domingo, 3 de fevereiro de 2019

*Luiz Werneck Vianna: O Brasil acima de tudo

- O Estado de S.Paulo

A presença afirmativa do País não deve e não pode se comprometer por políticas de ocasião

Tempos sombrios os que vivemos, as portas do inferno se abrem diante do nosso olhar descuidado para os perigos a que estamos expostos com uma guerra civil rondando nossa vizinha Venezuela. A dualidade de poder, como registram os clássicos da teoria política, dificilmente suporta situações de equilíbrio e tende a desatar conflitos em que um dos polos envolvidos procura eliminar o seu rival, ou por uma solução de guerra civil, ou induzindo a erosão completa das suas bases de sustentação, favorecendo, no melhor dos casos, a intervenção da política em favor dos setores sociais que se demonstrarem hegemônicos.

O caso venezuelano, em que um grupo opositor ao governo consagrou nas ruas um presidente da República, negando legitimidade ao que está no exercício do poder, conhece a particularidade de que o poder rejeitado de Nicolás Maduro por movimentos sociais e vários partidos políticos em grandes manifestações conta com o apoio de instituições estatais, fundamentalmente do aparato militar, até então coeso na defesa do atual governo. Das duas, uma: ou a oposição – hoje amparada por governos poderosos da região, como, entre outros, o americano, o brasileiro, o argentino, e até de países poderosos europeus, num revival dos tempos coloniais – tem sucesso em abalar de tal forma o governo Maduro que o leve à renúncia; ou, alternativamente, apela ao recurso de uma intervenção armada dos seus aliados internacionais, entre os quais o Brasil, a fim de resolver suas questões internas.

Na hipótese de o governo brasileiro optar pela via tresloucada da intervenção militar, diante de uma cerrada defesa militar da Venezuela do seu governo e seu território, vai para a lata do lixo uma tradição centenária da nossa política externa, inaugurada pelo barão do Rio Branco – não por acaso, nome de avenidas urbanas nas principais capitais do País –, de conduzir as relações internacionais em paz, por meio de soluções negociadas, empenhada historicamente, nas palavras de Rubens Ricupero em seu monumental A Diplomacia na Construção do Brasil, em ver nosso país “reconhecido como força construtiva de moderação e equilíbrio a serviço da criação de um sistema internacional mais democrático e igualitário, mais equilibrado e pacífico” (Versal, 2017, página 31).

*Fernando Henrique Cardoso: E agora?

- O Estado de S.Paulo / O Globo

É preciso reconstruir a confiança entre sociedade e poder. Não parece que o presidente atual tenha essas qualidades

Fazer campanha é uma coisa, governar é outra. O novo governo mal começou, por isso tenho sido cauteloso ao falar dele. Dei algumas entrevistas na França e participei de discussões. Num diálogo na Maison de l'Amérique Latine sobre o último livro de Alain Touraine, quatro ou cinco ativistas pertencentes a um "coletivo" levantaram uma faixa. Nela se lia: "Lula livre!" e algo sobre os "golpistas". Como não fui eu quem mandou prender Lula, foi a Justiça, e jamais participei de golpe algum, vi o "ato" com fleuma. Mas, de ato em ato, se vai formando no subconsciente das pessoas e da mídia a convicção de que houve um golpe no Brasil que destituiu Dilma Rousseff. Estaríamos agora, com a eleição de Bolsonaro, caminhando para o fascismo... As perguntas feitas por alguns jornalistas tinham esse pano de fundo. Que o governo é "de direita" é certo, assumidamente. Que haja fascismo, só com má-fé. Os que ouviram na TV Globo as declarações do general Mourão podem eventualmente discordar, mas nada há de fascismo nelas.

No governo existem tendências autoritárias e gente que vê fantasmas no "globalismo". Também há pessoas que, contra os supostos males da "ideologia de gênero", advogam que meninos usem roupas azuis e meninas, cor-de-rosa. Mais grave, existem pessoas do círculo familiar do presidente que parecem ter relações bem próximas com as milícias cariocas. Já houve quem dissesse, e é certo, que a democracia é como uma planta tenra, precisa ser regada todos os dias. Cuidemos, pois, para evitar o pior. Que a essas tendências se oponham outras, abertamente democráticas.

O governo atual é consequência do medo (da violência que se espraiou), do horror à corrupção política (a Justiça e a mídia mostraram que ela é epidêmica) e da ansiedade pelo "novo". Que temos culpa no cartório, os do "antigo regime", é inegável. Se não culpa pessoal, culpa política. Nesse caso, de pouco adianta bater no peito.

É preciso reconstruir os laços de confiança entre a sociedade e o poder, o que requer liderança e ação institucional. Não parece que o presidente atual tenha as qualidades para tanto. Mas também as oposições estão em jogo: se simplesmente se opuserem a tudo ou aderirem acriticamente ao governo, pobre democracia.

O PSDB precisa reconhecer que perdeu feio e analisar o porquê disso, bem como atualizar-se. Será capaz? Não sei. O mundo mudou muito, a própria "social-democracia" é datada. Ela correspondeu ao que de melhor poderia haver nos marcos do capitalismo industrial, ao longo do século 20: a conciliação entre a "lógica do capital" e os valores da liberdade e da igualdade, do ideal democrático. A expressão dessa conciliação foram os Estados de bem-estar construídos nos países industriais avançados, nos quais se inspiraram líderes e partidos latino-americanos que chegaram ao poder depois do predomínio do autoritarismo na região.

Frei Betto: Cadê a cultura política?

