terreno para o amadurecimento de uma oposição política que traga consigo o futuro.
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*Professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp.’ Um ano para a oposição mostrar seu valor’, O Estado de S. Paulo, 22/12/2018.

Luiz Carlos Azedo: Quem é quem no governo

- Correio Braziliense

‘A muvuca será protagonizada pelos núcleos político e ideológico, que são os principais eixos da articulação com o Congresso e a sociedade’

Concluída a formação de sua equipe de governo, a chave para que o presidente eleito Jair Bolsonaro consiga implementar as medidas mais importantes do seu programa, a começar pelo ajuste fiscal e a reforma da Previdência, é a sua relação com o Congresso. Até agora, sustentou a promessa de não ceder ao toma lá, dá cá, loteando a Esplanada dos Ministérios entre os partidos que o apoiam, mas não conseguiu ainda viabilizar candidaturas robustas para o comando do Senado e da Câmara. A conversa de que não vai interferir na disputa é lorota: se tiver força, viabilizará aliados de confiança no comando do Congresso.

Bolsonaro montou um governo com cinco eixos: o militar, o econômico, o político, o ideológico e o técnico. Por enquanto, quem dá as cartas na administração são a troica de generais Augusto Heleno (GSI), na foto acima, Carlos dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Fernando de Azevedo e Silva (Defesa); na equipe econômica formada pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes, destacam-se o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o presidente do BNDES, Joaquim Levy, e o presidente da Petrobras, Roberto Castelo Branco, todos muito bem blindados na política. No núcleo técnico, o superministro da Justiça, Sérgio Moro; o ministro de Minas e Energia, Bento Costa e Lima, e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, os dois últimos, militares.

A muvuca no governo será protagonizada pelos núcleos político e ideológico, que são os principais eixos da articulação com a política e a sociedade, e dos problemas com o Congresso. No núcleo político, o ministro da Casa Civil, que coordena a transição, ainda não conseguiu formar uma base suficientemente robusta e coesa para aprovar o ajuste fiscal e a reforma da Previdência. Os ministros do Desenvolvimento Social, Osmar Terra (PMDB-RS); da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MT); e da Saúde, Luiz Mandeta (DEM-MS); têm amplo apoio político no Congresso à frente das respectivas pastas, mas são porta-vozes de interesses segmentados e/ou corporativistas. Além disso, não darão muito pitaco na relação com o Congresso, a cargo de Lorenzoni e do general Santos Cruz.

O grande balacobaco é a pauta ideológica do governo, na qual as estrelas serão os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o ministro da Educação, Ricardo Velez Rodrigues. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, condenado por improbidade administrativa, já foi abatido na pista. Ambos são pautados pelo filósofo Olavo de Carvalho e pelos filhos de Jair Bolsonaro, principalmente o deputado federal eleito por São Paulo com a maior votação do país, Eduardo Bolsonaro. Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro, teve que baixar a bola por causa do escândalo protagonizado por seu ex-assessor Fabrício Queiroz, que mantinha uma caixinha fabulosa no seu gabinete parlamentar na Assembleia Legislativa fluminense. Vivíssimo, Queiroz tomou chá de sumiço, já faltou a dois depoimentos e ninguém sabe por onde anda.

José Roberto Batochio*: Freios e contrapesos

- O Estado de S.Paulo

Pena que o modelo da separação dos Poderes ainda seja tosco no Brasil

“Tudo estaria perdido se
o mesmo homem, ou o mesmo
corpo dos principais, ou dos
pobres, ou do povo exercesse
os três poderes: o de fazer
as leis, o de executar as
resoluções públicas e o de
julgar os crimes ou as
querelas entre os particulares”

Montesquieu, em O Espírito das Leis

O pensador Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu, legou à humanidade, com sua monumental obra de 1748, o modelo de organização política que plasmou a Revolução Francesa e sua Declaração Universal dos Direitos do Homem, o presidencialismo inaugurado nos Estados Unidos e a maioria das monarquias constitucionais que substituíram o absolutismo. Pena que ainda seja tosco no Brasil. O modelo da separação dos Poderes, quer no Império instituído em 1822, quer na República proclamada em 1889, tem sido deformado pela acromegalia de um em relação ao outro, notadamente pelo Executivo, e especialmente nos períodos de prevalência do autoritarismo, como na era de dom Pedro I e seu coativo Poder Moderador e, na República, nos interregnos de exceção do Estado Novo de 1937 e da ditadura militar de 1964.

Nas voltas asfixiantes do parafuso autoritário, o Legislativo, com desvios legiferantes, e o Judiciário, em transbordos hermenêuticos que transcendem o escopo da lei e da jurisprudência, também se arvoram em primeiro Poder. Tanto não bastasse, agora o Ministério Público, como autoassumido quarto Poder, quer se considerar uma síntese das demais instituições, açambarcando competências alheias a seus específicos fins, qual onipresente Leviatã, apartado do Estado nacional, soberano e absoluto, ávido de submeter os cidadãos à condição de súditos em obsequiosa genuflexão.

