quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Sergio Fausto*: O ponto a que chegamos

Da Constituição de 1988 à eleição de Jair Bolsonaro

- Revista Piauí, fevereiro

Paulo Guedes embrulha os governos de FHC e do PT no mesmo pacote. Sua visão leva água para o moinho doido da extrema direita, para a qual todos do centro até a esquerda são comunistas

Em meados de 2015, a Folha de S.Paulo me convidou para publicar um artigo na Ilustríssima sobre o futuro do PSDB. Escrevi um texto dizendo que a crise do PT, já na época enredado na Lava Jato (tucanos vieram a enredar-se depois), abria espaço para o PSDB retomar a sua original posição de centro-esquerda no espectro político. Mais do que uma análise, expressava um desejo pessoal. Celso Rocha de Barros, em artigo publicado em seguida, rebateu afirmando que para o PSDB não havia mais volta possível às origens. O partido se tornara uma força de contenção da direita propriamente dita. Gostei do argumento do Celso. Realista, pensei: se assim for, o partido continuará a cumprir um papel importante.

Menos de quatro anos depois, difícil não concluir que ambos estávamos enganados. O PSDB nem se estendeu para a centro-esquerda nem serviu de dique eficiente para conter a maré conservadora, com fortes correntes reacionárias, que carregou Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto em outubro de 2018. 

Que uma onda à direita vinha crescendo desde 2013/2014, já se sabia. Mas a força e a extensão com que rebentou na praia surpreenderam a todos: o mais desabrido dos deputados direitistas do baixo clero se elegeu presidente; candidatos desconhecidos de direita venceram as eleições para governador nos estados do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de Santa Catarina, além de Rondônia, contra todas as expectativas; um major da Polícia Militar de São Paulo derrotou Eduardo Suplicy na disputa pelo Senado; o PSL, partido até então inexpressivo, elegeu a segunda maior bancada da Câmara, 52 deputados, boa parte deles desconhecida na política – e por aí vai.

Demorei a me dar conta de que a maré conservadora poderia chegar lá. Fui mais sensível aos riscos de um projeto hegemônico do PT, que engendrou uma poderosa máquina de sucção de recursos do Estado para financiar o partido e seus aliados, cooptar a sociedade civil, apoiar governos e partidos amigos na redondeza, com ramificações na África. O mecanismo operava por meio de um conjunto de empresas escolhidas para receber o quinhão maior dos benefícios do governo e, em contrapartida, reinjetar o produto de contratos superfaturados num sistema que corrompeu as instituições do Estado e o sistema partidário como nunca antes na história desse país. Diga-se o que se disser sobre os excessos e abusos da força-tarefa da Lava Jato e do juiz Sérgio Moro – e se deve dizer sem hesitação –, foram eles os principais responsáveis por impedir que a corrupção sistêmica das instituições republicanas continuasse a avançar, dando ao Brasil a chance de limitar o alcance de práticas nas quais todos os partidos, sem exceção, se lambuzaram em maior ou menor grau.

Cláudio de Oliveira*: “Esquerda positiva” e reforma da Previdência

Você já ouviu falar da “esquerda positiva”?

O termo foi cunhado por San Tiago Dantas, ministro da Fazenda do governo João Goulart, na difícil crise do pré-1964.

Dantas propunha uma Frente Progressista entre os partidos de centro (PSD e PDC), centro-esquerda (PTB e PSB) e esquerda (PCB) em torno de um programa moderado de reformas [1].

Visava tirar Goulart do isolamento político, resolver as dificuldades econômicas e sociais do país e evitar um golpe de Estado.

Ainda antes, em 1962, juntamente com o então ministro do Planejamento, o economista Celso Furtado, Dantas havia apresentado o Plano Trienal, bombardeado à esquerda e à direita.

O PCB inicialmente aceitou o diálogo, o que levou Dantas a falar em “esquerda positiva”, em contraposição aos setores da esquerda contrários à proposta.

Infelizmente, prevaleceram os setores radicais e o Brasil caiu numa ditadura.

A “tática de soluções positivas”
Dentro do PCB, desde fim dos anos 1950, o jornalista Marco Antônio Tavares Coelho defendia “uma tática de soluções positivas”:

apregoei a substituição da temática e do combate desbragado a todas as proposições dos governantes por uma ação alicerçada em soluções alternativas, viáveis e concretas [...] [2].

Ele criticava a tática do “quanto pior, melhor” que o partido usara contra o presidente Getúlio Vargas.

Após o golpe de 1964, Marco Antônio Tavares Coelho foi um dos responsáveis para que o PCB não caísse na aventura da luta armada e partisse para uma resistência pacífica dentro do MDB.

A reforma da Previdência de Temer
Quando o então presidente Michel Temer apresentou sua proposta de reforma da Previdência, em dezembro de 2016, achei que os partidos progressistas deveriam se sentar à mesa de negociação.

Eles deviam topar debater e aprovar uma reforma nas aposentadorias em uma discussão casada sobre reforma tributária progressiva, taxando mais as altas rendas e aliviando a carga sobre os assalariados, bem como uma revisão da política de subsídios às grandes empresas, que muito contribuiu para a presente fiscal.

Mas, outra vez, a “esquerda positiva” não prevaleceu.

A reforma da Previdência de Bolsonaro
E agora, os progressistas proporão uma discussão conjunta sobre Previdência, impostos e subsídios, e apresentarão suas propostas? Dessa vez a “esquerda positiva” vencerá?

*Jornalista e cartunista do jornal Agora São Paulo.

Notas
[1] Sobre o programa da Frente Progressista, cf. Gabriel da Fonseca Onofre, Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista. Rio de Janeiro: Prismas, 2015. Sobre as posições do PCB, cf. Gildo Marçal Brandão, O partido comunista como “esquerda positiva”. Lua Nova n. 35, São Paulo, 1995. Disponível em: https://bit.ly/2tGIN44

[2] Sobre a “tática de soluções positivas”, cf. Luiz Sérgio Henriques, Uma vida exemplar. Disponível em: https://bit.ly/2Eek23X

Merval Pereira: A realidade bate à porta

- O Globo

Apoios partidários a projetos, como a reforma da Previdência, deveriam ser parte do cotidiano

A realidade política finalmente entrou em campo na negociação da reforma da Previdência. O presidente Jair Bolsonaro, ao mesmo tempo em que prometeu usar sua influência nas redes sociais para explicar a reforma e defendê-la, abriu as portas para as mudanças que os parlamentares fizerem: “a reforma boa é a de vocês”, repetiu.

Mas a dose de transigência parece ter sido alta demais, e ontem se viram ministros e líderes governistas correndo para apagar o fogo. A palavra de ordem foi admitir mudanças, desde que a economia de R$ 1 trilhão prevista para dez anos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, seja mantida.

Ele próprio conversou com os presidentes da Câmara e do Senado para reafirmar a disposição de negociar hoje, mas mantida o que o chefe do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, chamou de a “cláusula pétrea” da reforma.

O governo Bolsonaro parece estar se curvando a esta realidade. Como advertira o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, Bolsonaro estava refém da campanha eleitoral e constrangido pela própria criminalização da política, para aceitar uma negociação no Congresso que viabilize a aprovação da emenda constitucional da Previdência.