O Globo (2/2/2019)

Alguém deve pagar a conta. E ela sobra, invariavelmente, para os mais pobres

Cadê o novo? Cadê a moralidade? Dá vontade de fazer eco a Stanislaw Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”. De nada adianta o desalento. É entregar o ouro ao bandido. Desopilar o fígado nas redes digitais é acender fósforo para conferir se há gasolina no tanque...
A questão é mais profunda: não conseguimos criar no Brasil uma cultura política. A tradição patrimonialista, o mandonismo, o nepotismo, tudo isso esgarça o tecido de nossas instituições democráticas. A maioria se elege ou ocupa cargos públicos de olho nos proveitos pessoais e corporativos. Poucos têm princípios éticos e objetivos claros de serviço ao bem comum. Bastou aparecer a primeira “boquinha” de uma viagem à China e lá se foi, alvoroçado, um bando de deputados felizes com a mordomia.

A estrutura do Estado é vista como uma grande vaca, na qual cada um busca a teta mais gorda para a sua boca. O discurso da urgente contenção de gastos é como o sermão do padre que, ao celebrar missa para os alcoólicos anônimos, enchia seu cálice de vinho.

“Façam o que digo e não o que faço.” São sempre os outros que devem apertar o cinto em nome da salvação nacional. Nunca os políticos, os magistrados e os militares. “Nada é o bastante para quem considera pouco o suficiente”, já alertava Epicuro, no século IV a.C. Na apertada balsa que pretende conduzir a nação a um futuro melhor, atirem-se ao mar os sem mandato, os sem toga e os sem farda. Alguém deve pagar a conta. E ela sobra, invariavelmente, para os mais pobres.

Por que, no Brasil, soa como ofensa falar em imposto progressivo? Nessa descultura da boca pra fora, sobejam elogios a Noruega, Dinamarca e Suécia, onde vigora uma cultura política de fortes raízes. Mas aqui ninguém está disposto a ceder um grão de mordomia. O trio (mandato, toga e farda) do privilégio (termo que deriva de “lei privada”, que vale para uns e não para todos) não abre mão do auxílio-moradia, do plano de saúde especial, de carros e viagens aéreas pagas pelo contribuinte, férias prolongadas, seguranças etc. Essa gente nunca leu Platão e Aristóteles, Montesquieu e Rousseau, Habermas e Bobbio, e aprecia Gandhi e Mandela apenas como retratos na parede.

Eliane Cantanhêde: O líder da oposição

- O Estado de S.Paulo

Com Senado dividido, Renan vai dar o troco e Alcolumbre terá dificuldade para virar protagonista

Diante da derrota iminente, Renan Calheiros renunciou à disputa por um quinto mandato na presidência do Senado e automaticamente vira candidato a líder da oposição ao governo Jair Bolsonaro, reunindo parte da esquerda, do centro e da direita. Será um teste de força para um dos últimos líderes políticos remanescentes, num momento de grande fragilidade do Congresso. Renan tanto pode estar nos estertores de seu poder quanto diante de uma janela de oportunidade na oposição.

Experiente e audacioso, o senador alagoano foi considerado favorito até a quinta-feira, quando começou a receber um turbilhão de más notícias: a vitória apertada (7 x 5) para a senadora Simone Tebet no MDB, 50 votos do plenário a favor da eleição aberta, a determinação do opositor Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a histeria de Kátia Abreu, que teve efeito oposto.

Renan não acordou otimista nem mesmo depois que Dias Toffoli, do STF, providencialmente determinou o voto secreto. Os senadores deram de ombros a Toffoli, ao STF e ao próprio regimento do Senado e, um a um, abriam seu voto, desafiadoramente. Na segunda votação, quando os apoiadores do próprio Renan começaram a fazer o mesmo, só restou jogar a toalha.

Ao contrário da Câmara, a renovação foi decisiva no Senado, não só contra Renan, mas contra o que ele representa, como campeão de investigações entre os que têm foro privilegiado no Supremo. De um lado, ficaram os que defendem a Lava Jato e Sérgio Moro e, de outro, os que preferiam blindar o mundo político. Pena as cenas lamentáveis: Alcolumbre na dupla condição de juiz e competidor, Kátia Abreu apropriando-se da pasta com questões de ordem, o vexaminoso voto a mais, o festival de manobras.

Vera Magalhães: Levanta, Senado!

- O Estado de S.Paulo

Cenas lamentáveis de 2019 são o ápice de uma deterioração que começou em 2000

A derrota de Renan Calheiros é um marco delimitador de uma crise do Senado que durou quase 20 anos. Curiosamente, o processo começou com uma briga de titãs entre PMDB e PFL, nas figuras de Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães, e ontem teve seu episódio mais bizarro protagonizado por MDB e DEM, as versões repaginadas no nome, mas não nas práticas, dos mesmos partidos.

Em 2000, o Senado cassou o primeiro senador de sua história, o hoje presidiário Luiz Estevão. Começava ali a deixar de ser a Casa das altas discussões e da aposentadoria dos políticos para frequentar o noticiário policial. Naquela votação, o então todo-poderoso ACM exigiu que uma funcionária do Prodasen, Regina Célia, extraísse e lhe fornecesse a lista de como votaram os senadores, em escrutínio secreto.

Estevão era do PMDB de seu arqui-inimigo Jader. ACM passou a usar a lista para chantagear senadores que votaram no escurinho para salvar o mandato do brasiliense. A violação se tornou pública, ACM teve de renunciar ao mandato para não ser cassado, logo em seguida Jader enfrentou o mesmo processo e o Senado nunca mais voltou a ser o mesmo.

Renan, o velho Renan, viveu seu calvário em 2007, quando sobreviveu a cinco pedidos de cassação sucessivos. Começou com a acusação de que usara dinheiro de empreiteira para pagar pensão à filha que teve com uma amante, resvalou para negócios mal explicados com a compra de gado, desaguou em denúncias de uso de laranjas para emissoras de rádio e outros problemas. Se safou de todas.

Dois anos depois foi a vez do escândalo dos atos secretos de José Sarney, unha e carne com Renan. De novo, um peemedebista se safou de sucessivos pedidos de cassação. De novo no voto secreto. O reinado do PMDB no Senado dura desde 2001, com um breve período, na renúncia de Renan, em que o petista Tião Viana (AC) assumiu.

