segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

Nessa falta de rumos tanto o governo como as oposições estão enredados. Até o momento a agenda governamental é a da campanha: bandido bom é bandido morto, cadeia para os corruptos, adesão a outro pensamento único, o de Trump, e assim por diante. Mas a solução para os problemas da criminalidade, da violência, da corrupção, do lugar do Brasil no mundo não admite respostas singelas.

É preciso retomar o ritmo positivo da economia, o que depende de equilibrar as contas públicas e assegurar a solvência do Estado. Por isso, entre as múltiplas questões em pauta a reforma da Previdência prima. Seu andamento depende não apenas de coordenação política no Congresso, uma tarefa complexa, mas também de o governo definir um rumo claro a seguir e convencer a sociedade de que essa reforma é um passo necessário. Não se põe em marcha tal processo sem uma visão convincente sobre para onde se quer conduzir o País.

Esse desafio é não só do governo, mas do País. Portanto, as oposições têm papel em seu encaminhamento e solução. Jogar fora a "pauta social" e substituí-la por outra, "econômica", não nos conduzirá pelo bom caminho. Aderir ao governo para obter vantagens políticas repugna ao eleitorado. Mantenhamos nossas crenças, tomemos posições claras, sem adesismo ao governo nem irresponsabilidade com o País. Sobretudo, imaginemos, critica e criativamente, como atualizar o ideário da social-democracia, cujas fronteiras não se limitam ao PSDB.

*Sociólogo, foi presidente da República. 'E agora?', O Estado de S. Paulo / O Globo, 3/2/2019.

Marcus André Melo*: Paradoxos da transparência

- Folha de S. Paulo

O voto secreto pode ser usado para conluios, mas o aberto nem sempre é bom

O voto secreto nos trabalhos legislativos pode viabilizar conluios. Salvo quando esses adquirem grande visibilidade. A malograda aliança em torno de Renan Calheiros —protagonizado por setores do MDB e o bloco de esquerda— mostra como ele, em tese, permitiria reduzir os custos políticos junto à opinião pública.

"Não se deixem enganar se uma assembleia opta pelo regime secreto de votação citando a necessidade de se evitar a vigilância do chefe de governo: isto é apenas um pretexto. A motivação real para este comportamento pode muito bem ser o desejo de se submeter a sua influência sem se expor muito à sanção pública."

O alerta é de Alexis de Tocqueville (1805-1859), lembrado por Jon Elster em "Secrets and Publicity in Votes and Debates" (Segredo e publicidade em votações e debates, Cambridge University Press, 2015).

Mas o juízo que se pode ter em relação ao regime de publicidade do voto —se secreto, semissecreto (quando o voto é aberto no âmbito de um colegiado, mas secreto fora dele) ou público— depende de vários fatores. Seu caráter democrático ou não depende do contexto. A autonomia do representante é sempre desejável em relação aos governantes, mas não ao eleitorado.

Não há evidências que o voto público nos trabalhos legislativos produza resultados mais democráticos. Há baixa correlação entre regime político e tipo de voto adotado. Na maioria de regimes autoritários o voto é público. Nas democracias, em geral, adota-se o secreto para eleições dentro do Legislativo, mas aberto para emendas constitucionais etc. A votação nominal nas mãos dos líderes pode solucionar problemas de ação coletiva e disciplina, como mostra Daniela Giannetti para o caso italiano na coletânea editada por Elster.

Celso Rocha de Barros*: Não é assim que se passa reforma

- Folha de S. Paulo

Eleição de sábado estabeleceu que opinião pública pode atropelar regras do parlamento

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, conseguiu uma vitória importante na eleição para presidente do Senado no último sábado.

Mas antes de cravar que isso o qualifica para conduzir as negociações das reformas, é melhor descobrir o que, exatamente, aconteceu dois dias atrás.

Se a mudança de voto de Flávio Bolsonaro —que só mostrou sua cédula na segunda votação— tiver sinalizado que o governo de seu pai (ou governos estaduais aliados) topou usar a máquina para distribuir favores, bom, então voltamos ao jogo de sempre.

A opinião pública terá sido enganada na questão do voto aberto: ele só terá sido importante porque informou o governo sobre que senadores entregaram o que venderam.

Não é bonito, mas, se foi isso, as chances de aprovação das reformas aumentaram.

Mas se o governo Bolsonaro só fez o que fez na frente de todo mundo, a estratégia utilizada por Onyx Lorenzoni para vencer Renan Calheiros não vai funcionar para aprovar reformas impopulares.

Vinicius Mota: Governo forte na largada

- Folha de S. Paulo

Articulação política, no curto prazo, e investigações no Rio, no longo, são os principais pontos críticos

A possibilidade de vitória de Renan Calheiros para presidir o Senado estava em desacordo com tudo o que ocorre na política brasileira desde outubro. Ninguém deveria ficar surpreso com o resultado final, que acabou por atropelar a raposa emedebista.

A ascensão do jovem Davi Alcolumbre fecha um ciclo de definições institucionais coerentes com a voz das urnas. A agenda conservadora nos costumes e liberal na economia encontra no Executivo e no Legislativo um substrato favorável para vicejar, algo que nunca havia acontecido em 30 anos de regime constitucional democrático.

O governo confirma-se forte na largada. No curto prazo, a estrutura da articulação parlamentar, dividida entre um general de poucas palavras e um falastrão de pouco lastro, torna-se o principal ponto crítico. A negociação da reforma da Previdência na Câmara testará a fortaleza dessa configuração.

Paulo Guedes parece o jejuno em administração pública e artimanhas brasilienses que mais depressa avança na curva de aprendizado. Montou sob a sua alçada um mecanismo próprio de negociação com o Congresso, cujo pivô é o ex-deputado Rogério Marinho.

O ministro da Economia terá a faca e o queijo, pois também controla a execução orçamentária da União, a moeda mais efetiva para lidar com os congressistas. Enquanto isso, abranda o ritmo da abertura externa, para não perder votos na reforma, e estreita relações com o TCU, para catalisar o programa de venda de patrimônio federal.

Leandro Colon: Davi não representa nova política

- Folha de S. Paulo

O presidente do Senado não tem nada de novato e precisou de velhas práticas para derrotar Renan

Em seu discurso de candidato a presidente do Senado, Davi Alcolumbre(DEM-AP) falou em "formas ultrapassadas e injustas da velha política". Apresentou-se aos pares como uma alternativa ao modelo antigo de atuação parlamentar.

