segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: José de Souza Martins*

Aqui foi diferente. Sociedade de latifundiários e senhores de escravos ou beneficiários de relações pré-modernas de trabalho, só teve tardiamente uma burguesia que pudesse se expressar no liberalismo. E ainda assim, uma burguesia extensamente apoiada, direta ou indiretamente, mais na grande propriedade de terra do que no capital. Eis porque nunca tivemos, propriamente, liberalismo a que pudesse se opor um conservadorismo reformista de amplas e criativas consequências sociais e políticas.

Essa longa tradição vem passando por tendências de ruptura. Uma, a do período petista, marcado pela ideologia sem teoria, a sujeição ao primado do econômico sem a crítica da economia política, o socialismo do acaso.

Outra, no período que se inicia agora, a economia reduzida ao meramente fiscal e os prejuízos debitados na conta de quem trabalha e perde, e não na conta de quem ganha e muito. O capitalismo modernoso no lugar do capitalismo moderno."

*José de Souza Martins é professor de sociologia na USP e membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, publicou "A Política do Brasil Lúmpen e Místico" (Contexto. ‘A tradição conservadora’, Eu & Fim de Semana / Valor Econômico, 8/2/2019.

Angela Alonso*: Antiestadista

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Em vez de dar a linha do governo, presidente formou ministério que é um monstro de muitas cabeças

A “nova política” fez aniversário de um mês. Nasceu entre promessas de renovação. A tenra idade desaconselha vaticínios, mas a recém-nascida já exibe sua personalidade: é do tipo que não deixa ninguém dormir.

Seus primeiros 30 dias foram uma eternidade para os adultos na sala: declarações estrambóticas de ministros despreparados, liberação de posse de armas, suspeita de vínculo dos Bolsonaro com milícias, a cirurgia do presidente e as manguinhas de fora do vice.

O destino do bebê é incógnito, mas nem precisa de quiromancia para ver que nasceu sem a linha do estadista.

Muitos os chamados, poucos os escolhidos, diz o livro sagrado. Muitos podem chegar ao governo, poucos são aptos para conduzir um país.

O estadista é da classe rara dos bem preparados. Não cai do céu, surge na grande escola dos partidos, do convívio com os experientes, batiza-se no fogo das crises. Domina, na definição do Houaiss, a “arte de governar”, exerce a “liderança política com sabedoria e sem limitações partidárias”.

No livro de Nabuco que leva a palavra no título, estadista é “o intérprete do interesse nacional”. Seus perfis de homens de Estado do Império mostram que esta interpretação não é unívoca nem aponta sempre no sentido da mudança: o “interesse nacional” consiste muitas vezes em barrá-la. A simples defesa de reformas não produz, pois, o estadista.

Nem na definição do dicionarista nem na nabuquiana cabe Bolsonaro. Sua arte é a do combate. Vale-se das táticas de guerra informacional para deslegitimar oponentes e da imagem de homem comum para produzir uma liderança projetiva —“ele é um de nós”. Seus canhões da batalha eleitoral (“Brasil acima de tudo”, a arminha com as mãos) em nada ajudam a ourivesaria da governança.

Marcus André Melo*: Bolsonaro e a previdência

A janela de oportunidade para a reforma previdenciária é inédita

Reformas da Previdência têm sido analisadas como impossibilidades: em princípio, nunca deveriam acontecer devido aos elevados custos políticos de aprovação. No entanto, acontecem —no Brasil e fora dele.

Tais reformas são custosas porque implicam imposição de perdas em relação a grupos concentrados e benefícios difusos. No entanto, crises fiscais agudas —como a que aflige muitos estados brasileiros— criam janelas de oportunidade para a mudança.

Uma forma de mitigar os altos custos políticos envolvidos é por meio de regras de transição. Ainda assim, os problemas podem ser consideráveis no conjunto de países que, como o Brasil, adotam sistemas de repartição (modelo Bismarckiano; ex: França, Alemanha, Itália).

É só neste modelo que as reformas são explosivas. Nele, os contribuintes ativos do sistema fazem aportes visando a manutenção da renda no futuro. O sistema é política e fiscalmente instável porque cria o imperativo de ajustes periódicos devido à elevação gradual da expectativa de vida.

Nos países que historicamente adotaram pensões públicas universais a valores fixos baixos (em que as pensões foram vistas só como solução para a pobreza na velhice; ex: Inglaterra), o problema não é explosivo.

E isso independe de o segundo pilar, o de capitalização, que suplementa a pensão básica, ser compulsório (quando o empregador arca com parte dos custos; ex: Holanda) ou voluntário (Japão, EUA). Pontos distintos na montagem do sistema no passado explicam a política no futuro.

No Brasil, foram criados institutos de aposentadoria de base ocupacional (para comerciários, industriários etc.). A agenda política em torno da Previdência girou inicialmente em torno da unificação dos vários regimes e da incorporação de trabalhadores informais e rurais ao sistema.

Leandro Colon: O laranjal da sigla do presidente

- Folha de S. Paulo

Esquema de candidatas laranjas revela como partido operou para crescer nas eleições

O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, usou candidatas laranjaspara driblar a legislação eleitoral em esquema de desvio de verba pública. Na cara dura, o presidente da sigla afirmou que a culpa é da lei, afinal, segundo ele, as mulheres não têm a vocação política.

Segundo as regras, 30% dos candidatos de cada partido devem ser mulheres, mesma proporção a ser respeitada no repasse do fundo partidário, formado por dinheiro público.

O que fez o PSL? Burlou a lei, conforme revelaram reportagens da Folha. O atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, por exemplo, é o mandachuva da legenda em Minas. Seu grupo escalou quatro mulheres para preencher a cota.

Na prática, elas fingiram ser candidatas. Eram laranjas. Juntas, não tiveram mais de 2.000 votos. Essas mulheres nunca pensaram em se eleger. Atuaram como figurantes. Foram usadas pelo PSL para repassar dinheiro do fundo a empresas ligadas a Álvaro Antonio, o deputado federal mais votado pelos mineiros.

Quem preside o PSL é Luciano Bivar, com passado nada idôneo na cartolagem do futebol pernambucano. Não se sabe direito o que ele ofereceu para levar Bolsonaro e sua trupe. A aposta deu certo, e o PSL saltou de nanico para a segunda maior bancada eleita, que tem Bivar como um dos vice-presidentes da Casa.

Celso Rocha de Barros*: Venezuela precisa de eleições livres

- Folha de S. Paulo

O chavismo já deixou de produzir benefícios para a Venezuela há muito tempo

Acho que foi o economista indiano Amartya Sen quem disse que, quando as coisas vão bem, quando todo mundo está enriquecendo, a população pode até tolerar o autoritarismo. É o caso da China hoje, do Brasil dos anos 70, da Venezuela no auge do chavismo. O problema é quando a crise chega e você lembra que não tem mais direito de dar palpite sobre como vai ser dividida a conta.

