terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Eliane Cantanhêde: Mais um fantasma

- O Estado de S.Paulo

Jogar a Igreja Católica no balaio de adversários não é prudente nem bom negócio

Razões para animosidade até há, mas alguém pode explicar por que, raios, o governo Bolsonaro precisava abrir mais um flanco e mirar na secular e poderosa Igreja Católica? Logo quando precisa concentrar energias e ampliar o leque de aliados para aprovar a reforma da Previdência e o pacote anticorrupção?

É verdade que o “clero progressista” – as Comunidades Eclesiais de Base, o Cimi e as comissões pastorais (Carcerária, da Terra, da Criança...) – manteve relações conflituosas com os militares e próximas com as esquerdas. O PT, aliás, foi criado em 1980 com base em sindicatos, universidades e setores da Igreja.

Daí o governo abrir uma guerra com bispos e padres não é prudente, nem um bom negócio. A Igreja Católica pode não estar no seu melhor momento, com suspeitas, denúncias e perda de fiéis para as denominações evangélicas, mas ainda é... a Igreja Católica. Está em toda parte, tem ramificação, tem eco, tem contato direto com as populações mais distantes e mais desamparadas pelo Estado. E canais no exterior.

A investida do Planalto contra a CNBB fica pior ainda porque Bolsonaro se rebatizou, foi eleito com apoio maciço dos evangélicos e até nomeou a pastora Damares Alves para um ministério fortemente social. A sensação é de que, além de optar por uma religião, em detrimento da outra, há uma tentativa de jogar católicos e evangélicos uns contra os outros.

Para piorar, setores de inteligência do governo parecem confundir e embolar bispos progressistas e padres que atuam na ponta com ambientalistas e indigenistas num mesmo saco de esquerda e de oposição.

Pela excelente manchete de Tânia Monteiro, no Estado, o que acendeu a luz amarela do Planalto foram relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertando para a possibilidade de os inimigos do governo aproveitarem o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, em outubro, como plataforma para criticar o governo Bolsonaro e ganhar espaço na mídia internacional – que, vale lembrar, tem sido muito refratária a Bolsonaro desde a campanha.

José Casado: O inimigo veste batina

- O Globo

Augusto Heleno Ribeiro Pereira tem precedência hierárquica na curadoria militar do governo Jair Bolsonaro. É da tradição dos quartéis, onde viveu 45 dos seus 71 anos de idade — a última dúzia como general.

A ascendência sobre Bolsonaro tem origem na dedicação do treinador da Academiadas Agulhas Negras, que ajudou o cadete Cavalão ase destacarem pentatlo moderno. A gratidão veio coma chefiado Gabinete de Segurança Institucional.

Desde que experimentou um biênio no Comando Militar da Amazônia (2007-2009), com 17 mil soldados em quatro brigadas de infantaria de selva, Ribeiro Pereira—mais conhecido como Augusto Heleno—enxerga um potencial de “teatro de operações” em metade do mapa do Brasil, por ausência do Estado.

Na últimas décadas, recitou em auditórios os clássicos da catequese sobre a “cobiça internacional” pela Amazônia, além de listar equações diplomáticas nos 11 mil kms da fronteira Norte com chance de “descambar para uma situação bélica”.

Agora, como disse à repórter Tânia Monteiro, mobiliza o governo para “neutralizar” o Vaticano, que programou para outubro o Sínodo da Amazônia, com batinas de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela, Perue Antilhas. Faltou o chefe do GSI definir “neutralizar”.

Argumenta com possíveis críticas do Vaticano à política para a Amazônia. Seria impossível, porque, se existe, até hoje ninguém viu — como o projeto de reforma da Previdência.

Míriam Leitão: Boechat: inquieto e contundente

- O Globo

Ricardo Boechat foi revolucionário na comunicação, por todos os veículos pelos quais passou, sempre inovou na maneira de tratar a informação

Ricardo Boechat era um amigo leal, a quem ficarei eternamente devendo inúmeros favores e palavras de apoio nos momentos em que mais precisei. Mas ontem foi dia de segurar o choro para dar a dimensão da perda para o jornalismo. É imensa. O jornalismo está de luto vivendo sua própria perda, neste ano das muitas dores brasileiras. Há momentos em que a notícia está dentro da gente, e está na manchete, ao mesmo tempo. Boechat talvez discordasse da decisão de fazer uma coluna sobre um jornalista e repetiria a velha frase “jornalista não é notícia”. A maneira que ele exerceu a profissão e o momento em que nos deixa tornam impossível ignorar as muitas reflexões que a sua morte suscita.

Boechat era ele mesmo. Era único. Seu jeito de trabalhar era inovador, sincero, corajoso, versátil e transformador. Ele foi da coluna do jornal para a televisão, para o rádio, para os tempos multimídia e da interatividade com a mesma naturalidade. Boechat nasceu comunicador, portanto, em cada veículo novo no qual ele passava a trabalhar, não apenas se adaptava instantaneamente, como inovava na maneira de tratar a informação.

Um revolucionário na comunicação, que buscava a relação cada vez mais direta, mais sincera, mais rápida com o seu leitor, ouvinte, telespectador, internauta. Essa interatividade extrema é uma das lições que deixa. Entre os jornalistas, ele tinha uma legião de fãs e amigos em todas as faixas etárias, por isso, nas pesquisas sobre jornalistas mais admirados, feitas entre a categoria pelo “Jornalistas & Cia”, ele foi várias vezes o primeiro.

