domingo, 6 de janeiro de 2019

*Luiz Werneck Vianna: As ondas grandes e a oposição

- O Estado de S.Paulo

O horizonte que agora se entrevê é de céu de brigadeiro para o início do novo governo

Não será a primeira vez, mas a terceira, que nos deixamos enredar na trama sinistra do que vem por aí. E, pior, sempre por nossos erros, pela desconsideração do País real, conservador a tal ponto que permitiu que sua quasímoda estrutura fundiária, herdada do período colonial, não só encontrasse sobrevivência, mas se convertesse, com a emergência do agronegócio, num dos esteios do processo de modernização burguesa ainda em curso, caso clássico de passagem para o capitalismo pela via prussiana de desenvolvimento capitalista e seus efeitos antidemocráticos, tema bem estudado por grandes autores como Barrington Moore e Charles Tilly, entre tantos outros. Estão aí a sua robusta bancada parlamentar e sua presença em postos estratégicos do novo governo.

As anteriores, de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985, foram longevas, e em ambas a preservação da estrutura agrária cumpriu papel relevante: sob o regime de Vargas excluiu-se o trabalhador do campo da legislação social, reservada apenas aos trabalhadores urbanos; e no regime militar, por meio de uma generosa abertura de créditos para proprietários selecionados politicamente e de uma política de colonização que lhes concedessem acesso a mercados, convertendo-os em capitalistas modernos, história bem descrita e analisada em tese de doutoramento por Rafael Assunção de Abreu em A boa sociedade: história sobre o processo de colonização no norte de Mato Grosso durante a ditadura militar (Iuperj, 2015).

O legislador constituinte teve consciência da necessidade de democratizar a estrutura fundiária do País, mas seus esforços foram barrados por intensa mobilização das nossas elites junkers, que se arregimentaram, até mesmo em grupos armados, na União Democrática Ruralista (UDR), obstando uma via de reforma. Uma de suas principais lideranças de então, Ronaldo Caiado, antes senador, foi agora eleito governador de Goiás. A democratização do País teria de conviver com esse pesado lastro que lhe vinha do período colonial, e se os grandes proprietários de terra encontravam oportunidades de converter seus antigos papéis tradicionais em modernos no emergente capitalismo brasileiro, a massa dos trabalhadores da terra seria condenada à situação de retirante sem eira nem beira, mão de obra barata para as indústrias e os serviços dos centros urbanos, dependentes em sua sobrevivência dos ciclos expansivos da economia.

A herança da escravidão e a da estrutura a agrária colonial estão, como notório, na raiz da abissal desigualdade social brasileira, diagnosticada desde o Império por grandes intelectuais liberais, como Tavares Bastos, André Rebouças e Joaquim Nabuco. Na esteira dos movimentos sociais que se mobilizaram em torno do processo constituinte, o tema da igualdade encontrou vocalização e sustentação nos partidos de perfil social-democrata que então se organizaram, o PSDB e o PT, mais neste do que naquele, embora ainda sem o vigor necessário para enfrentar o tamanho do desafio que tinham pela frente.

*Fernando Henrique Cardoso: Novo ano, novos desafios

- O Estado de S.Paulo

Espero que o novo governo ache rumos melhores do que alguns membros apontam

Ao iniciar o ano, as pessoas estão cheias de esperança, querendo o melhor para si e para o País. É também o que eu desejo para os leitores e para todos os brasileiros. Contudo os desejos não substituem os fatos, e estes podem impedir que aqueles se realizem em 2019. Certamente torço para que o Brasil encontre um rumo melhor. Mas um olhar realista se impõe.

Comecemos olhando para o mundo. Desde o fim da guerra fria e, especificamente, desde que, no início da década de 1970, Henry Kissinger convenceu o então presidente Richard Nixon a visitar a China e a normalizar as relações com aquele país, vivemos um período de relativa tranquilidade no sistema internacional. O entendimento sino-americano visou de início a isolar a União Soviética, rival da China no mundo comunista. À medida que aquela foi declinando, dissolvendo-se em 1991, o mundo assistiu à crescente complementaridade econômica entre a maior potência mundial, os Estados Unidos, e a potência em ascensão, a China.

Com a Pax americana, coadjuvada pela China, os conflitos se tornaram localizados. A ambição que motivou a formação das Nações Unidas, a de pôr um ponto final nas grandes guerras mundiais, ficou ainda mais próxima da realidade com o colapso do mundo soviético, iniciado com a simbólica queda do Muro de Berlim, em 1989.

Sob a liderança de Deng Xiaoping, ao final dos anos 1970, os chineses compreenderam que seu país precisaria reformar-se e abrir-se ao mundo para prosperar. De Deng Xiaoping até o atual líder chinês, Xi Jinping, todos sustentaram uma política externa orientada para evitar a chamada "armadilha de Tucídides": a colisão e ao final a guerra entre a potência hegemônica e a emergente. As lideranças chinesas falavam de uma ascensão pacífica e de um "socialismo harmonioso", juntando o regime de partido único e o Estado socialista com a integração financeira e produtiva ao mundo capitalista. A China abriu-se às multinacionais que quisessem disputar seu mercado ou exportar, desde que aceitassem as regras do poder. E mais: tornou-se a maior detentora de papéis do Tesouro americano.

Há sinais, contudo, de que a Pax global começa a ser ameaçada não propriamente pela guerra convencional ou atômica, permanecendo um cenário remoto, mas por uma crescente disputa pela liderança tecnológica, da qual a guerra comercial ora em fase de escaramuças é o aspecto mais visível. A disposição de Trump de desmantelar a ordem liberal vigente visa a impedir que a China assuma a dianteira na corrida tecnológica nas áreas de inteligência artificial e computação quântica. Sob Xi Jinping os chineses já não escondem suas ambições na corrida tecnológica, mesmo no campo militar disputam o controle de parte do Pacífico. Mais do que na interferência online nos processos políticos dos Estados Unidos e da Europa, como os russos, a China aposta na sua capacidade no terreno tecnológico para o sucesso econômico e bélico. Ainda não conhecemos os desdobramentos dessa disputa, mas parece que a ordem liberal pós-guerra fria está ficando para trás, com riscos para a paz mundial.