É por isso, aliás, que o Brasil tem que estrangular no berço qualquer avanço autoritário do governo Bolsonaro em caso de melhora do cenário econômico. A Venezuela não ficou assim porque Chávez deu um golpe de Estado, mas porque lentamente corroeu as liberdades e garantias institucionais enquanto a economia ia bem.

O chavismo já deixou de produzir benefícios para a Venezuela há muito, muito tempo. Só sobrevive no poder porque as eleições são fraudadas e porque Maduro ofereceu às forças armadas algo que nenhum governo democrático conseguiria entregar: o controle total sobre a riqueza venezuelana.

A esquerda latino-americana apoiou Chávez muito além do que seria razoável, e a defesa de Maduro nas atuais circunstâncias é, francamente, grotesca.

Em alguns casos, o apoio se deu pelas vantagens que Chávez oferecia com petróleo venezuelano a governos amigos em Cuba ou na Nicarágua. Outras vezes —e esse foi o caso da esquerda brasileira— o apoio ao chavismo era uma forma de compensar os radicais locais pelos compromissos com o establishment. O PT, por exemplo, elogiava a atitude combativa do chavismo de dia e de noite fechava com o PMDB.

Vinicius Mota: O ciclo dos massacres

- Folha de S. Paulo

Brasil tem desempenho péssimo no controle do que pode machucar, matar e destruir

Duas ondas ciclópicas de rejeitos de mineração despejadas sobre vítimas desavisadas, incêndios mortais numa boate e num centro de treinamento de futebol, viadutos apodrecidos na capital federal e na maior metrópole do país.

A cada verão, vidas se perdem em deslizamentos e enchentes. A cada ano, há 60 mil assassinados, 40 mil mortos no trânsito e um múltiplo disso tudo de gente com sequelas.

Temos nos desempenhado pessimamente no controle daquilo que pode machucar, matar e destruir.

Os seres humanos, mesmo os mais instruídos, não lidam bem com o cálculo probabilístico. Tendem a superestimar as chances de algo dar certo e subestimar o risco do fracasso.

Ponderar o tamanho do estrago pela sua frequência estipulada é ainda mais difícil. Garantir que as informações fluam com eficácia para a tomada tempestiva da decisão protetora constitui outra faculdade distante das nossas fronteiras pessoais.

Cabe às instituições —a família, a empresa, o governo— estruturar os incentivos para que os indivíduos não se arrisquem pouco nem demais.

Bruno Carazza*: Expectativas e sinalizações no combate à corrupção - Valor Econômico

Pacote de Moro decepciona pela falta de ambição

Em 1993, ao cumprir um mandado de busca e apreensão, a Polícia Federal encontrou na casa de Manoel Ailton Soares dos Reis, alto executivo da Odebrecht em Brasília, uma planilha com dezenas de nomes de parlamentares associados a valores e percentuais. Com mais de 20 anos de antecedência, as investigações das denúncias contra PC Farias e a máfia dos Anões do Orçamento revelaram práticas de corrupção, caixa dois de campanha e lavagem de dinheiro que só viriam a ser punidas com a Lava-Jato.

Nas duas décadas que separam os primeiros escândalos da Nova República e a República de Curitiba, corruptos e corruptores refinaram as técnicas de desvios de recursos públicos e ampliaram significativamente a sua escala. Para ficar apenas na Odebrecht: os US$ 3,2 milhões que teriam sido pagos a PC Farias para obter favores no governo Collor multiplicaram-se para uma movimentação de US$ 3,4 bilhões em propinas do famoso "departamento de operações estruturadas" entre 2006 e 2014.

Além da mudança de ordem nos valores das propinas - de milhões para bilhões - a outra notável diferença observada nesse intervalo de tempo é que membros ilustres das elites política e empresarial brasileiras começaram a frequentar nosso sistema penitenciário.

Nesse sentido, uma das questões cruciais de nosso tempo é saber se as conquistas obtidas pela Operação Lava-Jato são realmente um ponto de inflexão no combate à corrupção no país ou apenas um evento circunstancial, fruto do acaso que uniu no mesmo processo policiais federais, procuradores e um juiz com perfis linha-dura e métodos ousados de investigação.

Ao nomear Sérgio Moro como ministro da Justiça, Jair Bolsonaro pretendeu sinalizar para seu eleitorado que, sim, a Lava-Jato representa uma mudança de paradigma no combate à corrupção no Brasil. O sucesso do ex-juiz federal nessa missão depende, no entanto, de uma transição bem-sucedida do plano individual para o institucional.

Angela Bittencourt: Só Bolsonaro poderá conter "curto-circuito"

- Valor Econômico

Rodrigo Maia busca apoio e governo se livra do toma-lá-dá-cá

O presidente Jair Bolsonaro está hospitalizado há duas semanas, recupera-se de cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia e deve retornar ao Palácio do Planalto em breve. Este é o seu desejo e também o desejo dos investidores que observam com surpreendente tolerância as trapalhadas na comunicação do governo e a estreia do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como articulador político da reforma da Previdência junto a governadores. O deputado é um novo ator no processo de interlocução do governo com a classe política, embora o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tenha oficialmente essa missão.

O ministro Paulo Guedes atribuiu a Rodrigo Maia a tarefa de angariar apoio para a reforma da Previdência. Se essa ação de um lado pode encrespar ainda mais a relação entre a Economia e a Casa Civil, de outro, abriu um campo de manobra para o governo - sobretudo com os governadores - que uma das promessas de campanha do presidente Bolsonaro invibializa. Bolsonaro garantiu que não praticaria a política do "toma-lá-dá-cá", recorrente nos governos anteriores. Mas, sem alguma troca, é improvável que o governo obtenha os votos necessários para aprovar a reforma previdenciária.

Levantamento realizado pela MCM Consultores Associados mostra que, de fato, o atual governo é o que tem a menor participação de políticos no comando de ministérios, quando comparado às administrações anteriores, como demonstra o gráfico abaixo. Enquanto no governo Bolsonaro essa participação é de 27%, no governo Temer chegou a 93% e, no segundo mandato de Lula, a 86%. Desde a década de 1990, só Collor "empregou" menos políticos que Bolsonaro, 19.

Cida Damasco: Previdência na real

- O Estado de S.Paulo

Governo insiste em reforma ousada, mas já há apostas nos pontos que vão cair

Lá atrás, nos primeiros tempos do governo Temer, porta-vozes da área financeira, dos setores produtivos e especialistas diziam acreditar piamente que sairia uma reforma da Previdência ao gosto dessa parcela da sociedade. Por isso mesmo, enquanto a atividade econômica patinava, os mercados seguiam firmes e fortes.

Mais tarde, quando o cenário político começou a se misturar com o policial, envolvendo os ocupantes do Palácio do Planalto na Lava Jato, a confiança numa reforma parruda foi sendo minada. Mesmo assim, o raciocínio que sustentava a alta das bolsas e o sossego do câmbio era “melhor uma reforma mais fraca do que nenhuma”. Seguindo esse roteiro, a reforma ficou cada vez mais fraca, a ponto de cair pela metade a previsão inicial de um ganho fiscal na marca dos R$ 800 bilhões em 10 anos, e acabou arquivada pelo governo.