Aos 41 anos, Davi é uma figura jovem em uma Casa tradicionalmente ocupada por senhores e senhoras que já percorreram longa trajetória pública como governadores, vários mandatos no próprio Senado, e até como presidente da República.

A sua vitória depois de dois dias de vergonhosas sessões enfim solapou não só Renan Calheiros (MDB-AL), mas um grupo que, tutelado por José Sarney, mandou e desmandou, desde os anos 90, no plenário e na exagerada estrutura administrativa (incluindo a polícia legislativa). Fez (e mal) o que bem quis no Senado.

Bruno Carazza: O novo Congresso dá as suas caras

- Valor Econômico

Eleição do Senado é prenúncio da "nova política"

"Show de horrores" foi a expressão mais utilizada nas redes sociais para caracterizar a eleição para a presidência do Senado Federal no biênio 2019-2020. Davi Alcolumbre (DEM/AP), no discurso de vitória, chegou inclusive a pedir desculpas à população "pelos ultrajes seguidos que apequenaram essa grande instituição chamada Senado da República nesta sessão preparatória".

A eleição do senador do DEM encerra um período de 18 anos de dominância do MDB no Senado. Entre a posse de Jader Barbalho em 2001 e o encerramento do mandato de Eunício Oliveira na última sexta-feira, o Senado foi comandado praticamente por uma sucessão de mandatos entre José Sarney e Renan Calheiros - os maiores expoentes desta "velha política" que muitos supõem ter sido extinta com a ascensão de Bolsonaro ao poder. Se a "nova política" será melhor ou pior, o futuro dirá - embora o espetáculo de sexta e sábado possa ter servido como um trailer sobre o que pode vir por aí.

O Senado sempre foi tido como uma Casa legislativa de nível mais alto do que a Câmara dos Deputados - não é à toa que Niemeyer projetou-o como um semicírculo voltado para baixo, em forma de cúpula, em oposição à Câmara, voltada para cima para ouvir os anseios da população. Em geral composto por parlamentares mais experientes, eleitos de forma majoritária para representarem os interesses de seus Estados, a tradição e a busca de consensos foram marcas do Senado ao longo das últimas décadas.

Por muito tempo, a eleição do presidente do Senado cabia exclusivamente ao partido com a maior bancada. A partir de 1997, porém, a eleição passou a envolver todos os senadores, em votação fechada. A competição, entretanto, nunca foi acirrada - em três ocasiões, inclusive, ela nem existiu: ACM (1999), Sarney (2003) e Renan (2005) foram eleitos em chapa única. Este ano, porém, tudo foi diferente. Alcolumbre venceu uma disputa que no início da sessão preparatória tinha o recorde de 9 senadores. E sua vitória, com 42 votos, foi a mais magra desde Jader, em 2001.

Ricardo Noblat: Com que cara fica Toffoli?

- Blog do Noblat | Veja

Autoridade desafiada

Responsável pelo plantão do Supremo Tribunal Federal no último fim de semana, o ministro Dias Toffoli soube que trabalharia duro quando o Senado, na noite da sexta-feira, suspendeu a sessão que deveria ter sido concluída com a eleição do seu novo presidente.

Toffoli correu para responder às pressas e de maneira convincente a consulta do MDB sobre eventuais irregularidades cometidas durante a sessão. E pouco antes das 4 horas do sábado, sua decisão estava pronta e foi imediatamente divulgada. Cumpra-se.

Em parte foi cumprida. Mas só em parte. Na sexta-feira, por 50 votos contra 2, o Senado decidira que a eleição se faria por meio do voto aberto e nominal. Quer dizer: no painel eletrônico, apareceria o nome de cada senador e o seu respectivo voto.

Não, nada disso, decretou Toffoli. O voto teria de ser secreto porque o regimento interno do Senado manda que seja assim. E também porque em despacho recente, o próprio Toffoli já estabelecera que o voto fosse secreto. Na Câmara, por exemplo, é secreto.

A ordem de Toffoli foi ignorada por diversos senadores – entre eles, Flávio Bolsonaro, filho de quem é. Meia dúzia ou mais de senadores anunciou em voz alta em quem votaria e, para provar, mostrou a cédula preenchida com o nome do seu candidato.

Foi um escancarado gesto de desrespeito à decisão do presidente da mais alta corte de justiça do país. O desrespeito representa também um desafio a Toffoli: o que ele fará? Deixará tudo por isso mesmo? Fingirá que nada de grave aconteceu? Vida que segue?

Onyx ri à toa

De quem ele ri?

Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, ri de Paulo Guedes, o todo poderoso ministro de tudo o que tenha a ver com a economia, mais conhecido como o Posto Ipiranga do presidente enfermo Jair Bolsonaro.

José Eduardo Faria*: Os juristas italianos e a democracia brasileira

- O Estado de S. Paulo

Eles que analisaram a reconstrução de um país destroçado pelo fascismo

Com parte de sua obra voltada para a reconstrução de instituições políticas destroçadas pelo fascismo e as mudanças sofridas pelo Direito Constitucional após a crise do Estado de bem-estar, jusfilósofos italianos octagenários, como Stefano Rodotà, Luigi Ferrajoli e Danilo Zolo, estão sendo valorizados no Brasil pelas novas gerações de operadores jurídicos. Rodotà morreu em 2017, aos 84 anos, disputou a presidência da República e seus últimos textos foram sobre o direito de ter direitos num período em que a tecnologia de comunicação ameaça liberdades fundamentais.

Ferrajoli tem 78 anos e em seu último livro analisa o debate sobre constitucionalismo garantista, que valoriza o formalismo jurídico, e constitucionalismo principiológico, para o qual o direito sempre tem pretensão à correção moral. Com 83 anos, Zolo discute a crise reguladora do Direito.

O que explica o prestígio dos três é a análise de dois fatos conexos. O primeiro é a onda de reformas constitucionais das últimas décadas, dada a necessidade dos Estados nacionais de adaptar seu sistema legal à reestruturação da economia após os choques do petróleo da década de 1970. Entre 1989, ano da queda do Muro de Berlim, e 1999, véspera da entrada do euro como moeda circulante, dezenas de países vinculados reformaram sua Constituição. O segundo fato é a resistência do Ministério Público (MP) e do Judiciário a essas reformas, procurando preservar judicialmente direitos por elas revogados.