Paulo Celso Pereira: Planalto não deve esperar vida fácil

- O Globo

A maré de renovação que varreu as urnas país afora chegou ontem à disputa pelo comando do Senado. Apesar de ter sobrevivido à onda eleitoral de outubro, Renan Calheiros não resistiu ao apelo por mudanças na Casa que presidiu quatro vezes. Lançado na disputa pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o senador Davi Alcolumbre beneficiou-se de uma coalizão improvável: para derrotar Renan, bolsonaristas se uniram aos senadores da renovação e a alguns dos principais líderes da oposição.

Se conseguiu colocar na cadeira de presidente um aliado, o Planalto não deve, no entanto, esperar vida fácil na Casa. A atuação ostensiva do chefe da Casa Civil durante a disputa, que inclusive comemorou nas redes sociais o resultado, deve deixar, por muito tempo, feridas abertas no grupo derrotado. E, ao contrário do que tradicionalmente ocorre, o governo sabe que não poderá contar com boa parte dos senadores que elegeram o novo presidente.

Dois dos principais articuladores de Alcolumbre foram os senadores Randolfe Rodrigues (Rede) e Tasso Jereissati (PSDB) —o primeiro integra o bloco de oposição moderada, que tenta se diferenciar do PT, enquanto o segundo, embora apoie a agenda de reformas econômicas, pertence à ala tucana mais distante do governo.

A pulverização de candidaturas —chegaram a ser nove —mostra que a primeira tarefa do governo será organizar uma base parlamentar mínima que permita o avanço de negociações políticas na Casa. Ironicamente, apesar de ter sido um dos vencedores da tarde de ontem, Onyx Lorenzoni dificilmente será aceito como interlocutor pelo grupo derrotado. Para piorar, o ministro já havia rompido pontes na véspera, durante a disputa da Câmara.

O governo terá nos próximos meses, portanto, um desafio paradoxal: embora os presidentes das duas Casas, ambos do DEM, tenham disposição para pautar as reformas, será preciso muita negociação para conseguir os votos necessários para aprová-las.

Bernardo Mello Franco: Vem aí um novo Severino?

- O Globo

Apesar dos elogios que recebeu ontem, Davi inspira desconfiança até entre seus eleitores. Alguns temem que ele se revele um novo Severino Cavalcanti

Xingamentos, ameaças de agressão, roubo de pasta. O Senado se esforçou par amanchara própria imagem na noite de sexta. Os eleitos discutiram por mais de cinco horas e não escolheram o novo presidente da Casa. Na madrugada, o Supremo anulou a sessão por causa de manobras proibidas pelo regimento. Parecia o fim, mas era só o começo do vexame parlamentar.

No sábado, os senadores superaram o circo da véspera. Depois de mais bate-boca, a eleição foi realizada em cédulas de papel. Quando abriram a urna, havia 82 votos—uma mais que o número de votantes. O Senado produziu uma fraude eleitoral com transmissão ao vivo na TV.

A origem de todo o tumulto foi a teimosia de Renan Calheiros. O emedebista ignorou os apelos por mudança e insistiu em comandara Casa pela quinta vez. Apesar da experiência, não notou a mudança do vento. Dos 54 eleitos em 2018, 46 são novatos. Escolhidos pelo discurso da renovação, identificaram nele o símbolo da “velha política” a ser expurgada.

O alagoano também enfrentou uma operação de guerra do Planalto. O ministro Onyx Lorenzoni articulou o lançamento de Davi Alcolumbre, alçado do baixo clero para ser o candidato da situação. Pouco conhecido, o amapaense contou com o Diário Oficial como cabo eleitoral. Pelo que se viu, suas promessas foram tentadoras.

Ao se firmar como o anti-Renan, Davi montou uma coalizão que uniu de bolsonaristas a marineiros.

Ascânio Seleme: Rodrigo Maia, o segundo

- O Globo

Rodrigo Maia tornou-se na sexta-feira a segunda pessoa mais importante da República, atrás apenas do presidente. Nenhum ministro, nem o vice-presidente podem rivalizar o poder que ele concentrou em suas mãos ao ser eleito para um terceiro mandato consecutivo na presidência da Câmara. No Senado, Renan perdeu para um novato que terá tantos problemas na condução dos trabalhos da casa que dificilmente conseguirá fazer política com a liberdade que terá Rodrigo Maia.

No final do ano passado, durante um debate realizado pelo GLOBO no Rio, Rodrigo disse ser a melhor opção para o presidente Jair Bolsonaro na Câmara. “Sou um liberal na economia e um conservador nos costumes”, afirmou o deputado. Bolsonaro pode entender a eleição do deputado do DEM como uma vitória, afinal Rodrigo era mesmo o melhor nome para conduzir a pauta do novo governo. Mas ainda é cedo para festejar.

Articulado, bom negociador, maduro e experiente, Rodrigo sabe o que quer, planeja bem quase todos os seus passos e mantém em sigilo a sua própria agenda. Sua eleição resultou de uma negociação impressionante, vista nesta amplitude talvez apenas uma vez antes, quando em 2001 o então deputado Aécio Neves conseguiu se eleger presidente da Câmara ao promover uma avalanche de traições partidárias, levando para o seu partido, o PSDB, diversos deputados de outras agremiações e obtendo a maioria que consolidou uma eleição improvável. Rodrigo teve votos de praticamente todos os partidos representados na Câmara, PT inclusive.

O fato de ser liberal e conservador ajuda o governo, mas não o torna um aliado incondicional. Na verdade, Rodrigo já mostrou mais de uma vez ao longo de seus dois mandatos anteriores na presidência da Câmara que tem ideias próprias e, mesmo sendo filho de um político importante, sabe caminhar sem o apoio de muletas. E, mais importante, conhece o tamanho das suas pernas quando desafiado a dar passos largos. Num momento crucial da história do Brasil, evitou ajudar a empurrar o presidente Michel Temer para o impeachment, no episódio da JBS, mesmo sendo ele o principal beneficiário do seu afastamento.