Nestes dias sombrios, tão assimétricos à equanimidade e isonomia republicanas, que de Cícero mereceriam a exclamação “Ó tempos, ó costumes!”, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem de ensaiar o retorno ao leito da funcionalidade institucional ao julgar ação de inconstitucionalidade promovida pela Procuradoria-Geral da República que questiona a extensão do indulto de Natal concedido em 2017 pelo presidente da República. Entendeu o Ministério Público que o chefe do Executivo não se acha investido de poderes para conceder o benefício natalino a condenados por determinados crimes e tal entendimento foi acatado, preliminar e monocraticamente, pelo ministro-relator da matéria, Luís Roberto Barroso.

Como o sapateiro que quis retocar o quadro de Apeles além das sandálias, os questionadores ignoraram olimpicamente a Constituição, em seu artigo 84, inciso XII, que preceitua ser atribuição reservada ao presidente “conceder indulto e comutar penas” - sem nenhuma restrição à totalidade discricionária dessa prerrogativa presidencial, exceto “com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. Entre esses órgãos, seguramente, não se incluem os que impugnam o indulto e, mais importante, frise-se, trata-se de ato privativo, reservado ao presidente da República.

Levado o feito à apreciação do plenário do Supremo, nada menos que seis ministros contra dois reconheceram tal obviedade solar e, por maioria, portanto, embora o julgamento tenha sido interrompido por um pedido de vista, já admitiram que, ao menos nesse caso, ainda vale a lição de Montesquieu e impera a Constituição. É dizer, não cabe a um Poder da República, mesmo animado por irrefreáveis desejos, imiscuir-se nas competências de outro.

Rolf Kuntz: Depois do terno, falta cuidar do plano de governo

- O Estado de S.Paulo

A uma semana da posse quase nada está claro, além do trumpismo e da preocupação moralista

Só falta um plano de governo para ser executado a partir de 1.º de janeiro. É um detalhe muito mais importante no Brasil do que na Suíça. Talvez por falta de imaginação, o governo suíço gasta menos do que arrecada e entrará em 2019 sem um grande, premente e emocionante problema financeiro e econômico.

Quanto ao plano do novo governo brasileiro, ou inexiste ou continua disfarçado por uma porção de promessas obscuras, como a de vender estatais para diminuir a dívida pública. As demais providências parecem estar em ordem. O terno da posse foi experimentado, as preces foram acertadas e a lista de convidados e desconvidados foi aprontada. Poderá aparecer até o primeiro-ministro de Israel, atraído provavelmente pela curiosidade. Como serão esses estranhos e raros seguidores do estranho e raro Donald Trump? Afinal, quase nenhum governo de país com algum peso econômico havia prometido, até agora, seguir tão fielmente o exemplo trumpista e mudar a embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém. Enfim, com carro aberto ou fechado, a festa poderá ser um sucesso. Ponto básico: um novo Brasil será prometido, livre do esquerdismo dominante desde a primeira missa, celebrada, em estilo moderninho, diante de índios pelados. Seria o celebrante um adepto da Teologia da Libertação?

Recebida a faixa, pronunciados os juramentos e assinados os papéis, será preciso enfrentar os fatos. Não está claro, ainda, como o novo governo cuidará de suas contas no primeiro ano de mandato. Será um período crucialmente importante, num país atolado em crise fiscal, com déficit primário estimado em R$ 139 bilhões, dívida pública acima de 75% do produto interno bruto, uma das mais pesadas do mundo, e desemprego pouco abaixo de 12% da força de trabalho.

Sem poder adiar o reajuste do funcionalismo, forçada a suportar os efeitos em cascata da revisão salarial do Judiciário e de outras bombas fiscais, como os incentivos à indústria automobilística, a equipe econômica terá de batalhar muito para respeitar o teto de gastos e a regra de ouro (proibição de tomar empréstimos para cobrir despesas de custeio).

Dois funcionários do atual governo, convocados para a nova turma, devem ter boas noções de como atravessar esse atoleiro. Um deles é Esteves Colnago, ministro do Planejamento na gestão de Michel Temer. O outro é Mansueto Almeida, secretário do Tesouro.

Vera Magalhães: Muita espuma ideológica

- O Estado de S.Paulo

Sobra retórica e faltam prioridades concretas às vésperas da posse

Desconvite a ditadores de Cuba e Venezuela para a posse, bravatas sobre a revisão das demarcações de terras indígenas, bate-boca com Nicolás Maduro, tititi nos bastidores do Itamaraty, gritaria em torno da tal Escola sem Partido, brigas de hooligans em cerimônias de diplomação em vários Estados.

Algumas das querelas que ocuparam futuros ministros, o próximo presidente da República, diplomatas e os novos (sic) congressistas nas últimas semanas parecem refletir a disputa entre alas de direita e de esquerda em algum grêmio estudantil, e não discussões de um grupo que se prepara para subir a rampa do Palácio do Planalto daqui a menos de dez dias.