O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas do Rio, no programa “Entre aspas”, de Monica Waldvogel, na GloboNews, deu uma institucionalizada nas negociações do Congresso, lembrando que, em qualquer país do mundo, o governo tem que ceder para obter a maioria no Congresso, sem o que não se governa.

Míriam Leitão: A inutilidade das polêmicas

- O Globo

Lista de polêmicas inúteis do governo é extensa. Com elas, o país perde tempo, quando as atenções deveriam estar em questões sérias para se construir o futuro

O governo roda em torno de si mesmo e do nada. Num país cercado de urgências e de problemas graves, o presidente, seus filhos, alguns ministros, altos funcionários são dedicados criadores de falsas polêmicas. Se nada mais tivéssemos para fazer, poderia ser divertido. Teríamos não um governo, mas uma central de entretenimento que oscila seus estilos entre o hilariante, o nonsense, o desprezível. Com a pesada agenda que temos e os absurdos que acontecem, o show não diverte. Acabrunha, irrita, revolta.

Nem bem nos recuperamos de uma e vem outra. Em três dias, houve o caso da carta do ministro da Educação, o do filho do presidente, Eduardo, defendendo o muro dos Estados Unidos contra o México, e o do presidente, Jair Bolsonaro, chamando de estadista o chefe de uma cleptocracia sanguinária que dominou os paraguaios por 35 anos. Mas desde o começo do mandato, a lista das polêmicas inúteis é extensa. Com elas, o governo perde tempo, quando todas as atenções deveriam estar em questões sérias que temos que superar para construir o futuro. Elas tiram atenção até dos projetos importantes como a reforma da Previdência e o pacote anticrime.

Há sempre quem pergunte. Viu a última? E este governo parece inesgotável produtor de últimas. Ele cria fatos que mais parecem fake news. A defesa de Alfredo Stroessner foi a mais recente, mas nada impede que enquanto escrevo estas linhas os caprichosos criadores de estultices estejam em atividade.

Stroessner foi o que foi. Não um homem de visão, um estadista, como descreveu Jair Bolsonaro, mas o chefe de um governo que torturou, matou e roubou por 35 anos. Não há ditadura boa, mas há algumas piores do que as outras. A do Paraguai foi das piores. Comandada com mão de ferro por um capitão reformado, que ficou no poder de 1954 a 1989, a ditadura paraguaia agia através de uma polícia política das mais violentas e não poupou nem integrantes do governista Partido Colorado. Se Bolsonaro pensou estar homenageando os paraguaios, errou. É figura tão controversa no nosso vizinho que o presidente Abdo Benitez, também do Partido Colorado, ficou em silêncio e não ecoou o presidente brasileiro. Stroessner, além de tudo, foi acusado de ter desviado bilhões para si e sua família. O país foi pilhado pelo governante que Bolsonaro admira.

Bernardo Mello Franco: Elogios a Stroessner rebaixam o Brasil

- O Globo

Exaltado por Bolsonaro, o general Stroessner chefiou uma ditadura corrupta e assassina no Paraguai. Ficou 35 anos no poder e morreu sem prestar contas à Justiça

Jair Bolsonaro passou um mês sem falar em solenidades oficiais. Era melhor que tivesse continuado em silêncio. Na posse do novo diretor de Itaipu, o presidente exaltou o ditador paraguaio Alfredo Stroessner. Chamou-o de “estadista” e “homem de visão”.

A história mostra que os predicados do general eram outros. Depois de liderar um golpe militar, ele passou 35 anos no poder. Comandou um regime corrupto e sanguinário, responsável por múltiplos crimes contra a humanidade.

De acordo com estimativas oficiais, a ditadura paraguaia torturou mais de 18 mil pessoas entre 1954 e 1989. A Comissão da Verdade e Justiça do país contabilizou 59 mortos e 336 desaparecidos.

O relatório final do órgão afirma que Stroessner montou um regime de “caráter totalitário”, voltado para o “controle total do Estado e da sociedade”. Seu governo foi implacável. “Perseguiu, eliminou, excluiu, extirpou e aniquilou todo foco, tentativa ou projeto de oposição”, registra o documento.

O general não se limitou a chefiar a repressão política. Ele permitiu e estimulou o contrabando. Fez do comércio ilegal de cigarros, bebidas e eletrônicos uma marca registrada do Paraguai.

William Waack: Vem pro jogo, Jair

- O Estado de S.Paulo

O sucesso da reforma da Previdência depende sobretudo do engajamento de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro ganhou um simpático apoio num evento público com três governadores recém-eleitos no RS, em GO e em SP: uma adesão “irrestrita” (Eduardo Leite), “total” (Ronaldo Caiado) e “firme” (João Doria) à reforma da Previdência. E ouviu, no mesmo evento, um duro recado: “Jair, vem pro jogo, e traz teu capital político”.

O mesmo pedido já havia sido feito antes por Rodrigo Maia, presidente da Câmara e agora a figura política de referência para o governo Bolsonaro. Tem sido repetido por diversos líderes partidários. E está em destaque nas análises fornecidas por consultorias políticas e de risco: a reforma da Previdência é o único assunto que importa para definir o sucesso deste governo. E ela depende hoje, basicamente, do presidente.

Há um sentido crítico muito evidente nesses “pedidos”. Sendo a reforma da Previdência, antes de mais nada, uma batalha de comunicação, e batalha de comunicação é a capacidade de fazer prevalecer uma narrativa (ou desconstruir uma oposta), cabe a Bolsonaro usar a habilidade que demonstrou nas eleições de dirigir-se ao “homem simples” e engajar-se diretamente em convencer o dileto público a engolir medidas que serão inevitavelmente impopulares.

Economistas alertam para o fato de que não adianta sequer pensar num “plano B” para o governo no caso de não aprovação ou de uma aprovação de reforma demasiadamente aguada. As consequências da não aprovação para a economia seriam catastróficas em prazo bem curto. O tempo está trabalhando contra o País e, portanto, o emprego do capital político não só é necessário como urgente.

Há mais um alerta na praça se Bolsonaro estiver disposto a considerá-lo. Tanto os governadores experimentados e veteranos no Legislativo (como Caiado) quanto os jovens e recém-chegados à “grande articulação” (como Leite) apontam para um elemento essencial na política: o ambiente. O atual ainda seria favorável a empurrar em direção à reforma um Congresso fracionado, desarticulado e – como todos sabem – muito bem dominado por interesses setoriais e corporativos dos mais diversos tipos.

Maria Cristina Fernandes: Previdência pede mais Lula que Stroessner

- Valor Econômico

Lula tem mais a ensinar a Bolsonaro do que Stroessner

O presidente da Câmara dos Deputados, principal avalista das expectativas em relação à reforma da Previdência, já devolveu Mateus para quem o pariu. Se ele, Rodrigo Maia, cuida dos deputados, é Jair Bolsonaro quem tem a responsabilidade de convencer os eleitores de que a reforma a ser votada é boa para o país. Sem isso, não haverá maioria a favor no Congresso.