Luiz Carlos Azedo: O cavalo do cão

- Correio Braziliense

“A eleição de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro foi o grande vitorioso”

As duas sessões para eleição do novo presidente do Senado revelaram os lados da moeda do novo ciclo legislativo que se abre: na sexta-feira, a tumultuada condução dada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-RJ) subverteu as regras do jogo para escolha dos presidentes dos Poderes, com a adoção do voto aberto; ontem, a Casa voltou à calma, sob a presidência do velho senador José Maranhão (MDB-PB), que restabeleceu o voto secreto, seguindo determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Essa contradição entre o “novo” e o “velho” pautará as relações na Casa durante a legislatura. Mesmo assim, Alcolumbre foi eleito no primeiro turno, com 42 votos, depois que Renan Calheiros (MDB-AL), ao perder o favoritismo, renunciou. Não deu zebra na eleição; para usar uma expressão do grande derrotado, deu cavalo do cão.

O que houve foi uma rebelião. O Senado havia aprovado o voto aberto para eleição, por 50 votos a favor contra dois, decisão que indicava os rumos das coisas, mas contrariava o regimento da Casa e a liminar de 9 de janeiro do próprio Toffoli, que determinava a realização de votação secreta para a eleição. Diante dessa decisão, MDB e Solidariedade fizeram três pedidos ao STF: assegurar a validade do regimento interno da Casa que prevê a eleição de forma secreta; anular a votação da “questão de ordem”, submetida ao plenário pelo senador Davi Alcolumbre, que tratava da votação aberta aos cargos da Mesa; e reconhecer que candidatos à Presidência do Senado Federal não possam, em nenhum momento, presidir reuniões preparatórias. Alcolumbre, realmente, havia exorbitado na condução.

Toffoli, em liminar assinada na madrugada de ontem, anulou as decisões de Alcolumbre e restabeleceu o voto secreto: “Declaro a nulidade do processo de votação da questão de ordem submetida ao plenário pelo senador da República Davi Alcolumbre, a respeito da forma de votação para os cargos da Mesa Diretora. Comunique-se, com urgência, por meio expedito, o senador da República José Maranhão, que, conforme anunciado publicamente, presidirá os trabalhos na sessão marcada”, determinou o ministro.

Impasse
O impasse se deu por causa da disputa entre o DEM e o MDB pelo controle do Senado, com o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzonni, operando fortemente para eleger Davi Alcolumbre. A candidatura de Renan Calheiros (MDB-AL), que pleiteava o quinto mandato, nunca foi pacífica nem no seu partido. Simone Tebet (MDB-MT) havia recebido cinco votos dos 13 da bancada. Além disso, Renan enfrentou forte reação de senadores veteranos com os quais já tinha antigas desavenças, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), com quem quase trocou tapas na sessão. Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (Podemos) retiraram suas candidaturas, assim como Simone Tebet, que era candidata avulsa, todos declarando votos para Alcolumbre. Collor de Mello (PTB-AL), Reguffe (DF-sem partindo), Coronel Angelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC) mantiveram as candidaturas. A correlação de forças havia mudado no Senado, com os novos senadores em sintonia com as redes sociais.

Hélio Schwartsman: Trevas cristãs

- Folha de S. Paulo

'Deus acima de todos' deveria provocar calafrios nas pessoas historicamente alfabetizadas

O “Deus acima de todos” que integrou o lema da campanha de JairBolsonaro e ainda o acompanha em muitas de suas declarações deveria provocar calafrios em todas as pessoas historicamente alfabetizadas, sejam elas religiosas ou não. Como a maioria dos brasileiros votou em Jair Bolsonaro conhecendo seu lema, parece lícito concluir que ou a maioria das pessoas é masoquista ou não é historicamente alfabetizada.

Nesta última hipótese, nossos professores de história, todos eles esquerdistas, fracassaram miseravelmente em mostrar para seus alunos os crimes cometidos em nome de Deus. Um bom jeito de sanar essa falha é a leitura de “The Darkening Age” (a idade das trevas), de Catherine Nixey (há uma edição lusitana).

A tese central do livro é simples. O cristianismo triunfou na Europa e cercanias destruindo o mundo clássico que o precedeu. O “destruir” deve ser interpretado literalmente, para incluir a pilhagem de templos, vandalização de estátuas, queima de livros e, é claro, tortura e assassinato de adversários. Nixey conta os detalhes dessa história.

Bruno Boghossian: Foi por medo de avião

- Folha de S. Paulo

Entre Renan e Bolsonaro, parlamentares fazem concurso de trapaças e se dobram a curtidas

O circo erguido na eleição para o comando do Senado prova que a briga pelo poder é sempre feia, mesmo que se tente disfarçá-la com ares moralizadores. A disputa que durou mais de 24 horas começou com uma trapaça, passou por uma suspeita de fraude e terminou com um cacique abatido.

Com o patrocínio do governo, Davi Alcolumbre (DEM) armou uma tramoia para capturar a presidência da Casa e entregá-la aos pés do Palácio do Planalto. Amarrou-se à cadeira e, para tentar derrotar Renan Calheiros (MDB), resolveu mudar as regras do jogo com a bola rolando.

O código do Senado diz expressamente que a eleição deve ser secreta, mas Alcolumbre decidiu que isso não importava e tentou fazer o voto aberto. O grupo do MDB bateu no Supremo Tribunal Federal de madrugada para manter o sigilo.

Renan quase foi vítima de uma arte que domina: a manipulação para preservar o poder. O desenrolar da história mostra que seu tempo passou.

