terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Carlos Melo* - “O olhar para o futuro e o futuro do centro”

Em 2019, foi necessário decantar a última eleição, recuperar-se do baque da vitória de Jair Bolsonaro. Mas o leão do tempo ruge e a demora para a apresentação de respostas e alternativa ao que está acima tem colaborado para o aguçamento da polarização. De naturezas opostas, Bolsonaro e Lula estão plenos no palco; no cenário, nada de novo ou diferente. O fato é que o declamado centro não se colocou. Faltam-lhe ainda o sentido, o discurso e o rosto. Incapaz de responder a questões vitais, não tardará a ser esmagado pela ansiedade do país.

Como se apresenta hoje, o centro é um campo que sofre por indefinição; que, antes, se define pelo que não é, incapaz de expressar o que, afinal, pretende ser. É linha borrada, situada em lugar impreciso entre o bolsonarismo e o petismo. Tem fixação por refutar as teses do PT, enfatizar erros —reais, no entanto, mais que conhecidos. Omite-se, porém, quanto ao atraso bolsonarista, atado que parece estar à armadilha da adesão mecânica à agenda fiscal. Sem resvalar em questões mais substantivas, outra vez, não chegará longe.

*Carlos Melo, cientista político e professor do Insper. “O olhar para o futuro e o futuro do centro”. Folha de S. Paulo, 30/12/2019.

Luiz Carlos Azedo - A Fortuna do Jair

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro não pode tudo, não faz o que quer, quando quer e como quer, embora tente, às vezes. Está sendo contingenciado por variáveis que, algumas vezes, o obrigam a recuar ou a desistir de certos objetivo”

Para encerrar a trilogia de balanço do primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro e desejar um ano-novo melhor para todos, essa é a esperança generalizada na sociedade, nada melhor do que recorrer ao clássico dos clássicos da política moderna: O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. Publicada postumamente em 1532, ainda hoje serve de referência para a análise política. Portanto, quando estamos nos referindo à Fortuna, não se trata da evolução patrimonial do clã Bolsonaro, mas das circunstâncias em que chegou à Presidência e nas quais governa. Segundo o sábio de Florença, há quatro formas de chegar ao poder: pela Virtù, pela Fortuna; pela violência e pelo consentimento dos cidadãos.

Virtù e Fortuna formam um par dialético, assim como a força e o consentimento. Obviamente, nas democracias, o consentimento é pré-requisito para a chegada ao poder. Trocando em miúdos, Virtù é a coragem, o valor, a capacidade, a eficácia política; já a Fortuna, a sorte, o acaso e as circunstâncias. A primeira representava o talento pessoal para dominar as situações e alcançar um objetivo, por qualquer meio. Entretanto, a conquista do poder não depende exclusivamente das virtudes individuais, mas também das circunstâncias favoráveis. Na visão de Maquiavel, porém, o poder é mais duradouro quando obtido pela Virtù. Conquistado devido às circunstâncias favoráveis, e não pelo próprio mérito, é instável e destinados a desaparecer em pouco tempo. Maquiavel usou uma metáfora para descrever a Fortuna:

“Comparo a sorte a um desses rios impetuosos que, quando se irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e as casas, arrastam terras de um lado para levar a outro: todos fogem deles, mas cedem ao seu ímpeto, sem poder detê-los em parte alguma. Mesmo assim, nada impede que, voltando a calma, os homens tomem providências, construam barreiras e diques, de modo que, quando a cheia se repetir, ou o rio flua por um canal, ou sua força se torne menos livre e danosa. O mesmo acontece com a Fortuna, que demonstra a sua força onde não encontra uma Virtù ordenada, pronta para resistir-lhe e volta o seu ímpeto para onde sabe que não foram erguidos diques ou barreiras para contê-las.”

Da mesma forma como circunstâncias favoráveis facilitaram a vitória de Bolsonaro — não estou falando da facada que levou em Juiz de Fora, em plena campanha, e seu papel catalisador junto aos eleitores, mas do contexto econômico e político em que as eleições se realizaram —, as condições em que governa poderão selar a sorte de sua gestão. Bolsonaro não pode tudo, não faz o que quer, quando quer e como quer, embora tente, às vezes. Está sendo contingenciado por variáveis que, algumas vezes, o obrigam a recuar ou a desistir de certos objetivos. Um dia desses, Fernando Gabeira, com a argúcia de sempre, chamou a atenção para isso. O melhor exemplo é a política externa. Seu alinhamento com Donald Trump, num primeiro momento, parecia pôr o Brasil em plena Guerra Fria, mas as circunstâncias frustraram objetivos emblemáticos, como a deposição de Nicolás Maduro na Venezuela, transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, dar as costas ao Mercosul ou entrar em guerra comercial contra a China.

Míriam Leitão - O balanço além da economia

- O Globo

Ano de 2019 foi marcado pela aprovação da reforma da Previdência e pelos constantes ataques do governo à democracia

O ano de 2019 na economia nunca poderá ser avaliado apenas pela economia. Houve em volta um ambiente de contínua piora institucional. O governo fez um ataque sistemático aos valores da democracia. Não ficou apenas em palavras. Das referências a um novo AI-5, feitas até pelo ministro da Economia, à demolição do aparato de proteção ambiental, às ameaças ao pluralismo na educação e na cultura, foram muitos os erros deste primeiro ano do governo Bolsonaro. A agenda presidencial oscilou entre miudezas e agressões. Foi um péssimo primeiro ano.

Na economia, especificamente, houve uma conquista a comemorar. Há mais de 20 anos o Brasil tentava incluir a idade mínima na sua estrutura de aposentadorias e pensões. As reformas anteriores feitas pelos governos Fernando Henrique e Lula não conseguiram. A proposta de Michel Temer ficou pela metade sem ser aprovada, abatida por um escândalo político. A de Bolsonaro chegou a bom termo, apesar de ele mesmo só ter interferido para defesa corporativa dos policiais. A previdência dos militares não foi exatamente uma reforma. Foi um biombo para uma grande concessão salarial. E eles mantiveram privilégios como a paridade e a integralidade até para os que futuramente entrarão nas Forças Armadas.

Na economia houve frustração e, depois, melhora. No começo do ano a previsão do mercado era de que o PIB cresceria 2,5%. Esse otimismo desidratou-se rapidamente ao longo do primeiro semestre e chegou a 0,8% em agosto. A partir daí houve uma melhora gradual nas expectativas, a tal ponto que se pode dizer que o ano terminou bem melhor do que se esperava há seis meses.

Carlos Andreazza - A histeria lavajatista

- O Globo

A histeria lavajatista sobre a implementação do juiz de garantias —ótima figura jurídica — em nosso ordenamento ocultou outros pontos relevantes, aperfeiçoados ou incluídos pelo Parlamento, e sancionados pelo presidente, no chamado pacote anticrime; sobretudo aqueles ligados ao instrumento da colaboração premiada, ferramenta importante, mas cuja juventude, legislação nascida em 2013, merecia alguns graus de maturidade.