Boechat fará uma falta imensa neste tempo de polarização política e social do país, porque ele procurava sempre, em cada análise, a palavra justa. Mesmo que fosse uma palavra forte, mesmo que parecesse duramente franca. Conseguia ser assim uma espécie de radical do equilíbrio. E, com este estilo único, ele iria, certamente, ao longo dos próximos e difíceis anos que temos pela frente, usar toda a sua sinceridade e lucidez, todo o seu talento, para fazer críticas a qualquer um dos lados das brigas políticas brasileiras.

Bernardo Mello Franco: Uma voz crítica que se cala

- O Globo

A voz crítica de Ricardo Boechat costumava irritar os poderosos que se julgam acima do bem e do mal. Há pouco tempo, um ministro do Supremo tentou silenciá-lo

Na semana passada, Ricardo Boechat reclamou que a tragédia de Brumadinho estava começando a sumir do noticiário. O jornalista se referia a um fenômeno que conhecia bem. Como os fatos não param de acontecer, a manchete de hoje pode ser reduzida a uma notinha no jornal de amanhã. Quando grandes catástrofes se sucedem, como neste início de 2019, o ciclo fica ainda mais rápido — e mais cruel.

Boechat explicou a dinâmica aos ouvintes. “Isso acontece, é assim no mundo inteiro”, disse. Em seguida, insistiu que o caso não pode cair no esquecimento. “Quanto mais rápida for a perda de interesse, mais lentas serão as consequências”, justificou.

Ontem o âncora voltou a martelar o assunto. Criticou a cumplicidade de políticos com as mineradoras e cobrou medidas para evitar novas tragédias. Também elogiou a reportagem do GLOBO sobre outros casos que chocaram o país e terminaram sem castigo. “A impunidade é o que rege, o que comanda a orquestra das tragédias nacionais”, resumiu.

Foi seu último comentário matinal no rádio. No início da tarde, o jornalista virou notícia, para a tristeza de colegas e ouvintes.

Ancelmo Gois: Peço licença para falar de dois Boechats

- O Globo

Peço licença para falar de dois Boechats. O primeiro: o colega e amigo. O Boechat boa gente, embora de temperamento difícil, até mesmo explosivo, mas que, no fim das contas, sempre pedia desculpas. Quando eu assumi o seu lugar neste espaço (coluna diária no GLOBO), em 2001, no meio de uma crise, Boechat foi de extrema generosidade comigo.

Começamos a conversar às 9h da manhã, numa padaria em Ipanema. Terminamos quase ao pôr do sol. Pacientemente, ele me dava dicas, sugestões, opiniões de como eu deveria ocupar o espaço que era dele. Não é comum, convenhamos, alguém deixar um posto de tanto prestígio profissional e ficar torcendo pelo sucesso do cara que vai ficar em seu lugar. E mais: no rádio, ficava falando da coluna e elogiando o colunista. Isso é raro. Mostra a marca da generosidade que sempre o acompanhou.

Mas não foi só comigo que houve essa suprema gentileza. Até hoje, vários motoristas de táxi do ponto em frente ao GLOBO recordam-se de gestos semelhantes do amigo —que, inclusive, ajudou um deles a comprar o próprio carro. Jogava pelada com todo mundo. Era uma figuraça.

Ascânio Seleme: O mesmo com o presidente e o guarda de trânsito

- O Globo

Era impossível ouvir Boechat sem rir de uma ou de muitas de suas tiradas, depende do quanto tempo você ficasse ouvindo o seu programa

Além de um grande jornalista, um excelente comentarista e um extraordinário apresentador, sobretudo de rádio, Ricardo Boechat era um cara muito bem-humorado. Seu programa matinal na rádio BandNews FM era onde ele melhor extravasava seu enorme senso de humor. Ele conseguia fazer graça mesmo de coisas seriíssimas, como os sucessivos escândalos do mensalão e da Petrobras. 

Era impossível ouvir Boechat sem rir de uma ou de muitas de suas tiradas —depende do quanto tempo você ficasse ouvindo o seu programa que era transmitido diariamente ao vivo. Boechat entrava ao ar cedo, em rede, e, depois das 10h, era mais solto, extrovertido e bem-humorado, quando ficava no ar apenas para os ouvintes do Rio de Janeiro.

Mas esse humor que o distinguia dava rapidamente lugar ao escracho, quando Boechat narrava as torpezas do cotidiano. Seu humor de altíssima qualidade rapidamente cedia espaço à ira de trovão que o jornalista soltava sempre que ele julgava que a situação merecia.

Boechat então não tinha papas na língua. Atacava impiedosamente quem quer que fosse, do presidente da República ao guarda de trânsito, que fazia uma “blitz canalha para levantar um trocado” engarrafando vias da cidade. Usava a linguagem que o leitor usaria no seu dia a dia, e isso acrescentava tonalidades de verdade e honestidade ao comentário de Boechat. “Pau neles”, costumava dizer, antes de desfiar rosários de ataques ao malfeitores públicos e privados que apareciam no noticiário comentado diariamente por ele.