A disputa chegou ao ponto do vexame com a cena infantil em que Kátia Abreu (PDT) roubou a pastinha do presidente da sessão. No dia seguinte, uma excelência tentou fraudar a eleição ao depositar dois votos na urna. Para o deboche ficar completo, o senador escalado para triturar as cédulas foi Acir Gurgacz (PDT) —que cumpre pena de prisão, mas dá expediente no Congresso.

Samuel Pessôa*: É hora de acabar a greve no Congresso

- Folha de S. Paulo

Somente o Congresso tem a legitimidade de gerir nosso conflito distributivo

O Congresso Nacional assumiu. Rodrigo Maia ficou na presidência da Câmara. Após duas longas e tumultuadas sessões, sexta e sábado, Davi Alcolumbre passou a ser presidente do Senado e do Congresso. Começou o ano na política.

Esse Congresso tem uma tarefa dificílima pela frente. Terá que promover o ajuste fiscal estrutural.

O setor público brasileiro tem obrigações na forma de pagamento de salários, aposentadorias e pensões para servidores ativos e inativos; de benefícios previdenciários e pensões do INSS; de seguro-desemprego; de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez; de abono salarial e seguro-defeso; entre tantas outras.

Adicionalmente, é necessário haver verbas para manter os serviços básicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública, além de recursos para o investimento público —rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, metrôs nas grandes cidades, saneamento básico etc.

Também é preciso dinheiro para apoio às atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e às universidades.

Vale lembrar que somente nos últimos meses uma ponte e um viaduto na cidade de São Paulo ficaram inutilizados, causando enormes transtornos para todos os que utilizam as marginais. Ou seja, o investimento não tem sido suficiente nem para cobrir a depreciação do capital público existente.

Quando me refiro a ajuste fiscal estrutural, significa que o Congresso nas legislaturas passadas determinou obrigações ao Estado —salários, benefícios previdenciários e programas sociais, além de desonerações e programas de incentivo ao setor produtivo— que não conversam com as fontes de receitas que esse mesmo Congresso estabeleceu para o setor público.

Vinicius Torres Freire: Lula e Bolsonaro no SUS

- Folha de S. Paulo

Gasto per capita em saúde pública cresceu 91% de 2003 a 2017, mas a crise chegou

Quando gente mais rica ou remediada fala do SUS (Sistema Único de Saúde)? Quando um presidente é internado em um grande hospital privado de São Paulo, por exemplo. Então vem a pergunta mesquinha: “Por que não foi para o SUS?”. Vale para Jair Bolsonaro ou Lula da Silva, a depender do ódio político do freguês.

Mas o SUS deve ser a prioridade do presidente na opinião de 40% dos eleitores, segundo pesquisas Datafolha de 2018 (e para 49% dos que ganham até dois salários mínimos). Cerca de 25% dos brasileiros têm acesso à saúde privada, aqueles com renda e empregos melhores. O SUS não é lá assunto para a elite da opinião pública. Precisamos falar sobre o SUS.

Qual o estado do financiamento da saúde pública? Houve desmonte sob Michel Temer? Progrediu, neste século?

A despesa dos governos federal, estaduais e municipais com saúde pública cresceu sem parar entre 2003 e 2014. Caiu então um tanto e se recuperou em 2017. O gasto por brasileiro, per capita, também cresceu nesses anos: 91%.

Ricardo Noblat: O homem certo, na hora certa

- Blog do Noblat / Veja

Retrato do novo presidente do Senado

Davi ou David com “d” no fim? De sobrenome Alumbre, Alcolumbre ou algo parecido? Quem dava bola para David Samuel Alcolumbre Tobelem, que mais tarde se passaria a chamar apenas Davi Alcolumbre, um senador do baixo clero eleito pelo DEM do Amapá em 2014, e que no ano passado disputou e perdeu o governo do seu Estado?

O Amapá está em 25º lugar na lista das 27 unidades da federação quando se leva em conta a participação relativa no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. É o 26º em número de habitantes. Entre seus colegas do Senado, Alcolumbre era avaliado apenas como um sujeito simpático, muito falante, cujo suplente, o irmão, é igualmente simpático e falante.

Comerciante de profissão, com curso superior incompleto de ciências econômicas, antes de debutar no Senado se elegera vereador em Macapá e duas vezes deputado federal. Passou pela Câmara sem chamar atenção. Até que como senador, empregou no seu gabinete a assessora parlamentar Denise Veberling, senhora Onyx Lorenzoni desde o final do ano passado.

Bingo! A sorte sorriu para Alcolumbre. Além de pertencer ao mesmo partido de Onyx, chefiara a mulher daquele que assumiria a Casa Civil do presidente Jair Bolsonaro. Aos 41 anos de idade, era o homem certo, na hora certa para enfrentar o poderoso Renan Calheiros (PMDB-AL) que tentaria se eleger presidente do Senado pela quinta vez. Enfrentou e venceu.

O terceiro na linha de sucessão de Bolsonaro, depois do vice Hamilton Mourão e do presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), Alcolumbre sabe que tem duas missões no cargo que jamais imaginou ocupar: obedecer às ordens de Onyx e minar eventuais resistências dos seus pares às propostas de interesse do governo. Não será uma tarefa fácil, mas impossível tampouco.

Há na administração federal milhares de vagas do segundo escalão para baixo. A expectativa de grande parte dos 42 senadores que votaram em Alcolumbre é que ele os ajude a preenchê-las. Alcolumbre deu sinais de que irá ajudá-los. Isso em pouco ou em quase nada comprometerá os ideais da velha política travestida de nova. Pelo contrário. Uma mão lava a outra. Vida que segue.

Elio Gaspari: As mineradoras precisam de uma Lava-Jato

- O Globo / Folha de Paulo

Se as empresas tivessem a qualidade de seus advogados, nenhuma barragem teria se rompido

Os doutores das mineradoras precisam conferir o prazo de validade da vitória que conquistaram depois do desastre de Mariana. Morreram 19 pessoas, foram aplicadas 56 multas totalizando R$ 716 milhões, ninguém foi para a cadeia, e até hoje a Samarco (sócia da Vale) só desembolsou R$ 41 milhões. Se as empresas tivessem a qualidade de seus advogados, nenhuma barragem teria se rompido.