O pacote os trouxe. Não o proposto por Sergio Moro, esvaziado também com a intenção política de lhe diluir a identidade do ex-juiz. Mas o costurado pelo Congresso e chancelado por Jair Bolsonaro, um bom conjunto, que impõe necessários limites à lei de delações. Por exemplo: que depoimentos de delatores não possam, per si, sustentar medidas cautelares nem denúncias.

É sabido que houve excessos nos usos desses conteúdos delatados, sem qualquer outro elemento de corroboração, para colocar indivíduos —não interessa o quão criminosos — na cadeia. É sabido que muitas investigações se acomodaram — como que apoiadas numa muleta — na palavra de um (encrencado, em busca de se safar) contra outro (não raro nem sequer investigado), disto resultando fragilidades nas acusações.

“Ah! Mas isso é um ataque ao combate à corrupção! Vai acabar com a Lava-Jato”.

É o escambau! Basta deste embuste de ouvir —toda semana —que qualquer mudança proposta pelo Parlamento bota em risco a luta contra a corrupção. Isso virou um mantra de fanáticos que outra coisa não fazem senão defender a estrutura do próprio poder. Ouço esse papo, de Lava-Jato ameaçada, desde 2014 —e nunca o combate à corrupção retrocedeu.

O lavajatismo não dita —não pode ditar — o ritmo da vida pública neste país. Não pode controlar nossos humores. Não pode — porque popular —raptar a independência da imprensa. E não se pode admitir a retórica influente de que fazer críticas —ainda que as mais duras — aos operadores da Lava-Jato equivalha a ser a favor da corrupção. O que é isso? Estamos criando uma casta de intocáveis?

Ricardo Noblat - Nunca se viu e jamais se verá um governo como esse

- Blog do Noblat | Veja

Que 2019 não se repita

O primeiro ano da Era Bolsonaro começou com uma controversa declaração da ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, sobre gênero (“Menino veste azul, menina veste rosa”). E acabou com outra de natureza homofóbica disparada pelo próprio presidente contra um jornalista (“Você tem uma cara de homossexual terrível”).

Entre uma e outra, não teve para mais ninguém – só para Bolsonaro, que protagonizou os fatos mais relevantes do ano e produziu os disparates mais absurdos. Bolsonaro superou-se. Postou no Twitter um vídeo pornográfico (março) e tentou acabar com a multa para quem transportasse crianças sem o uso da cadeirinha (junho).

Conseguiu, em abril, desgostar dois governos estrangeiros ao mesmo tempo. Em visita a Israel, declarou que o Holocausto que dizimou 6 milhões de judeus durante a 2ª Guerra Mundial seria perdoável, e lá mesmo ouviu que não seria possível. Então diisse que o nazismo foi de esquerda – e o governo alemão respondeu que foi de direita.

Julho e agosto foram meses infernais para quem acreditou que Bolsonaro, aos poucos, seria forçado a entrar nos eixos. Ele ofendeu a mulher do presidente francês, culpou ONGs pelos incêndios que destruíram parte da floresta amazônica e sugeriu aos brasileiros que fizessem cocô dia sim, dia não, para preservar o meio ambiente.

Fevereiro foi o único mês onde Bolsonaro comportou-se com razoável moderação. Operado mais uma vez em São Paulo, ficou preso a uma cama de hospital durante mais de 15 dias. Aproveitou que convalescia para bater boca pelo celular com o ministro Gustabo Bebbiano, Secretário-Geral da presidência. De volta a Brasília, demitiu.

Segue uma modesta coleção das mais barulhentas trapalhadas do governo de um presidente acidental. Com os votos de feliz Ano Novo para os leitores deste blog.

Pablo Ortellado* - Ainda faltam três

- Folha de S. Paulo

No primeiro ano, governo comprometeu autonomia de instituições como Polícia Federal, universidades, Ancine e institutos ambientais

Chegamos ao fim do primeiro ano do governo Bolsonaro. Quão perto estivemos de um governo propriamente iliberal?

Se olharmos para a relação entre os Poderes, notamos que o sistema de contrapesos funcionou razoavelmente. Mas, quando olhamos para a autonomia de instituições subordinadas ao Executivo, o quadro é preocupante.

Embora não tenha agido muito proativamente, o STF pode corrigir medidas de Bolsonaro como quando manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, quando reverteu a extinção dos conselhos participativos e quando determinou que as empresas voltassem a publicar balanços nos jornais.

No Legislativo, vimos um Congresso independente derrubando metade das medidas provisórias apresentadas por Bolsonaro. Para efeito de comparação, Temer e Dilma no primeiro ano tiveram 30% e 20% das medidas provisórias derrubadas.

Ranier Bragon – Bolsonaro, ano 1

- Folha de S. Paulo

Bem mais do que ações, as reações são a principal boa-nova deste 2019

Então, é 2020! Quer dizer, quase, o que nos permite uma última olhada neste impagável 2019.

O ano 1 do mandato de Jair Messias Bolsonaro irá merecidamente entrar para a história como um dos mais lastimáveis que já vivemos. Os ataques a pilares da democracia, à ciência, à história, à diversidade, à civilização e ao bom senso em geral encontraram um terreno fértil na idiotia das redes sociais e nos gabinetes do Executivo, em Brasília.

Como isso não é novidade pra ninguém, permito-me neste último dia de 2019 praticar exercício reverso, o de tentar vislumbrar o que de bom o bolsonarismo produziu no ano.

Seria muito mais divertido, é verdade, ficar apenas na lista precedida da advertência “contém ironia”.

Ou não foi espetacular a sonhada e esperada abertura da caixa preta do BNDES que qualquer um já podia acessar pela internet? Ou a pedagógica discussão nacional-carnavalesca sobre o golden shower? Ou a descoberta, pelo menos da minha parte, e aqui quase ironia não há, de como há mais sensatez do que podia imaginar em figuras como Alexandre Frota, Janaina Paschoal e o general Mourão? Ou, termino por aqui, a lista é interminável, a celebrável constatação de que, devido ao que passamos a saber, jamais poderemos voltar a usar, sem a advertência “contém ironia”, o termo “filósofo” associado a Olavo de Carvalho.

Hélio Schwartsman - Democracia, ser ou não ser?

- Folha de S. Paulo

Não há garantias em um regime, por isso nos resta manter marcação cerrada para autoritarismos

Nicolás Maduro é um ditador? Houve golpe na Bolívia? Gostamos de travar esse tipo de discussão em termos binários e essencialistas, mas a verdade é que a democracia é muito mais uma questão de grau do que de ser ou não ser. Não é uma coincidência que tenham se multiplicado nos últimos anos iniciativas, como Freedom House, Polity e V-DEM, para qualificar e mensurar o estado da democracia em cada país.