Ricardo Noblat: A falta que fará Boechat

- Blog do Noblat | Veja

Jornalismo honesto e contundente
O jornalismo contundente, capaz de expor os fatos com rigor e transparência, e de refletir sobre eles sem ódio e sem medo, é invenção antiga, mas que não data necessariamente do seu começo.

Aqui, digamos, é algo recente, do final dos anos 50 do século passado para cá. Antes disso, o jornalismo era antes de tudo partidário, tomava partido de grupos e lhes prestava fiel vassalagem.

Entre o golpe militar de 64, e o momento quatro anos depois em que a ditadura tirou a máscara, houve ensaios isolados, pontuais, do jornalismo que Ricardo Boechat fez tão bem até ontem.

Com uma grande diferença: esse tipo de jornalismo só tinha lugar no papel, em jornais e pequenas revistas. Creio que não exagero se disser que foi Boechat que deu voz e imagem ao jornalismo crítico.

No rádio e na televisão, foi ele que rompeu os limites do jornalismo bem comportado que até há pouco ainda tentava se apresentar como equidistante e imparcial como se isso fosse possível.

Uma coisa são os fatos, que devem ser expostos como se passaram, dando-se espaço aos seus protagonistas para que ofereçam suas versões por mais contraditórias que elas sejam.

Outra bem diferente é a interpretação, a análise que se faz dos fatos. A interpretação decorre de um ponto de vista do seu autor a propósito dos fatos levados ao exame do distinto público.

Aí não há como ser imparcial, uma quimera tão cultivada em nosso meio e fora dele, e tão distante da realidade. Cobre-se do jornalista, isto sim, que seja honesto ao ir além da simples oferta de fatos.

Boechat foi um jornalista honesto. Era capaz de chafurdar na lama, rolar pelas sarjetas e desfilar pelos salões mais nobres à cata de notícias – de preferência em primeira mão.

Mas ao servi-las, não se negava a dizer o que pensava a seu respeito. Mais no rádio do que na televisão, mas também nessa, com frequência ia adiante, permitindo que sua indignação explodisse.

Como não se indignar diante do muito que testemunhamos ou ficamos sabendo? Balela essa história que só nos cabe dar notícias! Balela, não, um truque velho usado para nos tornar complacentes.

Bóris Casoy chocou os jornalistas de terno e gravata quando começou a usar a expressão “vergonha” para sublinhar o seu espanto diante de certos fatos. Foi um pioneiro.

Boechat elevou o jornalismo contundente à sua máxima potência. Jamais lhe faltou coragem para tal. Sua recompensa foi a adesão de milhões de pessoas que o viam e o escutavam diariamente.

Partiu logo quando o jornalismo brasileiro mais precisava de sua ousadia e do seu talento. Fica o seu exemplo.

Pablo Ortellado: Direita e esquerda têm abraçado teorias da conspiração

- Folha de S. Paulo

Perda de confiança nas instituições e polarização amparam estratégia

No último domingo, em vídeo divulgado nas mídias sociais, o presidente Jair Bolsonaro cobrou da Polícia Federal a conclusão da investigação sobre a facada de que foi vítima.

Reiteradamente, o presidente tem insistido na suspeita de que o autor da facada, Adélio Bispo, não agiu sozinho, com base em indícios há muito tempo descartados pela investigação. Questionamentos são frequentes também em círculos de esquerda, nos quais persistem dúvidas sobre se a facada em Bolsonaro foi real.

Como é possível que um fato público dessa magnitude, testemunhado por militantes, jornalistas e médicos, que sofreu escrutínio rigoroso da imprensa e está sendo investigado com cuidado por duas instâncias policiais, possa ser objeto de especulações tão delirantes?

Teorias da conspiração têm três características principais: explicam acontecimentos complexos exclusivamente pela ação de forças poderosas ocultas, veem todas as consequências como o resultado de ações deliberadas e são completamente resistentes a evidências contrárias.

Ranier Bragon: Como transformar um atentado atroz em uma campanha repugnante

- Folha de S. Paulo

Governistas espertalhões perguntam: quem mandou matar Bolsonaro?

Por mais barbaridades que tenha proferido na corrida presidencial, Jair Bolsonaro foi, sem sombra de dúvida, vítima da maior atrocidade cometida na campanha de 2018.

Em 6 de setembro, na cidade de Juiz de Fora (MG), foi esfaqueado sem chance de defesa por Adélio Bispo de Oliveira —ex-filiado ao PSOL—, crime que quase lhe custou a vida.

O agressor foi preso imediatamente após a tentativa de assassinato. A Polícia Federal investigou o caso e concluiu, no principal inquérito, que Adélio agiu sozinho, movido por discordâncias políticas, mesma impressão a que se chega ao ler, ver e ouvir as inúmeras reportagens produzidas desde então pelos veículos jornalísticos profissionais do país.

Mesmo assim, uma pergunta não quer calar no núcleo espertalhão do bolsonarismo: quem mandou matar Bolsonaro? Escorados em uma operosa rede de peritos de YouTube, detetives de Twitter e inspetores de Facebook, esses profissionais da velhacaria não têm interesse real na verdade. O que buscam é se valer da complacência dos ingênuos e desinformados para tentar tirar o máximo proveito político da situação.