Com a chegada ao poder de Bolsonaro e a turma de liberais de Paulo Guedes, a Previdência volta ao centro da cena, só que agora com expectativas bem mais ambiciosas. A crescente fragilidade das contas públicas e a ousadia das metas repetidas pela equipe econômica, ainda que por meio de declarações desordenadas, dão origem a um novo enunciado.

Não há mais dúvidas sobre a vontade política de mudar a Previdência. Até nas oposições é raro alguém discordar dessa necessidade. Mas agora já não basta qualquer reforma, é preciso fazer “a reforma”. Com tudo que ela tem direito: fixação de idade mínima compatível com as novas características demográficas do País, eliminação de privilégios de setores e categorias, como servidores públicos, militares e políticos, abrangência de regimes previdenciários de Estados e municípios, criação de um regime de capitalização para as futuras gerações e assim por diante. Tudo para estender o “prazo de validade” da reforma, dispensando um novo desgaste para negociar novas mudanças.

Ricardo Noblat: O risco de um Estado repressor

- Blog do Noblat | Veja

Sinais de que a democracia pode ser minada

O esforço bem intencionado de muitos em tentar normalizar o presidente Jair Bolsonaro e seu governo de extrema direita sofreu um duro golpe com a revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sob o controle do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, está de olho nas atividades do que chama de clero de esquerda da Igreja Católica.

E não só a ABIN, com escritórios em Manaus, Belém, Marabá e Boa Vista, já acionados. Relatórios a respeito também foram produzidos pelo Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e o Comando Militar do Norte, sediado em Belém. Trata-se, pois, de uma operação abrangente de inteligência que permite ao governo monitorar os passos de autoridades religiosas e de ONGs.

Em outubro próximo, sob a presidência do Papa Francisco, cerca de 250 bispos do Brasil, Peru, Venezuela e de outros países do continente se reunirão em Roma para discutir os principais problemas da Amazônia e dos povos que a habitam. O governo acha que isso representará encrenca certa para sua imagem lá fora e para a política ambiental que defende.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, no entendimento de generais que cercam Bolsonaro, a Igreja Católica por aqui sempre foi “um braço do PT” e, agora, com a derrota eleitoral colhida pelo partido no ano passado, ela imagina assumir de vez a liderança da oposição ao governo. O encontro em Roma é visto pelo general Heleno como uma clara “interferência em assunto interno do Brasil”.

O Ministério das Relações Exteriores pressionará o governo italiano para que interfira junto ao Papa em favor dos interesses do governo brasileiro. A embaixada do Brasil no Vaticano foi avisada de que deverá fazer o mesmo. Planeja-se a realização em Roma de um simpósio para divulgar as ideias ambientais de Bolsonaro na mesma data da reunião dos bispos com o Papa Francisco.

Onde no mundo das redes sociais, da economia globalizada, pode-se ainda falar em “assunto interno” ou exclusivo de um país? Nos Estados Unidos de Donald Trump, sob a suspeita de ter sido eleito com a colaboração do governo russo? Na Venezuela do ditador Nicolás Maduro, ameaçado de ser deposto por um movimento também apoiado pelo governo de Bolsonaro?

O mais ridículo da ofensiva contra a Igreja é que os generais de Bolsonaro parecem nada ter aprendido com seus colegas da ditadura de 64 que perseguiram o que chamavam de “ala progressista” do clero e se deram mal. A expressão “ala progressista”, tão comum naquela época, por sinal foi ressuscitada pelo general Heleno. Ele parece ignorar que a Igreja Católica mudou desde então.

João Paulo II, o terceiro Papa mais longevo da história da Igreja, aproveitou seu reinado de quase 26 anos e meio para liquidar com a “ala progressista” em toda parte onde ela existia. Seu sucessor, Bento XVI, foi um implacável adversário da Teologia da Libertação que tantas dores de cabeça deu a governos conservadores ou simplesmente de direita mundo a fora.

Se comparado com seus antecessores, o Papa Francisco estaria à esquerda deles no enfrentamento dos problemas sociais e de outros temas contemporâneos como a globalização, por exemplo, e a questão ambiental. O governo Bolsonaro conceber que Francisco será sensível aos seus apelos e pressões é não conhecê-lo nem um pouco. É também dar-se uma importância que não tem.

É no laboratório do general Heleno que estão sendo manipuladas as primeiras e mais escandalosas restrições ao pleno Estado de Direito. Envolver comandos militares na espionagem à Igreja e a movimentos sociais a ela ligados pode ser a mais explosiva, mas a única não é. Foi do laboratório de Heleno que saiu o Decreto 9.690 que desfigurou a Lei da Transparência.

Há poucos dias, Heleno disse que mandou investigar como vazou para a imprensa a minuta do projeto de reforma da Previdência. Com isso o que ele quer não é necessariamente descobrir o responsável pelo vazamento, mas sim intimidar funcionários que possam colaborar com os jornalistas para tornar públicas informações que o governo prefere manter escondidas.

Tudo que atente contra a liberdade e os direitos dos cidadãos serve para minar a democracia. Bolsonaro e seus devotos, fardados ou não, sempre foram partidários de um Estado autoritário. Uma vez no poder, convenhamos, estão sendo apenas coerentes com o que pensam e pregaram durante a campanha. De estelionato eleitoral, não serão jamais acusados.

Fernando Gabeira: Um futuro para Brumadinho

- O Globo

Ter o mais belo museu a céu aberto do mundo e uma estrutura de hotéis e restaurantes sugere o novo caminho

De novo em Brumadinho, desta vez para falar de reconstrução, como em Mariana. A cidade tem dois polos: cultura e mineração. O Museu de Inhotim, erguido no meio de um lindo pedaço da Mata Atlântica, pode ser um dínamo desse processo. Recebe 350 mil pessoas por ano e reabriu neste fim de semana. Nele trabalham 600 pessoas.

Se os artistas brasileiros quiserem dar uma força, é possível fazer a cidade transitar da hegemonia da mineração para se tornar um centro cultural. Será preciso apenas esquecer as diferenças ideológicas. Certos temas de união nacional ajudam até a lidar com as divergências.

Não sou especialista em barragens. Os engenheiros pensam coisas claras. Um deles sugeriu que a barragem se rompeu por liquefação. Desde esse momento, levei a serio a hipótese.

Agora, fico sabendo que a barragem de água estava a montante do minério armazenado. Vazava constantemente. A Vale construiu um cano para desviar essa água. Mas será que foi suficiente? Os sensores funcionavam mal, e faltavam cinco deles.

O atestado de estabilidade dado pela empresa alemã TÜV SÜD tratou desse tema. E parece que houve pressão para que os alemães transigissem: ou davam o atestado de estabilidade ou seria rompido o contrato com a Vale.