Nesse contexto, apenas ter uma figura como Jair Bolsonaro na Presidência já representa uma nódoa. Um país cujo chefe de Estado faz pessoalmente bullying contra jornalistas e opera para esvaziar órgãos de controle perde pontos nos quesitos liberdade de expressão e freios e contrapesos. Mas daí não decorre que a erosão democrática esteja ocorrendo em todas as dimensões e muito menos que o Brasil esteja fadado a tornar-se uma tirania.

Joel Pinheiro da Fonseca* – Crise de confiança

- Folha de S. Paulo

A tecnologia não voltará atrás, e a difusão de informações não será mais controlada

Ao longo de 2019, ficou claro que o governo não tem qualquer intenção de moderar seu discurso e sua estratégia de ataques constantes a todas as instituições democráticas (Congresso, STF, imprensa, universidade, ciência). A imprensa, em particular, foi escolhida como inimiga jurada do governo, com direito a ameaças a anunciantes da Folha e à licença da Rede Globo. A ciência e as universidades também estiveram na mira.

A pior reação num momento como este seria adotar uma posição convictamente contrária ao presidente. Um blog de notícias pode se dar ao luxo de “ter lado” e anunciá-lo com orgulho. Um veículo de jornalismo profissional, contudo, capaz de falar a todos, deve sempre mirar no ideal (ainda que jamais plenamente alcançável) da objetividade.

Não é só do governo, contudo, que vêm os problemas. A sociedade crescentemente desconfia da mídia e das universidades. Há menos de duas semanas, a simples decisão editorial da Folha de escrever “Flávio”, sem o sobrenome, no título de uma reportagem que era obviamente sobre Flávio Bolsonaro levou centenas de internautas a concluir que o jornal está protegendo o presidente da República. A acusação é absurda, mas não houve argumento que convencesse os indignados.

Eliane Catanhêde - Coleção de retrocessos

- O Estado de S.Paulo

Em 2019, Brasil avançou devagar na economia e recuou velozmente no resto

Último dia do ano, hora de discutir o que deu certo, o que deu errado, o que poderia ser melhor. No governo Jair Bolsonaro, a economia andou devagar, mas andou. O problema foi o resto, que andou rápido, mas em marcha a ré. Uma coleção de retrocessos.

A reforma da Previdência foi o grande marco político e econômico de 2019. O grande mérito do governo foi enviar o projeto e o do Congresso foi ter encaminhado, debatido e votado com razoável rapidez e com a menor desidratação possível. Bolsonaro jogou o pacote no Congresso e lavou as mãos, deixando a condução, a negociação, os ajustes e os votos por conta de dois personagens-chave no seu primeiro ano de governo: Rodrigo Maia, do Legislativo, e Paulo Guedes, do Executivo. Com a reforma da Previdência aprovada, abriu-se uma avenida de oportunidades para novas reformas e a própria economia.

A previsão do PIB foi ao fundo do poço em meados do ano, mas recuperou-se e é otimista neste 31 de dezembro. A inflação e os juros estão baixos como nunca e o desemprego continua dolorosamente alto, mas caindo. Logo, as condições são boas. O preço da carne precisa baixar e Bolsonaro tem de parar de atrapalhar.

Quando se fala (ou reclama) em recuos, pensa-se logo em Meio Ambiente, que jogou o Brasil na imprensa internacional e abriu atritos desnecessários com parceiros como França, Alemanha, Suécia. E Bolsonaro também bateu de frente com China, Argentina, Chile, o mundo árabe, além de chegar no Paraguai elogiando Stroessner.

Houve ainda recuos assustadores na Cultura, até na última semana do ano, com o veto ao projeto de incentivo ao audiovisual, e na Educação, que saiu de um ministro inútil para outro que só vê “balbúrdia” nas universidades. Cultura e Educação não são inimigas, presidente! Nem a mídia e os jornalistas.

Pedro Fernando Nery* - Vencemos o desafio maior

- O Estado de S.Paulo

A reforma da Previdência deveria ter sido tema das eleições de 2014

A principal reforma aprovada na década começou a ser pautada por Dilma Rousseff. Em seu último ano de governo, foi ao Congresso, e conclamou: “nos cabe enfrentar o desafio maior para a política fiscal no Brasil e para vários países do mundo, que é a sustentabilidade da Previdência Social em um contexto de envelhecimento da população.” De fato, amanhã já se completam quatro anos do artigo “Um Feliz 2016 Para o Povo Brasileiro”, em que anunciara a construção de “uma proposta de reforma previdenciária, medida essencial para a sobrevivência estrutural desse sistema que protege dezenas de milhões de trabalhadores”. Anos depois, vencemos em 2019 o que Dilma chamou de desafio maior da política fiscal. A reforma foi promulgada no penúltimo mês deste ano.

A reforma já deveria ter sido tema das eleições de 2014. Mas a propaganda de João Santana para a chapa vencedora falava que direitos não seriam mexidos “nem que a vaca tussa”. Enquanto isso, o opositor falava em “rever” o fator previdenciário – sugerindo acabar com o puxadinho que controlava o gasto na ausência de uma idade mínima.

Luiz Carlos Azedo - A coerência de Bolsonaro

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Publicado em 30/12/2019

“O bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais”

Ninguém tem o direito de dizer que se enganou com o presidente Jair Bolsonaro. A característica mais marcante de seu primeiro ano de mandato é a coerência com o discurso de campanha. Esse entendimento vale para seus apoiadores e para a oposição. Pela primeira vez, temos um governo assumidamente de direita, que tirou do armário uma parcela do eleitorado que andava enrustida e desorganizada, mas que agora se articula nacionalmente, em torno do clã Bolsonaro, e está constituindo um novo partido, a Aliança pelo Brasil, que já conta com 100 mil filiados.

Uma direita orgânica, de caráter nacional, sem vergonha de mostrar a própria cara, é um fenômeno raro no Brasil. Temos a Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, na década de 1930, liquidada por Getúlio Vargas, no Estado Novo, após uma tentativa frustrada de tomada do poder, em 1938. A antiga UDN era mais heterogênea, surgiu como uma frente democrática, em São Paulo, inclusive com a participação dos comunistas, antes de se transformar no partido conservador e golpista que marcou a Segunda República. A vertente da UDN mais próxima do bolsonarismo foi o lacerdismo, no Rio de Janeiro, um movimento da classe média carioca liderado pelo então governador da antiga Guanabara, Carlos Lacerda. Na transição à democracia, o que mais poderia se aproximar do bolsonarismo é o malufismo, um fenômeno paulista, em decorrência da penetração popular do ex-governador Paulo Maluf, que nunca teve um caráter orgânico nem nacional.

Podemos concluir que o bolsonarismo tem certos antecedentes históricos, mas é um fenômeno único, que não seria possível sem a quebra de paradigmas da política, a crise ética e a emergência das redes sociais. Sem isso, não seria possível a Jair Bolsonaro ter feito com êxito um movimento contrário ao de seus antecessores, que buscaram apoio político entre as forças do centro, como Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, pela via dos governos de coalizão. Bolsonaro desprezou as alianças partidárias, prestigiou apenas os setores do Congresso que o apoiaram nas eleições, como evangélicos, ruralistas e a “bancada da bala”. Desprezou até mesmo o partido pelo qual se elegeu, o PSL, que contava com a segunda maior bancada na Câmara, com 41 deputados, muitos dos quais policiais e militares.