Entre as décadas de 1950 e 1980 eram os parlamentares e os partidos que faziam a legislação avançar, na dinâmica do confronto político entre liberalismo e social-democracia, o que resultou na chamada sociedade afluente. Nesse período, MP e Judiciário exerceram um papel conservador, promovendo uma interpretação estrita do Direito e pouco interferindo no Executivo e no Legislativo.

Na passagem do século 20 para o século 21, porém, as relações entre Direito e política se inverteram. Enquanto o MP e o Judiciário tentaram preservar direitos sociais, obrigando o Executivo a alocar recursos para efetivá-los, os Legislativos perderam força. E a política – até então adequada a uma sociedade organizada em torno de classes sociais – enfrentou uma crise de representatividade, perdendo capacidade de assegurar equilíbrio socioeconômico e, ao mesmo tempo, de articular mudanças.

Fernando Gabeira: E a sirene não tocou

- O Globo

Nem tudo será esquecimento; 348 pessoas soterradas pela lama ficarão para sempre na memória das famílias

Difícil não ser caótico para descrever uma catástrofe.

“O Rio? É doce/ A Vale? Amarga/ Ai, antes fosse/ Mais leve a carga” (Carlos Drummond de Andrade).

Viajei triste para Brumadinho. Estou cansado de desastres. Conheço até sua lógica: tristeza, indignação, medidas urgentes para acalmar os ânimos e logo depois o esquecimento.

A única forma de suportar o que veria era levar a obra de Drummond na viagem. Ninguém melhor do que ele descreveu as relações das mineradoras com a paisagem e mesmo com as almas. Talvez seja o melhor caminho para entender toda essa história.

Drummond era ao mesmo tempo a testemunha e o profeta. Morreu antes do desastre de Mariana, não viveu a fase trágica que se completa agora com o desastre em Brumadinho. A maneira como descreve Itabira é um desastre em câmera lenta.

Depois de Mariana, passei a seguir o trilho da mineração. Cobri um vazamento de alumínio nos igarapés de Barcarena, no Pará. Em seguida, o rompimento do mineroduto em Santo Antônio do Grama.

Não foram em barragens, onde se situa o maior perigo, sobretudo a do tipo de Mariana, que deveria ser proibida. Era uma decorrência do desastre. Mas onde estavam governo e Parlamento? Muito próximos da indústria, muito longe das pessoas e da natureza.

Onde estava a Justiça no caso de Mariana? Por que tão lenta? No ano passado, estive lá e nos escombros comentei a decisão de um juiz de suspender o processo contra a Samarco. Chicanas.

Tenho um pouco de escrúpulo em dizer: isto não pode se repetir. As coisas se repetem tanto. O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, assumiu o cargo com o slogan “Mariana nunca mais”. Agora, a Vale quer prometer Mariana e Brumadinho, nunca mais. É só ir empurrando o nunca mais para o fim e acrescentando alguns nomes antes dele.

Lembra-me dos trens italianos, rapido, molto rapido, rapidissimo .

Acreditamos demais na palavras. O presidente da Vale estava na plateia em Davos quando o presidente Bolsonaro afirmou que o Brasil é o país que mais protege o meio ambiente no mundo. Falava apenas da relação das florestas com agricultura e pecuária.

Rosiska Darcy de Oliveira: O luto e a lama

- O Globo

Estamos vivendo um luto. Pelas ilusões perdidas, pelos falsos profetas enlameados

O luto é um estado de espírito que piora a cada dia quando se aceita que o que aconteceu não é um pesadelo. É o cara a cara com a perda irreparável, é o amanhã do que não poderia ter acontecido. Olhar em volta e só ver a lama.

Estamos vivendo um luto. Pelas ilusões perdidas, pelos falsos profetas enlameados, pelo país que poderia ter sido e que não foi. Há poucos anos acreditávamos que o Brasil, enfim, decolaria.

Foi nessa época que visitamos Inhotim e pernoitamos em Brumadinho, uma cidade modesta, um nome que se pronuncia com carinho. Voltamos da visita ao parque e, à noite, tudo era alegria, um orgulho imenso do Brasil em que se misturavam os Parangolés do Oiticica, os azulejos da Varejão com uma natureza esplendorosa e bem preservada. O Brasil do talento alimentou esperanças de que um dia o país seria todo como esse parque feito de arte e originalidade, em um meio ambiente exemplar. Nessa noite, em Brumadinho, fomos felizes.

Não tínhamos ainda visto a lama. A lama que invadiu o país, torrencial, se infiltrando por todas as frestas, invadindo as casas, soterrando gente e projetos, engolfando partidos. Essa lama omnipresente que destrói tudo e nos ameaça com o descrédito internacional, nos faz terra arrasada.

Essa lama que invadiu as empresas que destroem o que deveriam construir, os gabinetes de deputados repletos de fantasmas, essa lama feita de atraso, propinas, ganância, desonestidade, de irresponsabilidade e incompetência, de desprezo pela vida humana, essa lama invadiu as nossas veias e está endurecendo nossos corações. Esse país nos envergonha. Não é o que sonhamos na noite de Brumadinho.

Cacá Diegues: Um conto de mina

- O Globo

Coincidindo suas funções profissionais com as duas primeiras sílabas de seu nome, esse Geraldo era o único Geraldo cujo apelido ficou sendo Gera. Pois ele gerava a energia necessária para fazer a mina gerar valores. Sobretudo o ferro, especialidade do terreno.

Gera nunca deixava a mina, não tinha mesmo para onde ir ou a quem ver no fim de semana, nos feriados e nos dias santos. E depois, lhe dava prazer ficar por ali, vigiando sozinho a mina e a mata em volta dela. Na mina, gastava a vida. Na mata, gostava dela.

Na sexta feira, Gera trabalhou até meio dia e meia e foi almoçar. Não era propriamente almoçar que ele desejava, mas ver os amigos que embarcariam para suas famílias e seus amores, em cidades e vilas de vários tamanhos, cada um ansioso para repetir o sucesso da folga anterior.