A cobrança para que presidente da República reencarne o garoto-propaganda da campanha eleitoral desafia suas habilidades de comunicador. Até hoje, o titular do Palácio do Planalto foi pedra. No PT, na corrupção, na violência. No papel de vidraça, o presidente decepciona. Monocórdico no tom e enfadonho nas ênfases, perde o elã diante de um teleprompter. É incapaz de demonstrar indignação frente à injustiça dos privilégios previdenciários com a mesma ênfase com a qual chama todos os petistas de ladrões. Comparado com intérpretes de libras que se postam ao seu lado, o presidente dos pronunciamentos é uma múmia falante. Não levanta as sobrancelhas para afirmar que quem ganha mais contribuirá com mais e nem sequer esboça um sorriso para dizer àqueles que vão pagar a conta que o futuro prometido é um país com mais empregos.

O presidente da República só parece se sentir à vontade quando encarna o defensor de ditaduras e algoz dos esquerdistas, aquele que ensinou tudo ao seu trio de filhos. Com seus trejeitos habituais, apertando os lábios, prendendo a língua e mostrando os dentes num discurso improvisado esta semana, pareceu mais à vontade chamando Alfredo Stroessner de estadista e homem de visão do que explicando aos brasileiros porque o país só sai do buraco se todo mundo trabalhar mais.

Se Bolsonaro não parece convincente em falar daquilo que a reforma tem de bom, que dirá em dobrar os eleitores em relação àquilo que ela tem de ruim. Eleito por um Estado urbanizado como o Rio e egresso do mais liberal dos partidos (DEM), o presidente da Câmara já mandou dizer que a garfada na previdência rural e no benefício assistencial aos idosos miseráveis não passa. Não é com teleprompter que o presidente vai conseguir convencer seus eleitores e, mais ainda, aqueles de seus adversários, que os brasileiros elegíveis a um auxílio-invalidez só poderão fazer jus ao benefício se acometidos por doenças provocadas pelo trabalho. Aos demais, portadores de doenças hereditárias ou genéticas, restaria a mendicância.

O recuo dos ruralistas na pressão pela reedição do subsídio ao agronegócio embutido na conta de luz é um sinal de que a reforma avançou mais do que devia na penalização dos desvalidos. Mas não basta recuar. Para aprovar o cerne da reforma - a idade mínima e a equiparação entre os servidores dos setores público e privado -, o governo terá que avançar na negociação com uma oposição que, pode até não parecer, mas é numericamente maior no Congresso do que na legislatura passada. O presidente quer chamar PDT e PSB para conversar, mas os dois partidos só pretendem ir levando o resto da turma. E é tão improvável imaginar um convite do presidente Jair Bolsonaro ao líder do PT, deputado Paulo Pimenta (RS), quanto seu aceite.

Nessa orquestra dissonante, o único acerto foi a escolha de Joice Hasselmann (PSL) para líder do governo no Congresso. Não apenas por mostrar o freio nos filhos, de quem a deputada é desafeta, como por sua pré-candidatura à Prefeitura de São Paulo. Nesta condição, terá que negociar um formato para a reforma que a torne defensável para a maioria de seus eleitores.

Clóvis Rossi: Bolsonaro admira um assassino e ladrão

- Folha de S. Paulo

Déspotas nunca são estadistas

Ao chamar o general paraguaio Alfredo Stroessner de “estadista", Jair Bolsonaro desqualifica a si próprio como presidente de um regime democrático.

Stroessner nunca foi um estadista e, sim, um nefando déspota assassino.

Bolsonaro nem precisaria recorrer à ampla bibliografia que conta a história da ditadura do período 1954-1989. Bastaria conhecer, por exemplo, decisão de 2003 da justiça paraguaia que determinou o embargo dos bens de Stroessner (então exilado no Brasil), em uma causa por violação aos direitos humanos.

Foi responsabilizado pela morte sob tortura, em 1974, de Celestina Pérez de Almeida, esposa do educador Martín Almada.

Mas esse fato, por si só, não comoveria Bolsonaro, cujo ídolo chama-se Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar condenado pela justiça pela prática de tortura. Quem admira um torturador admira todos eles.

Mas Stroessner não era apenas um ditador. Era também tão corrupto que o juiz Arnaldo Fleitas estimou, certa vez, a sua fortuna de Stroessner em US$ 500 milhões (equivalentes hoje a R$ 1,8 bilhão), distribuídos em contas secretas na Suíça ou abertas em nomes de terceiros e da empresa Sur Inmobiliaria, administrada por alguns de seus netos.

Se uma pessoa assim é um estadista, para Bolsonaro, então Sérgio Cabral também o é, assim como Paulo Preto, certo?

Se se desse ao trabalho de ler alguma coisa além dos tuítes de seus filhos, Bolsonaro ficaria sabendo, por exemplo, que a ditadura de Stroessner ficou marcada, entre outros pontos, pela violação sistemática aos direitos humanos (práticas de torturas físicas e psicológicas, assassinatos, exílios forçados, desaparecimentos, violações sexuais, entre outros); por gordo esquema de corrupção e pela censura aos órgãos de imprensa (talvez a admiração de Bolsonaro se explique por aí).

Carlos Alberto Sardenberg: ‘Virundum’

- O Globo

A questão é qual Brasil queremos que esteja acima de tudo? Um país com um governo socialista, direitista ou liberal?

Não teve perdão. O colega ficou de segunda época na matéria Canto Orfeônico por “desrespeito à pátria”. Era novembro de 1959, segundo ano do ginásio na escola pública de Botucatu, interior de São Paulo, dia de exame oral, que consistia em cantar um trecho de um dos quatro hinos principais: Nacional, da Independência, da Bandeira e da República. E quando o professor perguntou qual hino havia sido sorteado, o colega, distraído, respondeu: “O virundum”.

“Zero, pode ir embora”, decretou o mestre.

Um vacilo, porque todo mundo sabia que o professor era nacionalista ferrenho. Não, não era militar, nem direitista. Até se desconfiava que fosse meio comunista. De todo modo, patriota.

A gente cantava um hino todos os dias. Os alunos, uniformizados, formavam no pátio, cantavam e andavam em fila para as salas. Claro que todo mundo tirava sarro. “Ouviram do Ipiranga” era o “virundum”. “Já podeis da pátria filhos” saía como “japonês tem quatro filhos”. Tinha ainda o “porém se a pátria amada precisar da macacada...”

Só no científico, primeiro ano do segundo grau, se dispensavam uniforme, filas e hinos.

Talvez porque se entendesse que, aos 16 anos, os jovens já estivessem bem formados e não necessitassem mais de tanta disciplina. Talvez porque já estivéssemos iniciando os anos 60, momento político de mais democracia.

Mas ninguém reclamava de cantar os hinos. Assim, não sei o que teria acontecido se algum aluno se recusasse ostensivamente a cantar. Mas sei que aula de Religião, católica, claro, não era obrigatória. Logo no começo do ano, os pais informavam a religião da família, e os protestantes e judeus eram dispensados. Iam para o recreio, sob uma disfarçada inveja dos que permaneciam.

Roberto Dias: Um olho mágico do atraso

- Folha de S. Paulo

Debate brasileiro sobre público x privado recai sobre questões superadas

No Brasil, até o atraso se tornou atrasado. Basta ver a discussão mundial sobre público x privado. O debate brasileiro passa longe de qualquer tecnologia e recai sobre questões superadas. Evidencia que não temos muita ideia do que está em jogo.