A criação da Aliança pelo Brasil é uma jogada que não deve ser subestimada, pois visa à criação de um partido de massas, de caráter nacional, com uma doutrina reacionária e ligações internacionais. De certa forma, essa foi a decisão mais audaciosa que Bolsonaro tomou no plano estritamente político, nesse primeiro ano de mandato. É uma aposta estratégica para a sua própria reeleição. Sua base social é formada pelos segmentos que o apoiam incondicionalmente, como militares, policiais, caminhoneiros, garimpeiros, evangélicos pentecostais, ruralistas e milicianos. Não formam a maioria do eleitorado, mas têm grande capacidade de mobilização e identidade programática com a nova legenda.

Maioria do STF apoia novo juiz de garantias

Ao menos seis dos 11 ministros da Corte se manifestaram favoravelmente à medida sancionada por Bolsonaro, que entra em vigor em todo o País no dia 23 de janeiro

Rafael Moraes Moura | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apoia a criação do juiz de garantias, prevista na lei anticrime sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 25. Seis integrantes da Corte ouvidos pelo Estado indicaram ver com bons olhos a divisão entre dois juízes na condução e no julgamento dos processos.

Prevista para entrar em vigor no dia 23 de janeiro em todo o País, a implantação do juiz de garantias já foi contestada pelo Podemos e por associações de classe, como a dos Magistrados Brasileiros (AMB) e dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que recorreram ao Supremo para suspender o dispositivo. Esses grupos criticam a possibilidade de aumentar custos do Legislativo e de atrapalhar investigações em andamento.

Entre quem defende a nova regra está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que se manifestou pela constitucionalidade da lei. Um dos principais argumentos a favor da medida é a preservação da imparcialidade dos julgamentos. Na Operação Lava Jato, alguns advogados questionaram a proximidade entre a acusação e o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu. De acordo com a nova lei, o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado vai ouvir o réu e as demais partes e dar sua sentença.
A discussão provocou polêmica no governo. A aprovação da lei no Congresso foi vista como uma derrota de Moro, que orientou Bolsonaro a vetar o novo dispositivo, mas não foi seguido. Como revelou o Estado, Bolsonaro recebeu aval do presidente do STF, Dias Toffoli, para sancionar a medida.

Toffoli deve indeferir no recesso pedidos para barrar juiz das garantias

Toffoli antecipa decisão sobre juiz das garantias; Fux só analisaria caso dia 19

Painel – Folha de S. Paulo

Deixa o verão pra mais tarde O presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu analisar as ações que questionam a constitucionalidade do juiz das garantias logo após o Ano Novo e ainda durante o recesso da corte. Favorável à nova figura jurídica, alvo de reclamações de associações de magistrados e de alguns partidos políticos, Toffoli deverá invalidar os pedidos por suspensão da norma. O relator no Supremo, Luiz Fux, que ainda não se manifestou publicamente sobre o dispositivo, assumiria a análise do caso no dia 19.

DNA As associações dos magistrados e dos juízes federais, além do Podemos e do Cidadania, foram ao Supremo contra a legislação que criou o juiz das garantias. A medida entraria em vigor dia 23 de janeiro –30 dias após a sanção.

Prorrogação Toffoli, porém, já decidiu que vai ampliar em seis meses o prazo de início, considerado exíguo.

A regra é clara O presidente do STF pretende usar as ações que questionam a constitucionalidade do juiz das garantias para estabelecer as diretrizes de implementação da norma. Como já disse ao Painel, ela só será aplicada na primeira instância e em novos processos.

Mais um A Defensoria Pública do Rio quer ingressar como parte interessada das ações no Supremo –quer ajudar a derrubar os pedidos de suspensão do juiz de garantias.

Fux deve suspender lei que cria juiz de garantias

Ministro assume plantão do STF no dia 20 e, segundo interlocutores, já se manifestou contrário ao texto sancionado por Bolsonaro; duas ações que questionam a mudança chegaram à Corte

Carolina Brígido | O Globo

BRASÍLIA - O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), já manifestou a interlocutores ser contrário à lei que institui o juiz de garantias. No Supremo, há expectativa de que o ministro suspenderá a medida a partir do dia 20 de janeiro, data em que assume o plantão do recesso do tribunal e, portanto, ficará responsável por tomar decisões urgentes. A nova lei tem previsão para entrar em vigor no dia 23. Pela norma, um magistrado deverá conduzir as investigações e outro receber o processo ao final da instrução, apenas para julgar.

Até o dia 20, quem ficará no comando da Corte é o presidente, Dias Toffoli. Ele não deve derrubar a nova lei, porque já declarou a pessoas próximas ao presidente Jair Bolsonaro que é favorável à medida. Já chegaram ao STF duas ações para suspender a validade da lei — uma de autoria do Podemos e do Cidadania, e outra da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Se Toffoli rejeitar o pedido de liminar, os autores das ações poderão apresentar recurso que seria, então, julgado por Fux. A assessoria de Toffoli informou ontem que as ações sobre o juiz de garantias não serão objeto de decisão do presidente nesta semana.

OAB defende no Supremo juiz de garantias

Manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil foi dada no âmbito de ação movida por duas das principais entidades da magistratura, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

Pepita Ortega e Fausto Macedo | O Estado de S. Paulo

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil defendeu no Supremo Tribunal Federal o juiz de garantias. Em manifestação protocolada no âmbito de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a entidade máxima da advocacia sustenta: “A eventual concessão da ADI representaria inequívoco retrocesso em matéria de direitos fundamentais”.

No texto, a entidade pede sua entrada como ‘amicius curiae’ no processo que pede a derrubada do juiz de garantias, figura aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro dentro do pacote anticrime. Além da ADI ajuizada pelas associações, uma outra ação, apresentada à Corte pelo Podemos, também pede a suspensão da mudança prevista para entrar em vigor no dia 23 de janeiro, em todo o País.

A posição da OAB, no entanto, vai de encontro aos argumentos das associações, indicando que a figura do juiz de garantia – que ficaria responsável por decisões durante a investigação criminal, mas não julgaria o caso no final do processo – não é apenas constitucional, mas também ‘medida fundamental para assegurar em toda sua plenitude a garantia constitucional da imparcialidade do juiz’.

O que a mídia pensa – Editoriais

Caldeirão chileno – Editorial | Folha de S. Paulo

Acuado por protestos, governo convoca plebiscito que pode mudar contrato social

Na última sexta (27), o Chile deu um passo histórico com a convocação, por parte do presidente Sebastián Piñera, de um plebiscito constitucional. Trata-se da principal resposta do mundo político às virulentas manifestações que há mais de dois meses chacoalham o país.