O Brasil tem um novo governo. Fala-se muito que o País, na esteira da onda conservadora no mundo, virou à direita. Será esse o sinal enviado pelo eleitorado, que em sua maioria votou por repúdio ao PT, à falta de segurança pública e à podridão política, sem, entretanto, algum conteúdo ideológico definido? Se o novo governo deslizar para a direita, será menos porque o eleitorado assim decidiu e mais porque os vencedores assim pensam.

Pensam? Depende: na economia o governo é liberal, nos costumes, reacionário e, quanto à visão do mundo, basicamente anacrônico, a julgar pelo que disseram alguns de seus membros. Dos militares pouco ou nada se ouviu a respeito. Subscreverão as teses do futuro chanceler? Ou a norma de que sem objetivos e sem preparação não há guerra a ser ganha?

Míriam Leitão: O rosto da direita que chega ao poder

- O Globo

Direita no poder: a luta pela agenda liberal será dura, as ideias de alguns ministros são constrangedoras, militares têm sido o poder moderador dentro do governo

Nossa democracia estava capenga, afirmou o ministro da Economia, ao dizer que só a centro-esquerda havia governado o Brasil. Mas que direita é essa que chegou agora? Nos muitos discursos e certas decisões da última semana, o novo rosto do poder começou a ser esboçado. A economia perseguirá a agenda liberal, o que será uma guerra, na qual o front mais ingrato será o interno. Em outras áreas, como direitos humanos, educação e relações exteriores, os ministros mostraram um desconcertante alheamento da realidade. Os militares nomeados parecem ser a força moderadora dentro do próprio governo. A agricultura recebeu poderes indevidos e que levarão a conflitos de interesse.

A democracia pressupõe alternância de grupos e ideias no poder. Até agora, houve o governo de direita de Fernando Collor, de curta duração e final infeliz. Depois o pêndulo oscilou entre o centro, tucano, e a esquerda, petista. Houve uma administração tampão do MDB, que se pode definir como centro-direita. E agora chega ao poder um governo assumidamente de direita.

No Brasil, os conceitos políticos são bem imprecisos. A esquerda fez coisas como aumentar as transferências para o capital, ainda que tenha também ampliado os programas sociais. Vamos entender nos próximos anos o que realmente significa uma administração de direita no Brasil. Destes pouquíssimos dias extrai-se pouca informação. O presidente, Jair Bolsonaro, garantiu que cumprirá promessas de campanha, como a de liberar a posse de armas. O ministro das Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, surpreendeu favoravelmente anunciando que a Eletrobras será privatizada, o que levou a uma alta de 20% nas ações em um único pregão. Houve também momentos constrangedores. As ideias da ministra Damares sobre divisão de cores por gênero são principalmente infantis, as do ministro Ernesto Araújo, confusas.

Bernardo Mello Franco: A confusão como método

- O Globo

A trapalhada do IOF mostra que Bolsonaro ainda não entendeu seu novo papel. A fala de um presidente tem peso. Sua assinatura, mais ainda

No quarto dia de mandato, Jair Bolsonaro deu uma amostra do seu potencial para produzir crises. O capitão surpreendeu a própria equipe ao anunciar que, “infelizmente”, havia assinado um decreto elevando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Acrescentou que reduziria o Imposto de Renda para quem recebe mais. As notícias causaram alvoroço no meio político e no mercado financeiro.

O presidente foi desautorizado pelo secretário da Receita, que ocupa um cargo de segundo escalão no governo. “Deve ter sido alguma confusão. Ele não assinou nada”, esclareceu. O ministro da Economia, que não costuma poupar saliva, cancelou a agenda pública e tomou chá de sumiço. “Bolsonaro não foi desmentido nem pelo dono do Posto Ipiranga, foi pelo frentista mesmo”, ironizou a ex-senadora Marina Silva.

Mais tarde, o chefe da Casa Civil entrou no circuito da desinformação. O ministro reclamou da imprensa e tentou atribuir o tumulto a um “vazamento indevido”. Depois reconheceu que o problema havia sido criado por uma declaração pública do presidente. “Ele se equivocou”, admitiu.

Merval Pereira: A força dos evangélicos

- O Globo

Os evangélicos são a sustentação da base eleitoral de Bolsonaro e Trump, que representam a atual guinada ideológica à direita

O embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley ter comparado o presidente Jair Bolsonaro a Oswaldo Aranha, que presidiu em 1947 a sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas que levou à criação do Estado de Israel, só mostra a importância para Israel do compromisso político do novo governo de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, como fez Trump.

Os evangélicos fundamentalistas são o sustentáculo da base eleitoral dos dois presidentes que representam, cada qual a seu modo, a atual guinada ideológica no mundo à direita, sob três pilares fundamentais: contra o aborto, a favor de Israel e a favor de armas.

No Brasil, esses pilares podem ser traduzidos pela segurança pessoal e a defesa de valores morais conservadores.

Nos Estados Unidos, o grupo Christian United for Israel que faz o mais forte lobby a favor de Israel bíblica, o que implica o reconhecimento de Jerusalém como capital, independentemente de um acordo com os palestinos. Por isso o governo de Israel, nas palavras de seu embaixador no Brasil, considera que Bolsonaro está mudando a História.

Os evangélicos apoiaram Bolsonaro, que, católico, foi batizado no Rio Jordão, a exemplo de Cristo, pelo pastor Everaldo, presidente do Partido Social Cristão (PSC) ligado à Assembléia de Deus, a maior igreja evangélica do país.