Demétrio Magnoli: Ladrões de petróleo

- O Globo

‘A propriedade é um roubo!”, escreveu Pierre-Joseph Proudhon em 1840. Karl Marx fez gato e sapato do anarquista francês, explicando que a economia capitalista é um tanto mais complicada que isso. Não adiantou, a julgar pelas inclinações proudhonianas da esquerda contemporânea, em particular quando se trata de julgar as motivações do “imperialismo americano”. Fernando Haddad, por exemplo, mesmo ao criticar (suavemente) a presença de Gleisi Hoffmann na posse de Nicolás Maduro, dirigiu suas baterias contra a oposição venezuelana, acusando-a de “buscar um status quo anterior”, quando a Venezuela seria “um quintal cheio de petróleo para os americanos”.

A ideia do roubo de recursos naturais corre solta, em meio ao dramático declínio intelectual da esquerda. Há décadas, circula a tese de que os americanos planejam surrupiar a água doce da Amazônia, a fim de abastecer a insaciável Califórnia. Nunca se esclareceu se isso se faria por meio do transporte em baldinhos ou por via técnica menos dispendiosa. No caso do petróleo, porém, a noção infantil do roubo parece menos fantasiosa e, talvez por isso, ganhe ares de coisa séria o suficiente para ser incorporada ao discurso de um professor de Filosofia.

Mas qual roubo? No tempo em que a Venezuela era “um quintal cheio de petróleo”, os americanos o compravam, segundo cotações definidas pelo mercado mundial. Os malvados americanos não ditavam os preços do barril. Antes, a Opep o fazia, sob influência decisiva da Arábia Saudita. Depois, com a explosão do óleo de xisto nos EUA, o mercado tornou-se mais competitivo. Num ponto intermediário, os preços do barril saltaram a níveis recordistas, em torno de US$ 100. Nesse período, a Venezuela seguiu, alegremente, exportando óleo para os EUA — o que propiciou a Hugo Chávez expandir sua popularidade e consolidar seu regime.

Cacá Diegues: Quando o governo começar

- O Globo

Brasil é país política e culturalmente esquizofrênico, onde duas coisas opostas entre si podem estar acontecendo

Quando leio as notícias ou vejo o noticiário político na televisão, tenho sempre a impressão de que este governo só vai mesmo começar quando o presidente deixar o hospital onde se recupera, trocando-o pelo Palácio do Planalto. Não adianta me dizer que ele está despachando da enfermaria do Albert Einstein, em São Paulo. Quero vê-lo naquele cômodo modernoso, sentado àquela mesa ornamental onde víamos nossos chefes de Estado anteriores decidir com seus auxiliares o que fazer do país. Aí, sim, vou poder saber com clareza para onde estamos indo.

Fico feliz quando ele nega com veemência não ter censurado o filme da cura gay, “Boy Erased”, que a Universal retirou de cartaz antes de ele entrar em cartaz. Como fico preocupado quando o ministro da Educação diz as besteiras que disse à revista “Veja”, afirmando que foi o que ouviu do presidente, quando este o convidou a ocupar o posto. Ainda não sei direito, com exatidão, qual dos dois é o nosso chefe de governo. O que, além das razões humanitárias, me faz ficar ansioso para que ele se cure logo de seu intestino ferido no atentado boçal que sofreu durante a campanha.

Há algum tempo, li, em algum lugar, uma declaração do filósofo Mangabeira Unger dizendo que a eleição de Jair Bolsonaro era uma “resposta tosca” à aspiração legítima de um Brasil profundo. A gente nunca chega a conclusão alguma diante de uma frase como esta, mas o professor de Harvard tem razão. Se o Brasil o elegeu, é porque tinha algum plano para e com ele, baseado no que ele diz ou em como ele é. Como tenho a pretensão de bem conhecer o país que acompanho há tanto tempo, acho mais provável que o eleitor tenha se encantado mais com o estilo do que com a sintaxe. Mas o mistério continua e, quem sabe, só vai terminar depois que o presidente receber finalmente alta de seus médicos.

Governo recorrerá à Itália para evitar ataques de bispos

Governo tenta se blindar de críticas a políticas ambientais durante Sínodo sobre Amazônia, visto como parte da ‘agenda da esquerda’

Tânia Monteiro |O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Como parte de uma estratégia para combater a ação do que chama de "clero progressista", o Palácio do Planalto recorrerá à relação diplomática com a Itália, que vive um bom momento desde o esforço do presidente Jair Bolsonaro para garantir a prisão de Cesare Battisti. A equipe de auxiliares de Bolsonaro tentará convencer o governo italiano a interceder junto à Santa Sé para evitar ataques diretos à política ambiental e social do governo brasileiro durante o Sínodo sobre Amazônia, que será promovido pelo papa Francisco, em Roma, em outubro.

O Estado revelou ontem que o Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição ao governo, como efeito da perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Em nota divulgada na noite deste domingo, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) confirmou que existe "preocupação funcional com alguns pontos da pauta” do evento e que parte dos temas "tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional".

Nos 23 dias do Sínodo, as discussões vão envolver temas como a situação dos povos indígenas e quilombolas e mudanças climáticas - consideradas "agendas de esquerda" pelo Planalto. O governo quer ter representantes nas reuniões preparatórias para o encontro em Roma.

A ação diplomática do Planalto terá várias frentes. Numa delas, o governo brasileiro quer procurar os representantes da Itália e do Vaticano no Brasil - Antonio Bernardini e d. Giovanni D'Aniello, respectivamente - para pedir a ajuda deles na divulgação dos trabalhos brasileiros nas áreas social, de meio ambiente e de atuação indígena. Serviria como contraponto aos ataques que o governo está certo que sofrerá no Sínodo, por ver influência de partidos de esquerda nesses setores. Os embaixadores do Brasil na Itália e no Vaticano também terão a missão de pressionar a cúpula da Igreja para minimizar os estragos que um evento como esse poderia trazer, dada a cobertura da mídia internacional.

Simpósio. Em outra ação diplomática, o Brasil decidiu realizar um simpósio próprio também em Roma e em setembro, um mês antes do evento organizado pelo Vaticano. Na pauta, vários painéis devem apresentar diferentes projetos desenvolvidos no País com intuito de mostrar à comunidade internacional a "preocupação e o cuidado do Brasil com a Amazônia". "Queremos mostrar e divulgar as ações que são desenvolvidas no Brasil pela proteção da Amazônia na área de meio ambiente, de quilombolas e na proteção dos índios", disse um dos militares do Planalto.

Também no Brasil, o governo quer fazer barulho e mostrar projetos sustentáveis. O primeiro evento já será nesta quarta-feira, na aldeia Bacaval, do povo Paresi - a 40 quilômetros de Campo Novo do Parecis, no norte de Mato Grosso. Ali, será realizado o 1.º Encontro do Grupo de Agricultores Indígenas, que tem por objetivo celebrar a Festa da Colheita.

O evento já estava marcado, mas o governo Bolsonaro quer aproveitar o encontro para enfatizar o projeto de agricultura sustentável tocado pelos índios naquela região. Trata-se do plantio de dois mil hectares de soja sob o regime de controle biológico de pragas, ou seja, sem pesticidas. Mais de dois mil indígenas (dados do último censo do IBGE) têm se revezado também no plantio de milho, mandioca, abóbora, batata, batata-doce e feijão. A nova direção da Funai afirma que pretende incentivar projetos semelhantes em áreas onde os índios tenham interesse em plantar em suas terras.