A votação dará início a um processo que pode culminar na redação de uma nova Carta, para substituir a elaborada em 1980 durante o regime do ditador Augusto Pinochet, que durou de 1973 a 1990.

Os chilenos responderão, em abril do ano que vem, a duas perguntas: se querem ou não uma nova Constituição e que tipo de órgão deve escrever o documento —se um colegiado inteiramente composto por representantes eleitos, ou uma assembleia mista, na qual metade será designada por voto direto e metade pelo Congresso.

Se a primeira pergunta do referendo for aprovada, a escolha dos representantes constitucionais ocorrerá em outubro de 2020, com as eleições regionais e municipais.

O trabalho da assembleia principiará do zero, ou seja, sem o uso de qualquer artigo atualmente em vigor, e qualquer dispositivo só será incluído no texto se contar com o apoio de dois terços dos parlamentares. Ao final, o resultado obtido ainda precisará ser ratificado em nova votação popular.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Passagem do ano

O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão

E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,

Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus…

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles… e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

"A mídia registra êxitos e riscos do governo atual. É ilusão pensar que a democracia dura sempre sem cuidar dela. Economia não é tudo. Vale a pena ler editoriais e comentaristas de jornais e TV.

*Sociólogo, foi presidente da República, Twitter, 29/12/2019.

Carlos Melo* - O olhar para o futuro e o futuro do centro

- Folha de S. Paulo

Não tardará a ser esmagado pela ansiedade do país

O desenvolvimento tecnológico atropelou tudo a que a humanidade estava acostumada; o conhecimento multiplica-se e rompe paradigmas na economia, na sociedade. Desta vez, não se trata de realocar mão de obra; também comércio e serviços se reinventam numa alucinante sequência de cliques transmitidos do sofá da sala. A obsolescência está posta, e mesmo o Uber —último refúgio de desesperados— será substituído pelo carro autônomo. A precarização retira renda e orgulho. Não sem motivos, medo e ressentimento transbordam para a política.

Em 2019, foi necessário decantar a última eleição, recuperar-se do baque da vitória de Jair Bolsonaro. Mas o leão do tempo ruge e a demora para a apresentação de respostas e alternativa ao que está acima tem colaborado para o aguçamento da polarização. De naturezas opostas, Bolsonaro e Lula estão plenos no palco; no cenário, nada de novo ou diferente. O fato é que o declamado centro não se colocou. Faltam-lhe ainda o sentido, o discurso e o rosto. Incapaz de responder a questões vitais, não tardará a ser esmagado pela ansiedade do país.

Como se apresenta hoje, o centro é um campo que sofre por indefinição; que, antes, se define pelo que não é, incapaz de expressar o que, afinal, pretende ser. É linha borrada, situada em lugar impreciso entre o bolsonarismo e o petismo. Tem fixação por refutar as teses do PT, enfatizar erros —reais, no entanto, mais que conhecidos. Omite-se, porém, quanto ao atraso bolsonarista, atado que parece estar à armadilha da adesão mecânica à agenda fiscal. Sem resvalar em questões mais substantivas, outra vez, não chegará longe.

Marcus André Melo* - O mapa em escala 1:1

- Folha de S. Paulo

O representante é bom pelo que faz, não pelo que é

Há muito ruído sobre a boa representação política. Uma visão popular —e intuitivamente atraente— é que ela se assenta na similitude entre representantes e representados. O ideal do Parlamento como microcosmo da sociedade —conhecido na teoria política como representação descritiva— tem apelo normativo, mas há inconsistências e, como ideal, é incompleto.

A similitude entre representantes e representados não é valor absoluto. O ditador que encarna o(a) cidadã(o) típico(a) de um país —que tem raízes populares e vem do país profundo— seria, nessa perspectiva, exemplo de boa representação.

A conexão com as instituições da democracia representativa tampouco é clara. A rigor, o mecanismo que garantiria a máxima verossimilhança entre representantes e representados não seria as eleições, mas o sorteio ou amostras aleatórias. Todo o aparato institucional da democracia representativa —partidos políticos, eleições— seria inferior como método para fazer valer o ideal de similitude.

Celso Rocha de Barros* - Os livros de política de 2019

- Folha de S. Paulo

Ano também foi bom para grandes análises de longo prazo sobre capitalismo, desenvolvimento e desigualdade

Começando com algo que dá alguma esperança, Djamila Ribeiro escreveu “Pequeno Manual Antirracista”, um manifesto simples e direto que tem cara de que vai durar. Mas grande parte dos melhores livros de política de 2019, aqui e no exterior, foi sobre como nos metemos nesse buraco.

Também foi um bom ano para grandes análises de longo prazo sobre capitalismo, desenvolvimento e desigualdade. No ano passado, os grandes lançamentos foram sobre a crise das democracias.

Como as democracias ainda não se recuperaram, 2019 viu o lançamento de mais bons trabalhos sobre o problema. De longe, o melhor foi “Crisis of Democracy” (crise da democracia), de Adam Przeworski, o maior comparativista da ciência política atual. Outro destaque foi “Os Engenheiros do Caos”, de Giuliano da Empoli, um livro muito bem escrito sobre a ascensão do populismo de algoritmo e a nova direita, inclusive a brasileira.

Leandro Colon - Por que aprovar ou não o STF?

- Folha de S. Paulo

Diferentemente de outros poderes, o Judiciário não cumpre mandato oriundo das urnas

Pesquisa do Datafolha mostrou que 39% dos brasileiros reprovam o STF (Supremo Tribunal Federal). Para essa parte da população, a atuação da corte é ruim ou péssima.

Foi a primeira vez que o instituto fez essa pesquisa, o que impede a comparação da evolução da satisfação nacional com o Supremo.

Diferentemente dos Poderes Legislativo e Executivo, o Judiciário não cumpre um mandato oriundo dos votos das urnas. Segundo o Datafolha, 45% reprovam o Congresso e 36%, o presidente Jair Bolsonaro.

Um cidadão tem o direito de cobrar o deputado e o senador que recebeu sua confiança na eleição, assim como um presidente, um governador ou um prefeito de sua cidade.

Fernando Gabeira - As maneiras de cair

- O Globo

Eles estão sempre esticando os dedos para um tiro hipotético, ou então usando armas ostensivamente

Neste fim de ano, deixei de escrever resenhas para entender o que se passou no Brasil, apenas através de linhas gerais. Examinei o governo Bolsonaro, a novidade de 2019, comparando-o com o de Margaret Thatcher na Inglaterra.

Destaquei três pontos nos projetos de ambos. O primeiro e decisivo é a promessa de soltar as amarras do mercado. O segundo, a decisão de impedir que o adversário jamais volte ao poder, no caso inglês o Labour Party. E, finalmente, o terceiro, uma vontade de recuar a um passado idílico nos costumes.

Thatcher disse numa entrevista de TV que admirava os valores vitorianos e gostaria de vê-los de novo na Inglaterra. Apesar do avanço econômico, as coisas deram um pouco errado para Thatcher. O Labour voltou com Tony Blair, e o avanço do mercado acabou sepultando os traços morais do passado que ela queria reviver.