Hélio Schwartsman: Fiscalização não é a solução

- Folha de S. Paulo

É preciso que as pessoas se convençam de que devemos agir 'pelo sentido do dever'

A sucessão de tragédias evitáveis que golpeou o Brasil nas últimas semanas criou um coro de cidadãos a exigir mais fiscalização. Não há dúvida de que a fiscalização é importante, fundamental em algumas áreas. Mas perdeu o juízo quem acha que basta pôr mais agentes nas ruas exigindo a obediência às normas técnicas para resolver nosso déficit de segurança.

O problema é de escala. A Vigilância Sanitária da cidade de São Paulo (Covisa), por exemplo, tem o encargo legal de fiscalizar mais de 200 mil estabelecimentos, em ramos de atividade tão distintos quanto restaurantes, lanchonetes, supermercados, hospitais, farmácias, consultórios, academias de ginástica, cabeleireiros, clínicas de estética etc. Não encontrei números recentes, mas, em 2010, quando da CPI da Covisa, o órgão dispunha de 772 fiscais e 12 veículos para cobrir isso tudo.

Fernando Exman: Necessário pacto institucional sob risco

- Valor Econômico

Entendimento entre Poderes garantiria previsibilidade

O aguardado movimento de pacificação institucional iniciado no fim do ano passado enfrentou abalos nos últimos dias. A fissura mais recente nas relações entre os Poderes encontra-se em estágio reversível mas, certamente, será um tema que demandará atenção prioritária do presidente Jair Bolsonaro em seu retorno a Brasília.

Parecia tudo bem encaminhado. Depois de concluído o processo eleitoral, no fim do ano passado, discursos mais radicais passaram a ser melhor calibrados. Em meio a visitas de cortesia, chefes de Poderes buscavam as condições necessárias para a construção de um ambiente propício à aprovação das reformas e outras propostas capazes de dar empuxo ao crescimento da economia. Previsibilidade era - e deveria continuar a ser - a palavra de ordem.

Como pano de fundo, havia uma articulação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, em defesa desse pacto institucional. A ideia chegou a ser verbalizada em encontro com o próprio Bolsonaro, em novembro, quando o então presidente recém-eleito visitou Toffoli no STF. Na ocasião, falaram também da precária situação fiscal e da (falta de) segurança pública, além da reforma da Previdência. Todos os presentes esforçavam-se para assegurar que a Constituição seria rigorosamente respeitada, principalmente depois do mal-estar criado pela declaração de um dos filhos do presidente de que bastaria um cabo e um soldado para fechar o Supremo.

O jogo seguiu, com a inclusão da Procuradoria-Geral da República e de integrantes das Forças Armadas na iniciativa.

O roteiro previa o recolhimento do Supremo Tribunal Federal, que retornaria à posição na Praça dos Três Poderes que lhe foi destinada pela Constituição. O STF deixaria, assim, de avançar sobre as atribuições de outros Poderes e destravaria pautas caras ao Executivo, principalmente na seara econômica. Não deixaria de agir com vigor, quando instado a garantir o respeito aos dispositivos constitucionais e garantias individuais.

No entanto, uma sucessão de acontecimentos colocou a articulação em risco e realocou o Supremo no centro da arena política. O presidente do STF precisou agir, durante a madrugada do dia 2 de fevereiro, para determinar que a eleição a presidente do Senado fosse realizada por meio do voto secreto. A decisão contrariou aliados do presidente da República, mas abreviou uma tumultuada sessão que dilapidava a imagem do Congresso em rede nacional.

A reação foi rápida, colocando a atuação do Judiciário como inédito objeto de uma comissão parlamentar de inquérito. A instalação da chamada CPI da Lava-Toga foi abortada nas últimas horas, após a retirada de assinaturas de parlamentares cientes das suas responsabilidades institucionais e mais resistentes às pressões das redes sociais.

A próxima batalha entre o Senado e o Judiciário se dará caso os parlamentares insistam em colocar em discussão pedidos de impeachment apresentados contra ministros do Supremo. Inevitavelmente, o assunto precisará ser mediado por representantes do Palácio do Planalto no Parlamento, se não pelo próprio Bolsonaro.

A história brasileira recente acumula exemplos de tentativas de pacificação semelhantes que acabaram frustradas e atropeladas pelo acirramento do ambiente político.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quis costurar um pacto republicano em 2004 e outro em 2009. Sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff, também promoveu iniciativas nessa direção depois das jornadas de junho de 2013. Reeleita no ano seguinte, voltou a falar em união entre as instituições no dia de sua diplomação, discursando no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a responsabilidade conjunta no combate à corrupção e nos esforços para a aprovação de uma reforma política.

Após o impeachment de Dilma, foi a vez do ex-presidente Michel Temer. Durante solenidade em comemoração dos 28 anos da Constituição Federal, defendeu a reedição do pacto republicano para tratar das questões federativas. Em todos os casos, não houve negativa pública por parte de representantes de outros Poderes. Num balanço, no entanto, é possível dizer que essas tentativas se traduziram em parcos resultados.