O sigilo dos documentos federais, por exemplo. O que se queria ali era arrastar o pêndulo do público para o privado. A bola rodou de mão em mão, do vice para a Câmara para o presidente, até cair no chão. Retomou-se um debate de 17 anos atrás, que sugou a atenção para nada.

A polêmica sobre o hino vai na mão oposta. O governo se mexeu para tornar público o que é privado. Noves fora o despropósito da conversa, o ponto da privacidade remonta ao Estatuto da Criança e do Adolescente —uma lei de 1990. Seria mais moderno pedir que as cenas fossem filmadas com o celular na horizontal.

Mundo afora, o duelo público x privado ganhou sofisticação tal que faz a guerra fria parecer jogo de damas.

Bruno Boghossian: Mutirão do emprego

- Folha de S. Paulo

Partidos querem criar dificuldades no Congresso para aumentar preço de apoio ao Planalto

Sob pressão de parlamentares, o Planalto topou abrir um mutirão do emprego. O governo suavizou o discurso de campanha e preparou uma lista de cargos que serão abertos para indicações políticas em troca de apoio no Congresso. As vagas só serão negociadas depois do Carnaval, mas deputados e senadores já ameaçam aumentar a fatura.

Jair Bolsonaro se enrolou na própria retórica. Durante a eleição, o presidente demonizou os partidos e a distribuição de espaços na máquina pública. Ele só percebeu que precisaria desse artifício ao subir a rampa do palácio. Agora, potenciais aliados encaram o governo com desconfiança e querem cobrar mais caro para aprovar seus projetos.

Líderes partidários que estiveram com Bolsonaro na terça-feira (26) se dividiram. Alguns se contentaram com os sinais de que o presidente aceitou participar do jogo da política tradicional, mas outros deixaram o encontro dispostos a criar dificuldades e constrangimentos para o Planalto nas próximas semanas.

Parte das siglas do centrão planeja emparedar o governo. A ideia é convocar ministros e presidentes de bancos públicos para explicar nomeações e medidas tomadas nos primeiros meses de mandato. Os parlamentares consideram que a retórica antipolítica de Bolsonaro os colocou sob suspeição e querem devolver na mesma moeda.

Vinicius Torres Freire: Economia começa mal o ano

- Folha de S. Paulo

Emprego, confiança de empresas e receita do governo têm sintomas de resfriado

Mais um ano se passou e o desemprego continua na mesma. A taxa de desemprego é praticamente igual à do início de 2018, quando também o ritmo de criação de empregos passou a cair.

A confiança das empresas de comércio e serviços baixou em fevereiro. Na indústria, cresceu, mas ainda está abaixo do que se via antes do caminhonaço de meados do ano passado. Não há dados mais precisos ou gerais de produção e vendas neste começo de 2019, mas os indicadores indiretos são fracos.

A discreta melhora no crédito bancário deu um tempo e repousou na discrição. A receita de impostos do governo federal também desacelera desde setembro. A receita total também, prejudicada pela baixa na arrecadação dos recursos obtidos com concessões.

Há sinais de resfriado na atividade econômica, como se observa nestas colunas desde o início de janeiro. As estimativas de crescimento para 2019 vêm sendo reduzidas por economistas de grandes bancos e consultorias. A gente ouve cada vez mais conversas sobre a necessidade de cortar a taxa básica de juros, o que era assunto de uma minoria até a virada do ano.

O ritmo cadente de criação de empregos é bem preocupante. Em janeiro do ano passado, o número de pessoas empregadas crescia ao ritmo anual de 2,1%. Cai desde então. Agora, a população ocupada aumenta a 0,9% ao ano, como se soube nesta quarta-feira pela pesquisa do IBGE, a Pnad Contínua.

Note-se de passagem que há uma discrepância entre os indicadores de emprego formal do Ministério da Economia (Caged, algo melhores) e os do IBGE. São dados de natureza totalmente diferente: o Caged é um registro administrativo de criação de empregos formais; a Pnad é uma pesquisa por amostragem.

Ribamar Oliveira: Tudo ficará para lei complementar definir

- Valor Econômico

Reforma retira da Constituição as regras previdenciárias

Todas as regras previdenciárias, dos regimes próprios dos servidores públicos e do regime geral dos trabalhadores da iniciativa privada, passarão a ser definidas por lei complementar se a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro for aprovada pelo Congresso. O projeto do governo promove o que os economistas chamam de "desconstitucionalização" das regras previdenciárias.

Apenas alguns princípios gerais permanecerão no texto da Constituição. A proposta de emenda constitucional (PEC) da reforma da Previdência estabelece ainda regras de transição, que valem enquanto as leis complementares não forem aprovadas. Esse aspecto do projeto do governo, até agora pouco divulgado, começou a ser discutido no Congresso e pelas principais corporações de servidores.

Assim, esta será a última reforma da Previdência que terá que alterar artigos da Constituição. Todas as futuras mudanças nessa área poderão ser feitas por meio de lei complementar, cuja aprovação exige votos favoráveis da maioria absoluta (metade mais um) dos membros da Câmara e do Senado. As alterações do texto constitucional exigem aprovação de três quintos dos deputados e senadores, em dois turnos.

*Eugênio Bucci: O ridículo do hino e a escola sem sentido

- O Estado de S.Paulo

É difícil pensar em algo pior do que ‘Brasil acima de tudo’ ou ‘Deus acima de todos’

Na segunda-feira a repórter Renata Cafardo, do Estadão, revelou que o MEC enviara às escolas do Brasil um par de instruções estapafúrdias e patriofrênicas. Por e-mail o órgão máximo da educação nacional pedira que as crianças fossem perfiladas para cantar o Hino Nacional e as cenas, gravadas em vídeo, fossem enviadas a Brasília para deleite dos ocupantes da Esplanada.

Não foi só. O MEC também solicitou aos dirigentes das escolas que lessem para os alunos uma mensagem ufano-pedagógica de autoria do titular da pasta, Ricardo Vélez Rodríguez: “Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”.

Como ainda resta um pingo de consciência – e de senso de ridículo – na sociedade, a reação foi instantânea. Educadores e advogados protestaram, alegando que crianças não podem ser filmadas assim, de qualquer jeito, sem autorização dos pais. Outros repudiaram a transformação de um slogan de campanha eleitoral em chamamento de governo para as escolas.

A grita foi tão determinada e irrefutável que o ministro recuou de pronto. Tem sido assim, aliás, nesse governo de idas e vindas. O estilo da administração de turno é o “fez que foi e acabou não fondo”. A toda hora uma autoridade dispara uma bravata e depois recua. Esta semana mesmo o presidente da República voltou atrás e desistiu de aumentar o sigilo em documentos da administração federal – quer acalmar os parlamentares.

Zeina Latif*: O verdadeiro patriotismo

- O Estado de S.Paulo

As prioridades do Ministério da Educação não estão claras; ser liberal não é ser de direita

O quanto um país consegue crescer sem esbarrar em gargalos de capacidade instalada, infraestrutura e mão de obra qualificada é o que os economistas chamam de crescimento potencial de longo prazo. Estimá-lo não é tarefa fácil, pois é necessário conhecer o estoque e a qualidade da mão de obra (capital humano), de máquinas e equipamentos e da infraestrutura. É necessário também estimar o impacto de outros fatores sobre o funcionamento da economia. Por exemplo, um ambiente de negócios difícil, com complexidade de regras e leis, exigindo mais gastos das empresas com advogados e contadores, reduz a produtividade do setor produtivo e o potencial de crescimento.