Enquanto as alas mais ideologizadas do futuro governo promovem uma versão tosca de reality show com direito a lives nas redes sociais, os dois pilares até aqui sólidos da próxima administração montam times igualmente consistentes para as ambiciosas tarefas que terão pela frente. Mas fica a dúvida: terão Paulo Guedes e Sérgio Moro respaldo do restante do governo e, principalmente, de Jair Bolsonaro, para encaminhar sua pauta com foco, articulação política, prioridade e estratégia diante de tanta espuma que seus colegas e os aliados no Legislativo já deram mostra de que são capazes de produzir?

O segundo escalão do Ministério da Economia é primoroso. Eu, que já questionei a falta de experiência anterior de Paulo Guedes no setor público e sua falta de traquejo verbal para a negociação política, neste caso não tenho reparos: trata-se de uma das equipes mais bem compostas da área econômica nos últimos tempos, aproveitando nomes experimentados e montando uma estrutura que parece altamente capaz de enfrentar, ao mesmo tempo, o ajuste fiscal necessário e o desejado e tão adiado destravamento do crescimento.

Mas os temas econômicos estão tendo menos atenção de Bolsonaro e seu entorno da articulação política, nas manifestações públicas que fazem, que o besteirol ideológico.

Tome-se a tal cúpula conservadora realizada em Foz do Iguaçu há algumas semanas. Ali se gastou mais saliva discutindo ideologia de gênero, o fantasma da volta do comunismo e outras quimeras do que a necessidade de um ajuste liberal de fato na economia. Mesmo no painel dedicado ao tema, um economista da equipe de transição lacrou ao ensinar como berrar na cara de um esquerdista, e não ao aproveitar o evento para deixar claro à plateia conservadora que ou se faz a reforma da Previdência ou já era.

Eliane Cantanhêde: Sem reinventar a roda

- O Estado de S.Paulo

Nunes Ferreira: política externa até pode mudar, mas ‘não vai acabar o mundo’

“O Brasil é um transatlântico navegando em mares internacionais turbulentos e precisa ser conduzido com prudência, numa rota que a gente conhece e a diplomacia brasileira sempre seguiu, com a Constituição, as leis, o bom senso e a altivez.”

Assim, o atual chanceler, Aloysio Nunes Ferreira, resume o que se espera da política externa do governo Jair Bolsonaro nesses tempos de Donald Trump nos EUA, Vladimir Putin na Rússia, Brexit no Reino Unido, mas o Brasil forte e em boas condições de atrair investimentos.

Segundo ele, que termina seu mandato no Senado e não disputou a eleição, “a mudança no Brasil é muito forte, muito importante, até mais do que as alternâncias anteriores, porque é até uma mudança cultural”. Logo, diz, “é natural que haja ajustes na política externa, como em qualquer área, porque a política é um ato do tempo”.

Ele, porém, ressalva que “o Itamaraty é uma escola, a nossa diplomacia é altamente qualificada e isso, certamente, será levado em conta pelo novo chanceler Ernesto Araújo”. Trata-se de uma clara defesa dos diplomatas e uma resposta à acusação do núcleo duro bolsonarista de que o Itamaraty está “infestado de petistas” ligados a Celso Amorim, chanceler de Lula.

Para Nunes Ferreira, política e ideologia nem sempre se confundem, os diplomatas têm carreira de Estado e, como os militares, trabalham com todos os governos, de esquerda, direita ou centro. O Barão do Rio Branco, ex-chanceler e ícone da política externa brasileira, era ideologicamente monarquista, mas atuou politicamente para consolidar a República.

Citou ainda os grandes diplomatas da época do general Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da Silveira, que eram ironizados como “os barbudinhos do Itamaraty”, mas “fizeram uma excepcional inflexão na política externa, com base no pragmatismo responsável que perdura até hoje”.

Diplomatas estão por trás das reportagens condescendentes com Lula e Dilma e críticas a Bolsonaro? “Isso é uma grande bobagem”, responde. “O PT é o único partido que construiu e cultiva conexões externas com partidos, jornais, organizações e universidades.” Por isso, não pelo Itamaraty ou por diplomatas, prevaleceu no exterior uma visão equivocada do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.

Míriam Leitão: ‘Nova’ diplomacia é velha e ruim

- O Globo

Depois de nomeado ministro, Ernesto Araújo poderia ter encontrado o equilíbrio para exercer o cargo. Mas continua sem nexo e histriônico

O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, continua se esforçando muito para produzir mais desatinos do que os governos petistas naquela pasta. E tem conseguido. O principal erro da diplomacia é quando ela se dispõe a representar uma parcela do país, desprezando ou ofendendo o resto. Agora ele diz que representará o agronegócio, porque o PT o fez com o MST. Talvez fosse bom ele entender que a Casa de Rio Branco deve espelhar o país e não um grupo, por mais importante que seja para a economia.