O que gerou a necessidade de diálogo e maior aproximação dos três Poderes continua sem solução. Permanece a insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, justamente o motivo que levou milhões de pessoas às ruas de todo o país em junho de 2013. A Justiça também continua inacessível para grande parte da população. E as últimas alterações feitas na legislação eleitoral não merecem ser chamadas de reforma política, assim como o pacto federativo permanece na pauta de governadores e prefeitos.

Merval Pereira: Reformas ganham peso

- O Globo

Medidas contra a corrupção e o crime organizado serão usadas para compensar a impopularidade da reforma da Previdência

Há um consenso no Congresso sobre a necessidade de fazer a reforma da Previdência, o que já é meio caminho andado. Anteriormente, ainda havia quem discutisse se existe mesmo o déficit do sistema. Hoje, alguém que ainda insista nessa discussão bizantina está isolado, como se vivesse em outro mundo.

Há também um consenso no governo, que inclui até mesmo o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, de que a prioridade é da reforma da Previdência. O pacote de medidas contra a corrupção e o crime organizado, que está sendo apresentado por Moro aos parlamentares, vai ser usado para compensar a impopularidade da necessária reforma da Previdência.

Nesse ponto, as duas reformas se interligam, na estratégia do governo, tendo como norte a opinião pública. É o avesso da opinião do senador Renan Calheiros, de capitanear a imposição de parâmetros e limitações para as reformas, como maneira de evidenciar uma suposta independência do Congresso diante do Palácio do Planalto.

Equilibrando-se entre o “novo” e o “velho” Renan, criando um falso conflito entre personalidades contrárias, uma substituindo a outra sempre em benefício do país, o senador propunha-se a ser o resgatador da força do Senado, mas acabou apenas revelando um comportamento cínico, com traços esquizoides, na interpretação do psicanalista Joel Birman.

Perdeu uma eleição a que não deveria ter concorrido, para o senador Davi Alcolumbre, que o derrotou não por méritos próprios, ainda a serem provados, mas por representar justamente uma proximidade conceitual do novo Senado com os projetos do governo Bolsonaro, sem que essa posição signifique uma subalternidade em relação ao Planalto.

Luiz Carlos Azedo: O trilema das reformas

- Correio Braziliense

“O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência”

O economista Claudio Porto, fundador da Macroplan, batizou de trilema os cenários possíveis para o Brasil a médio prazo. Como aperitivo, faz uma comparação entre o que aconteceu no Brasil e na China nos últimos 40 anos, com base num resumo de Jorge Caldeira, no livro História da Riqueza no Brasil (Estação Brasil). Quando foi lançado o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), na década de 1970, o regime militar apostou no mercado interno e na construção de uma economia autossuficiente em todas as áreas, uma visão autárquica e baluartista de país. Deu errado. A China apostou na globalização, no comércio exterior e na complementariedade. Resultado, em 1979, no final do governo Geisel, em dólares de 2010, o Brasil tinha um PIB de 926 bilhões e a China, de 327 bilhões; em 2017, o PIB do Brasil chegou a 2, 3 trilhões e o da China saltou para 10,1 trilhões.

As causas desse nosso desempenho estão diagnosticadas: economia fechada, com baixa produtividade e muita insegurança; desigualdades muito altas, com 12 milhões de desempregados e 30 milhões abaixo da linha de pobreza; e sistema educacional de baixa qualidade, com o Brasil em 66º lugar entre 73 países no PISA (Programme for Internacional Stuident Assessment), atrás de todos os países da América Latina, com exceção do Peru e da República Dominicana. A grande preocupação de Porto é uma recidiva do padrão de desenvolvimento da década de 1970, cujo resultado seria a retomada do crescimento com agravamento das desigualdades.

Para quem acompanha a política em Brasília, esse cenário não deve ser subestimado, porque pode resultar da convergência de variáveis que estão fortemente presentes no governo Bolsonaro e no atual Congresso. As variáveis positivas são o avanço das reformas liberais no plano fiscal e previdenciário, com ampliação das concessões e parcerias público-privadas. São fatores negativos: manutenção do “capitalismo de laços” e restrições aos privilégios das corporações de caráter parcial ou meramente simbólico, com restrições às políticas sociais e intervencionismo econômico. Trocando em miúdos, nesse rumo, a economia pode crescer sem inflação e baixa produtividade, a taxas entre 2,2% e 1,6% ao ano, com queda na renda média das famílias na base da pirâmide.

Há mais dois cenários possíveis. O melhor é a globalização inclusiva, cujo maior obstáculo aparente hoje é a nova política externa. Além de ajuste fiscal estruturante, desregulamentação, privatizações e parcerias público-privadas, o Brasil precisa de um ambiente de segurança pública e jurídica, mais foco na educação básica, proteção social aos vulneráveis e uma política trabalhista que possibilite investimentos e gere mais empregos. Assim, poderia crescer em 4% e 3,4% ao ano. O problema nesse cenário está na resistência das corporações e dos segmentos empresariais que não suportam a concorrência.

O pior cenário é o pacto perverso do populismo com o corporativismo, que tenta conciliar as demandas da população com as das corporações. Nesse cenário, as reformas serão mitigadas no Congresso, com soluções de curto prazo para a crise fiscal, inclusive na reforma da Previdência. Esse é um horizonte de crescimento próximo do zero, depois de mais um voo de galinha.