Nem era de alguém que Gera queria ouvir falar; mas do mundo, de como ele ia, o que faziam dele àquela altura dos acontecimentos.

Gera chegou ao refeitório pela porta principal, olhou em volta da casa cheia, viu onde a maior parte dos amigos se encontrava a comer em pé, que a pressa de ir embora era maior do que uma fominha de nada.

Abraçado a dois bagunceiros da mina que o haviam abraçado, Gera ouviu a piada indecente que um deles contou. E, para conter a gargalhada, virou-se para as janelas de vidro que davam para a barragem e o resto do rio. Alguma coisa diferente fluía em silêncio na sua direção, como se as nuvens tivessem chegado do céu e mudado de cor e velocidade. Gera suspirou fundo e ficou por isso mesmo.

Cida Damasco: É com o Congresso

- O Estado de S. Paulo

Guedes, Maia e Alcolumbre. A partir desta semana, a nova agenda econômica deixa de ser “propriedade” do ministro Paulo Guedes, e passa a ser dividida com outros dois personagens, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O primeiro conduzido ao cargo pela terceira vez, sem surpresas, e o segundo, um novato do baixo clero, que atropelou o favoritíssimo Renan Calheiros (MDB-AL), em dois dias de sessões com cenas explícitas da velha-nova política, que deveriam vir com a recomendação de impróprias para cidadãos de qualquer idade.

Tempos atrás, quando a candidatura Bolsonaro ainda era uma incógnita, a escolha de Paulo Guedes como o homem da economia da tropa do capitão ajudou a desfazer desconfianças nos mercados e nos setores produtivos. Mais tarde, quando a campanha esquentou, a palavra de Guedes passou a ser ainda mais amplificada. E em Davos, com Bolsonaro na defensiva, ele foi a voz do governo e a indicação para os investidores dos rumos da política econômica.

O ministro, porém, por mais “super” que seja, não tem garantia de que suas propostas serão levadas adiante, sem uma articulação política eficiente. Especialmente a reforma da Previdência. E aqui as coisas são complicadas. É sabido que Guedes apostou suas fichas na escolha de Maia e Renan. O primeiro, conhecido defensor das reformas. O segundo, um auto-intitulado “novo Renan”, liberal até o último fio de cabelo. Mesmo levando-se em conta que Bolsonaro agarrou-se à tese de "mudar tudo isso que está aí", parecia mais confortável encaminhar a agenda econômica com as duas casas nas mãos de “profissionais” do Congresso.

Angela Bittencourt: Dólar indicará sucesso deste início de governo

- Valor Econômico

Economistas veem Selic estável agora e em alta no futuro

O dólar é uma variável crítica nesta segunda-feira. Seu patamar de negociação no pregão de hoje será um termômetro de sucesso deste início de governo, que agora tem também Legislativo e Judiciário operantes, além do Executivo. Se a posse de Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Guedes e companhia já fez bastante preço nos juros futuros e na bolsa, com o Ibovespa renovando recordes a cada semana, o mesmo ainda não ocorreu no mercado de câmbio.

Uma ruptura consistente do suporte de R$ 3,70 para a taxa de câmbio é de grande relevância para o governo Bolsonaro. Esse movimento, que não se confirma, é um importante indicador do interesse de estrangeiros por investimentos no Brasil. Por ora, o comportamento do mercado cambial sugere que o país é uma boa aposta. Mas é mais atraente quando visto à distância. E pelo lado de fora.

Na quinta-feira, o discurso tolerante de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), com a inflação colaborou, em muito, para que o dólar rompesse o suporte de R$ 3,70 e encerrasse a quinta-feira a R$ 3,65. Na sexta, diante das incertezas no cenário político, a moeda instalou-se em R$ 3,66. Portanto, a queda não progrediu. Ainda assim, as sessões mais positivas da semana passada alimentaram a ideia de que a taxa de câmbio possa ter deflagrado, enfim, um ciclo de baixa rumo a R$ 3,60 - cotação projetada há cinco meses por especialistas para os negócios pós-eleição, se garantida a vitória de Bolsonaro.

'Nosso papel é defender lei que protege as minorias’, diz presidente da OAB

Recém-eleito para um mandato de três anos, Felipe Santa Cruz é contra prisão após segunda instância

Bela Megale | O Globo

BRASÍLIA — O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, diz que não acha que o governo do presidente Jair Bolsonaro coloca em risco as minorias. Santa Cruz ressalta que é um governo eleito democaraticamente, que responde aos mesmos limites de todos os governos, e que o papel da OAB "é mostrar que existe legislação que protege as minorias e defender essa legislação". Recém-eleito para um mandato de três anos, Santa Cruz é contra prisão após segunda instância, porque "Estado persecutório já tem força demais’.

Leia a entrevista:

• O senhor e o presidente Jair Bolsonaro já tiveram embates públicos. Como será a relação da OAB com o governo?

Não vejo problemas, nem conheço o ex-deputado e hoje presidente. As vezes em que fiz intervenções, foi como um filho que tem o instinto de defender a memória do pai (desaparecido na ditadura). É uma crença minha que, por mais que possamos corrigir a leitura da história, não podemos torcê-la a ponto de transformar a ditadura militar em algo aceitável.

• O governo Bolsonaro coloca em risco as minorias?

Não. Acho que é um governo democrático, eleito, que tem toda legitimidade, mas que responde aos mesmos limites de todos os governos. Os excessos, as falas políticas, que são compreensíveis, serão mitigadas pelo debate. Nosso papel é mostrar que existe legislação que protege as minorias e defender essa legislação.

• Como a OAB atuará em relação ao pacote de segurança de Moro?

Não há objeção no avanço do controle da impunidade. O país precisa disso. Mas, se vamos importar institutos internacionais, também devemos importar institutos que permitam o exercício da defesa. É natural que o pêndulo tenha derivado para um lado, porque havia uma demanda reprimida por uma impunidade histórica do Brasil. Agora é preciso trazê-lo de volta, senão vamos criar um país onde o ideal é a eliminação de toda e qualquer atividade que entre em divergência com esse Estado todo poderoso.

• O Estado sacrificou o direito de defesa na Lava-Jato?

Em muitos momentos, sim. Não pode haver vazamento, é sagrado o direito de defesa. Exorbitamos nas prisões preventivas e na politização dos processos.