Durante os dois anos e meio do governo Temer, tentou-se corrigir as inclinações indevidas e a paralisia decisória do período anterior. Houve desde a mudança em relação ao governo chavista até a redução de pendências burocráticas. Só o atual chanceler, Aloísio Nunes Ferreira, aprovou quase mil remoções que estavam pendentes. O custo da política externa do PT pode ser quantificada pelos calotes no BNDES que o Tesouro terá de cobrir. Aconteceram também os vexames, como instalar o então presidente Lula numa tenda para ter aulas de geopolítica de Muamar Kadafi ou a imposição aos diplomatas de leitura obrigatória de textos de esquerda. A grande virtude no governo Temer foi a busca da normalidade.

Agora volta-se o pêndulo para o sentido oposto, com igual equívoco. Como se parecem. A diferença é que o embaixador Celso Amorim, apesar dos erros que cometeu, era um diplomata com carreira consolidada. O embaixador Ernesto Araújo é o equivalente a um general de divisão chamado a comandar o Exército.

Uma das decisões acertadas no período Temer foi a iniciativa de suspender a Venezuela do Mercosul, com base na cláusula democrática. O governo Maduro não é democrático, portanto, não cumpre o pré-requisito. Qualquer histrionismo em relação a ele só vai municiá-lo. O mais sábio com relação ao governo da Venezuela é não dar a Nicolás Maduro o que ele quer: um “inimigo” externo. Quando Maduro faz ameaças de armar as milícias, é bom ignorar. Algumas pessoas sabem disso no novo governo brasileiro, mas entre elas não está o nosso esbravejante chanceler com seus tuítes voadores.

Bernardo Mello Franco: Um país em tempos bicudos

- O Globo

Em novo livro, Oscar Vilhena Vieira diz que o Brasil vive uma fase de ‘mal-estar constitucional’. Ele defende que o STF seja mais ‘colegiado, imparcial e discreto’

O Brasil chega ao fim de 2018 em tempos bicudos. A polarização politica se aprofundou, e a sociedade ficou mais dividida e intolerante. O país passou a viver uma situação de “mal-estar constitucional”, com ameaças à democracia e ao equilíbrio entre os poderes. O diagnóstico é do professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da FGV Direito em São Paulo.

Em “A Batalha dos Poderes” (Companhia das Letras), ele situa o início da crise nas manifestações de 2013, que “colocaram em xeque a estabilidade de um sistema político que parecia consolidado”. De lá para cá, passaram-se cinco anos de turbulências. É difícil acreditar que estejam perto do fim.

O livro sustenta que a eleição de 2014 mudou para pior os padrões da disputa política. A petista Dilma Rousseff admitiu que poderia “fazer o diabo” para vencer, e produziu uma crise fiscal que acabou em recessão. O tucano Aécio Neves não aceitou a derrota, e contestou o resultado para “encher o saco”.

Depois viriam o impeachment de Dilma, que o autor define como “controvertido”, e a posse de Michel Temer, que se salvou de duas denúncias de corrupção e agora enfrenta a terceira.

Elio Gaspari: O ‘Posto Ipiranga’ de Bolsonaro piscou

- O Globo

Faltando menos de um mês para a abertura da quitanda de Jair Bolsonaro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não equilibrou o estoque de berinjelas e a caixa para o troco. No dia 2 de janeiro terminará o mundo das promessas eleitorais e dos sonhos da formação da equipe. Quem lembra, sabe que Bolsonaro prometeu enxugar o número de ministérios, e Guedes falava em “dez ou doze”. Foram 34, são 29 e serão 22.

Na segunda-feira o doutor disse que “o Brasil virou o paraíso dos burocratas”. Àquela altura ele pretendia indicar Marcelo de Siqueira, diretor do BNDES, para o comando da Procuradoria da Fazenda. Funcionários da repartição ameaçaram deixar centenas de cargos em comissão caso não fosse escolhido um servidor da carreira.

Na quarta, Guedes mudou de ideia e indicou um procurador com 18 anos na carreira e currículo robusto na administração federal. Noutro lance, o doutor informou que criará um conselho para discutir o projeto de reforma da Previdência. Entre os futuros conselheiros estariam os economistas Paulo Tafner e Armínio Fraga. Mesmo assim, ganha um fim de semana em Caracas quem souber qualquer coisa que foi resolvida num conselho.

Quando não tinham o que fazer, Lula, Dilma e Michel Temer reuniam o Conselho de Desenvolvimento, conhecido como “Conselhão” e formado por ministros, empresários e celebridades.