A apresentação de projetos de extração legal de madeira, assim como o apelo às empresas estrangeiras para que só comprem material certificado, é uma outra ideia para divulgar trabalhos realizados no Brasil. Com isso, o governo espera abrir outra frente de contraponto ao que vê como tentativa de interferência externa na Amazônia e ataque a políticas governamentais.

'Desnecessária'. Para o presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), d. Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), essa preocupação do governo é desnecessária. "O Sínodo não tem a intenção de dar norma para o governo, mas de encontrar caminhos que nos ajudem a viver a solidariedade e a fraternidade com as populações que vivem na Amazônia há milhares de anos", disse d. Roque. / Colaborou Felipe Frazão

Leia a nota divulgada pelo Gabinete de Segurança Institucional:

Pauta conservadora em segundo plano deixa inquieta base aliada de Bolsonaro

Análise e aprovação da reforma da Previdência são prioridades do governo no Congresso

Anna Virginia Balloussier e Angela Boldrini | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Que a reforma da Previdência é o filho preferido do governo Jair Bolsonaro todo mundo já entendeu.

Mas relegar a segundo plano as pautas de costumes no Congresso, quadro já sinalizado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é algo que parlamentares eleitos a reboque de uma plataforma conservadora não pretendem aceitar calados.

Afilhado político do pastor Silas Malafaia e com planos de disputar a presidência da bancada evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirma que pôr na fila de espera projetos “pró-família” seria uma estratégia equivocada que poderia inclusive prejudicar, por tabela, a reforma previdenciária.

Para Sóstenes, “votações um pouco menos sérias do que é a Previdência” poderiam servir de termômetro para a nova administração testar com quantos congressistas de sua base ela pode de fato contar.

“Ninguém coloca pra testar em votação o assunto principal do governo. Com certeza a Câmara tratará anteriormente de alguns temas polêmicos, acho que ligados a costumes, até pra testar a real força do governo. É simples”, afirma.

Nos bastidores, há receio de passar um cheque em branco: apoia-se a reforma prioritária para o governo sem garantia de que, lá para frente, a fatura será paga com o endosso a projetos de lei polêmicos, vide o Escola Sem Partido, que foi arquivado por uma comissão da Câmara em dezembro e reapresentado pela deputada caloura Bia Kicis (PSL-DF).

Maia tem afirmado que priorizará o debate previdenciário sobre outros temas na Casa. À Folha ele disse que, se “estressar o plenário” antes de votar a pauta econômica, o ambiente para que ela seja aprovada ficaria precário.

Próximo a Maia, o ministro Gustavo Bebiano (Secretaria-Geral) também já deu declarações indicando que é melhor deixar os costumes de lado e focar no enredo econômico.

Conservador, Vélez ainda não mostra diretriz para o MEC

Discreto na universidade, Vélez quer ser visto como pensador na Educação

Titular da pasta da gestão Bolsonaro não teve grande projeção como docente, dizem ex-colegas

Paulo Saldaña | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Uma postagem no Twitter do então presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) na noite de 22 de novembro tirou um professor colombiano radicado no Brasil desde a década de 1970 de um considerável anonimato. Até dias antes do anúncio, o próprio Ricardo Vélez Rodríguez, 75, jamais havia pensado que um dia seria ministro da Educação.

Nem político nem gestor, Vélez Rodriguez nunca participou de discussões sobre educação pública, apesar de ter considerável publicação de artigos e livros.

Teve carreira discreta na própria instituição onde atuou por quase 30 anos, a UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), segundo ex-colegas ouvidos pela Folha.

Já para parte dos apoiadores de Bolsonaro, chegou ao MEC um profundo conhecedor do que seria o “pensamento brasileiro”, além de figura afinada com a agenda cultural do novo governo, como o combate à suposta predominância do marxismo nas escolas.

Também foi louvado por religiosos e conservadores que querem interditar discussões de gênero na escola por verem nisso uma ameaça à família e aos valores cristãos.

No MEC, Vélez Rodríguez cercou-se de ex-alunos (três dos seis secretários, grupo que ele chama de aluninhos), abrigou militares e tem buscado para si a posição de um “ministro pensador”.

Na posse do cargo, exaltou a família, a igreja e valores tradicionais e disse que combateria o marxismo cultural na educação. Nos bastidores, ele tem articulado o tema.

Um pedido para que a equipe jurídica do ministério preparasse parecer para acabar com o CNE (Conselho Nacional de Educação) acabou não prosperando internamente.

O órgão, que analisa políticas educacionais importantes como alterações curriculares, é chamado pelos atuais ocupantes do MEC como “conselho soviético da educação”.

Persistem no ministério discussões sobre como interferir de modo mais ativo na composição do conselho. A indicação de religiosos foi aventada.

O desligamento, pouco antes da posse, do sociólogo Antonio Testa, que coordenava a transição no MEC e seria o secretário-executivo, causou incômodo entre os generais que apoiam o governo e de quem Testa é próximo.

Por outro lado, Vélez tem próximo a ele um grupo do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), instituição de excelência no ensino superior.

Nas únicas duas entrevistas que concedeu à imprensa profissional, o filósofo desgastou-se ao expor o que pensa.

Disse ao jornal Valor Econômico que não é possível haver universidade para todos. No Brasil, apenas 18% dos jovens têm ensino superior, índice inferior a países da América Latina.

Em declaração à revista Veja, ele disse que o brasileiro é um canibal que rouba aviões e hotéis. A entrevista o desgastou até dentro do governo.

Proposta de Onyx flexibiliza porte de arma em aeronaves

Em breve volta à Câmara, chefe da Casa Civil reapresenta texto que derruba resolução da Anac que limita pessoas autorizadas a embarcar armadas

Victor Farias* | O Globo

BRASÍLIA - O ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que deixou o cargo no final da semana passada para uma volta rápida à Câmara dos Deputados, reapresentou proposta de decreto legislativo para suspender uma resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que limita as pessoas autorizadas a embarcar com armas em aviões. A Anac defende que as normas aumentam a segurança a bordo de aeronaves.

Para pedir a reapresentação do texto, Onyx foi exonerado temporariamente do cargo de ministro-chefe da Casa Civil na quinta-feira. A proposta foi feita em coautoria com Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho presidente Jair Bolsonaro.

A resolução que Onyx e Eduardo querem suspender determina que só podem entrar armados em aeronaves os agentes públicos que comprovem estar realizando escolta de autoridades, testemunhas e passageiros em custódia. A autorização também vale para agentes em deslocamento convocados para realizar serviços e que estão desempenhando papel de vigilância.

ANAC: MAIS SEGURANÇA
A comprovação da necessidade de portar a arma durante a viagem, segundo a resolução, é realizada com a apresentação de documentos à Policia Federal. Quem não se encaixar nesses casos precisa despachar a arma na bagagem.