Como já cumpri esta tarefa de examinar o conjunto, deixei de tocar num tema que é muito presente no Brasil. Na verdade, queria levá-lo para o ano que vem, no capítulo restos a pagar. No entanto, a aparição de centenas de peixes-pênis na praia de Drakes, na Califórnia, acionou de novo sua atualidade.

Demétrio Magnoli - Três perguntas sobre o clima

- O Globo

A temperatura média global já subiu 1,1 grau desde a era pré-industrial

Greta Thunberg, 17 anos daqui a quatro dias, personalidade do ano da revista “Time”, tem diversas certezas e nenhuma dúvida. Daí, seu sucesso na era das redes sociais e a esterilidade política de seus alertas dramáticos. A dinâmica do clima global é bastante complexa, mas menos que a intersecção entre ciência e política na qual se inscrevem as iniciativas destinadas a enfrentar as mudanças climáticas.

A ciência do clima sabe o suficiente para acender a luz de alarme vermelho. Dos 20 anos mais quentes do registro histórico, 19 ocorreram desde 2000. A temperatura média global já subiu 1,1 grau desde a era pré-industrial e aproxima-se dos níveis atingidos há mil anos, quando os vikings aportaram num litoral da Groenlândia pontilhado de árvores. Na nossa Era de Estufa, a concentração de CO2 na atmosfera chegou aos patamares de cem mil anos atrás, no último interglacial, quando as temperaturas globais eram 3 graus superiores às atuais e partes da Antártida suportavam florestas.

O objetivo estabelecido em Paris, em 2015, de limitar o aquecimento global a 1,5 grau até 2100 já é considerado quase inviável e até a meta secundária, de conter o aquecimento a 2 graus, parece improvável. Os níveis médios do mar encontram-se no máximo desde o início das mensurações por satélite, em 1993. No ritmo atual, a Terra aquecerá cerca de 3 graus até o fim do século, o que provocaria elevação de meio metro no nível dos oceanos, impondo o abandono de dezenas de metrópoles costeiras.

Carlos Pereira - O Brasil mudou, só cego não vê

- O Estado de S.Paulo

A condenação de corruptos transformou radicalmente a trajetória da política brasileira

Fim de ano nos chama à reflexão. Uma espécie de retrospectiva do que de mais relevante ocorreu nas nossas vidas. Fatos que alteram o curso da nossa história. Que chegam quase a mudar o nosso DNA e, portanto, nos fazem trilhar uma nova trajetória. Para o bem ou para o mal, eventos dessa magnitude não acontecem todos os dias. Vivemos na maior parte do tempo numa condição de piloto automático, em que, mesmo insatisfeitos, continuamos nas nossas rotinas sem realizar grandes transformações. Quando mudanças acontecem, elas são apenas pontuais, como se fossem pequenos ajustes de percurso.

Há ocasiões, entretanto, em que somos acometidos por grandes choques (endógenos ou exógenos) que, se aproveitados, têm potencial de nos catapultar para uma nova direção... para um novo equilíbrio.

Assim como fumantes inveterados podem parar de fumar quando descobrem que o seu melhor amigo está prestes a morrer de câncer de pulmão ou obesos podem passar a reeducar sua alimentação e a praticar exercícios físicos de forma regular após descobrirem que uma de suas artérias coronárias está obstruída, sociedades que se aprisionaram em equilíbrios insatisfatórios durante décadas, caracterizados pelo vale-tudo da corrupção sistêmica, podem, a partir de um evento inusitado ou crise generalizada, mudar o rumo da sua história.

Como reflexão de maior fôlego, o editor de Política do Estado sugeriu que minha última coluna do ano fosse dedicada à análise do evento político mais relevante para o Brasil, não apenas de 2019, mas da última década. Vários fatos políticos foram relevantes nesse período. Mas dois, para mim extremamente concatenados, alteraram definitivamente a trajetória do País. Refiro-me especificamente ao julgamento do mensalão e à Operação Lava Jato.

Fábio Gallo - Os juros sumiram; e agora?

- O Estado de S.Paulo

O crédito está mais barato, mas investimento vem com um conjunto de fatores

A primeira vez que usei esse mesmo título em um artigo foi em 2012, ano em que, também, vivíamos uma expectativa muito otimista.

Mas, a história nos mostrou que as coisas não sairiam como o esperado. O fato é que hoje estamos novamente esperançosos e finalmente fora da lista dos dez países com os maiores juros reais do mundo.

O cenário atual da economia aparenta ser mais sólido. A taxa de juros básica (Selic) atual é a mais baixa nominalmente e em termos reais de nossa história. Diversos indicadores mostram que, finalmente, a nossa economia pegou tração e deverá produzir um crescimento de PIB acima do 1%, como ocorreu no passado recente.

Quem tiver, agora, que tomar recursos via mercado financeiro está bem mais barato e o empresariado pode começar a pensar em investir em novos projetos. Isso é muito bom.

Bom! Mas, não é bem assim!

O crédito está mais barato, mas investimento vem com um conjunto de fatores. Os entraves na nossa economia ainda são muitos. A questão da infraestrutura, o emaranhado tributário, banda larga que não é tão larga assim, burocracia que está no nosso DNA, políticos que pensam somente no voto e não no País, a corrupção endêmica e tantos outros fatores que impedem que sejamos competitivos e que não permitem dizer que vamos ter um crescimento sustentável e que não haverá outro voo da galinha

Ricardo Noblat - O que 2020 pode reservar para Bolsonaro, Moro e Guedes

- Blog do Noblat | Veja

Os atropelos reservados a cada um

Jair Bolsonaro começou o ano com dois superministros e chegou ao fim sem nenhum. Apesar das bordoadas que tomou do chefe e do insucesso da maioria das propostas que despachou ao Congresso, Paulo Guedes ainda faz por merecer o título de Posto Ipiranga, quando nada porque o governo carece de iluminados.

Sérgio Moro, da Justiça, foi rebaixado. O desprestígio interno de Moro não tem correspondência nas ruas. O governo é mal avaliado no combate à corrupção, mas a popularidade de Moro continua nas alturas e é bem maior do que a de Bolsonaro. Guedes não faz planos para sair do governo. Moro, faz.

Bernardo Caram e Fábio Pupo, da Folha de S. Paulo, apuraram números que dão uma medida das dificuldades de Guedes este ano. Dois terços de suas propostas foram rejeitados ou dependem de aprovação no Congresso. O ministro faz mais sucesso na Brigadeiro Faria Lima do que na Praça dos Três Poderes.

A análise considera projetos de lei, PECs (propostas de emenda à Constituição) e medidas provisórias. Foram 38 textos. Aprovados, apenas 13. O mais importante deles, a reforma da Previdência. Ela começou a ser gestada no governo Temer. Sua aprovação deve-se mais à força de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.