Outra igreja evangélica importante no apoio a Bolsonaro foi a Universal do Reino de Deus comandada pelo auto-intitulado Bispo Macedo, do PRB, Partido Republicano Brasileiro. O PRB foi criado em 2005 para substituir o PL, manchado pelas denúncias do mensalão. Na ocasião, o então prefeito Cesar Maia o chamou de “o gospel do crioulo doido”, tal a disparidade de seus fundadores.

Janio de Freitas: O time de guardiães

- Folha de S. Paulo

Primeiros passos de Bolsonaro parecem planejados para preocupar militares

Os primeiros passos do governo, e do próprio Jair Bolsonaro, parecem planejados para preocupar os militares. O descritério da entrega de cargos na problemática Educação e nas complexas Relações Exteriores, por exemplo, não precisaria ser acompanhado pelo coro de desvarios, vindos de vários ministros, para indicar o perigo à frente.

Já esses dias iniciais desacreditam muito o propalado sistema de contenção de desvarios operado pelos 11 militares do governo.

O problema prático é o alto risco de embates internos, com potencial de crises. Em sentido mais amplo, o que está em jogo para os militares, se a contenção falha, é o comprometimento das Forças Armadas como responsáveis pelo governo desnorteado.

Por intermédio de generais reformados, o Exército aceitou esse risco, curvando-se outra vez à ilusão primária de salvador da pátria.

Não teria como negar sua responsabilidade, tanto na identificação que permitiu a um oficial excluído, sem credencial alguma para tal crédito, como na participação associada à condição de militares.

Na formação dessas linhas cruzadas, Marinha e Aeronáutica mantiveram-se à distância, entregues a um profissionalismo exemplar. Talvez jamais tenha havido aqui outro período de tão correta conduta militar como a dessas duas instituições, nos últimos tempos.

Por isso a generalização da palavra militares, em assuntos políticos atuais, é uma utilidade imprecisa e injusta. Militares da Marinha e da Aeronáutica não estão nos jogos da política. Não deixam de ser incógnitas, porém, na eventualidade de um insucesso governamental que pesaria, por certo, no conceito das Forças Armadas em geral. Mais uma vez.

Militares que entrem na política têm que ser políticos. Sempre existiram. A dubiedade nunca levou a bom resultado. É esta, no entanto, a propensão visível nos desvarios que já escandalizam. Inaugurados, por sinal, pelo próprio Bolsonaro: sua primeira medida na Educação foi de cunho religioso e antiescolar, liberando para faltas os alunos que invoquem motivo religioso.

Sérgio Dávila: Bolsonaro e o ‘estado profundo’

- Folha de S. Paulo

Burocratas tentam mitigar alcance de decisões tresloucadas anunciadas pelo presidente

Em apenas quatro dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro recuou ou foi desautorizado por sua equipe ao ritmo de quase um desmentido por dia. O caso mais recente foi revelado por esta Folha e é uma história em quatro atos, como o jornal publicou no Twitter:

Primeiro ato: o presidente avalia elevar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras para crédito pessoal para compensar a prorrogação de benefícios fiscais às regiões Norte e Nordeste;

Segundo ato: ele anuncia o aumento da alíquota do IOF. “Infelizmente, foi assinado decreto nesse sentido para quem tem aplicações fora. É para poder cumprir uma exigência de um projeto aprovado, tido como pauta-bomba, contra nossa vontade”;

Terceiro ato: Marcos Cintra, secretário especial da Receita, o desmente. “Não, não. Deve ter sido alguma confusão. Ele não assinou nada.”

Quarto ato: Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, põe panos quentes. “Ele se equivocou, ele assinou a continuidade do projeto Sudam e Sudene.”

Bruno Boghossian: O primeiro baile de Brasília

- Folha de S. Paulo

Presidente ainda não deu sinais definitivos de adesão ao receituário liberal

Em apenas três dias úteis de governo, Jair Bolsonaro conseguiu atar cinco nós na equipe econômica liderada por Paulo Guedes.

Enquanto auxiliares tentam elaborar uma reforma da Previdência que dê fôlego às contas públicas,
o presidente optou pela suavidade. Em entrevista ao SBT, propôs uma idade mínima de aposentadoria inferior à que tramita na Câmara.

Até o vice Hamilton Mourão discordou: “Conheço a opinião do Paulo Guedes também, e a nossa é uma visão de reforma mais profunda”.

Bolsonaro também jogou para baixo planos para criar um imposto único e disse que a ideia só serve para um “longo, longo prazo”. Acrescentou que nem pensa em aplicar esse tributo a movimentações financeiras, como estuda a equipe de Guedes.

Na semana de estreia, o presidente ainda levantou dúvidas sobre a venda de parte da Embraer. As ações da empresa caíram 5% no ato.

Empossado, Bolsonaro não deu sinais definitivos de que acredita no receituário liberal. A Previdência, a unificação de impostos e as privatizações foram justamente os pilares elencados pelo ministro da Economia em seu discurso de posse.

Guedes teve papel relevante na campanha para acalmar investidores que temiam um candidato com viés nacionalista, perfil autoritário e despreparo na economia. Agora, porém, Bolsonaro tem a caneta na mão.

Vinicius Torres Freire: O presidente falante

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro conta em público versão peculiar das discussões que ouve em seu governo

A triste figura que fez Jair Bolsonaro em sua primeira sexta-feira dá o que pensar, mas não pelo motivo mais evidente.

Não é novidade o escasso conhecimento que o presidente tem de políticas públicas, de economia em particular. Não era inesperado que dissesse despropósitos sobre impostos ou Previdência. Ainda assim, parece importante perguntar como é possível Bolsonaro desconhecer planos centrais de seu governo.

A pergunta mais relevante, porém, pode ser outra: o que vai acontecer quando ele tomar conhecimento de tais assuntos?

A dica da resposta está nas primeiras reações de Bolsonaro aos planos de reforma da Previdência.