Boechat, 66 anos
Conheci Ricardo Boechat em Niterói, no começo dos anos 1970, quando fui trabalhar no jornal O Fluminense e estudar ciências sociais na Universidade Federal Fluminense. Ele era repórter da coluna do Ibrahin Sued, no jornal O Globo. Éramos jovens militantes do antigo PCB e compartilhamos, em 1975, a angústia de ver nossos “assistentes” presos e a gratidão de saber que nenhum deles — nem José Otto de Oliveira nem Aírton Albuquerque Queiroz, respectivamente, de quem recebíamos o jornal clandestino Voz Operária — havia nos denunciado. Graças a isso, pudemos prosseguir nossas vidas profissionais.

Ana Carla Abrão*: Há esperança, há solução

- O Estado de S.Paulo

A solução para o desequilíbrio de Estados e municípios está assentada em ações locais

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) define os limites a serem observados pelos entes federados em questões de endividamento e de despesas de pessoal. Nesse segundo tema, estabelece prazos de reenquadramento em caso de descumprimento dos tetos de comprometimento de receita e elenca instrumentos que devem ser usados para se buscar o reequilíbrio. Após quase 20 anos de vigência da LRF, a realidade mostra que os limites definidos pela lei foram abandonados e alguns dos instrumentos de ajuste nunca estiveram disponíveis. Parece ter chegado, finalmente, a hora de corrigir isso.

No campo das despesas de pessoal, a esperança vem com a reunião que o Tesouro Nacional promoveu na última semana com 31 das 32 cortes de contas de Estados e municípios. Conhecidos os excessos na interpretação dos conceitos de despesa de pessoal da LRF por parte dos Tribunais de Contas, não há como não lhes aquinhoar uma boa parcela de responsabilidade no atual colapso financeiro de tantos Estados. O grupo de trabalho organizado a partir dessa primeira reunião deverá caminhar para a padronização e a correção dos conceitos, convergindo na direção de uma maior transparência na contabilidade pública dos entes subnacionais.

Pelo lado dos instrumentos de ajuste, é no Supremo Tribunal Federal que se assenta a esperança. No próximo dia 27 de fevereiro o STF deverá julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) apresentada em 2000 pelo PT, PCdoB e PSB contra a LRF. A ADI 2238, à qual estão apensadas várias outras, deu origem a medidas cautelares que suspenderam dois dispositivos fundamentais da LRF. O primeiro deles trata da redução da jornada de trabalho na administração pública, com proporcional redução de salários. O segundo, da possibilidade de contingenciamento orçamentário e financeiro dos poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, em caso de frustração de receita.

Maria Clara R. M. do Prado: Por quem bate o coração da AL?

- Valor Econômico

A despeito das políticas redistributivas dos últimos anos, desigualdade mantêm-se profundamente inserida

Forjada a partir de uma política de colonização que, deliberadamente, manteve subjugados tanto a população indígena (foi exterminada, no caso da Argentina) quanto os escravos originários da África e seus descendentes, a América Latina chega ao século XXI com a forma de uma grande metáfora, representativa do atraso institucional, da desigualdade, da corrupção e do subdesenvolvimento.

Neste contexto deve ser analisada a crise que assola a Venezuela. A manipulação política das principais instituições, como o Congresso Nacional e a Corte Suprema, que está presente há séculos em praticamente toda a região latino-americana, alcançou naquele país níveis insustentáveis de aceitação por parte da elite política e empresarial que durante um bom tempo apoiou o golpe de Estado de 2002. A morte de Chávez, depois de onze anos à frente do governo, abriu caminho para o assecla Maduro, cujo único estandarte tem sido a defesa anacrônica dos "ideais bolivarianos" sustentados pelo antecessor. A fome transformou os "ideais" em um calvário, situação propícia para um contra golpe, desta vez com o apoio dos Estados Unidos e de outros países do continente, passando novamente ao largo do sistema institucional político e jurídico.

De todos os países da região, a Venezuela talvez seja o exemplo mais puro e emblemático da cara da América Latina. Dependente de uma única "commodity", a economia venezuelana é a expressão daquilo que há de mais atrasado e representativo da chamada "teoria da dependência", tema dos escritos do argentino Raúl Prebisch em meados do século passado. Baseava-se no argumento de que grande parte da renda criada internamente nos países periféricos (caso da América Latina) é transferida aos países centrais (os desenvolvidos) via termos de troca.

A exploração do petróleo foi formalmente nacionalizada em 1976, com a criação da PDVSA - a empresa petroleira da Venezuela, mas só se tornou efetiva a partir de 1983, quando se extinguiu a última licença de exploração concedida à uma empresa estrangeira. Teria sido possível uma melhoria nos termos de troca a favor dos venezuelanos, se o governo tivesse criado um fundo para investimento em infraestrutura e para garantia de desenvolvimento às futuras gerações, como fez a Noruega. Mas a inexistência de uma política consistente e a corrupção acabaram por confirmar que a Venezuela não se tornou mais próspera com a nacionalização do petróleo.

CPI da ‘Lava Toga’ é arquivada

Três parlamentares retiram assinaturas de pedido após intervenção de ministros do STF

Rafael Moraes Moura Renan Truffi / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Após atuação de ministros do STF, pedido de CPI para investigar tribunais superiores foi arquivado por falta de assinaturas – Kátia Abreu e Tasso Jereissati retiraram apoio.