As mineradoras foram competentes para construir uma barragem política, judicial e administrativa. Projetos de aperto na fiscalização das barragens estão travados no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas. Uma iniciativa que elevaria para R$ 30 milhões o valor das multas cobradas às empresas atolou no Congresso, e o teto ficou em R$ 3.200. O Código de Mineração foi escrito em computadores de um escritório de advocacia de São Paulo, entre cujos clientes estava a Vale.

O setor do ministério de Minas e Energia que cuida de geologia e mineração foi dirigido e aparelhado por quatro veteranos da Vale. Uma empresa da família do deputado Leonardo Quintão (MDB-MG) explorou a bacia de rejeitos de Brumadinho. Por coincidência, o doutor relatou o Código de Mineração na Câmara. Como não se reelegeu, aninhou-se na Casa Civil de Bolsonaro. A Agência Nacional de Mineração tem 35 fiscais para 790 barragens de rejeitos.

Disso resultou que as sirenes da barragem de Brumadinho não foram acionadas. A Vale explica esse detalhe atribuindo o silêncio “à velocidade com que ocorreu o evento”. Os circuitos cerebrais do inventor dessa patranha devem estar desligados há anos.

No caso de Mariana, a Vale assumiu uma atitude de rara arrogância. Primeiro, tentou dissociar-se do desastre, dizendo que apesar de sócia do negócio, a barragem era de outra empresa, a Samarco. Clovis Torres, então diretor jurídico da Vale, foi mais longe: “A Samarco não é um botequim. Não é uma empresa qualquer”. Ofendeu os donos de botequim.

A barragem das mineradoras teve solidez. Assemelhou-se à das grandes empreiteiras em 2009, quando a Camargo Correa foi varejada pela Operação “Castelo de Areia”. Estava tudo lá, grampos, propinas e superfaturamentos. Graças ao mecanismo da blindagem, a investigação foi desmanchada no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Em 2014, um juiz pouco conhecido chamado Sergio Moro entrou na Operação Lava-Jato e deu no que deu. No ano seguinte, a Camargo Correa tornou-se a primeira grande empresa a colaborar com as autoridades, abrindo uma fila onde entraram todas as outras.

A estratégia vitoriosa em Mariana foi a “Castelo de Areia” das mineradoras. Brumadinho deveria ser um apelo para que comece uma nova Lava-Jato. As astúcias minerais e os malfeitos expostos pela Lava-Jato têm diferenças na dinâmica, mas convergem no desfecho. As empreiteiras distribuíam dinheiro para lesar a Viúva. As mineradoras blindaram-se para sedar a fiscalização e para controlar o poder público. Convergiram no dano, umas lesando o Tesouro, outras matando gente.

O prazo de validade da “Castelo de Areia” expirou com a Lava-Jato. A estratégia usada em Mariana precisa ter o prazo de validade anulado.

Como as mineradoras conseguiram blindar Mariana, adormecer o Congresso e aparelhar a máquina fiscalizadora? Uma nova Lava-Jato poderá trazer as respostas. Bastaria um juiz Moro e uma equipe de procuradores como a que surgiu em Curitiba. O resto vem por gravidade. O doleiro Alberto Youssef achou melhor falar, depois veio o engenheiro Paulo Roberto Costa, e assim foi. Se alguém fizer as perguntas certas, alguém falará.

A lição de Cordeiro
O marechal Cordeiro de Farias foi uma espécie de curinga nas revoltas militares do século passado. Esteve na Coluna Prestes, na Revolução de 30 e nos levantes de 1945 e 1964.

Em 1974, quando o comunista Luiz Carlos Prestes declarou-se condômino da vitória eleitoral do MDB, o deputado Thales Ramalho espinafrou-o. Cordeiro tinha um afeto paternal por Thales e, ao encontrá-lo, disse-lhe: “Não faça mais isso, seja qual for a tua divergência com o Prestes, ele é um personagem da História”.

Thales foi um marquês do Império na política da República e narrava o episódio com humildade. O pessoal que impediu a ida de Lula ao enterro do irmão Vavá tisnou as próprias biografias.

(No governo do general Figueiredo, o delegado Romeu Tuma, da Polícia Federal, tirou Lula da cadeia para o enterro da mãe.)

Dorrit Harazim: A (re)descoberta de um Brasil

- O Globo

Desastre — que é mais que desastre e tragédia, é crime — fez emergir um intenso sentimento nacional acima do fosso político-ideológico

Nada mais no país parece estar no mesmo escaninho de antes das 12h28m de 25 de janeiro, quando as sirenes da barragem da mineradora Vale em Brumadinho permaneceram mudas. Termos como “alteamento a montante” ou “a jusante” saltaram de planilhas de engenharia para o vocabulário caseiro de uma sociedade em choque. E brotou algo novo dessa primeira semana de luto em que substantivos como legislação, fiscalização, prevenção, responsabilização escancararam sua porosidade letal. Algo quase inebriante, que só poderá ser avaliado por gerações futuras: a possibilidade, ou pelo menos a oportunidade, de ocorrer um início de mudança na história da construção/ formação do Brasil.