Quando confrontado com a dureza do problema, o presidente se entrega a uma atitude que fica entre o escapismo e a desconversa, ambos baseados em autoilusão desinformada.

É um comportamento comum e popular, em todos os sentidos da palavra. A reforma não pode “matar idoso”, afetar “direitos adquiridos” etc. Tudo bem. Mas um presidente tem de apresentar alternativas. Se a reforma será diluída, como compensar o desastre persistente nas contas públicas?

A resposta do presidente é o devaneio algo mítico. Bolsonaro junta uns fatos que não digeriu bem com atenuantes populistas e então fantasia que a idade mínima de aposentadoria será menor que a da reforma de Temer, de 62 anos para homens, 57 para mulheres.

Elio Gaspari*: Bolsonaro desceu do palanque

- O Globo / Folha de S. Paulo

Presidente trombou com a ekipekonômica, mas mostrou caminho para aprovar reforma da Previdência

Pelo andar da carruagem, a reforma da Previdência será aprovada. Numa revelação surpreendente feita durante uma entrevista aos repórteres Carlos Nascimento, Débora Bergamasco e Thiago Nolasco, o presidente Jair Bolsonaro pôs na mesa uma nova idade mínima para o acesso às aposentadorias e abriu o caminho para que ela passe a girar em torno de seu eixo principal, a “fábrica de desigualdades” exposta pelo ministro Paulo Guedes: “Quem legisla e julga tem as maiores aposentadorias e a população, as menores”.

Durante a campanha, Bolsonaro repetiu que a idade mínima do projeto mandado por Michel Temer era perversa. O anúncio da nova idade resultou numa trombada com a ekipekonômica. Resta saber quem manda e quem é capaz de fazer um projeto que passe pelo Congresso.

Bolsonaro defendeu de forma convincente a mudança na lei que permite a posse (não o porte) de armas. Afinal, em 2005, um plebiscito rejeitou a proibição da venda de armas de fogo. Felizmente, ele não comparou trabucos a automóveis, como faz o ministro Augusto Heleno.

O Bolsonaro da entrevista pareceu mais leve que o do palanque de mármore de Brasília. Ainda assim, disse que “hoje em dia o poderio das Forças Armadas americanas, chinesas e soviéticas alcança o mundo todo”. Como ele acha que com o seu governo o Brasil “começa a se livrar do socialismo”, alguém precisa avisá-lo de que a União Soviética se acabou em 1991.

O PODER DE PAULO GUEDES
Falta ao poderoso ministro Paulo Guedes um pé no Planalto. Parece detalhe, mas há dois tipos de ministros, os que têm sala no Palácio (Augusto Heleno, por exemplo) e os que não têm.

Quem está no primeiro grupo checa se o presidente está livre, toma o elevador e vai à sua sala. Quem não está precisa marcar hora ou arriscar-se a uma espera.

É claro que Guedes verá Bolsonaro sempre que isso for necessário, mas, por enquanto, a burocracia palaciana revela que nos primeiros cem dias de governo ele participará da reuniões do ministério às terças-feiras e de cinco encontros de “alinhamento”, sempre com outros colegas.

A trombada ocorrida na sexta-feira entre o que diz Bolsonaro e o que pensa a ekipekonômica mostra que faltam conversas. Isso na melhor das hipóteses, porque pode estar faltando disciplina. Choque com a ekipekonômica na primeira semana de governo é coisa nunca vista.

Os ministros com sala no Palácio têm um acesso informal ao presidente e essa circunstância cria um tipo especial de convivência. Para o bem, produz eficácia, para o mal, intrigas. É mais fácil se desviar de uma bola nas costas estando perto do juiz.

Luiz Carlos Azedo: O menino da Rua do Cupim

- Correio Braziliense

“A ministra Damares cumpre um duplo papel no governo: provoca a oposição em relação à identidade de gênero e sai em defesa da segurança das crianças e suas familias”

Damares Alves, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, já é uma estrela da nova equipe de governo de Jair Bolsonaro. Pastora evangélica, roubou a cena entre os seus pares ao afirmar, logo após a posse, para um grupo de apoiadores, que “menino veste azul e menina veste rosa”. Como quase tudo que acontece entre amigos, alguém gravou e vazou nas redes sociais a frase polêmica, que viralizou e levantou um debate sobre identidade de gênero muito maior do que aquele que ela própria pretendia.

A oposição e a imprensa atravessaram a rua para escorregar na casca de banana. Apontada pela mídia como patinha feia da equipe ministerial, Damares deu a volta por cima durante entrevista à GloboNews, na qual driblou os craques do jornalismo político da emissora com respostas que miravam os eleitores de Bolsonaro e não os seus interlocutores. Falou o que eles gostariam de ouvir. Não foi à toa, portanto, que o escritor, dramaturgo e jornalista Aguinaldo Silva disparou no Twitter: “Venderam a ministra Damares como uma espécie de “maluquete xiita” e ontem ela provou que na verdade é outra coisa: uma mulher conservadora, sim. Mas sensata, convencida do que diz, preparadíssima e disposta a fortalecer os vínculos na célula mater da sociedade, que é a família.”

O novelista sabe das coisas, é um premiado campeão de audiência no horário nobre da tevê brasileira e mais do que um observador arguto da revolução dos costumes sociais e políticos no Brasil, que já dura meio século. É um protagonista dessa revolução, ao lado de outros autores. Damares reagiu às críticas que recebeu com o argumento que repete à exaustão: “Fiz uma metáfora contra a ideologia de gênero, mas meninos e meninas podem vestir azul, rosa, colorido, enfim, da forma que se sentirem melhores.” Garantiu que não haverá retrocesso em termos de direitos adquiridos, em matéria de identidade de gênero. E partiu para a ofensiva num tema que explica muita coisa na eleição de Bolsonaro e que a oposição ainda não captou: a defesa das crianças e da família como instituição.