Se consideradas apenas as Medidas Provisórias (MPs), que têm no máximo quatro meses para uma avaliação do Congresso, 20 textos foram enviados para lá pela área econômica do governo e já tiveram o prazo de exame encerrado. Somente 10 viraram leis e outros 10 foram rejeitados, segundo Caram e Pupo.

Joaquim Falcão* - Moro 2020

- O Globo

Ele não é mais ele. O que existe não é seu presente. É apenas o possível futuro de seu próprio passado

Qualquer um que falar, se aproximar, ou se referir ao ministro Sergio Moro já sabe. Está claro. Queira ou não, estará falando com um possível, não necessariamente provável, candidato a presidente da República. Esta candidatura não depende dele. Nem de você. Ela, simplesmente, é. Tem a virtude da existência e por convite de Bolsonaro para ser ministro. Ao aceitar, ficou candidato.

Ele não é mais ele. O que existe não é seu presente. É apenas o possível futuro de seu próprio passado. Quem ameaçaria os demais candidatos seria, então, um Moro imaginado. E seus adversários já o combatem.

Contra este indefinido fantasma eleitoral muitos já se opõem. Distribuem, por exemplo, a versão de que Bolsonaro venceu por causa do voto contra Lula. Difícil constatar.

As pesquisas eleitorais informam que o voto decisivo foi o voto diretamente contra a corrupção financeira e política, e contra a violência urbana.Esta versão, a do voto contra Lula, não deixa de ter um fundo pró-bolsonarista. Busca desde já radicalizar a próxima eleição. E assim reduzir o Brasil e o eleitor.

Moro colecionou reveses, mas manteve popularidade

- Por Isadora Peron - Valor Econômico

Para aliados, ex-juiz teve um ano de aprendizado sobre os meandros políticos de Brasília

BRASÍLIA- Nome mais popular do governo, Sergio Moro termina o ano à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública com uma série de realizações na área do combate à criminalidade, mas colecionando reveses na relação com o Congresso e com o próprio presidente Jair Bolsonaro - o mais recente deles foi a manutenção, por Bolsonaro, do chamando juiz de garantias no pacote anticrime.
Aliados do ministro, porém, destacam que foi um período de aprendizagem e que ele vai chegar em 2020 mais “ambientado” a Brasília - especialmente após superar a crise causada pela divulgação das mensagens trocadas com procuradores da força-tarefa Lava-Jato. Os vazamentos trouxeram questionamentos sobre a sua atuação como juiz.

Apesar de a popularidade de Moro ter caído após a série de reportagens publicada pelo site “The Intercept Brasil”, ele termina o ano como o ministro mais bem avaliado do governo, com 53% de aprovação - segundo dados divulgados em dezembro pelo Datafolha.

Moro também desponta como um dos principais personagens para a eleição presidencial de 2022, apesar de negar que pretenda ser candidato. Seu discurso tem sido de que, como ministro, não teria outra escolha a não ser apoiar a reeleição de Bolsonaro. Também nega que tenha intenção de ser vice em uma eventual chapa liderada pelo presidente.

De perfil reservado, Moro chegou a ligar para o senador Alvaro Dias (Podemos-PR), seu aliado do Paraná, e pedir para que ele “desmentisse” a notícia de que iria se filiar ao Podemos. O senador, no entanto, não cansa de repetir a aliados que a legenda está de portas abertas para Moro e que, caso o ex-juiz decida se filiar, ele não poderia “discutir com a realidade” e abriria mão de ser novamente candidato à Presidência para apoiar o conterrâneo.

Bruno Carazza* - Sobrevivemos (?)

- Valor Econômico

Aos trancos e barrancos, as instituições funcionaram em 2019

Adeus ano velho, feliz ano novo... À medida em que os acordes de “Fim de Ano”, a valsa composta pelo jornalista David Nasser e pelo “Rei da Voz” Francisco Alves, se aproximam, é hora de fazer um balanço do ano na política brasileira.

A eleição de Bolsonaro sobre 2019 lançou uma série de dúvidas: Estaria nossa democracia em risco? Nossas instituições estariam preparadas para resistir a um governo com forte inclinação autoritária? A polarização política seria radicalizada a ponto de forçar uma ruptura institucional?

Em 1978, o cientista político Juan Linz criou um checklist com quatro grupos de indicadores para atestar comportamentos autoritários de políticos que poderiam levar ao colapso de regimes democráticos - esses parâmetros constituem a base para o best-seller “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, lançado em 2018.

Tomando por base os discursos, vídeos e postagens de Jair Bolsonaro nas redes sociais não era difícil enquadrá-lo como um forte candidato a tiranete seguindo a tabela de Linz. Não foram poucas as ocasiões em que o ex-capitão fez apologia à ditadura militar e questionou a legitimidade do processo eleitoral, lançando dúvidas sobre as urnas eletrônicas (condição nº 1 - “rejeição das regras democráticas do jogo, ou compromisso débil com elas”) e tratou seus adversários como criminosos (condição nº 2 - “negação da legitimidade dos oponentes políticos”).

José Eli da Veiga* - Duplo perigo

- Valor Econômico

Há que romper os cânones de produção e consumo promovidos pela agroindústria dos negócios alimentares

Nos anos 2020, a saúde humana dependerá demais de difíceis mudanças nos históricos padrões das indústrias alimentar, cosmética, farmacêutica e química. Principalmente por uma dupla de perigos cujas denominações médicas ainda soam como estranhos neologismos: ‘lectinas’ e ‘desreguladores endócrinos’.

Lectinas são proteínas onipresentes em cereais, leguminosas, batata-inglesa, assim como em carnes e leite de animais empanturrados por rações de grãos. Macromoléculas com forte propensão a atravessar a parede intestinal, causando fissuras, condição conhecida como ‘síndrome do intestino permeável’. Uma vez no sangue, confundem o sistema imune, dando origem a várias doenças autoimunes, artrites, cardiopatias, diabetes e demências e óbitos precoces.

Os intestinos humanos não se adaptaram à alimentação excessivamente carregada de açúcar, arroz, batata, carnes, laticínios, milho, soja, trigo e óleos com gorduras trans. Por isso, estes nove grandes vetores do agronegócio global estão turbinando as piores bactérias intestinais, em detrimento das amigáveis, que deveriam, ao contrário, merecer toda a atenção e carinho.

Os vários recursos desenvolvidos pela espécie humana para se defender de tão feroz artilharia, amenizando seus piores efeitos, têm se mostrado insuficientes para lhe garantir a imprescindível tolerância imunológica. A consequente vantagem se de dar prioridade a alimentos com baixos teores em lectinas só torna mais evidente a necessidade de romper os cânones de produção e consumo promovidos pela dominante agroindustrial dos negócios alimentares. Problema que vai muito além do dos ultraprocessados, sobre o qual é recomendável consulta ao site da Abeso, Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

Alex Ribeiro - Lei amplia arsenal do BC contra quebra de bancos

- Valor Econômico

Dinheiro público pode salvar depositantes em crises sistêmicas

O projeto de lei de resolução de crises bancárias, enviado pelo governo ao Congresso, quer fazer os donos de bancos e grandes investidores pagarem os custos de quebras de instituições financeiras. Mas é flexível o bastante para, em períodos de pânico, salvar até mesmo os grandes depositantes para não desencadear crises sistêmicas.