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) atuaram nos bastidores, durante o fim de semana, para que o Senado recuasse da abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o “ativismo judicial” em tribunais superiores. Apelidada de “Lava Toga”, a CPI era um pedido do senador Alessandro Vieira (PPS-SE), mas foi enterrada após três senadores retirarem o apoio.

Katia Abreu (PDT-TO), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Gomes (MDB-TO), que assinaram o requerimento num primeiro momento, desistiram antes que a comissão fosse instalada. Ontem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), confirmou o arquivamento por falta de assinaturas necessárias – é preciso o apoio de, no mínimo, 27 dos 81 senadores para a comissão ir adiante. “O requerimento foi apresentado com número suficiente (de assinaturas), mas não constavam no momento (da sessão de ontem)”, disse.

Corpo a corpo. O Estadão/Broadcast apurou que ministros do STF trataram do assunto diretamente com senadores no fim de semana. Segundo Kátia, ela falou por telefone com o ministro Gilmar Mendes antes de recuar. Para a senadora, este não é o momento para abrir uma crise institucional no País.

Depois do arquivamento, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, elogiou a postura de Alcolumbre no episódio. “O arquivamento pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre mostra a habilidade em evitar conflitos entre os Poderes em um momento em que o País precisa de unidade para voltar a crescer e a se desenvolver”, afirmou ao Estado.

Nos bastidores, porém, integrantes do Supremo veem as digitais do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, nas movimentações do senador Alessandro Vieira. Para membros do STF ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato, a “CPI da Lava Toga” – voltada, em tese, para investigar a atuação de tribunais superiores – mirava, na verdade, a Suprema Corte.

‘Houve ameaça de retaliação de ministros’, diz Alexandre Vieira (senador PPS-SE)

Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo

Autor do pedido de criação de uma CPI para investigar denúncias envolvendo membros de tribunais superiores, o senador Alessandro Vieira (PPS-SE) disse ao Estado que houve pressão de ministros do Supremo para que seus colegas retirassem suas assinaturas.

• Como o sr. recebeu a retirada das assinaturas?

Não conversei com os dois (os senadores Tasso Jereissati e Kátia Abreu) sobre os motivos. Vou conversar. Quem tem de se preocupar com isso são os eleitores deles.

• A que o sr. atribui esse recuo?

Recebo com uma certa naturalidade, uma vez que havia uma pressão muito grande contra a concretização da CPI.

• O sr. considera que o Supremo é uma caixa-preta?

Alguns setores do STF configuram, sem dúvida, o que se denomina caixa-preta.

• Acha que houve pressão do Judiciário pela retirada das assinaturas, com o argumento de que isso poderia abrir uma guerra entre os Poderes?

A pressão de alguns ministros aconteceu e ela foi ostensiva. Houve ameaça de retaliação em relação ao plano econômico, de uma crise institucional.

• Os críticos da CPI dizem que seria uma vingança contra o ministro Dias Toffoli por ter derrubado o voto aberto.

Não tem cabimento nenhum essa alegação. Não tenho vinculação com nenhum tipo de grupo político. A proposta é uma demanda da sociedade.

• Acredita que a CPI pode abrir uma guerra entre os Poderes?

A democracia foi suficientemente testada. O Brasil passou dessa fase, mas existem pessoas que tentam se aproveitar desse tipo de ameaça para manter seus privilégios.

Não há processo de fiscalização contra Gilmar, afirma Receita

De acordo com órgão, ‘investigação preliminar’ não encontrou prova de fraudes envolvendo ministro do Supremo

Lorenna Rodrigues / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A Receita Federal afirmou ontem que apuração envolvendo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é preliminar e não resultou em procedimento formal de fiscalização. Em nota, o Fisco informou que a menção, em documento interno, a “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” relacionadas à movimentação financeira do ministro e de sua mulher, Guiomar, não está amparada em “evidências” verificadas durante análise prévia.

Na sexta-feira, Gilmar enviou um ofício ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, pedindo providências após ter tomado conhecimento de que era alvo de apuração de auditores. O ofício foi divulgado pela revista Veja e confirmado pelo Estadão/Broadcast. Toffoli, por sua vez, pediu explicações à Receita e à Procuradoria-Geral da República.

Segundo a Receita, foi identificado um “dossiê” com os documentos citados por Gilmar, bem como todas as pessoas que tiveram acesso ao procedimento de tramitação restrita. “A identificação e a responsabilização pelo vazamento estão sob apuração em procedimento específico, conduzido pela Corregedoria da Receita Federal”, diz o órgão.

O Fisco reforçou que atua para combater fraudes fiscais e que, se forem identificados outros crimes, os indícios são encaminhados para as autoridades responsáveis.

Em entrevista ao Estado na sexta-feira, o ministro criticou a iniciativa do auditor e disse que a Receita não pode ser convertida numa Gestapo, em referência à polícia do regime nazista que investigava e torturava opositores ao regime de Adolf Hitler. O ministro viu quebra de sigilo e uso político do órgão na apuração e estuda processar os auditores fiscais. “A Receita não pode ser convertida numa Gestapo ou num organismo de pistolagem de juízes e promotores”, disse Gilmar.