Ao contrário do que muitos imaginam, Damares não é só a pastora evangélica e assessora parlamentar que deu uma rasteira no chefe, o ex-senador Magno Malta, e virou ministra em seu lugar. É uma militante reconhecida do movimento em defesa das crianças que sofrem de depressão e outros distúrbios psicológicos, que têm impactado os altíssimos indicadores de suicídio e automutilação entre pré-adolescentes e adolescentes no Brasil. “Pobre, gay, mulato e abençoado”, Aguinaldo Silva, o menino da Rua do Cupim, no Recife, sacou que a ministra sabe o que está fazendo.

Em 1954, aos 11 anos, Aguinaldo Silva mudou com a família da Cidade de Carpina para a capital pernambucana. Trouxe na memória afetiva boa parte da matéria-prima de suas novelas, de Tieta ao Sétimo Guardião. No bairro dos Aflitos, viveu o drama de menino pobre que aos 11 anos era “esquisito” e passou a ser chamado de “frango” aos 13 anos. “Foram muito difíceis aqueles anos que passei na Rua do Cupim, tendo que ouvir todo tipo de acusações e insultos…, mas eles foram também muito prazerosos. Pois, na casa ao lado da minha, morava uma família de crentes cujo chefe tinha uma portentosa biblioteca da qual sua filha, Glyce, de vez em quando sacava um livro e me emprestava. Li “Madame Bovary” aos 13 anos e chorei feito um louco por causa de Ema, pois achei que, em sua loucura, ela estava certíssima… E felizmente ainda acho isso até hoje.”

Dorrit Harazim: Ficou faltando

- O Globo

Demonização do adversário derrotado ou de algum inimigo imaginário compensa a incapacidade de formular análise

Qualquer governante leva tempo para sair do modo campanha eleitoral e engrenar na planície mais substantiva do liderar e fazer. Alguns, como Donald Trump, preferem o abismo a desgarrar-se da retórica que os catapultou ao poder. Passados dois anos à frente da Casa Banca, o presidente dos Estados Unidos continua entrincheirado em bordões que só fazem nexo para seu eleitorado mais fundamentalista. De braços cruzados sobre o peito em gestual de birra, ele exige do Congresso a alocação de US$ 5 bilhões para a construção de sua mítica muralha anti-imigração, sem abandonar a fantasia de que o México pagará pela obra. Descolamento tão agudo da realidade costuma sair caro para governante e governados. O ex-líder soviético Nikita Kruschev conheceu os limites do conselho que deu a Richard Nixon em meados do século passado: “Se as pessoas acreditam que ali existe um rio imaginário, melhor não dizer que não há rio algum. Melhor construir uma ponte imaginária sobre o rio imaginário”. Como se sabe, Kruschev e Nixon acabaram defenestrados do poder.

Na safra de discursos de posse e primeiras entrevistas dessa chamada “Nova Era”, ou “Revolução”, do Brasil de Bolsonaro, é fácil descabelar-se com a enxurrada de arabescos verbais — “libertar o Itamaraty”, “despetizar o governo”, “desesquecer”, “o Brasil preso fora de si mesmo”, “Gnosesthe ten aletheian kai he aletheia eleutherosei humas”, “menino veste azul, menina veste rosa”, com sua incongruente bandeira de Israel ao fundo.

Arroubos assim costumam atingir seu objetivo num primeiro momento: a demonização do adversário derrotado ou de algum inimigo imaginário compensa a incapacidade de formular uma análise ou argumentação mais consequentes. Frases de efeito atuam como palavras de ordem mobilizadoras, mesmo quando incompreensíveis. O “azul/rosa” foi apenas uma metáfora para a “nova era”, esclareceu em entrevista à GloboNews a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Mas como já ensinou George Orwell, metáforas não raro são coleções de palavras sem poder evocativo, usadas para salvar pessoas com dificuldade de criar frases próprias.

Eliane Cantanhêde: A volta do Tio Sam?

- O Estado de S.Paulo

Com Bolsonaro e guinada à direita, volta a influência dos EUA na América do Sul

A decisão do Grupo de Lima de não reconhecer um novo mandato para Nicolás Maduro na Venezuela – aliás, por todos os motivos do mundo – marca a volta firme e determinada da influência direta dos Estados Unidos nos rumos da América Latina, particularmente da América do Sul. Washington, que não integra o grupo, participou ativamente da articulação.

É por essas, e por muitas outras, que o secretário de Estado Mike Pompeo disse em entrevista ao Estado que os EUA estão “entusiasmados” com a guinada à direita na região. Para ser exata: “Estamos muito entusiasmados diante dessa perspectiva e vislumbramos grandes oportunidades”.

Além das questões mais objetivas, comércio, negócios, investimentos e cooperação, essas “oportunidades” incluem uma presença política efetiva de Washington na região, com reflexos óbvios sobre posições conjuntas nos arranjos regionais, como no caso do Grupo de Lima, ou em organismos multilaterais, como a própria ONU.

Pompeo se encontrou com os presidentes Jair Bolsonaro e Iván Duque, da Colômbia, no dia seguinte à posse de Bolsonaro, ou seja, justamente dois dias antes de 12 dos 13 países do Grupo de Lima tomarem a necessária, mas igualmente audaciosa decisão de rejeitar a manutenção de Maduro no poder. Há a versão de que ele inclusive telefonou e manifestou a posição americana no meio da reunião na capital peruana.

Dos 13 países, o único a não subscrever a declaração enxotando Maduro da convivência regional foi o México, onde a eleição de López Obrador foi na contramão da América Latina. Brasil, Argentina, Paraguai, Chile e de certa forma o Equador aderiram à “direita, volver”, somando-se à Colômbia e Peru, mas o México foi para a esquerda. Não, diga-se, a ponto de pular no naufrágio do “bolivarianismo”.