Para os dois deputados, as normas estabelecidas “dificultariam sobremaneira o trabalho de agentes de segurança, criando barreiras desnecessárias e até abusivas”. Onyx e Eduardo Bolsonaro também afirmam que a agência extrapolou suas prerrogativas ao legislar sobre esse assunto. Segundo eles, é dever do Ministério da Justiça e do Exército regulamentar o transporte de armamentos.

Ações no TSE e no STF miram contas de Davi Alcolumbre

Procedimentos investigam se novo presidente do Senado usou notas fiscais frias e empresas da família e de contador para justificar gastos da campanha em 2014

Fabio Leite | O Estado de S. Paulo

Alvo de três ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo supostas fraudes na campanha de 2014, o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), usou empresas da família e do contador e presidente do comitê financeiro do partido para justificar gastos de R$ 763 mil que estão sob suspeita.

Em novembro passado, a ministra Rosa Weber, do STF, negou pedido de arquivamento da investigação feito pelo senador e autorizou a quebra de sigilo bancário do contador da campanha de Davi, Rynaldo Gomes, e de sua empresa, a R.A.M. Gomes. Gomes recebeu R$ 478 mil da candidatura do senador e do comitê do DEM – as contabilidades de ambos são controladas por ele. Os inquéritos estão em segredo de Justiça.

Gomes é peça central tanto nas ações no TSE, que pedem a cassação de mandato de Davi por abuso de poder econômico, quanto nos inquéritos no STF, que investigam suposto crime de falsidade ideológica. Ele é acusado de ter usado cinco notas frias no valor de R$ 157 mil em nome da empresa L.L.S. Morais-ME na prestação de contas da campanha de Davi e de ter falsificado documento da Prefeitura de Macapá para tentar regularizar a contabilidade.

Uma quebra de sigilo parcial feita ainda durante investigação no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) constatou que R$ 34 mil referentes a serviços prestados pela L.L.S. foram transferidos para a conta bancária de Gomes. A apuração teve origem em três ações eleitorais movidas pelo ex-senador Gilvam Borges (MDB-AP) – aliado de José Sarney, derrotado por Davi –, pela coligação e partido dele.

O TRE-AP indeferiu o pedido de cassação de mandato em 2016 entendendo que a participação ou ciência de Davi sobre a fraude não foi comprovada e determinou que o crime de falsidade ideológica fosse apurado em uma ação penal, aberta naquele ano. Três recursos foram apresentados ao TSE e estão desde agosto do ano passado no gabinete do ministro Edson Fachin.

Em abril do ano passado, o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu em três pareceres a cassação do mandato de Davi e dos dois suplentes – um deles, Josiel Alcolumbre, é irmão do senador. O procurador afirmou que “restou comprovada a contaminação da campanha eleitoral” de Davi pelas “ações ilícitas em tratativa”. E, segundo ele, é “impossível desvincular dos candidatos a figura de Rynaldo Antônio Machado Gomes”, contador responsável pela prestação de contas, fornecedor de campanha e presidente do comitê financeiro do DEM.

Gasolina. Além das ações envolvendo o contador, também são alvo de questionamento no TSE pagamentos de R$ 285 mil com “combustíveis e lubrificantes” feitos pela campanha de Davi e pelo comitê financeiro do DEM para a empresa Salomão Alcolumbre & Cia Ltda., que pertence a uma tia e primos do senador.

Fracassa estratégia governista de bloquear oposição

Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA - Com a base aliada desarticulada, deputados governistas não tiveram sucesso em blindar o Planalto na Câmara. Os parlamentares alinhados ao presidente Jair Bolsonaro enfrentam dificuldades para conseguir as 171 assinaturas necessárias para protocolar cinco Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara, número máximo que o regimento permite. A estratégia era não deixar espaço para a oposição. Mas os situacionistas conseguiram protocolar apenas três CPIs, o que abre uma janela para a oposição criar duas.

Parlamentares da base aliada e do próprio PSL atribuem as dificuldades à pouca eficiência do líder do governo na Casa, Major Vitor Hugo (GO), em construir uma base aliada mais consistente - o que poderia facilitar o trabalho deles na coleta de assinaturas. Segundo fontes, o governo sugeriu que os deputados aliados apresentassem pelo menos sete CPIs.

Após uma semana do início dos trabalhos, apenas três conseguiram adesão suficiente: para investigar as causas da tragédia de Brumadinho e fiscalizar a situação de obras semelhantes no país, da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP); para apurar empréstimos externos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), realizados entre 2003 e 2015 para países como Venezuela e Cuba, do deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP); e para investigar os gastos do governo federal com publicidade estatal nos últimos anos, da deputada Caroline de Toni (PSL-SC).

Na oposição, o PT está investindo em dois temas: uma CPI sobre as movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) à época em que o parlamentar estava na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e outra sobre caixa dois para fake news e distribuição de conteúdo no WhatsApp na campanha presidencial.

Correligionários de Major Vitor Hugo avaliam que o fiasco da base na tentativa de criar comissões para apurar denúncias é reflexo do fracasso do líder do governo em suas investidas para engordar a aliança em torno do governo. Na semana passada, as dificuldades de articulação do líder do governo ficaram evidentes, após uma reunião convocada por ele ter ficado esvaziada - na ocasião, apenas sete líderes compareceram.

MDB, PSDB e PT perdem protagonismo na Câmara e no Senado

Além de não ter presidências, partidos têm menor participação em cargos de direção no Congresso

Renata Agostini e Ricardo Galhardo | O Estado de S.Paulo

Após três décadas ditando os rumos da política no País, MDB, PT e PSDB viram-se apeados não apenas da presidência das duas Casas legislativas, mas também dos cargos da Mesa Diretora da Câmara. É a primeira vez desde a redemocratização que as três siglas, que concentram o maior número de filiados, ficam de fora dos postos de comando da Casa.

As legendas tiveram de se contentar com vagas de suplência para que não ficassem totalmente alijadas do arranjo capitaneado por Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em outro lance, o PT ainda corre o risco de perder a liderança da minoria na Casa, por força de pressão de bloco encabeçado por PDT e PCdoB.

No Senado, o desenho final costurado por Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudou a atenuar a perda de espaço do PSDB, que conquistou a 1.ª vice-presidência. O MDB, que mirava a presidência com Renan Calheiros, acabou ficando com uma das secretarias. Já o PT perdeu a 1.ª secretaria e passou a ter a 3.ª suplência da Mesa.

Cabe à Mesa Diretora dirigir os trabalhos legislativos. Esses cargos também concentram poderes como examinar ressarcimentos de despesas médicas, pedidos de passagens áreas e emissão de passaportes diplomáticos. Além de conferir prestígio, são vagas importantes para os partidos tendo em vista os cargos de assessoria a que têm direito.

O ocaso de PT, MDB e PSDB na Câmara é visto como reflexo do desempenho que tiveram nas urnas e de erros de estratégia após a eleição, segundo parlamentares ouvidos pelo Estado. “Novas forças políticas emergiram. Estamos na Legislatura do ‘se vira nos trinta’, diversas bancadas com cerca de 30 deputados. Isso alterou também o peso de cada partido na hora da negociação”, diz Marcos Pereira (PRB-SP), deputado em primeiro mandato e que foi eleito 1.º vice-presidente da Câmara.