Spektor procura e acha
Um dia depois da divulgação pelo Departamento de Estado do governo americano de 1.085 páginas de documentos diplomáticos, o professor Matias Spektor já estava debruçado sobre o volume. Nele estão centenas de papéis relacionados com a América do Sul entre 1977 e 1980. Mostram as pressões americanas em defesa dos direitos humanos na Argentina, Chile, Uruguai, Brasil e Paraguai. Alguns documentos expõem parte do que os Estados Unidos sabiam sobre a Operação Condor. Os textos relacionados com o Brasil são 28. Entre eles estão as notas das conversas dos Geisel e Jimmy Carte reco m sua mulher, Rosalynn.

Um memorando de março de 1979 mostra que no coração da Casa Branca havia um combativo defensor das liberdades públicas. Era o jovem professor Robert Pastor, amigo de Carter, instalado na assessoria de segurança nacional. Em 1979, quando estourou uma das grandes greves do ABC paulista e o governo interveio no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, presidido por Lula, o embaixador americano Robert Sayre justificou publicamente a ação e Pastor foi-lhe na jugular:

“Relatos da imprensa sugerem que o senhor conversou com o presidente Figueiredo sobre essa greve, apoiando a decisão. Se a embaixada for perguntada, deve deixar publicamente claro que o assunto não foi discutido com o senhor e que nós não apoiamos tais ações.

Nosso cônsul-geral em São Paulo deve acompanhar esses acontecimentos, usando as oportunidades apropriadas para mostrar o apoio dos Estados Unidos aos direitos trabalhistas”. Pastor era demonizado pelos olheiros da ditadura em Washington e morreu em 2014, aos 66 anos. Não se sabe se a sugestão foi mandada a Sayre.

(O volume 24 da coleção “Foreign Relations of the United States —1977-1980” está na rede.)

Paulo Hartung: Não existe bala de prata

- O Globo

É possível fazer uma gestão fiscalmente responsável e entregar resultados de políticas públicas estruturantes

O Boletim de Finanças divulgado recentemente pelo Tesouro Nacional é educativo, compara indicadores dos estados e contribui para o debate sobre a gestão pública brasileira. Entre os dados divulgados, um em particular chama atenção: a nota do Tesouro para a capacidade de pagamento (Capag) de cada estado. O indicador mostra que mais da metade dos estados brasileiros encontra-se em situação crítica para pagamentos de seus compromissos (notas C e D), classificação de risco que faz com que o Tesouro não seja avalista em eventual operação de crédito. Nessa classificação, apenas um estado aparece com nota A, o Espírito Santo. E a pergunta que precisamos responder é: o que o Espírito Santo fez que os outros não fizeram?

Inicialmente, é importante dizer que não existe bala de prata para problemas estruturais. Por outro lado, o caso do Espírito Santo mostra que é possível fazer uma gestão fiscalmente responsável e entregar resultados de políticas públicas estruturantes para a sociedade em áreas essenciais como educação, saúde, segurança.

O ponto de partida foi identificar corretamente o que precisava ser feito para que o problema fosse encarado de frente. Ao longo de 2014, já se consolidava a visão de que o Brasil estaria entrando em um ciclo recessivo. Em paralelo, era clara a tendência de aumento dos gastos públicos, tanto em nível federal quanto estadual. Com um cenário de tendência de aumento de despesas sem que a receita acompanhasse na mesma proporção, os desafios para a gestão eram iminentes.

Bruno Boghossian: Queiroz vai vestir a faixa presidencial

- Folha de S. Paulo

Com posse de Bolsonaro, caso deixa de ser uma simples maracutaia de assessor

Fabrício Queiroz vai vestir a faixa presidencial. O ex-motorista de Flávio Bolsonaro deve passar o 1º de janeiro escondido, mas as suspeitas provocadas pela movimentação milionária em sua conta vão subir a rampa e se instalar no Planalto.

A cada dia em que as pontas do caso permanecem soltas, o episódio fica mais distante do estágio em que os bolsonaristas gostariam de parar, tratando a dinheirama como uma simples maracutaia de um assessor de deputado estadual.

Queiroz deu dupla razão aos mais intrigados. Deu bolo nos promotores e não explicou por que mexeu em R$ 1,2 milhão, por que sacou R$ 320 mil, por que recebia depósitos na data de pagamento dos servidores do gabinete e por que assinou um cheque de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, a futura primeira-dama.

Talvez por excesso de confiança, o presidente eleito e sua equipe tenham pensado que as perguntas não se transformariam em crise. Poderia ser o caso se Queiroz tivesse aparecido para dar uma desculpa esfarrapada qualquer. Agora, as dúvidas passarão a virada do ano em Brasília.

Flávio disse uma dezena de vezes que não é investigado e que não tem relação com o caso. Os promotores discordaram e pediram que ele vá ao Ministério Público no dia 10 de janeiro para falar do assunto.

O filho do presidente eleito se enrolou quando disse que Queiroz tinha dado uma “explicação plausível” sobre o dinheiro. Na véspera, quando o relatório do Coaf foi divulgado, o ex-motorista afirmara que não sabia “nada sobre o assunto”. Flávio poderá contar tudo aos promotores.