Vera Magalhães: Ordem na cozinha

- O Estado de S.Paulo

É no Planalto que tem de haver coordenação para evitar ruídos

Ruídos, bateção de cabeça e recuos são normais na primeira semana de qualquer evento: casamento, emprego, treino, dieta, escola. Não seria diferente numa estrutura tão complexa quanto o governo de um país. Os que se viram nos últimos dias, portanto, podem ser colocados na conta daquele momento da mudança em que tudo está em caixas espalhadas e você não sabe onde achar uma xícara para tomar o café pela manhã. Tá ok.

Mas assim como funcionários não podem passar muito tempo perdidos na função e as provas começam pouco tempo depois do início das aulas, governos têm urgências diárias, envolvem decisões cruciais em todas as pastas a todo momento e requerem organização rápida. No caso do governo federal, esse papel é exercido na cozinha, que é o Palácio do Planalto. E é justamente ali que parece reinar a bagunça maior na mudança da “família” Bolsonaro.

Desde a transição, o arranjo montado para o Planalto pareceu meio esquisitão, disfuncional. Onyx Lorenzoni, primeiro ministro anunciado pelo “capitão”, como insiste em chamar o presidente até hoje, chegou com um voluntarismo diretamente proporcional à própria inexperiência. Demonstra uma certeza na empostação de voz que lhe falta nas respostas mais básicas, como se viu nos episódios do salário mínimo e da reforma da Previdência.

Tratou de anunciar a “despetização” da pasta como a medida mais importante que promoveria. Como se o PT não estivesse fora da Presidência há 2 anos e 7 meses. Pelo jeito, o afã de mandar todo mundo embora foi tal que faltou gente para fazer as informações chegarem a ele, que se mostrou absolutamente vendido quando sua postura corporal e sua arrogância costumeira afetavam certezas inexistentes.

Gaudêncio Torquato*: A farda do político

- Blog do Noblat | Veja

Os militares encarnam a simbologia nacionalista

Jair Bolsonaro fez questão de exibir sua identidade verde-amarela ao adentrar o território da política. Ao puxar a bandeira brasileira do bolso e acenar para a multidão, no Parlatório do Palácio do Planalto, o presidente enalteceu compromissos de sua campanha: o verde-amarelismo abriga ânimo cívico, nacionalismo, soberania nacional, combate à ideologia de esquerda. O fecho da mensagem aponta a divisão entre seu eleitorado e contingentes lulopetistas: “essa bandeira jamais será vermelha”.

A expressão se fortalece em função de sua origem. Mais que outros segmentos, os militares encarnam a simbologia nacionalista, como definir o Brasil sob seu mando como enclave poderoso no sul do continente a lutar contra a foice e o martelo (o comunismo) e, por tabela, o socialismo, este suavizado por elementos do liberalismo, formando a social-democracia.

A esquerda tem se enfraquecido nos países social-democratas, casos de Alemanha, Itália, Espanha, Hungria, Polônia e até Suécia. A crise da democracia representativa fragiliza vetores, como arrefecimento das ideologias, declínio de partidos, desânimo das bases, fragmentação das oposições. Em contraposição, novos polos de poder se multiplicam em decorrência de coisas como a globalização, a imigração e o nacionalismo.

Ricardo Noblat: Bolsonaro e sua dependência do PT

- Blog do Noblat | Veja

Ataque requentado

O que seria de Jair Bolsonaro sem o PT?

Menos de 24 horas depois de que ministros e até meros secretários de ministros desautorizaram o anúncio feito por ele de medidas econômicas, Jair Bolsonaro, ao invés de demiti-los ou de se explicar e pedir desculpas, requentou antigos ataques que fizera durante a campanha ao PT e ao seu candidato a presidente da República.

Quem, no momento, liga para o PT e Fernando Haddad? Nem mesmo parte da oposição liga. Mas Bolsonaro liga, sim. Precisa dos dois para não perder seus devotos. E tanto mais quando se acha em dificuldades. Foi o caso de um projeto que ele assinou pensando que era outro. E de um decreto que anunciou que viria, mas que não virá.

“Haddad, o fantoche do presidiário corrupto”, atacou Bolsonaro. Como todo petista, escreveu ele no Twitter, “o marmita fica inventando motivos para a derrota vergonhosa que sofreram nas eleições, mesmo com campanha de 30 milhões mais cara”. Bolsonaro resgata o nós contra eles que agora apresenta como eles contra nós.

Se o PT obedecer a ordem dada por Lula direto da cela em Curitiba, não fará o jogo de Bolsonaro de bater boca com ele. É tudo o que o presidente recém-empossado quer.

Ascânio Seleme: Nossa democracia é sólida

- O Globo

Hoje, apesar do discurso eleitoral do novo presidente, a democracia brasileira continua viva

Recebi uma mensagem de boas festas do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em que, além de saúde e paz, ele desejava um 2019 “sem retrocessos na nossa frágil democracia”. Com a cortesia habitual, Chico expressava um sentimento bastante comum entre quadros da esquerda nacional, o temor de que o governo Bolsonaro possa causar ruptura constitucional que represente dano à democracia brasileira. Com todo respeito que o deputado merece, preciso discordar dele. Nossa democracia é sólida e já comprovou sua força inúmeras vezes.

A primeira grande prova de estresse da democracia nacional foi vencida logo no primeiro minuto após o seu renascimento, antes mesmo do último general-presidente deixar o Palácio do Planalto. A internação do primeiro presidente civil depois da ditadura na véspera da sua posse resultou numa madrugada tensa, que foi ultrapassada de acordo com o estabelecido pela Constituição. O vice tomou posse. Em seguida, pouco mais de um mês depois, o presidente internado morreria, e o vice assumiria de vez o poder. Justamente o vice que traíra os generais, saindo do partido que apoiava a ditadura e ajudando a derrotá-la. Mesmo assim, nenhum passo atrás foi dado.