“Colheita da morte” é o título da célebre série fotográfica de Timothy Sullivan e Alexander Gardner que retrata a batalha mais sangrenta da Guerra Civil americana —a de Gettysburg (1863), na Pensilvânia. Em apenas três dias de combate, as tropas confederadas do Sul e o exército do Norte sofreram algo entre 47 mil a 51 mil baixas. Foi talvez o momento mais decisivo do conflito, aquele que redefiniu para sempre a história dos Estados Unidos. Não se espera tanto do “vale da morte” de Brumadinho. Mas o desastre —que é mais que desastre e tragédia, é crime — fez emergir algo há muito esquecido no cotidiano cínico e raivoso de hoje: um intenso sentimento nacional acima do fosso político-ideológico. Quem apontou para essa fagulha de convivência foi o repórter Juan Arias, no diário espanhol “El País”, ao propor o Corpo de Bombeiros atuando em Minas como candidato ao Prêmio Nobel da Paz de 2019. “Esses bombeiros fizeram de suas mãos[...] um instrumento de paz e ilusão de poder encontrar vida”, escreveu ele, argumentando que o país reaprendeu a torcer por uma mesma coisa.

Aliado de Onyx vence no Senado, mas futuro de reformas é incerto

Davi Alcolumbre é eleito presidente do Senado com 42 votos

Cacifado pelo ministro Onyx Lorenzoni, senador vence em primeiro turno; apesar da vitória, governo sai arranhado e pode enfrentar dificuldades em votações

Vera Rosa, Mariana Haubert, Renan Truffi e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senadorepresenta uma vitória do governo de Jair Bolsonaro e, mais ainda, do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Alcolumbre ganhou neste sábado, 2, a queda de braço com o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Mesmo assim, o Palácio do Planalto sai com escoriações do confronto e pode enfrentar dificuldades para aprovar projetos na Casa, como a reforma da Previdência, considerada essencial para o equilíbrio das contas públicas.

Articulador político do Planalto, Onyx interferiu na disputa ao apoiar Alcolumbre e articular uma frente para derrotar Renan, que renunciou à candidatura quando viu que iria perder o jogo após 12 senadores terem votado. Investigado pela Lava Jato, Renan teve apenas cinco votos e o senador do DEM, 42 de um total de 77.

Em uma sessão de quase nove horas, marcada por xingamentos, bate-boca e até denúncia de fraude, Alcolumbre foi eleito para um mandato de dois anos, até janeiro de 2021. É a primeira vez que o DEM comanda as presidências da Câmara e do Senado.

Reconduzido ao cargo nesta sexta-feira, 1.º, o deputado Rodrigo Maia também é do DEM, mas venceu a eleição na Câmara sem a ajuda do Planalto. Onyx não queria a candidatura de Maia, mas teve de aceitá-la porque o deputado conseguiu angariar apoio da esquerda à direita, incluindo o do PSL, partido de Bolsonaro. Quarta bancada do Senado, com apenas seis integrantes, o DEM também comanda três ministérios (Casa Civil, Agricultura e Saúde).

Até mesmo aliados do presidente Bolsonaro admitem, nos bastidores, que o empenho de Onyx em derrotar o experiente Renan terá impacto sobre votações de interesse do governo. Enquanto Renan tem interlocutores em todos os partidos, Alcolumbre – um representante do baixo clero – poderá ter problemas para negociar com a oposição. Além disso, ninguém duvida de que o senador alagoano dará o troco no Planalto.

Agenda. Na lista de prioridades do governo está a reforma da Previdência, que a equipe econômica quer encaminhar ao Congresso até o fim do mês. Há também projetos de mudanças tributárias, privatizações e uma agenda conservadora de costumes.

Em eleição caótica, Renan desiste e governista vence

Em vitória para Bolsonaro, Davi Alcolumbre é eleito presidente do Senado

Resultado representa uma vitória do governo, mas deixa feridas que podem ser problemáticas para a gestão Bolsonaro

Daniel Carvalho , Ranier Bragon , Thais Bilenky e Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois de muita confusão, de recurso ao Supremo Tribunal Federal e da anulação de uma votação sob suspeita de fraude, o plenário do Senado elegeu na noite deste sábado (2), em votação secreta, Davi Alcolumbre (DEM-AP), 41 como presidente da Casa até janeiro de 2021. Ele recebeu 42 dos 77 votos.

A vitória se deu após renúncia do até então favorito, Renan Calheiros (MDB-AL), que se retirou da disputa sob o argumento de que pressões antidemocráticas lhe suprimiram votos —ele chegou a citar os senadores José Serra (PSDB-SP), Mara Gabrilli (PSDB-SP) e Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

O resultado representa uma vitória do governo, mas deixa feridas que podem ser problemáticas para a gestão de Jair Bolsonaro.

A candidatura de Alcolumbre foi bancada pelo ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Onyx Lorenzoni (DEM), que obtém fôlego para seguir na articulação política do governo.

Renan e aliados, porém, têm ainda relativo poder no Senado, o que pode representar problemas já que para a aprovar a principal medida do início de sua gestão, a reforma da Previdência, é preciso o apoio de pelo menos 60% dos deputados federais e dos senadores.

O governo tentará trabalhar também em outros temas prioritários que dependem do Congresso, como o pacote de combate à corrupção e a criminalidade que está sendo montado pelo ministro Sergio Moro (Justiça).

Em seu discurso de vitória, Davi citou Renan e prometeu não fazer revanchismo, defendeu a proposta de reformas e disse que vai priorizar os "anseios das ruas" em detrimento da "troca de conchavos das elites partidárias."

Renan desiste, e Davi é eleito no Senado com o apoio do governo

Após articulação do Planalto e sessão tumultuada, emedebista abre mão da candidatura. Pressão por renovação pesou

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) desistiu ontem da candidatura à presidência da Casa, abrindo caminho para a vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), nome apoiado pelo governo federal. A saída de Renan marca o fim de um período de 16 anos em que seu grupo no MDB presidiu o Senado e foi resultado também de pressão dos demais senadores, inclusive de oposição, por uma renovação na Casa. Após liminar do STF determinar que a votação deveria ser secreta, muitos senadores decidiram, em protesto, mostrar suas cédulas. Ao perceber que não seria eleito, Renan desistiu e indicou que pretende dificultar votações de interesse do governo. Aos 41 anos, Davi está no meio do seu primeiro mandato no Senado.