Quando Jair estiver no gabinete presidencial, o caso mudará de patamar e terá dois caminhos pela frente: pode se tornar um constrangimento para o governo ou será abafado pelas engrenagens do poder.

Janio de Freitas: Dois Natais e um país no meio

- Folha de S. Paulo

Tudo está parecido com o final de 1954, ano em que o Brasil também estava dividido e irreconciliável

O Natal dói. Não são todos a sentir essa dor. Depende do que a memória diz, e como diz. Das perdas e dos ganhos. Do tempo, talvez. É uma dor vadia. Uma dor sem lugar de doer. Está aqui, está aí, simplesmente.

O Natal que chega me trouxe mais do que essa sensação. Há dias, para mim tudo tem se parecido muito com o final do primeiro ano que vivi como jornalista profissional, excitado com as descobertas naquele 1954. O país agora dividido, dizem, desde a eleição presidencial de 2014, naquele ano era reconhecido como dividido e irreconciliável.

Quatro meses antes, Getúlio se matara, e os defensores de uma política de desenvolvimento industrial e exploração própria de petróleo, contra a política americana de retenção da América Latina, estavam apreensivos e desnorteados. Os conservadores ocupavam outra vez o poder, e as conquistas do governo de Getúlio ficavam ameaçadas. Não é difícil encontrar paralelos entre aquela e a atual fase.

O que mais aproxima os dois momentos, porém, a meu ver é o estado de ânimo dos opostos. Os abatidos na Lava Jato e destituídos do poder reproduzem hoje os sentimentos dos golpeados com Getúlio e retirados do poder. Situações políticas e anímicas equivalentes. Mas a direita de 54 não desfrutou do otimismo que a vitória, por si, podia lhes dar. A situação febril continuou. O ano entrante era esperado com inquietação pelos conservadores, tanto mais que seria ano de eleições e o seu recente controle do poder estaria sob risco.

A euforia dos apoiadores populares de Bolsonaro —da qual não está claro se feita mais de direitismo ou de mera reação aos políticos— não é correspondida no segmento de fato e de direito representativo do conservadorismo. Por mais que evitada a sua exposição, a insegurança sobre o próximo governo é o senso comum no empresariado e na classe média, de sua camada central para cima. As muitas incógnitas do plano e do próprio Paulo Guedes, os já iniciados problemas de comércio exterior decorrentes de política externa, e a reforma tributária produzem um quadro de tensões que dá equanimidade aos conservadores de 54 e de hoje.

Vinicius Torres Freire: Cenas do Natal de governos anteriores

- Folha de S. Paulo

Notícias de outras transições revelam coincidências cômicas e problemas recorrentes

O governo que está para começar promete diminuir os impostos sobre a folha de salários das empresas. O governo de Jair Bolsonaro? É o que dizem seus economistas. Era também o que se dizia na transição dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994), Luiz Inácio Lula da Silva (2002) e Dilma Rousseff (2010).

A gente relê os jornais da época de "festas" nos anos de mudança de governo e se diverte com coincidências, com as ingenuidades confiantes e com a constatação de quão grande costuma ser o desnorteio sobre o que pode acontecer.

Nas festas de 2002, muito perto da posse da então grande novidade esquerdista Lula da Silva, o futuro ministro do Trabalho, Jaques Wagner, falava de planos de reforma trabalhista. Patrões e empregados poderiam discutir até 13º e férias, "penduricalhos" (sic) que "acabam atrapalhando a relação entre capital e trabalho". Não seria o caso de "necessariamente diminuir" direitos, mas de fazer um novo "arranjo".

A propósito, não é preciso ser muito sarcástico para lembrar o caso do vice-presidente general Hamilton Mourão discursando sobre as "jabuticabas" trabalhistas brasileiras.

A diminuição dos encargos trabalhistas havia sido também plano de Pedro Malan, que seria ministro da Fazenda de FHC por oito anos; reapareceria em discurso da recém-empossada Dilma Rousseff, em 2011. A cada transição de governo, se discutia se o governo deveria tributar mais ou menos dividendos e ganhos de capital em geral (menos, no caso do governo FHC; inércia, no caso de Lula). Desde Fernando Collor (1989) havia promessa de corte de subsídios e incentivos fiscais.

Clóvis Rossi: Silenciar sobre ditaduras é crime de guerra

- Folha de S. Paulo

Um SOS pela Nicarágua

A Folha publicou nesta sexta-feira (21) anúncio de página inteira que é um verdadeiro manifesto político-institucional. Diz: “A Folha acredita que não existe democracia sem liberdade de imprensa”.

Eu também acredito, mas vou um passo adiante: acho que não podem existir fronteiras para a democracia e para a liberdade de imprensa.

Por isso, faço desta coluna, a última do ano, um apelo: não podemos deixar sem apoio o jornalismo da Nicarágua, o que significa, em consequência, apoiar também a luta pelos direitos humanos, violentamente atacados pela ditadura do casal Daniel Ortega e Rosário Murillo.