Por mais que as regras prudenciais e a fiscalização sejam fortalecidas, bancos continuarão a quebrar. O dilema dos governos é saber quando usar recursos públicos ou quando deixar que o próprio setor privado resolva os problemas que causou. Nenhuma solução é perfeita. Um regime de resolução que usa apenas recursos privados pode gerar crises sistêmicas. A garantia de socorro com dinheiro público, por outro lado, faz com que banqueiros e depositantes assumam riscos exagerados. Também pode levar a crises fiscais.

A grande novidade do projeto é criar no Brasil o chamado “bail in”, que numa tradução livre significa resgatar bancos quebrados com o dinheiro privado que está dentro da própria instituição. Mas o “bail in” não é tratado como uma panaceia. O Banco Central poderá usar outras formas mais tradicionais de socorro, como separar a parte boa dos bancos da banda podre, ou propor ao Conselho Monetário Nacional (CMN) usar dinheiro público para salvar grandes depositantes.

É um benefício indevido aos tubarões do mercado que investiram mal, mas esse seria o preço a pagar para proteger a economia como um todo e os próprios cofres públicos. Em 1974, o governo Geisel tentou jogar duro com o Banco Halles. Acabou desencadeando uma crise cujo combate exigiu usar mais recursos públicos do fundo de reservas monetárias. A quebra do banco Lehman Brothers em 2008 foi o estopim da grande recessão americana.

O que a mídia pensa – Editoriais

Confrontos estéreis – Editorial | Folha de S. Paulo

Na educação, governo Bolsonaro deixa gestão em favor de picuinhas ideológicas

Principal instituição federal na área do ensino básico, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação dispõe de um dos maiores orçamentos do Executivo, acima dos R$ 30 bilhões anuais. Apenas neste primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o FNDE já passou pelo comando de três presidentes.

O padrão caótico não se limita aos escalões inferiores. O presidente já nomeou dois titulares para o MEC e, segundo se noticia, poderá escolher em breve um terceiro —e nem mesmo haverá motivo para lamentar a descontinuidade de algum trabalho ora conduzido por Abraham Weintraub.

O descalabro na pasta não se limita, infelizmente, à alta rotatividade da qual não raro participam personagens de baixa qualificação ou parca experiência.

No ensino básico, cujo provimento cabe principalmente aos estados e municípios, o papel do governo federal é, além de complementar recursos, avaliar a qualidade e propor diretrizes. Pouco ou nada se observa nesse sentido.

Num exemplo, discute-se no Congresso a renovação e a reforma do Fundeb, que financia escolas de regiões pobres com ajuda da União. O mecanismo depende de mudança constitucional e regulamentações para que continue em vigência a partir de 2021. Há pressa, pois.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

domingo, 29 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Rodrigo Maia* – a necessidade de fazer da ação política um catalisador

A quem está na vida pública não é dado o direito de ser pessimista ou a chance de deixar-se acomodar resignado ante os obstáculos. O ano de 2019 foi muito difícil para o Brasil; 2020 será ainda mais desafiador. Mas há um legado a ser celebrado no período que fica para trás.

Com alguma surpresa, o país descobriu a diferença entre governo e governança. Abriu os olhos também para a necessidade de fazer da ação política um catalisador permanente das forças da sociedade, e não apenas um elixir para animar períodos de campanha eleitoral. Por meio do Parlamento e contando com a moderação sempre bem-vinda do Judiciário, a sociedade se organizou para melhorar, corrigir e às vezes dar novos rumos aos ímpetos reformistas de quem tentou ler o resultado das urnas de 2018 com lentes muito particulares e sob prismas unipessoais.

*Rodrigo Maia, deputado federal (DEM-RJ), é presidente da Câmara dos Deputados. “Aos trancos e barrancos”, Folha de S. Paulo, 28/12/2019

Luiz Carlos Azedo - À guisa de balanço

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Se o governo é liberal e bem-sucedido na economia, em áreas como educação, cultura e direitos humanos adotou uma orientação de ultradireita que o puxa para baixo”

O primeiro ano do governo praticamente acabou, pois o presidente Jair Bolsonaro já está em férias na base naval de Aratu, na Bahia, e nada demais deve acontecer em termos políticos e administrativos. Qual é o balanço a ser feito sobre sua gestão e a situação do país, que são coisas que se combinam? Diria que é uma situação do tipo “copo pela metade”. Os otimistas dirão que está quase cheio, principalmente em razão da economia e da inexistência de escândalos de corrupção (não é pôr a mão no fogo, mas o único problema de Bolsonaro é o caso Queiroz, que não o atinge diretamente, mesmo que venha a ser envolvido, por ser anterior ao exercício do mandato). Os pessimistas verão o copo quase vazio, por causa da política externa e dos disparates da ala ideológica do governo, principalmente na educação, na cultura, nos direitos humanos e no meio ambiente, que a maioria dos analistas aponta como ameaças à democracia no Brasil.

É um diagnóstico que precisa ser equalizado de forma objetiva. Sim, houve avanço na economia, com a política liberal do ministro Paulo Guedes, que injetou otimismo no mercado (a Bolsa de Valores de São Paulo é um indicador seguro desse otimismo). Há lenta retomada do crescimento e geração de emprego em escalas modestas, mas continuadas. Os juros continuam em queda e já são os mais baixos da história do Real. Para comércio e consumidores, foi o melhor Natal desde 2014. Convém destacar que nada disso estaria ocorrendo sem a aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso. Houve empenho de Guedes para que isso ocorresse, portanto, lhe cabe mérito, mas os grandes artífices da aprovação da reforma foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), e o ex-deputado tucano Rogério Marinho (RJ), secretário especial de Previdência e Trabalho, o negociador de Guedes.

Ainda nesse quesito, o governo tem um dever de casa por fazer: o ajuste fiscal na administração federal, pois o deficit orçamentário da União continua e as reformas emergencial, administrativa e patrimonial ficaram pelo caminho. O ambicioso pacote enviado ao Congresso, neste final do ano, tem esse objetivo, mas estava descosturado politicamente, com muitos jabutis e algumas jabuticabas. Se não for refinado, não será aprovado num ano eleitoral como o próximo. O que mais atrapalhou o governo no primeiro ano de mandato de Bolsonaro foram os embates ideológicos. Se o governo é liberal e bem-sucedido na economia, em áreas como educação, cultura e direitos humanos adotou uma orientação de ultradireita que o puxa para baixo. Por seu caráter reacionário, até mesmo setores conservadores que apoiam o governo não escondem o constrangimento que passam diante de certas atitudes fundamentalistas.