Alguns anos mais tarde, o Brasil produziria uma nova Constituição, rompendo com todos os dogmas e preceitos militares impostos na Carta anterior, que tinha sido escrita em gabinete a pedido e orientada pelos militares que detinham o poder. Ao promulgá-la, o presidente da Constituinte a batizaria de Constituição Cidadã e diria ter ódio, ódio e nojo, da ditadura que se encerrara apenas três anos antes. Outra vez, nenhum recuo, nenhuma ameaça. A democracia que se reinstalara recentemente no Brasil seguia seu roteiro e perseverava. Os novos generais que comandavam as Forças Armadas respeitavam e participavam da nova vida nacional.

Ideologia: Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo Bolsonaro não precisa ter vergonha de ser de direita. Mas deve evitar a todo custo a radicalização. É esse o traço que desvia para os caminhos do arbítrio e da supressão das liberdades

Em seu discurso no plenário do Congresso, Jair Bolsonaro prometeu que "o Brasil voltará a ser um país livre de amarras ideológicas". Não foi uma menção aleatória. Presente desde a campanha eleitoral, a tal batalha contra as ideologias agora ocupa parte substancial das preocupações do novo governo. As ideologias tornaram-se o grande inimigo a ser vencido.

Em primeiro lugar, chama a atenção o tratamento impreciso do termo ideologia. O presidente Jair Bolsonaro e seus adeptos usam a palavra ideologia para se referir a todo pensamento alheio que difere do seu. Ideologia seria toda ideia que eles acham equivocada. No parlatório do Palácio do Planalto, Bolsonaro prometeu, por exemplo, "acabar com a ideologia que defende bandidos e criminaliza policiais". Também se referiu ao "grande desafio de enfrentar (...) a ideologização de nossas crianças". Não se sabe bem a que se referia.

O emprego abusivo do termo ideologia remete à ideia de que o novo governo seria isento ideologicamente. Os adversários é que teriam ideologia, isto é, manifestariam uma visão enviesada e corrompida da realidade. O governo Bolsonaro atuaria noutra dimensão, não ideológica. No entanto, o que se vê no bolsonarismo, a despeito desse discurso de aparente neutralidade, é uma atuação acentuadamente ideológica. É claro que toda ação política está ancorada num determinado conjunto de ideias, valores, opiniões e crenças a respeito do Estado, da sociedade e das pessoas. São justamente essas características que o bolsonarismo evita definir quando se refere às suas qualidades. Mas quando a ideologia é a do adversário, ela é definida como socialismo, esquerdismo, etc., como se essas variedades da política fossem irremediavelmente incompatíveis com o exercício democrático. Esse viés demanda atenção e cuidados, uma vez que ele conduz, por definição, à prática autoritária.

Muda o eixo ideológico, mas a Carta é a mesma: Editorial | O Globo

Bolsonaro deverá passar pela experiência do PT de enfrentar limites constitucionais

O presidente Jair Bolsonaro não inova ao montar um governo em núcleos. Há os polos técnicos, aos quais cabe enfrentar sérias dificuldades na economia e na segurança pública, e ainda existe um grupo de militares qualificados que atuam também em áreas-chave. Algo semelhante aconteceu nos governos Lula, principalmente no primeiro mandato, quando a condução da política econômica, num momento difícil de inflação em alta e recessão, foi entregue à gente experiente, sob Antonio Palocci, ministro da Fazenda, petista de primeiro escalão, mas flexível e permeável ao bom senso.

Lula espalhou militantes e pessoas alinhadas ideologicamente a ele pelo resto do governo, e Bolsonaro fez o mesmo. O Itamaraty, com Lula e agora, tem no seu comando uma réplica ideológica do presidente. O chanceler Ernesto Araújo, em larga medida, está para Bolsonaro assim como Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães estiveram para Lula. Na era lulopetista isso ocorreu no entorno do governo, em ministérios e secretarias relacionados às áreas de interesse do partido: reforma agrária, meio ambiente, direitos humanos, educação etc. Além, por óbvio, dos cargos políticos.

O mesmo padrão, digamos, de aparelhamento, ocorre sob Bolsonaro. Intelectuais e ativistas de direita ocupam o MEC, tratam das questões ambientais, preenchem, enfim, cargos relacionados à agenda seguida por Bolsonaro, para atacar a esquerda. É assim na democracia. Da nova pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, a ministra Damares Alves, pastora, milita contra o aborto, fustiga a comunidade LGBTI, entre outras. Na Agricultura, assumiu a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), sugestivamente líder da bancada ruralista, e influente na escolha do responsável pelo meio ambiente.

Toma lá: Editorial | Folha de S. Paulo

PSL de Bolsonaro negocia apoio à permanência de Rodrigo Maia no comando da Câmara

O presidente Jair Bolsonaro caminha para ter no presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um aliado de peso. O partido do chefe do Executivo, o PSL, deve apoiar a reeleição de Maia, tendência que contribui para desmobilizar outras candidaturas e aumentar o arco de apoio ao parlamentar fluminense.

Caso a aliança de fato prospere, trata-se do passo mais importante, até aqui, na articulação do novo governo com o Congresso —e o sinal mais promissor para o avanço de uma agenda econômica politicamente difícil.

Os dois lados, a princípio, têm a ganhar. Maia, porque a onda eleitoral direitista mudou a configuração de forças na Câmara e tornou menos cômoda sua permanência no posto; Bolsonaro, por não dispor de uma coalizão partidária baseada na divisão do poder.

Experiente no manejo legislativo, o deputado viu a oportunidade de um casamento de conveniência, facilitado pelo fato de comungar das ideias liberais do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Não está claro ainda o grau de engajamento de Bolsonaro nessa articulação —ele não a vetou, ao menos. De todo modo, parece que o governo cede ao menos parcialmente às demandas da negociação política tradicional, que rejeitou na formação de seu ministério.