O MDB, que já teve a maior bancada da Casa, foi o que mais minguou na última eleição: saiu de 66 eleitos, em 2014, para 34 em 2018. Hesitou em unir-se ao bloco costurado por Maia, selando o apoio somente às vésperas da eleição, quando as principais vagas da Mesa já haviam sido negociadas. Ficou com uma suplência e ainda disputa nos bastidores a presidência de uma comissão importante. Desde a Constituinte, o partido jamais ficara sem um posto na Mesa Diretora. “Tinham a fonte a seu lado, não deram bola, e agora terão de se contentar com um copo d’água”, diz o deputado Hugo Leal, do PSD, um dos primeiros partidos a fechar com Maia.

'Não vejo o PSDB integrado ao governo', diz Tasso

Entrevista com Tasso Jereissati, senador (PSDB-CE)

Tucano critica ‘visão de extrema-direita’ de ministros de Bolsonaro, mas fala em ‘momento propício’ para reformas

Renan Truffi | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - No ano passado, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) liderou um movimento para que o seu partido desembarcasse da gestão de Michel Temer. Agora, em meio à aproximação entre o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), e o presidente Jair Bolsonaro, o tucano volta a defender que o partido deva se afastar “de visões de extrema-direita” presentes no Palácio do Planalto. Para Jereissati, a única afinidade entre tucanos e bolsonaristas é na política econômica, em prol da reforma da Previdência. “Eu não enxergo o PSDB totalmente integrado ao governo, até pelas diferenças que nós temos. A grande afinidade que nós temos é em relação à política econômica”, afirmou Jereissati ao Estadão/Broadcast. Neste ponto, o senador disse que “nunca houve um momento tão propício” no Senado para a aprovação da reforma e que entre os senadores tucanos existe “a convicção” sobre uma reforma “imediata” e “de certa profundidade”.

• O que o sr. achou da eleição para a Mesa do Senado? Houve desgaste de imagem da Casa?

Foi o ápice do desgaste, mas o ponto mais alto da crise do Senado foi necessária para a ruptura com o passado. Com certeza, foi um espetáculo degradante, que desnudou alguns personagens para o Brasil, mas foi um momento em que foi rompido o predomínio de um grupo depois de quase 30 anos. Acho que consolidou o fim do monopólio desse grupo no Senado durante esses anos.

• Preocupa o fato de o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ter o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, como padrinho?

Ele, com certeza, teve o apoio do ministro Onyx, mas a teia de compromissos que ele firmou aqui dentro do Senado vai dar a independência que ele necessita e, com certeza, quer.

• O governo tem condições de aprovar uma reforma da Previdência no Senado?

O governo sozinho não tem essa maioria no Senado. O governo, inclusive, é muito heterogêneo, tem alas diferentes e visões diferentes. É difícil você quantificar. Agora, nunca houve um momento tão propício dentro do Senado para fazer essas reformas. Não podemos desperdiçar essa oportunidade.

• Na gestão Temer, o PSDB ficou dividido sobre proposta de reforma da Previdência. E agora?

É uma boa vontade unânime aqui dentro do PSDB do Senado. Evidentemente que tem pontos aqui e ali, ninguém é unânime em todos os pontos. Mas a convicção de que tem de haver uma reforma da Previdência, de certa profundidade e imediata, isso é unânime dentro do partido aqui no Senado.

Ajuste fiscal, uma tarefa para curto e longo prazos: Editorial | Valor Econômico

Na semana que passou, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, adotou um tom cauteloso para o cenário fiscal deste ano. Ele se mostrou reticente com a possibilidade de zerar o déficit primário em 2019, promessa que foi reiterada, também na semana passada, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Mansueto destacou que o mercado aceita a estratégia de ajuste gradual, adotada no governo Michel Temer e que continuaria em curso. Isto, avaliou, estaria evidenciado pela alta da bolsa, valorização do real e queda dos juros de mercado. A leitura do secretário é que, uma vez que o processo de reformas estruturais continue avançando, em especial a da Previdência, o resultado efetivo das contas públicas neste ano é menos importante para a leitura dos investidores e empresários sobre o Brasil.

Embora continue enfatizando o sonho de zerar o déficit em 2019 e demonstre mais urgência em obter resultados fiscais melhores no curto prazo, Paulo Guedes reconhece que a tarefa não será fácil. Chega a admitir, inclusive, a possibilidade de as contas públicas encerrarem o ano com um saldo negativo da ordem de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões, especialmente se houver uma costura com Estados para transferir recursos da cessão onerosa do pré-sal. De fato não seria um mau resultado, dado que o déficit estimado para 2019 é de R$ 139 bilhões.

Apesar de a velocidade de redução do déficit ser uma questão secundária em relação à necessidade de se avançar rapidamente na reforma da Previdência, a maior ambição demonstrada por Guedes para melhorar as contas faz todo sentido para um país que já tem uma sequência de cinco anos consecutivos de déficits primários.

Como o próprio Mansueto lembrou quando divulgou o resultado do Governo Central de 2018 - déficit de R$ 120,3 bilhões -, desde a Constituição não se verificava uma série tão ruim de resultados. Por isso, ainda que se conte com a boa vontade do mercado financeiro, o governo não pode descansar. E, como sinaliza o ministro, precisa mesmo trabalhar com afinco para, independentemente das reformas, torná-lo o menor possível também no curto prazo.

Desafios privatistas: Editorial | Folha de S. Paulo

Equipe de Paulo Guedes mostra desassombro ao prever venda ampla de estatais, mas ainda não apresentou estratégia viável para tal programa

A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (PSL) dá mostras inequívocas de que pretende lançar um programa ambicioso de privatizações, com rapidez inédita.

Ao fim deste mandato presidencial, conforme se indica, ficariam sob controle estatal não mais do que Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal —ainda assim em versões muito mais enxutas, com a venda de grande parte das mais de 50 subsidiárias dessas chamadas “joias da coroa”.

Iriam a mercado, ademais, as participações que o governo detém em empresas privadas por meio do BNDES, banco oficial de fomento.

Se o desassombro nessa seara sempre espinhosa merece elogios, sabe-se ainda muito pouco, porém, a respeito do planejamento e da viabilidade da empreitada.

Muitas estatais dificilmente serão privatizáveis, por se tratar na prática mais de agências ou departamentos de governo, sem interesse para o mercado. Recorde-se também que o Supremo Tribunal Federal ainda deve decidir se as vendas podem ser realizadas sem autorização do Congresso.

Além do mais, há dificuldades típicas de qualquer operação do gênero. Por exemplo, o ministro Paulo Guedes, da Economia, tem ressaltado a importância da receita de privatização para o abatimento da dívida pública. Ora, o valor arrecadado será tanto maior quanto menor a taxa de juros e quanto mais confiantes estiverem os agentes econômicos.