No Brasil, uma primeira aproximação do tamanho desse potencial seria a média de crescimento do PIB desde o Plano Real, que foi em torno de 2,0-2,5% ao ano. É provável, porém, que o potencial hoje esteja abaixo de 2%, por conta dos vários anos de reduzido investimento e a má alocação de recursos públicos (por exemplo, a construção de estádios, em vez de políticas para melhorar a qualidade da mão de obra). Se nada for feito, o quadro vai se agravar, pois, daqui para frente, o crescimento da força de trabalho será inferior ao da população (fim do bônus demográfico).

*José Serra: Menos arroubos, mais diplomacia

- O Estado de S.Paulo

O Brasil não tem história nem poderio para se tornar parte de uma polícia global

A deterioração da situação política na Venezuela, com todos os seus corolários – recrudescimento da repressão pelo ditador Nicolás Maduro, emigração em massa e conflitos entre Forças Armadas e civis venezuelanos, a um passo da nossa fronteira –, arrasta o Brasil (e a Colômbia) para focos de tensão crescente. Como já escrevi neste espaço, o conflito interno na Venezuela é uma circunstância que o Brasil não escolheu, mas que, cada vez mais, nos impõe dilemas especialmente difíceis, que devem ser tratados com muita cautela e pragmatismo.

Os desdobramentos mais recentes – como a tentativa de atravessar a fronteira no Brasil e na Colômbia com caminhões de ajuda humanitária – deslocam perigosamente nosso papel no conflito da esfera tipicamente diplomática para a antessala de uma ação propriamente militar. Na semana passada o governo de Maduro posicionou tanques próximo à nossa fronteira, dando sequência a um imbróglio preocupante.

Quando se sai do campo da diplomacia e se entra, ainda que tenuemente, na esfera bélica, as opções de recuo diminuem e a tendência a uma escalada temerária não pode nunca ser descartada. Em face da reação das Forças Armadas venezuelanas, ainda leais a Maduro, a entrada da ajuda humanitária fracassou. Esperava-se que a possibilidade dessa ajuda e o previsível rechaço de Maduro abrissem uma fenda na lealdade militar ao chefe venezuelano. Mas houve relativamente poucas deserções, a grande maioria de patentes baixas e médias. Os desertores cruzaram a fronteira com a Colômbia e alguns foram resgatados pela Polícia Federal brasileira. A manobra não deu certo – pareceu longe de ameaçar a estabilidade dos vínculos entre o governo e o Exército.

O que se poderia fazer a partir daí? Aumentar a pressão político-diplomática e, usando aparato bélico, impor a passagem de comboios com alimentos e remédios? Ou desistir da operação até que um virtual abalo do apoio dos militares a Maduro levasse à derrocada do seu regime? Ao que tudo indica, ficaremos na segunda opção. O que não deixará de ser um prudente recuo, bem-vindo, diga-se. Mas não melhor do que se estivéssemos cuidadosamente explorando outras opções de ação.

A lição que fica do episódio é que blefes não costumam produzir bons resultados nas relações internacionais, ainda mais se o adversário encurralado tem tudo a perder se não resistir. Por mais que Maduro e o chavismo tenham levado seu país à ruína, a sociedade venezuelana está ainda dividida. Essa divisão tem raízes históricas, especialmente pelo desprezo das elites, no passado, pela situação da grande maioria marginalizada. O apelo ideológico do “socialismo” chavista ainda sensibiliza boa parte dos venezuelanos. Embora essa parcela seja cada vez mais minoritária, ela permanece forte o suficiente para alimentar a instabilidade política mesmo depois de uma eventual queda de Maduro.

Ricardo Noblat: Segurança para o boneco de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Carnaval dos eles contra nós

Com a discrição que o caso requer, o governo federal fez chegar à organização do desfile dos bonecos gigantes do carnaval de Olinda a informação de que se dispõe a garantir a segurança do boneco que representará o presidente Jair Bolsonaro.

Tudo passaria, naturalmente, pela escalação de uma pequena equipe de agentes policiais a paisano. Como se fossem foliões comuns, eles pulariam em torno do homem que carregaria o boneco – Natan Oliveira, 22 anos, por sinal eleitor de Bolsonaro.

A Embaixada dos Bonecos, entidade privada responsável pelo desfile, não confirma a oferta de segurança. Limita-se a dizer por meio de um dos seus porta-vozes informais que o boneco está pronto desde o ano passado e que deverá ir às ruas da cidade,

Aí é que mora o perigo. A população de Olinda votou por larga maioria em Fernando Haddad (PT) para presidente da República no segundo turno. Na véspera do dia da eleição, dezenas de blocos desfilaram num carnaval fora de hora pedindo votos para Haddad.

Os responsáveis pelo desfile dos bonecos na segunda-feira de carnaval têm recebido ameaças ao boneco de Bolsonaro. Nada de pessoal contra Oliveira, com larga experiência como portador de bonecos. Tudo contra o presidente eleito.

A depender do que possa acontecer até o final desta semana, não se descarta a hipótese de o boneco de Bolsonaro só desfilar no carnaval do Recife, considerado um ambiente muito mais seguro para ele.

Sarna para se coçar
Sem consulta aos índios e à Funai

Talvez por falta de problemas que lhe apertem os calos, o governo federal resolveu criar um. Definiu que a linha de transmissão que ligará as cidades de Manaus (AM) e Boa Vista (RR) é uma “alternativa energética estratégia para a soberania e defesa nacional”.

Significa que a obra poderá ser realizada “independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai”. Ao proceder assim, o governo se vale de um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol em 2009.

Ocorre que em 2013, por unanimidade, o STF reconheceu que a decisão sobre a Raposa Serra do Sol não tinha caráter vinculante. Ou seja: só se aplicava àquele processo. Portanto, a decisão anunciada ontem relativa à linha de transmissão entre Manaus e Boa Vista acabará sendo judicializada.

Roraima é o único Estado brasileiro que não faz parte do Sistema Interligado Nacional (SIN). O abastecimento de energia se dá por meio de linhas de transmissão que saem da Venezuela. Com a confusão por lá, e a posição adotada a respeito pelo governo brasileiro, Roraima corre o risco de ficar sem luz

Dora Kramer: Relato selvagem

Blog da Dora | Veja

Confissão de Cabral demonstra o acerto de prisões no combate à corrupção

Não fosse o aperto do aparato investigativo/judicial no trato dos suspeitos públicos e privados de crimes de corrupção, o ex-governador Sérgio Cabral não teria confessado o que confessou ao juiz Marcelo Bretas.

Estaria solto valendo-se do benefício da dúvida. Seu relato sobre o funcionamento do esquema de distribuição de favores em troca de propina a partir do Palácio Guanabara demonstra o acerto do recurso às prisões preventivas e/ou temporárias adotado com ênfase desde a deflagração da Operação Lava Jato.

O método é criticado por juízes, analistas da cena política, juristas e, óbvio, por advogados. Argumenta-se que fere os princípios do estado de direito, como se quando a roubalheira grassava solta e impune o império da lei estivesse a salvo.