Vamos superar pauta econômica antes de discutir a de costumes, diz Maia

Para deputado, debate sobre temas como Escola sem Partido cria ambiente prejudicial a reformas

Marina Dias, Angela Boldrini | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Eleito pela terceira vez presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou à Folha que é possível votar a reforma da Previdência até julho se o Congresso deixar a agenda de costumes em segundo plano.

Durante café da manhã na residência oficial, neste domingo (3), o deputado avaliou que um debate acalorado sobre temas como o Escola sem Partido —apoiado pelo governo Jair Bolsonaro— cria “um ambiente de guerra no plenário” que pode prejudicar a votação de reformas.

O presidente da Câmara relativizou sua má relação com o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), articulador do Planalto que trabalhou contra sua reeleição, e disse que seu partido, o DEM, deve observar o cenário político pulverizado para não “fracassar” no comando das duas Casas.

Para ganhar o comando da Câmara —com 334 dos 513 votos— Maia contou com uma ajuda extra à costura política: pediu que o alfaiate colocasse uma medalhinha de Nossa Senhora no forro do terno que usou na sessão de sexta (1º).

• O DEM ficou com o comando de Câmara e Senado, mesmo não tendo as maiores bancadas. O que significa isso para o partido? 

O DEM já tinha a presidência da Câmara, então ficou mais fácil de organizar essa eleição. No Senado, é mais fácil de falar, o que aconteceu é que um sentimento de que não era o melhor momento para o Renan [Calheiros (MDB-AL)] somado a erros de alguns candidatos que tinham potencial em tese maior que o Davi [Alcolumbre (DEM-AP)], acabaram concentrando os votos nele.

O Davi construiu isso com apoio do governo e com as próprias energias, porque de fato o DEM não podia trabalhar para duas candidaturas.

• O DEM à frente das duas Casas impõe um ritmo do partido independente do governo ou faz a sigla ser um alicerce do Planalto? 

Não somos linha auxiliar do governo nem do partido do governo.

O grande desafio do DEM vai ser a capacidade de compreender que a construção da presidência de um partido que não é o majoritário é sempre coletiva. Você não é o presidente que vai defender os interesses do DEM, tem que defender a agenda de todos os partidos. É um momento de mudança, um quadro pulverizado, e ninguém consegue ter a hegemonia que o MDB teve no passado no Senado.

• Com a derrota, o sr. acha que o Renan Calheiros atuará para atrapalhar a votação da reforma da Previdência? 

Eu não acredito que um político com a experiência e história do Renan vá fazer algum movimento no curto prazo que sinalize uma revanche, não acho que é do estilo dele... Mas o governo vai ter que saber construir pontes com ele.

• O sr. defendeu o voto secreto nas eleições do Senado. Acha que o fato de os senadores terem aberto o voto cria precedente perigoso?

A gente tem que tomar muito cuidado, porque o voto secreto é a garantia do eleitor. O voto secreto não defende o conchavo, como muitos acham.

• O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), articulou contra o sr., mas a favor do Davi. O governo venceu ou perdeu na eleição do Congresso? 

Eu acho que o Onyx tinha uma outra formatação, eu de fato não apoiei o Bolsonaro e acho que no primeiro momento o governo queria a construção de um nome que tivesse apoiado. Era legítimo isso, mas o governo não interveio como poderia porque senão tinha viabilizado a candidatura do João Campos [PRB-GO], do Alceu [Moreira (MDB-RS)] ou do Capitão Augusto [PR-SP].

• Não interveio porque não quis ou por inabilidade da articulação do Onyx? 

O Bolsonaro não quis dar os instrumentos [a ele] para isso. Quando o Bolsonaro pega um ministério e entrega a chave para o ministro nomear os auxiliares, ele tira as condições de construir uma maioria no formato antigo.

‘Não se sabe como o PSL vai se comportar’, diz historiador

Entrevista com Boris Fausto, historiador

Para Boris Fausto, partido do presidente Jair Bolsonaro é uma ‘salada de muitos elementos, sem unidade’

Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo, 3/2/2019

Para o historiador e cientista político Boris Fausto, o Brasil nunca esteve tão dividido como hoje e a existência de diferentes visões deve se refletir no Congresso que tomou posse nesta sexta-feira, 1.º. “Houve divisões na sociedade no passado, mas nesse grau e nessa consistência, nunca tivemos.”

Fausto diz ver no próprio PSL – partido do presidente Jair Bolsonaro –, que elegeu a segunda maior bancada da Câmara (52 deputados), uma “salada composta de muitos elementos”. “Tem muita gente nova e não sabemos se vão se comportar maciçamente votando sempre a favor do governo”, afirma.

• Qual a avaliação do sr. sobre o perfil deste novo Congresso?

É preciso acompanhar o que vai fazer essa grande bancada do PSL (na Câmara, com 52 deputados). Tem muita gente nova e não sabemos se vão se comportar maciçamente votando sempre a favor do governo, ou se uma parte terá independência em casos que contrariem sua opinião. Os sinais indicam que é uma salada composta de muitos elementos, sem unanimidade. Quando o grupo foi para a China, por exemplo, produziu indignação nos setores mais ideológicos do bolsonarismo. Vejo que esses votos, aparentemente, não são garantidos. Além disso, é preciso entender as nuances dessa direita que chegou ao poder. É um mundo muito mal conhecido porque era aparentemente secundário e, de repente, apareceu na ordem do dia. Figuras até então inexpressivas ou não consideradas surgem e passam a pesar no jogo político e nas ideias.

• Como a divisão da sociedade pode se refletir no Congresso?

É saudável haver disputas, conflitos e opiniões divergentes na sociedade desde que tenham um mínimo denominador comum e que pelo entendimento cheguem a algum consenso. Quando não há isso, não tem diálogo. Houve divisões na sociedade brasileira no passado, mas nesse grau e nessa consistência, nunca tivemos. Por exemplo, o getulismo e antigetulismo. Foi uma luta política constante, mas duvido que alguém deixasse de jantar na casa de um parente porque esse parente fosse udenista ou getulista. Hoje, o clima de divisão profunda na sociedade deve se refletir no Congresso. Mas existe no Congresso um “espírito de corpo” entre os membros. Muitos entram com o furor de mudar tudo que é possível, mas depois entram na engrenagem, mesmo com opiniões diferentes, daquela corporação. É natural.