Entrevista Roberto Romano: ‘Não vejo inovação na prática do Bolsonaro’

Para estudioso da democracia no Brasil, é cedo para dizer se governo vai adotar o figurino populista nacionalista

Thiago Herdy | O Globo

SÃO PAULO - O populista nacionalista se diz a voz do povo contra as elites, crítico do Congresso e do Judiciário. Trata opositores não como adversários, mas inimigos. Cientistas políticos colocam nesse time Donald Trump (EUA), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Viktor Orbán (Hungria), entre outros. Só daqui a seis meses, será possível saber se o presidente Jair Bolsonaro vestirá a mesma camisa, na avaliação do professor de Filosofia Política e Ética na Unicamp Roberto Romano.

• Bolsonaro é um populista nacionalista?

Essa tentativa de falar diretamente para a massa, colocando em curto circuito o relacionamento institucional com a Justiça e com o Congresso, é uma herança da Era Vargas, interrompida durante a Ditadura Militar e retomada na redemocratização. Não vejo inovação na prática do Bolsonaro. Uma radicalização retórica, sim. Inclusive do ponto de vista do discurso, é contínua essa utilização da divisão entre elite corrupta e população explorada. O modus operandi não inova, o que inova é a radicalidade do discurso doutrinário ideológico.

• O Bolsonaro da campanha é o mesmo da Presidência?

O discurso ideológico que foi retomado nas falas do Congresso e do parlatório é profundamente doutrinatório. Não indica uma agenda de um governo disposto a se definir como representante da totalidade dos brasileiros, um ponto preocupante. Por outro lado, há tentativa de auxiliares e ministros de estabelecer um diálogo que não seja só ideológico, propondo coisas que têm alcance técnico e uma forma, digamos, mais maleável de trato com forças políticas e sociais brasileiras.

• Poderia dar um exemplo?

Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, ora usa uma linguagem violenta, como é o caso de “despetizar” o governo, depois chama a atenção para o diálogo com a oposição. Já é uma espécie de identificação da sintaxe do governo, que anuncia a percepção da distância entre a pregação doutrinária e a realidade efetiva do Estado e da sociedade brasileira. Temos alguns sinais de que adaptações podem ocorrer. Se essas adaptações não acontecerem, será um governo crispado em suas certezas e autoritário. Caso contrário, se ele aceitar essas tentativas técnicas de inovação — como parte da economia e da política — podemos ter um governo de menor teor autoritário.

• As hesitações do governo têm consequências?

Numa situação de presidencialismo é algo preocupante, mas não é novidade. No governo Fernando Henrique, um dos garantidores de sua eleição, Mário Covas, se chocava frequentemente com Pedro Malan. Luiz Inácio Lula da Silva, contrariamente a toda ortodoxia da esquerda que o levou ao poder, indicou o Henrique Meirelles para o Banco Central. Hoje, é muito saliente que você tem o grupo dos militares, uma tendência mais técnica. Até mesmo o vice Hamilton Mourão, que foi tão enfático em aspectos doutrinários, está mais prudente. Paulo Guedes é uma linha técnica. O chanceler Ernesto Araújo é profundamente ideológico e doutrinário. Então, o que está acontecendo, neste momento, é uma adequação tectônica, ajustes de vários grupos com seu poderio parcial. Não se sabe o resultado em termos de modus operandi administrativo, político e inclusive ideológico.

• Esses grupos não estão unidos do ponto de vista ideológico, pela direita?

É difícil colocar um padrão único para pessoas com histórias distintas. Os militares têm uma ética e uma forma hierarquizada de pensar, herança que vem já dos positivistas, de pensar em termos científicos. Não há uma identidade plena com os grupos liderados pelo atual chanceler, nutridos de um pensamento ligado a Olavo de Carvalho. Já Onyx viveu no Congresso em permanente tensão e diálogo com vários grupos, inclusive com a esquerda. Há várias estratégias se enfrentando. O resultado vem daqui seis meses, quando fracassos e sucessos começarão a aparecer.

Roberto Freire: início do novo governo é lastimável e preocupante

- Portal do PPS

Lastimável e preocupante. Foi assim que o presidente do PPS, Roberto Freire, resumiu os quatro dias do novo governo, em sua conta no Twitter, diante da série de declarações equivocadas do presidente Jair Bolsonaro a respeito do aumento de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e da reforma da Previdência.

“Que lastimável início de governo!”, afirmou Freire, ao considerar, no entanto, que os equívocos cometidos por Bolsarano ainda “são poucos”, mas que vão se acumulando em pouco tempo de mandato.

“Início preocupante. São poucos os equívocos, mas ocorrem em muito pouco tempo de mandato. Falta de comando no governo precisa ser resolvido para o bem do País”, escreveu o presidente do PPS na rede social.

Na quinta-feira (03), Bolsonaro deu declarações sobre a reforma da Previdência que surpreenderam sua equipe. Os técnicos estão trabalhando para fixar uma idade mínima de 65 anos, mas o presidente disse que a proposta de seu governo prevê uma idade de 62 anos para homens e de 57 anos para mulheres, sem especificar a quem se referia.

Gabriela Mistral: Adeus

Na costa distante
e no mar de Paixão,
dissemos adeuses
sem dizer adeus.
E não foi verdade
a alucinação.
Nem tu acreditaste
nem o cri eu ,
“e é certo e não é certo»
como na canção.
Que indo rumo ao Sul
dizendo ia eu :
“Vamos até o mar
que devora o Sol”.
E indo rumo ao Norte
dizia tua voz:
“Vamos ver juntos
onde se faz o Sol”.
Nem por brincadeira digas
ou exageração
que nos separaram
terra e mar, que são
ela, sonho e ele
alucinação.
Só não digas
nem peça tua voz
albergue para um
ao albergador.
Jogarás fora a sombra
que sempre se jogou,
morderás a duna
com passo de dois…
Para que ninguém,
nem homem nem deus,
nos chame partidos
como lua e sol;
para que nem rocha
nem vento errante,
nem rio com vau
nem árvore sombreadora,
aprendam e digam
mentira ou erro
do Sul e do Norte,
do um e do dois!