A rigor, Cabral não disse nada que as autoridades não soubessem, tanto que por isso fracassaram as tentativas dele de se beneficiar do instituto da delação premiada. Mas, aos cidadãos residentes do lado de fora do aparelho investigativo, o depoimento do ex-governador permitiu um melhor entendimento de como governantes se valem do voto para locupletar a si e seus comparsas no governo e cercanias.

Dirão, e já começaram a dizer, que Sérgio Cabral não tem provas.

Aguardemos. Mas desde já cumpre pontuar que acreditar que ele mentiu ao confessar ao juiz equivale a aceitar que dizia a verdade quando alegava a mais completa inocência.

Luiz Carlos Azedo: A República de Curitiba

- Correio Braziliense

“Com o ex-juiz Sérgio Moro no Ministério da Justiça, a força-tarefa da Lava-Jato terá muito mais apoio financeiro, operacional e político para prosseguir suas investigações”

A expressão República de Curitiba é uma alusão de advogados e políticos à atuação de militares na crise política que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas. Gregório Fortunato, chefe de sua segurança pessoal, foi o pivô da crise, por ter sido o principal envolvido no atentado ao jornalista Carlos Lacerda, que fazia ferrenha oposição ao presidente da República, após o qual a oficialidade da Força Aérea Brasileira (FAB), reunida no Clube da Aeronáutica, decidiu que o brigadeiro Eduardo Gomes procurasse seus amigos de alta patente da Marinha e do Exército para pedir que o ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, exigisse a renúncia de Getúlio. Carlos Lacerda também procurou Zenóbio, mas o ministro rechaçou a proposta.

Coube ao próprio ministro da Aeronáutica, Nero Moura, porém, levar a Getúlio a exigência de Eduardo Gomes de que as apurações fossem conduzidas por um Inquérito Policial Militar (IPM). O IPM foi a instauração da chamada “República do Galeão”, uma referência à base aérea que serviria como sede da investigação do assassinato do major Rubens Florentino Vaz, no atentado contra Lacerda. O major era um dos oficiais da Aeronáutica que se encarregou da segurança de Lacerda, após o líder idealista ter sido ameaçado de morte e agredido por Euclides Aranha, filho do ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, no Hotel Copacabana Palace.

A morte de Rubens Vaz colocou os militares no centro da crise política. Após as investigações, que incriminaram Fortunato, os brigadeiros assinariam um manifesto exigindo a renúncia imediata de Getúlio. Marinha e Exército acompanhariam a posição da Aeronáutica. “Não renuncio; daqui só sairei morto, e o meu cadáver servirá de protesto contra essa injustiça!”, respondeu Getúlio, que consumou o ato, um trauma na política brasileira até hoje, em razão da carta-testamento que deixou para a História.

Desemprego em janeiro aumenta acima do esperado

Por Thais Carrança e Bruno Villas Bôas | Valor Econômico

SÃO PAULO E RIO - A taxa de desemprego no trimestre encerrado em janeiro ficou em 12%, o equivalente a 12,7 milhões de desempregados. O percentual ficou pouco abaixo dos 12,2% registrados um ano antes, mas acima do trimestre terminado em outubro, de 11,7%, e da expectativa dos economistas, de 11,9%. Apesar de um aumento da desocupação ser esperado em janeiro, devido à demissão de temporários contratados no fim de ano, o número veio pior do que a sazonalidade típica do período, o que foi visto como um sinal de alerta.

O cálculo da taxa dessazonalizada varia de acordo com cada consultoria ou instituição financeira. Mas todas as casas ouvidas pelo Valor apontam para piora da taxa em janeiro em relação a dezembro, ou para estabilidade em um nível elevado, acima de 12%, um mau sinal num momento em que o mercado de trabalho deveria estar em recuperação.

Na série com ajuste sazonal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a taxa subiu pelo segundo mês seguido, de 12,1% em novembro, para 12,2% em dezembro e 12,3% em janeiro, interrompendo a tendência de queda registrada desde março de 2017.

"Dois meses consecutivos de alta na série dessazonalizada já é para ligar o sinal amarelo", diz Daniel Duque, do Ibre-FGV. Segundo ele, essa piora na ponta pode estar acontecendo porque a taxa de desemprego caiu com base em fatores como o aumento do desalento e da subocupação, respectivamente, pessoas que desistiram de procurar emprego -e por isso deixam de entrar na estatística - e aquelas que trabalham menos do que gostariam.

No trimestre até janeiro, a população subutilizada (soma de desempregados, subocupados e pessoas que estão fora da força de trabalho, mas poderiam trabalhar) somava 27,5 milhões, 671 mil a mais do que um ano antes. As pessoas desalentadas eram 4,7 milhões, alta de 6,7% na base anual, e as subocupadas por insuficiência de horas eram 6,8 milhões, aumento de 7,3%.

Desemprego cresce em janeiro a 12%, afetando 12,7 milhões

Número de trabalhadores por conta própria atinge recorde de 23,9 milhões

Gabriel Martins | O Globo

A taxa de desemprego no Brasil foi de 12% no trimestre encerrado em janeiro, informou ontem o IBGE, um aumento de 0,3 ponto percentual em relação ao período de três meses encerrado em outubro, que serve como base de comparação. Isso representa um universo de 12,7 milhões de pessoas sem emprego. Já os trabalhadores por conta própria atingiram o recorde histórico de 23,9 milhões, alta de 1,2% frente a outubro. Para economistas, é um sinal de que o mercado de trabalho ainda enfrenta dificuldades para retomar aos patamares pré-crise.

Os dados do desemprego vieram em linha com as projeções de analistas.

— O aumento na taxa de desocupação já era esperado. Sazonalmente, o mês de janeiro é característico pela dispensa de trabalhadores temporários na indústria, agricultura, comércio e na administração pública — disse Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE.

Esta tendência deve se manter em fevereiro e março, explicou Bruno Ottoni, pesquisador do Ibre/FGV e da consultoria iDados.

Houve aumento, em janeiro, no número de trabalhadores no grupo de Transporte, Armazenagem e Correio, que engloba motoristas de aplicativo. A alta foi de 2,8%, o que representou um acréscimo de 129 mil trabalhadores nessas atividades.

— Quantitativamente, o mercado de trabalho está absorvendo uma parte dos trabalhadores. Mas quando a análise qualitativa é feita, os dados mostram que a qualidade das vagas tem ficado em segundo plano — destacou Thiago Xavier, analista da Tendências Consultoria Integrada.

PIB cresce 1,1% em 2018 e registra segunda alta consecutiva

No quarto trimestre, o resultado foi de 0,1% na comparação com os três meses anteriores; os dados foram divulgados pelo IBGE nesta quinta-feira

Por Da Redação | Veja

Ainda em ritmo lento, a economia brasileira voltou a crescer em 2018, com o Produto Interno Bruto (PIB) registrando alta de 1,1% no acumulado do ano, totalizando 6,8 trilhões de reais. Os dados foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, 28. É o segundo resultado anual positivo após os dois anos de recessão, entre 2015 e 2016,

No quarto trimestre, o resultado foi de 0,1%, na comparação com os três meses anteriores.