Ministro de Bolsonaro criou candidatos laranjas para desviar recursos na eleição

Diretório presidido por Marcelo Álvaro Antônio repassou R$ 279 mil a postulantes que pagaram empresas de assessores

Ranier Bragon, Camila Mattoso | Folha de S. Paulo

IPATINGA (MG) E BRASÍLIA - O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio(PSL), deputado federal mais votado em Minas, patrocinou um esquema de candidaturas laranjas no estado que direcionou verbas públicas de campanha para empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara.

Após indicação do PSL de Minas, presidido à época pelo próprio Álvaro Antônio, o comando nacional do partido do presidente Jair Bolsonarorepassou R$ 279 mil a quatro candidatas. O valor representa o percentual mínimo exigido pela Justiça Eleitoral (30%) para destinação do fundo eleitoral a mulheres candidatas.

Apesar de figurar entre os 20 candidatos do PSL no país que mais receberam dinheiro público, essas quatro mulheres tiveram desempenho insignificante. Juntas, receberam pouco mais de 2.000 votos, em um indicativo de candidaturas de fachada, em que há simulação de alguns atos reais de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.

A Folha visitou as cidades de Ipatinga, Governador Valadares, Timóteo e Coronel Fabriciano, na região do Vale do Rio Doce, leste de Minas Gerais, e investigou as informações prestadas por elas à Justiça Eleitoral.

Dos R$ 279 mil repassados pelo PSL, ao menos R$ 85 mil foram parar oficialmente na conta de quatro empresas que são de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro de Bolsonaro.

Esse é o caso, por exemplo, de Lilian Bernardino, candidata a deputada estadual em Governador Valadares. Ela é próxima a Haissander Souza de Paula, que foi assessor do gabinete parlamentar de Álvaro Antônio de dezembro de 2017 ao início deste ano, quando o deputado assumiu o Ministério do Turismo. Haissander hoje é secretário parlamentar do suplente de Álvaro Antônio na Câmara, Gustavo Mitre, do PHS.

Lilian recebeu da direção do PSL R$ 65 mil de recursos públicos, declarou ter gasto todo esse valor e obteve apenas 196 votos. No mesmo dia ou poucos dias depois de ter recebido as verbas, ela repassou boa parte para quatro empresas que têm ligações com o ministro do Turismo.

Um total de R$ 14,9 mil foi para duas empresas de comunicação de um irmão de Roberto Silva Soares, conhecido como Robertinho Soares, que foi assessor do gabinete de Álvaro Antônio e coordenou sua campanha no vale do Rio Doce. Outros R$ 10 mil foram direcionados para uma gráfica de uma sócia do irmão de Robertinho.

Houve também pagamento de R$ 11 mil à empresa de Mateus Von Rondon Martins, de Belo Horizonte, responsável pela divulgação do mandato de Álvaro Antônio e hoje assessor especial do Ministério do Turismo.

Lilian declarou gasto de R$ 2.500 com o secretário do PSL em Ipatinga, Edmilson Luiz Alves, que, segundo o que informou a candidata à Justiça Eleitoral, fez atividades de militância e mobilização de rua para a campanha.

À Folha Edmilson, que coordenou o comitê de campanha do PSL na região, disse nunca ter visto a candidata.

“Em Valadares eu não acompanhei ninguém”, afirmou, dizendo que jamais assinou recibo eleitoral de serviços para Lilian. “Não, não conheço essa Lilian não. Nem o telefone dela eu tenho.”

Um dia após a Folha procurar ouvir os envolvidos, Edmilson ligou de novo dizendo ter se lembrado do trabalho. Segundo ele, sua tarefa consistiu em intermediar a contratação para Lilian de uma empresa de disparo de mensagens de WhatsApp.

Ele não soube explicar por que o nome dele, e não da suposta empresa, aparece na prestação. Também se comprometeu a passar o nome e o contato dessa empresa, mas não fez isso até a conclusão desta reportagem.

Novo presidente do Senado é investigado em dois inquéritos no STF

Davi Alcolumbre (DEM-AP) é suspeito de irregularidades durante a campanha eleitoral de 2014

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Eleito presidente do Senado para o biênio 2019-2021, DaviAlcolumbre (DEM-AP) é investigado em dois inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) por supostas irregularidades relacionadas à campanha de 2014, quando se elegeu senador.

Um dos inquéritos, que é o principal, está sob segredo de Justiça, mas os dois tratam sobre casos similares.

Em suma, as suspeitas são de que o presidente do Senado tenha utilizado notas frias para comprovar gastos de sua campanha, entre outras irregularidades. Ele nega.

No meio dessa investigação, a defesa do parlamentar encaminhou documento que continha assinatura de uma servidora municipal que, posteriormente, foi apontada como falsa por ela e por laudo da polícia.

"No citado procedimento investigatório, apura-se a prática do delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral pelo Senador David Samuel Alcolumbre Tobelem, em razão da 'utilização de notas fiscais frias inidôneas para a prestação de contas, ausência de comprovantes bancários, contratação de serviços com da/a posterior à data das eleições, entre outras', durante sua campanha a Senador da República, nas eleições de 2014'", escreveu a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em manifestação de março de 2018.

"Além destes fatos", prossegue a procuradora-geral, "há referência a cheques vinculados às contas da sua campanha eleitoral que, embora emitidos nominalmente a empresas que teriam prestado serviços ao então candidato, foram em parte endossados a Reynaldo Antônio Machado Gomes, contador da campanha de David Alcolumbre, e parte sacadas em espécie na boca do caixa".

O artigo 350 do Código Eleitoral estabelece pena de até cinco anos de prisão para quem comete o crime de "omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais".

Bolsonaro tem menor base desde Collor

Governistas são 22% na Câmara e só 7% no Senado; Planalto busca votos para reformas

Adriana Ferraz e Matheus Lara | O Estado de S.Paulo

O Congresso que tomou posse na sexta, 1, reúne o menor número de parlamentares declaradamente governistas da redemocratização para cá. Na Câmara, a base oficial de Jair Bolsonaro representa 22% das cadeiras, enquanto no Senado não passa de 7% – levando-se em conta as coligações oficiais e os apoios já anunciados.