Senador do Amapá une oposição e governo e acaba com dinastia do MDB

André de Souza, Amanda Almeida, Eduardo Bresciani, Gabriela Valente, Jussara Soares e Manoel Ventura | O Globo

BRASÍLIA - Uma inusitada aliança entre Palácio do Planalto, senadores recém-eleitos na onda de renovação que atingiu as urna sem outubro e algumas das principais lideranças de oposição a Bolsonaro levou ontem à eleição de Davi Alcolumbre (DEM-AP), 41 anos, para presidir o Senado nos próximos dois anos. O resultado pôs fim à dinastia do MDB de Renan Calheiros( AL)à frente da Casa.

O grupo comandava o Congresso há 16 anos, vencendo nove eleições consecutivas. Alcolumbre venceu no primeiro turno com 42 votos, um a mais que o necessário, após Renan desistir da disputa. 

— Situação e oposição contarão com o mais amplo respeito. (...) Espero e confio que possamos entregar, ao fim deste biênio que se inicia, com o país retomando os trilhos de desenvolvimento e da prosperidade, as reformas complexas que, com urgência, nosso país reclama — anunciou Alcolumbre.

Depois de o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, ter ordenado, durante a madrugada, que a votação fosse secreta, a primeira tentativa de escolher o novo comando da Casa acabou anulada.

O Supremo e a política: Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao abrir o ano do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, afirmou que "a sujeição incondicional dos juízes à Constituição e às leis" é o que "legitima o Poder Judiciário a ocupar a posição estratégica de moderadora dos conflitos entre as pessoas, os Poderes e os entes da Federação". Esse é, de fato, o papel do Judiciário, mas há quem interprete essa condição como a de um Poder acima dos demais. Na cerimônia, como a ilustrar essa visão, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, disse que o Judiciário se tornou "Poder moderador", em razão do "desgaste do poder político", e que esse papel o Supremo "não pôde recusar". Ora, um poder moderador é, por definição, irresponsável e, sendo assim, incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Embora Toffoli tenha corretamente qualificado a missão do STF, é notório que alguns de seus colegas pensam que integram um "Poder moderador", acima dos demais Poderes. Nesse papel, julgam que a Corte está livre de controle por outros Poderes, que é irresponsável, acima e além da lei e alheia a qualquer cobrança. Há quem ache que, sendo irresponsável, o STF pode ir além de seu papel natural de intérprete das leis, podendo elaborar leis, mesmo que seus membros não tenham recebido um único voto dos cidadãos e, portanto, não tenham mandato para isso.

A volta da toga: Editorial |Folha de S. Paulo

Com o fim do recesso, STF terá de enfrentar pauta dominada por temas controversos

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli esforçou-se para afastar a corte de confusão e reduzir a tensão no ambiente político.

Empurrou para a frente assuntos que poderiam acirrar os ânimos em meio à campanha presidencial e, em dezembro, numa iniciativa inédita, anunciou com antecedência os casos que serão analisados pelo plenário neste semestre. Com o fim do recesso judiciário, chegou a hora de enfrentá-los.

O tema com maior repercussão no meio político está pautado para 10 de abril. Os ministros deverão se reunir para rever o entendimento firmado em 2016 a favor da prisão de condenados em segunda instância, antes de se esgotarem todos os recursos a que os réus têm direito nos tribunais superiores.

Essa posição foi reafirmada pelo tribunal, mas sempre em caráter provisório ou na análise de casos individuais, como o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O julgamento marcado para abril permitirá que o STF ofereça resposta definitiva para o problema.

Para ter ideia do que ele representa, basta recordar o tumulto ocorrido em dezembro, quando o ministro Marco Aurélio Mello, relator de três ações sobre o tema, mandou soltar todos os condenados em segunda instância que estivessem presos, o que obrigou Toffoli a entrar em campo para revogar sua decisão no mesmo dia.

O calendário definido pelo presidente do Supremo inclui também questões que poderão levar os magistrados a se contrapor a algumas das bandeiras mais controversas do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

Por que Davos se preocupa com a desigualdade: Editorial | O Globo

Fórum demonstra ter consciência de que ela conspira contra a estabilidade econômica e política

Não deve causar estranheza que no recente Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, onde a cada ano se reúnem políticos poderosos e empresários bilionários, um dos temas tenha sido a crescente desigualdade de renda e patrimônio no mundo. A razão está na consciência de que esta desigualdade é um motor potente que impulsiona perigosa onda nacional-populista no planeta, que semeia pobreza e violência. Numa reação ao empobrecimento relativo, a parte mais frágil de sociedades afluentes se torna vítima fácil de discursos populistas, rancorosos, contrários a outras etnias, à abertura ao exterior, ao novo. Crescem o reacionarismo, a xenofobia e forças políticas favoráveis ao fechamento ao mundo. Trata-se de um sério retrocesso na globalização, cuja aceleração se deve muito à revolução digital, que ajudou o mundo a passar por um ciclo brilhante de crescimento sincronizado no final do século XX/início do XXI.

Foi assim que o Brasil pagou a dívida externa com divisas das exportações de matérias-primas à China. Foi desta forma que este país puxou um crescimento tal no mundo, e na Ásia em especial, que tirou da pobreza centenas de milhões de chineses, indianos, vietnamitas etc. Um fato histórico que passou a correr riscos a partir da reação de forças nacionalistas, de pedigree racista, que se opõem à diversidade — de opiniões, de etnias, de comportamentos. O novo ameaça.

Carlos Drummond de Andrade: Não passou

Passou?
Minúsculas eternidades
deglutidas por mínimos relógios
ressoam na mente cavernosa.

Não, ninguém morreu, ninguém foi infeliz.
A mão - a tua mão, nossas mãos -
rugosas, têm o antigo calor
de quando éramos vivos. Éramos?

Hoje somos mais vivos do que nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realmente.
É tudo ilusão de ter passado.