Essa perspectiva otimista, entretanto, depende da aprovação da reforma da Previdência Social, um processo que deve se arrastar pelo menos até meados do ano.

Outra reforma necessária: Editorial | O Estado de S. Paulo

O endurecimento das regras para a abertura de concursos públicos em todos os órgãos federais, o corte de 21 mil cargos, comissões e funções gratificadas e a imposição da exigência de experiência e qualificação técnica para quem ocupar as funções que forem mantidas devem ser as primeiras medidas concretas da reforma administrativa do governo de Jair Bolsonaro. A reforma foi um dos temas da reunião ministerial conduzida pelo vice-presidente Hamilton Mourão na terça-feira passada, no Palácio do Planalto. Dada a situação financeira crítica do governo federal, reduzir gastos é um dos objetivos imediatos dessa reforma. Mas seu alcance e seus objetivos devem ser muito mais amplos. Entre as metas estão a melhora do relacionamento do poder público com os cidadãos, por meio da utilização de recursos digitais para facilitar e acelerar o atendimento das demandas da população, e a busca da eficiência operacional do aparelho estatal.

Há dezenas de milhares de cargos comissionados na administração pública federal. Eles são ocupados temporariamente por pessoas que não fazem parte dos quadros de servidores públicos. Há também cargos gratificados, ocupados por profissionais pertencentes ao quadro de servidores, mas deslocados de sua função original, recebendo por isso uma remuneração extra. Com o corte de 21 mil desses cargos, no prazo previsto de três ou quatro meses, a economia com a folha de salários poderá alcançar R$ 220 milhões por ano.

Caixa 2 não é apenas um crime eleitoral: Editorial | O Globo

Autos da Lava-Jato demonstram que o tráfico de dinheiro ilegal é delito grave, por degradar a política

Político receber dinheiro ou qualquer outro tipo de ajuda “por fora”, para campanha ou o que seja, já foi considerado parte dos usos e costumes da vida pública brasileira. Mas, felizmente, os padrões éticos evoluíram, e o chamado caixa 2 entrou na mira do Ministério Público e de juízes.

Um deles era Sergio Moro, que agora, na função de ministro da Justiça e Segurança Pública, incluiu a criminalização do “por fora” no pacote que envia ao Congresso, para permitir que o Estado brasileiro enfrente, com mais poder, a corrupção e a bandidagem organizada.

É uma iniciativa necessária no cerco, por todos os lados, que requer a tendência à delinquência observada em diversos segmentos da sociedade. O momento é mesmo de endurecimento na aplicação de leis penais.

Organizações criminosas, em que se incluem milícias, necessitam de fato de um enfrentamento mais duro. A repressão à corrupção, que historicamente tem na política e na vida pública terreno fértil para se desenvolver, já enfrenta os rigores da lei 12.850, da qual saiu fortalecido o instrumento da “colaboração (ou delação) premiada”.

As cláusulas pétreas: Editorial | O Estado de S. Paulo

Durante jantar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, no qual se tratou do risco de judicialização da reforma da Previdência, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, afirmou que a reforma deve respeitar as cláusulas pétreas da Constituição, o que ajudaria a diminuir a resistência do Judiciário às mudanças das regras previdenciárias, informou o Estado.

Certamente a reforma da Previdência deve respeitar as cláusulas pétreas da Constituição. Caso contrário, ela estaria à margem do sistema jurídico nacional e, portanto, seria inválida. A questão, no entanto, não se refere apenas ao conteúdo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo apresentará ao Congresso. O problema reside muitas vezes no modo como o Judiciário entende o que são as cláusulas pétreas.

A Constituição de 1988 é um texto de grande abrangência temática, que trata de variadíssimos assuntos. A Assembleia Constituinte, no entanto, estabeleceu que apenas quatro temas não poderiam ser alterados. O art. 60, § 4.º diz que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (i) a forma federativa de Estado, (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico, (iii) a separação dos Poderes e (iv) os direitos e garantias individuais”. Esses pontos constituem os fundamentos sobre os quais deve se apoiar o Estado Democrático de Direito - devendo, portanto, serem tidos como “cláusulas pétreas”, fora do alcance do legislador.

A filosofia de Olavo de Carvalho em debate

Professores universitários debatem lições dadas em aula on-line daquele que é considerado o ‘guru’ do novo governo

Olavo de Carvalho está errado e não entendeu Kant, dizem três nomes de destaque da academia brasileira

Dimitrius Dantas | O Globo, 10/02/2019

SÃO PAULO — “A formação da personalidade”, “Introdução ao método filosófico” e “Sociologia da Filosofia” são só alguns dos 14 cursos avulsos on-line oferecidos por Olavo de Carvalho, considerado por muitos como o “guru” do governo Bolsonaro. Na internet, Olavo, que emplacou os nomes de Ricardo Vélez Rodríguez como ministro da Educação e Ernesto Araújo, na pasta das Relações Exteriores, versa sobre todos os campos da filosofia. Faz isso não só nos chamados cursos livres que oferece, mas também em séries de aulas mais aprofundadas de temas como “Simbolismo e ordem cósmica”, “Guerra cultural” e “Esoterismo”.

São mais de 400 aulas e vídeos reunidos no “Curso On-Line de Filosofia”, que Olavo e seus seguidores costumam chamar de COF. O material pode ser acessado ao custo de R$ 60 mensais — há descontos para planos trimestrais, semestrais e anuais. Apesar de se autointitular filósofo, ele não tem formação acadêmica.

A pedido do GLOBO, três filósofos especialistas na obra de Immanuel Kant assistiram a uma aula on-line de Olavo, em que ele trata da obra do pensador alemão, que viveu no século XVIII e foi um dos principais nomes do Iluminismo. Esse movimento, em defesa da razão, da ciência e do estado laico, inspirou da Revolução Industrial à criação do Estado com a separação de poderes.

Maurício Keinert, professor de filosofia moderna na Universidade de São Paulo (USP); Maria Borges, professora de filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e presidente da Sociedade Kant Brasileira; e Daniel Tourinho Peres, professor especializado em filosofia alemã da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisaram as interpretações de Olavo sobre um dos principais textos de Kant, “O que é ilustração”, em que o alemão defende que todos os dogmas são passíveis de questionamento, inclusive os religiosos.

Na leitura de Olavo, Kant se opõe às religiões cristãs. Na visão dos três filósofos, o guru do bolsonarismo está equivocado.

— Olavo diz estar construindo uma comunidade de amigos em que todos pensam e querem a mesma coisa. Não é à toa que Kant seja um pensador que precisa ser deturpado. Para Kant, desacordo é bom, é assim que a gente cresce — diz Tourinho Peres.

Leia a seguir trechos da aula de Olavo e a avaliação dos professores.

Alexandre Puchkin (1799-1837): O prosador e o poeta

Por que te inquietas, prosador?
Escolhe os temas e, ao que for,
eu darei gume, alada rima,
e farei dele flecha exímia
que, após deixar a corda tesa
do arco dobrado servilmente,
voará certeira até que a presa,
nosso inimigo, se lamente!