Somados às características pluripartidárias do atual Legislativo, os índices revelam ao menos uma dificuldade matemática para o governo em temas essenciais para o seu sucesso, como a reforma da Previdência. Para aprová-la, Bolsonaro terá de ampliar esse patamar em duas vezes e, segundo avaliação geral, mudar a estratégia de não negociar com partidos.

O alerta foi dado na sexta-feira pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) logo após sua reeleição para mais um mandato à frente da Câmara. Ele criticou a articulação política do governo e, se referindo à reforma da Previdência, disse que “no curto prazo” não há votos suficientes para aprová-la em função da “nova forma de Bolsonaro trabalhar.”

Eleito para a 1ª Vice-Presidência da Casa, Marcos Pereira também cobrou do governo mais abertura. “Precisamos dialogar para que haja avanço. O governo tem de melhorar o diálogo com o Congresso e os ministros têm que receber os parlamentares”, afirmou no sábado o presidente nacional do PRB ao Estadão/Broadcast.

Mexer na idade mínima exigida para a aposentadoria no País, entre outras alterações projetadas, exigirá do governo uma articulação política capaz de reunir os 308 votos na Câmara e outros 49 no Senado em duas votações cada. Hoje, levando-se em conta sua base oficial, Bolsonaro tem 112 e oito, respectivamente. O índice de apoio é menor até que o obtido por Fernando Collor.

‘Antissistema’. A estratégia de campanha de Bolsonaro explica os números enxutos. Ele foi para a campanha em voo solo, praticamente sem coligações – fechou aliança apenas com o PRTB do vice-presidente, Hamilton Mourão. Após eleito, manteve o discurso “antissistema” e montou seu Ministério negociando diretamente com os indicados ou frentes temáticas, e não com seus partidos. O resultado disso é que siglas com filiados no governo não se consideram base, caso do DEM e Novo. E, depois da vitória em segundo turno, apenas o PR se uniu ao bloco governista.

Diminui a participação dos bancos públicos no crédito: Editorial | Valor Econômico

Depois de anos de excessos, os bancos públicos tiveram que fazer uma parada para rever as suas atividades, recuperar os índices de rentabilidade e fortalecer as suas bases de capital. Ao mesmo tempo, o governo iniciou uma ampla reforma no sistema de crédito direcionado, cortando subsídios e flexibilizando amarras que impediam uma intermediação mais eficiente de recursos na economia.

Embora todas essas providências sejam necessárias, uma das consequências foi uma retomada mais lenta do crédito bancário do que se costumava ver nos ciclos de expansão monetária. Dados divulgados pelo Banco Central na última semana registram uma alta de apenas 5,5% no crédito bancário em 2018. Para 2019, a previsão é um crescimento de apenas 6% nos financiamentos.

Os segmentos do mercado de crédito têm apresentado desempenho bastante diferentes entre si. A carteira dos bancos privados registrou uma alta de 12,5% em 2018, enquanto que os bancos públicos tiveram uma queda de 0,5%. Essa retração foi causada sobretudo pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cujo estoque de empréstimos recuou 8,9%. Mas, mesmo excluindo o BNDES, ainda assim os bancos públicos apresentam fraca expansão, de 3%.

O crédito livre, com juros definidos em mercado, registrou uma expansão de 11,2% em 2018. Já o crédito direcionado, com juros estabelecidos pelo governo e beneficiado por diferentes tipos de subsídios, teve uma retração de 0,6% no ano passado.

Houve avanço, falta a reforma: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com um buraco de R$ 426,47 bilhões no ano passado, as contas do governo central são o mais poderoso argumento a favor da reforma da Previdência, um dos objetivos prioritários e incontornáveis do novo governo. Esse rombo inclui os juros devidos e rolados e corresponde a 6,20% da riqueza gerada em um ano, o Produto Interno Bruto (PIB). O rombo total, incluídos os números de Estados, municípios e estatais, chegou a US$ 487,44 bilhões, cifra equivalente a 7,09% do PIB, proporção considerada catastrófica na maior parte do mundo. Com previsão de um déficit orçamentário de 2,40% em 2019, o governo italiano foi pressionado pela Comissão Europeia, nos últimos meses, para refazer sua programação financeira.

Quando se deixam os juros de lado e se olha o dia a dia da gestão federal, alguns dados positivos aparecem. Cortando gastos e arrecadando mais, o governo central conseguiu fechar suas contas de 2018 com um resultado fiscal bem melhor que o previsto no Orçamento, mas ainda longe do equilíbrio. O Tesouro teve o melhor desempenho em cinco anos. Seu resultado em 2018, somado ao do Banco Central, foi um superávit de R$ 74,94 bilhões, 25,40% superior ao de 2017, descontada a inflação.

Esse dinheiro foi insuficiente, no entanto, para cobrir o déficit de R$ 195,20 bilhões do INSS. Combinados esses valores, o governo central fechou o ano com um déficit primário (sem juros) de R$ 120,26 bilhões, bem abaixo do teto orçamentário de R$ 159 bilhões.

Pelo BC autônomo: Editorial | Folha de S. Paulo

No Brasil, faz sentido fixar mandatos para o comando do Banco Central

A possibilidade de os mandatários interferirem nos resultados de curto prazo da economia para favorecer os seus interesses eleitorais é uma tentação que as democracias maduras aprenderam a controlar.

Esse longo e penoso processo pedagógico tirou lições das consequências políticas da lassidão, pois ela desequilibra as condições da disputa pelo poder e embota a alternância nos postos eletivos. Beneficiou-se também dos efeitos econômicos do chamado populismo.

Está cada vez mais estabelecida a relação entre movimentações frequentes, erráticas e imprevisíveis nas regras do jogo econômico, de um lado, e patamares frustrantes de desenvolvimento, do outro.

Por essa dupla motivação, é bem-vinda a intenção do governo Jair Bolsonaro (PSL) de aprovar, entre as 35 medidas prometidas para os os cem primeiros dias da administração, um estatuto conferindo autonomia formal ao Banco Central.

O mecanismo, cuja relatoria na Câmara cabe ao deputado federal Celso Maldaner (MDB-SC), baseia-se na clássica fórmula de estabelecer mandatos para o presidente e os diretores do BC não coincidentes —nem entre eles próprios, nem com o do presidente da República.