Quanto aos direitos humanos, é indispensável ressaltar a atuação do brasileiro Paulo Abrão, secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Ele não tem se omitido, desde que o governo Ortega intensificou, em abril, a escalada repressiva.

A rigor, a CIDH é o único balão de oxigênio que permite respirar aos nicaraguenses.

Agora, a escalada repressiva alcançou outro raro balão de oxigênio, o sítio e revista Confidencial. É, ao lado do tradicional jornal La Prensa, veículo essencial para o exercício de liberdade de imprensa, assim como um ou outro programa jornalístico de televisão.

Gaudêncio Torquato: O legado de Temer

- Blog do Noblat | Veja

O País caminha lentamente

Michel Temer deixa o governo desaprovado por um Brasil acostumado a versões fantasiosas. Qualquer analista responsável, ao comparar o país de ontem e o de hoje, enxergará abissal diferença: o de ontem, destroçado pela maior recessão econômica da história, e o da atualidade, com juros e inflação controlada, resgate da confiança, volta dos investimentos, contas sob controle e um conjunto de reformas, como a trabalhista, a do Ensino Médio e a PEC limitando gastos públicos.

O que explica a imagem negativa de Temer? O drible que parte da mídia patrocinou sobre um diálogo gravado no Palácio do Jaburu. O grupo mais poderoso do país bateu forte na interlocução mantida pelo presidente com um empresário. “Tem que manter isso, viu”? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de “estar bem” com o então presidente da Câmara. E o que se viu foi a inferência: Temer se referia à entrega de dinheiro, coisa que “deveria ser mantida”. Com essa ilação, o presidente foi massacrado e o Brasil perdeu a chance de avançar nas reformas.

A lama que a Operação Lava Jato jogou na política convergiu para a figura do presidente. Que não se dobrou ao objetivo de tirá-lo da Presidência.

Embora com 13 milhões de desempregados, o País caminha lentamente, aprova pautas de relevo, alarga o acesso às privatizações, se entende com a União Europeia, assume compromissos com o G-20 e com os parceiros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reforça vínculos com a União Econômica Euroasiática, debate o clima no Acordo de Paris e valoriza o Mercosul.

Jair Bolsonaro vai comandar um Brasil que saiu do buraco em que foi deixado pelo petismo. Não navega ainda em águas calmas, ante as grandes carências das margens. Programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Família, não eliminaram a pobreza. E a violência campeia.

O papel de cada instituição: Editorial | O Estado de S. Paulo

Num evento comemorativo dos 30 anos da Constituição, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, disse que é a política que tem de conduzir o País, e não o Judiciário, numa referência ao protagonismo dos tribunais nos últimos anos. “O Legislativo legisla para o futuro, o Executivo para o presente, e o Judiciário para o passado. Se tudo vai parar no Judiciário, é porque as outras instâncias falharam. Não pode tudo parar no Judiciário”, afirmou o ministro Toffoli.

Como exemplo da judicialização da vida nacional, o presidente do Supremo citou a greve dos caminhoneiros, que paralisou o País em maio passado. “Será que é o Judiciário que tem que decidir greve de caminhoneiro? Ou são os setores da sociedade que têm que decidir? Mas está lá, está judicializado. O Judiciário tem que ser a última fase, e não a primeira”, disse o ministro Toffoli.

São palavras muito sensatas. Deveriam ser ouvidas com muita atenção, a começar pelos próprios pares do ministro Toffoli no Supremo. Se “tudo vai parar no Judiciário”, como afirmou o presidente do Supremo, é porque, em primeiro lugar, aquela Corte tem aceitado discutir questões sobre as quais não lhe cabe emitir juízo - e, não raro, acaba por imiscuir-se na seara dos demais Poderes.

Não foram poucas as ocasiões em que o Judiciário, com o Supremo à frente, atuou como legislador. Movidos pelo ativismo que tanto tem caracterizado uma parte da magistratura, juízes e ministros de tribunais superiores, que não receberam um único voto do eleitorado, consideram-se aptos a - e talvez até mesmo no dever de - tomar decisões que caberiam somente ao Legislativo.

O desastre social do PT: Editorial | O Estado de S. Paulo

Os dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2018, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostram o aumento do número de brasileiros abaixo da linha da pobreza, mesmo com o fim da recessão, é mais um triste e revoltante retrato do engodo que foram os governos do PT, tanto do ponto de vista econômico como social. Os mais de 2 milhões de brasileiros colocados na rua da amargura em 2017 são outra contribuição do lulopetismo para o desastre em que ele mergulhou o País. Com isso o governo de Michel Temer nada teve a ver, embora essa realidade se tenha mostrado durante seu governo, pois quando ele assumiu a Presidência o absurdo já estava montado.