O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos no país e serve para medir a evolução da economia. O IBGE mede a produção da economia de duas formas: sob o ponto de vista dos setores que produzem e dos que consomem. Em 2017, primeiro ano após a recessão, o PIB foi de 1%

Sem formar base e com PSL isolado, Bolsonaro tenta afagar Congresso

Após derrota na Câmara e com aval incerto a projetos, presidente acena com nomeações no segundo escalão e liberação de emendas

Angela Boldrini, Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O primeiro mês da nova legislatura do Congresso termina nesta quinta-feira (28) sem que a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tenha conseguido formar base aliada e com um isolamento progressivo de seu partido.

Agora, Bolsonaro busca contornar a irritação de líderes do Legislativo com o Planalto para diminuir a incerteza em relação à reforma da Previdência, principal pauta econômica do início do governo, e ao pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), outra bandeira do mandato.

Uma semana após sofrer sua primeira derrota na Câmara, que levou a gestão a revogar decreto com mudanças na Lei de Acesso à Informação, o presidente se reuniu na terça (26) com líderes partidários e assumiu para si a responsabilidade de azeitar a relação entre Executivo e Legislativo.

"Quem tem o poder de decidir é o presidente. Se não houver nenhum tipo de atitude daqui para frente, é porque o presidente não quis tomar. É diferente de um ministro, que está sempre precisando de autorização", afirmou o líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA).

Acompanhado apenas do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, único não militar da cúpula do Planalto, o presidente assentiu com a nomeação de cargos no segundo escalão nos estados por indicação dos deputados e com a liberação de emendas sem contingenciamento.

Bolsonaro tenta conter uma articulação do centrão, que passou recados ao governo de que poderia procrastinar a reforma da Previdência. Ele se comprometeu a tornar reuniões com líderes rotineiras, ainda que não tenha fixado periodicidade. Onyx assumiu o tom pragmático de atender aos pleitos dos congressistas.

A ausência do ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo), general que está no Quênia para encontro da ONU sobre missões de paz, foi interpretada como um sinal de que a articulação política será uma exclusividade de Onyx.

Apesar disso, em mais uma mostra das dificuldades que virão, é Santos Cruz quem mantém melhor relação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desde a saída de Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral. Maia tem sido o principal fiador da reforma na Casa e é desafeto do ministro da Casa Civil.

O governo Bolsonaro nomeou até aqui auxiliares de sua própria sigla para todos os postos relevantes de articulação política, o que, segundo parlamentares, demonstra que o governo está isolado.

O PSL ocupa não só a liderança na Câmara, com Major Vitor Hugo(GO), como a do Congresso, com Joice Hasselmann (SP). Tem a presidência da principal comissão, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), além de três postos na vice-liderança da Casa.

É preciso haver limites: Editorial | O Estado de S. Paulo

Não se questiona a importância da luta contra a corrupção no Brasil, que vem concentrando as atenções dos cidadãos desde que a Operação Lava Jato alcançou as manchetes, há cinco anos. Esse sucesso, contudo, não pode servir de pretexto para uma ampliação desmesurada do poder dos agentes públicos envolvidos no combate aos desvios no âmbito estatal. Os limites haverão de ser sempre a lei e o bom senso – nem este nem aquela autorizam a violação de direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Assim, é natural a reação negativa de parlamentares e ministros do Supremo Tribunal Federal à informação segundo a qual auditores da Receita Federal estão se dedicando a investigações criminais, extrapolando seu âmbito de atuação, que são as irregularidades tributárias. Na esteira dessa inquietação, estuda-se a elaboração de um projeto de lei que restrinja claramente o escopo do trabalho da Receita.

O caso mais relevante a ilustrar esses excessos da Receita envolveu o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Recentemente veio a público, por meio de vazamento criminoso, a informação segundo a qual um auditor da Receita havia aberto investigação para identificar o que chamou de “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” por parte do ministro Gilmar Mendes e de sua mulher, Guiomar.

Fábrica da Ford sinaliza para abertura: Editorial | | O Globo

Fim da linha de produção de caminhões indica ineficácia do protecionismo como política

Entre a emblemática foto do presidente Juscelino Kubitschek no banco de trás de um fusca conversível, em 1953, na inauguração da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e o anúncio do fechamento da linha de montagem de caminhões da Ford, na mesma cidade, passaram-se 65 anos.

Tempo em que o ABC atingiu o apogeu como polo automobilístico e, da mesma forma como outras experiências idênticas no mundo, começou a deixar de receber novos investimentos no setor, também atraídos para outras regiões pela guerra fiscal entre os estados. Mas contribuíram ainda para isso o aumento de custos locais — logística, infraestrutura, salários — e também o ativismo sindical na região. Detroit, nos Estados Unidos, serve de parâmetro.

O fechamento da fábrica da Ford tem outras explicações — bem como ameaças no mesmo sentido que têm sido feitas por outra montadora americana, a General Motors.

Queira-se ou não, a competição global é um fato, e as duas montadoras têm perdido a corrida contra concorrentes asiáticos, e não só para os clássicos japoneses — Toyota e Honda. Até a indústria automobilística da China se torna cada vez mais uma forte competidora.

A chicana do ministro: Editorial | Folha de S. Paulo

Titular do Turismo fracassa em suas tentativas de censurar a Folha e obter foro especial no STF

Ateve-se ao bom senso o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que na terça-feira (26) negou pedido de foro especial apresentado pelo titular da pasta do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, investigado no episódio das candidaturas de fachada do PSL.

Deputado federal licenciado por Minas Gerais, Álvaro Antônio pleiteava que seu caso passasse a tramitar no STF, uma vez que os fatos em apuração ocorreram durante seu mandato parlamentar.

Note-se que ele procurava se valer de uma prerrogativa que, embora correta em seus propósitos, angariou má fama no país por facilitar, em razão de seu alcance exagerado, a impunidade de autoridades e políticos envolvidos em escândalos de naturezas diversas.

Entretanto o entendimento em vigor do Supremo para o emprego do foro especial —firmado, no ano passado, justamente para sanar seus excessos— não contempla, numa interpretação razoável, a trapalhada em que se meteu o hoje ministro do Turismo.

Como observou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em seu parecer sobre o tema, a norma só se aplica quando se examinam atos praticados durante o mandato e em razão dele. Esta última condição não se verifica, claramente, no caso de Álvaro Antônio.

Troca de guarda e manutenção de política no Banco Central: Editorial | Valor Econômico

Todas as peças da política monetária atual continuarão aonde estão, pelo menos no curto prazo, indicaram os discursos de Roberto Campos Neto, Bruno Serra e João Manoel Pinho, aprovados anteontem pelo Senado para ocuparem, respectivamente a Presidência e as diretorias de Política Monetária e a de Organização do Sistema Financeiro do Banco Central.

Campos Neto, que já presidirá a próxima reunião do Comitê de Política Monetária, deu a tônica da continuidade do trabalho da diretoria do BC que sai de cena. A taxa básica de juros é a mais baixa da história e assim permanecerá enquanto a inflação estiver bem comportada. O câmbio deve ser flutuante e os instrumentos de intervenção potenciais, como as reservas internacionais, devem ter seus custos comparados aos retornos. Segundo Campos, manter US$ 380 bilhões sai hoje bem mais barato que há dois anos, com a queda significativa dos juros internos e a elevação moderada das taxas externas, o que coloca em segundo plano a discussão de se elas devem ou não ser reduzidas no curto prazo.