Multas ambientais não podem ser ignoradas: Editorial | O Globo

Desde a tragédia de Mariana, em 2015, menos de 15% dos autos de infração foram pagos

No dia seguinte ao rompimento da Barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou que o Ibama aplicaria multa de R$ 250 milhões à Vale pelo desastre que deixou pelo menos 121 mortos, 212 desaparecidos e danos incalculáveis. A enxurrada de 12 milhões de metros cúbicos de lama, que soterrou instalações administrativas da mineradora, casas, sítios e plantações, já ameaça afetar o abastecimento de cidades como Pará de Minas, podendo até mesmo chegar ao São Francisco.

O valor da multa, que corresponde à soma de cinco autos de infração de R$ 50 milhões, impressiona, mas a realidade mostra que esses recursos dificilmente irrigam os cofres dos órgãos ambientais. Como mostrou reportagem do GLOBO publicada na quarta-feira, desde o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, a mineradora Samarco, que tem como acionistas a Vale e a BHP Billiton, recebeu 25 autos de infração, totalizando R$ 350 milhões. Nada pagou. A Vale, multada em R$ 139 milhões, também não desembolsou um centavo até agora.

O desastre de Mariana, o maior desse tipo já registrado no Brasil, despejou no meio ambiente 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, cinco vezes mais do que o de Brumadinho. Os efeitos para a natureza foram catastróficos. A lama, que atingiu o Rio Doce, percorreu mais de 600 quilômetros até chegar à costa do Espírito Santo, deixando um rastro de destruição jamais visto no país. Municípios mineiros e capixabas até hoje sofrem com o impacto da tragédia.

Uma vida bem contada

Escritor, jurista, político e ex-chanceler narra episódios importantes da história do Brasil dos quais teve participação de protagonista com elegância de estilo que torna a leitura, além de útil, agradável

José Nêumanne | Aliás, História/ O Estado de S. Paulo

A publicação mais imponente (1.789 páginas) e importante do mercado editorial brasileiro em 2018 – ano marcado no setor pelos pedidos de recuperação judicial das Livrarias Saraiva e Cultura – foi a reedição num só volume das memórias do político, jurista, ex-chanceler e literato mineiro Afonso Arinos de Melo Franco, A Alma do Tempo. Disponível também em edição digital à venda na Amazon, esta reedição com capa dura, lombada de 7,2 cm, vários textos introdutórios de expoentes da crítica, é um empreendimento de fôlego hercúleo, heroico e quase insano da editora Topbooks. A casa de José Mario Pereira, cujo primeiro grande sucesso foi outro volume de memórias de um homem público, A Lanterna na Popa, de Roberto Campos, edita mais um texto essencial para a compreensão da vida política, social e econômica do Brasil contemporâneo. Esgotada há quatro decênios a edição original em cinco tomos, a obra foi escrita numa língua portuguesa elegante, escorreita e canônica, à altura dos melhores entre os escritores que foram seus pares na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Quando a empreendeu, em sua casa na rua Dona Mariana, em Botafogo, no Rio, Afonso Arinos já era reconhecido como estilista de gênio por duas biografias clássicas. A primeira é Um Estadista da República, sobre seu pai, Afrânio de Melo Franco, uma espécie de paródia republicana e familiar do clássico de nossas letras Um Estadista do Império, de Joaquim Nabuco, retrato do reinado de dom Pedro II a partir da vida do próprio genitor, Nabuco de Araújo. Outra obra capital dele no gênero foi Rodrigues Alves, relato biográfico em dois volumes. O interessante nesta obra-prima da crônica política da Velha República é que biógrafo e biografado têm suas vidas cruzadas (e não “paralelas”, como as narradas por Plutarco) duas vezes. A primeira delas: a mulher de Afonso, Anah, era neta de Rodrigues Alves. A outra é um dos mais singulares episódios da História do Brasil. O paulista foi eleito presidente da República duas vezes. Cumpriu o primeiro mandato, mas por ter morrido, vitimado pela gripe espanhola, não foi empossado pela segunda vez e foi substituído pelo vice mineiro, Delfim Moreira, clássico exemplo da aliança café (de São Paulo) com leite (de Minas). Sepultado o chefe do governo, contudo, ficou patente a doença mental do substituto legal. E as oligarquias, que manejavam os cordéis republicanos à época, encontraram uma solução salomônica, entregando o governo de fato, antes da eleição de Epitácio Pessoa, a um ministro de confiança do morto e do sobrevivente: Afrânio de Melo Franco, pai de Afonso Arinos. Este, ainda imberbe, avistou na casa familiar no Posto 6 de Copacabana, onde testemunhou a histórica Revolta dos 18 do Forte, uma cena trágica e inesquecível. Enquanto a mãe e o irmão Cesário morriam de febre espanhola, o pai, à beira dos leitos da esposa e do filho em agonia, resolvia negócios do governo republicano.

Carlos Drummond de Andrade: Parolagem da vida

Como a vida muda.
Como a vida é muda.
Como a vida é nuda.
Como a vida é nada.
Como a vida é tudo.
Tudo que se perde
mesmo sem ter ganho.
Como a vida é senha
de outra vida nova
que envelhece antes
de romper o novo.
Como a vida é outra
sempre outra, outra
não a que é vivida.
Como a vida é vida
ainda quando morte
esculpida em vida.
Como a vida é forte
em suas algemas.
Como dói a vida
quando tira a veste
de prata celeste.

Como a vida é isto
misturado àquilo.
Como a vida é bela
sendo uma pantera
de garra quebrada.
Como a vida é louca
estúpida, mouca
e no entanto chama
a torrar-se em chama.
Como a vida chora
de saber que é vida
e nunca nunca nunca
leva a sério o homem,
esse lobisomem.
Como a vida ri
a cada manhã
de seu próprio absurdo
e a cada momento
dá de novo a todos
uma prenda estranha.
Como a vida joga
de paz e de guerra
povoando a terra
de leis e fantasmas.
Como a vida toca
seu gasto realejo
fazendo da valsa
um puro Vivaldi.

Como a vida vale
mais que a própria vida
sempre renascida
em flor e formiga
em seixo rolado
peito desolado
coração amante.
E como se salva
a uma só palavra
escrita no sangue
desde o nascimento:
amor, vidamor!