Os brasileiros situados abaixo da linha da pobreza fixada pelo Banco Mundial eram 54,8 milhões em 2017 - os últimos dados disponíveis -, para 52,8 milhões em 2016, um crescimento de quase 4%. O número representa 26,5% da população do País, que era estimada em 207 milhões em 2017. Quanto à população em situação de pobreza extrema, cresceu 1,7 milhão em 2017. Em 2017, eram 15,2 milhões de pessoas (7,4% da população) nessa condição, para 13,5 milhões em 2016 (6,6% da população). São números dramáticos. Só agora, se a economia continuar a se recuperar, como está fazendo, ainda que timidamente, se poderá abrir uma janela de esperança para os deixados na mão pela demagogia do lulopetismo “pai dos pobres”.

Futuro incerto: Editorial | Folha de S. Paulo

Alvo de nova denúncia, Temer chega ao final do mandato de modo melancólico

Na quarta-feira (19), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou o presidente Michel Temer (MDB) por corrupção e lavagem de dinheiro. Outros cinco nomes foram alvo da entidade, todos investigados no inquérito a respeito de um suposto esquema criminoso vinculado ao porto de Santos.

A apuração teve início em 2017, com o objetivo de averiguar a possibilidade de um decreto presidencial ter beneficiado a empresa Rodrimar, que por sua vez teria pagado propina ao mandatário. O dinheiro passaria por firmas ligadas ao coronel aposentado da Polícia Militar João Baptista Lima Filho, amigo de Temer de longa data.

Acusado de ser um operador financeiro do emedebista, o coronel Lima já se viu envolvido em outros casos rumorosos, como o pagamento de cerca de R$ 1 milhão em espécie a um fornecedor contratado para reforma na residência de uma das filhas do presidente.

Entre os denunciados pela Procuradoria figura o ex-assessor presidencial Rodrigo Rocha Loures, que ganhou notoriedade por ter sido flagrado ao receber uma mala com dinheiro da JBS.

O presidente rechaça as suspeitas e alega que seu decreto em nada beneficiou a Rodrimar. É a terceira denúncia de que Temer é alvo em seu breve mandato. As outras duas, como se sabe, foram apresentadas no ano passado pelo então procurador-geral Rodrigo Janot.

Polêmicas, pelo modo como foram arquitetadas e formuladas, as iniciativas de Janot levaram o governo a sofrer sérios danos políticos. Para garantir que a Câmara dos Deputados não aceitasse as denúncias, preservando-o em suas funções, o mandatário promoveu extenuantes e acintosas rodadas de negociações fisiológicas.

Um pacto de governadores pelas reformas: Editorial | O Globo

Dos 27 estados, 16 têm a receita perigosamente comprometida por gastos com pessoal

A questão fiscal nunca cativou a atenção dos políticos brasileiros. Muitos deles, seguidores do “pau na máquina” voluntarista executado por Rui Barbosa no início da República, preferem se lembrar apenas do crescimento artificial patrocinado pelo Encilhamento do que do ajuste que foi necessário ser feito em seguida por Joaquim Murtinho.

O país vive ciclos barbosianos sucedidos por joaquinistas. No momento, desde Temer, estamos sob o signo do ajuste sob bênçãos de Murtinho. Que seja o último. Há sinais positivos no campo da mobilização política, imprescindível para a criação de um regime fiscal seguro e estável. Talvez porque desta vez não haja inflação muito elevada para maquiar déficits, e no centro do cadafalso estejam estados com a corda no pescoço, começa a haver articulações para que, juntos com o governo central, governadores ajudem a que a crise fiscal seja superada por um devido ajuste estrutural — reforma da Previdência, quebra da rigidez orçamentária e assim por diante.

Há poucos dias, a organização não governamental Comunitas reuniu governadores eleitos dos estados de Goiás (Ronaldo Caiado), Minas (Romeu Zema), do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite) e São Paulo (João Doria); secretários estaduais; o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia; o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o governador Paulo Hartung, do Espírito Santo, único estado com nota máxima na última avaliação fiscal do Tesouro. O objetivo do encontro foi conversar sobre uma coalizão de estados em favor das reformas, em que se encontra a do próprio Estado.

Bertold Brecht: Elogio da dialética

A injustiça vai por aí com passe firme.
Os tiranos se organizam para dez mil anos.
O poder assevera: Assim como é deve continuar a ser.
Nenhuma voz senão a voz dos dominantes.
E nos mercados a espoliação fala alto: agora é minha vez.
Já entre os súditos muitos dizem:
O que queremos, nunca alcançaremos,

Quem ainda está vivo, nunca diga: nunca!
O mais firme não é firme.
Assim como é não ficará.
Depois que os dominantes tiverem falado
Falarão os dominados.
Quem ousa dizer: nunca?
A quem se deve a duração da tirania? A nós.
A quem sua derrubada? Também a nós.
Quem será esmagado, que se levante!
Quem está perdido, que lute!
Quem se apercebeu de sua situação, como poderá ser detido?
Os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã.
De nunca sairá: ainda hoje.