Bruno Serra apontou, como as atas do Copom registraram, que o cenário externo, com guerra comercial e desaceleração do crescimento global, traz mais riscos. Foi claro ao ressaltar que o ajuste fiscal a ser promovido pelas reformas é condição para que a política monetária "siga no campo estimulativo". A preocupação, segundo ele, é menos com o estoque da dívida e com a forma de reduzi-lo rapidamente, e mais com a "sinalização de contenção dos déficits correntes e de melhora no perfil de destinação dos gastos públicos".

Vinícius de Moraes: Pátria minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Marco Aurélio Nogueira*: Quando o despreparo dá o tom

- O Estado de S. Paulo

Carta do ministro da Educação é uma exorbitância autoritária e um claro desvio de função

Se alguma bobagem adicional precisasse ser cometida para que ficássemos preocupados com o futuro da nação, o ministro da Educação Vélez Rodriguez se encarregou de pô-la na mesa.

Não se tratou de uma bobagem qualquer. Antes de tudo, por ter sido forjada numa área estratégica, que alcança diretamente o conjunto da população, os jovens e crianças que, dentro de alguns anos, serão a base intelectual, moral e operacional da sociedade. Se o responsável pela Educação se dá ao luxo de propor uma absurda intervenção ideológica e político-partidária nas escolas do País, então é porque estamos carentes de limites e critérios.

É difícil imaginar o que passou pela cabeça de Sua Excelência ao pedir aos dirigentes escolares e professores que lessem aos alunos um besteirol como esse: “Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração”. Não satisfeito, acrescentou: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, um mero slogan de campanha.

O ministro pediu, ainda, que após a leitura, alunos, professores e funcionários deveriam, compenetrados e com os olhos marejados de fervor patriótico, entrar em ordem unida para cantar o Hino Nacional. Alguns filmariam o rito e enviariam as imagens para controle dos órgãos governamentais.

Merval Pereira: Escolas com (outro) partido

- O Globo

E as escolas públicas? Terão seus diretores segurança para recusar a proposta do ministro de cantar o Hino?

Está tudo errado na “sugestão” do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, para que as escolas coloquem seus alunos cantando o Hino Nacional, o que foi mantido ontem, apesar da polêmica que provocou. E indica que o governo que denuncia a partidarização das escolas no governo petista quer apenas trocar de partido.

Retirar o slogan político da campanha de Bolsonaro é o de menos, mas colocá-lo na mensagem oficial indica que o novo ministro da Educação tentou infiltrar nas escolas do país uma propaganda política do governo a que serve. Só não conseguiu porque seu abuso de poder foi denunciado.

Mandar pedir autorização dos pais para que seus filhos sejam filmados, também, é só uma questão de cumprir a legislação em vigor. Mas indica que o governo estava se preparando —e pelo visto continua com a ideia — para promover campanhas “educativas” utilizando-se dos alunos e professores. O problema maior é o subterfúgio usado para implementar uma promessa de campanha do presidente eleito.

Durante a campanha eleitoral, tanto Jair Bolsonaro quanto seus filhos prometeram que o Hino Nacional voltaria a ser cantado nas escolas brasileiras.

O Ministério da Educação (MEC) afirma que se trata de um “pedido de cumprimento voluntário” e que os diretores que quiserem seguir a recomendação do ministro devem ler a carta aos alunos no primeiro dia letivo deste ano.

Vera Magalhães: Fim da lua de mel

- O Estado de S.Paulo

Na falta de um alerta, Jair Bolsonaro recebeu dois nesta terça-feira de que a lua de mel pós-eleitoral chegou ao fim e a hora é, como venho dizendo aqui, de arregaçar as mangas e cuidar da política se quiser avançar com a pauta de seu governo – reforma da Previdência à frente.

O primeiro recado foi a pesquisa CNT/MDA, que mostrou que é de apenas 39% o contingente dos brasileiros que avaliam seu governo como ótimo ou bom. Bem abaixo dos índices de largada dos primeiros mandatos dos presidentes que o antecederam, inclusive Dilma Rousseff, que tinha a aprovação de 49,1% na mesma pesquisa em fevereiro de 2011.

O segundo sacolejo veio da lúcida fala do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na conferência do BTG Pactual. Ele, um insuspeito defensor da reforma da Previdência, disse sem meias palavras que Bolsonaro é “refém do discurso da campanha”. Que prometeu que o País mudaria rapidamente, e as coisas não se dão desta maneira na democracia. E que “não dá para continuar nessa discussão do que é nova e velha política”. “Existe A POLÍTICA”, ensinou. As maiúsculas são minhas, mas a ênfase foi dele.

Há elementos à mesa de Bolsonaro para que ele dê um freio de arrumação em seu governo antes dos 100 dias: se dedicar mais à política e menos à propaganda ideológica passadista como a que fez ontem, ao louvar ditadores, eleger a reforma como pauta a ser defendida por todos os ministros e entender que comunicação de um presidente da República, para atingir efetivamente o conjunto da sociedade (e não as macacas de auditório das redes sociais), tem de ser institucionalizada.

Monice De Bolle*: Educando bolsonaristas

- O Estado de S.Paulo

A má comunicação do governo e a desarticulação da base podem comprometer seriamente a reforma

Na semana passada, o governo apresentou uma boa proposta para a reforma da Previdência. Mais ambiciosa do que a de Temer para resolver os problemas de médio prazo das contas públicas, mais progressista do que a de Temer ao incluir alíquotas que aumentam de acordo com os salários, mais abrangente do que a de Temer ao incorporar Estados e municípios. Evidentemente, como em qualquer reforma dessa envergadura, há pontos para discussão e aprimoramento. Há também o receio de que o governo não tenha o traquejo necessário para evitar que a reforma seja substancialmente diluída. É sobre isso que pretendo tratar.

Bolsonaristas são um grupo heterogêneo dentro e fora do governo. Dentro há militares, ideólogos-religiosos e tecnocratas – mistura esquisita. Fora há ultraconservadores de direita, alguns religiosos outros não, gente que continua a ver fantasmas petistas por toda parte ainda que o partido esteja completamente desarticulado, e pessoas que simplesmente esperam do novo governo o necessário e urgente rumo para o País. Difícil achar muitos pontos em comum entre esses grupos, assim como é complicado encontrá-los dentro do governo. Dessas dificuldades e complicações surge, inevitavelmente, a necessidade de educar alguns – não todos – bolsonaristas.

Comecemos pelos ministros. O do Turismo tentou intimidar a Folha de S. Paulo após revelações comprometedoras, mas a liminar do cala a boca foi derrubada pela Justiça. Eis um bolsonarista cuja educação veio diretamente de um dos três Poderes da República. O ministro da Educação tentou emplacar o mote de campanha de Bolsonaro na cartilha das escolas, a ser repetido pelos alunos como autômatos todos os dias. Também tentou forçar a barra para que crianças e professores fossem filmados no ato de cantar o Hino Nacional. Nada contra o Hino Nacional – apesar do positivismo retumbante de sua letra, considero nosso hino belíssimo.