STF se antecipa a Congresso e julga pautas de costumes

A partir de amanhã, ministros da Corte vão analisar ações que pedem criminalização da homofobia, tema controverso entre parlamentares

Rafael Moraes Moura Amanda Pupo / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para amanhã a discussão do primeiro de uma série de assuntos relacionados à pauta de costumes com potencial para colocar a Corte em colisão com parte do Congresso e com o Palácio do Planalto. No plenário, ministros vão julgar duas ações que pedem a criminalização da homofobia, tema controverso entre parlamentares e que permeou a campanha eleitoral.

Os julgamentos testarão as relações entre o tribunal e o Congresso no momento em que senadores miram a Corte e chegaram a articular a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o “ativismo judicial” de ministros – proposta que foi engavetada ontem (mais informações na pág. A10). Na “pauta de costumes” definida pelo presidente do STF, Dias Toffoli, o julgamento de ações do PPS e da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) sobre a discriminação contra homossexuais e transexuais terá prioridade.

O partido e a entidade querem que o Supremo não apenas declare o Congresso omisso por não ter votado projeto de lei que criminaliza a homofobia, mas também dê um prazo final para que os parlamentares aprovem uma legislação criminal que puna especificamente violência física, discursos de ódio e homicídios por causa da orientação sexual da vítima.

A proposta sofre resistência das bancadas evangélica e do PSL – partido de Jair Bolsonaro –, que veem na medida uma forma de proibir pastores de pregarem contra a homossexualidade em templos religiosos.

Durante a campanha presidencial, o então candidato Bolsonaro criticou o “coitadismo” de gays ao contestar a adoção de políticas afirmativas para a comunidade LGBT. Eleito, em entrevista ao Jornal Nacional, o presidente mudou o tom e disse que a “agressão contra um semelhante tem que ser punida na forma da lei”. “E, se for por um motivo como esse (ser gay), tem que ter sua pena agravada.”

Ministros da Corte afirmam que o Supremo não pode deixar de cumprir o seu papel de defender minorias e zelar pelo cumprimento da Constituição. “São (temas) de interesse da sociedade. O que nós precisamos no País é de mais segurança jurídica, saber o que pode e o que não pode ocorrer no dia a dia da vida gregária”, disse ao Estado o ministro Marco Aurélio Mello. “Não há colisão com o Planalto. O Planalto respeita a atuação do Judiciário e o Judiciário, tanto quanto possível, desde que não seja provocado e não caiba atuar de forma diversa, respeita a atuação (do Planalto).”

Um segundo ministro, que preferiu não se identificar, avaliou que o respeito ao princípio de separação dos Poderes “pressupõe independência” e ressaltou que o Supremo não pode se dobrar na defesa dos direitos de minorias. Para um terceiro ministro, o “STF é o STF, independentemente de presidente”.

Magistrados devem evitar populismo e ativismo, diz Toffoli

André Ramalho | Valor Econômico

RIO - O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, disse ontem que os integrantes do Judiciário devem evitar o populismo e ativismo. Segundo ele, o magistrado precisa se atentar para que não se "caia na tentação" de se acreditar que um juiz, sozinho, "resolverá todos os problemas do país".

A declaração foi dada pelo ministro ao comentar os resultados da pesquisa "Quem somos. A magistratura que queremos", divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), sobre a natureza institucional do exercício da categoria. Toffoli destacou que o estudo, coordenado por um grupo de sociólogos da PUC-Rio, revela um consenso de que o exercício da magistratura exige a permanente preservação da dimensão institucional do Judiciário.

"É a consciência da institucionalidade para que não caiamos na tentação do populismo, para que não caiamos na tentação do ativismo. Para que não caiamos na ideia de que um juiz sozinho pode resolver todos os problemas do país", afirmou Toffoli, que saiu sem falar com a imprensa após o discurso na AMB.

A pesquisa mostra também que 96,1% dos magistrados brasileiros concordam com o uso do sistema de videoconferência para realização de interrogatório e instrução do processo penal. O percentual de juízes de primeira e segunda instância e ministros dos tribunais superiores que concordam muito com a proposta é de 86%, enquanto outros 11,6% concordam pouco e apenas 3,9% discordam. Ao todo, foram entrevistados cerca de 4 mil integrantes do Judiciário.

Endereço de gráfica que recebeu verba do PSL não tem máquinas

Há apenas duas mesas em sala de empresa declarada por candidata laranja

João Valadares | Folha de S. Paulo

RECIFE - Em uma pequena sala, com duas mesas e nenhum maquinário para impressões em massa, a gráfica Itapissu, no Recife, amanheceu de porta aberta nesta segunda-feira (11), após a Folha revelar a ausência de sinais de que a empresa tenha trabalhado durante a eleição.

Reportagem deste domingo (10) mostrou que a candidata laranja Maria de Lourdes Paixão, 68, indicada pelo grupo do presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, declarou ter gastado R$ 380 mil de dinheiro públiconessa gráfica a quatro dias da eleição, em outubro do ano passado.

Ela teve somente 274 votos, e não há nenhum sinal de que tenha realizado de fato campanha.

Na semana passada, a reportagem da Folha visitou primeiramente um endereço que consta na nota fiscal da Itapissu, no bairro Arruda, na capital pernambucana, e encontrou apenas uma oficina de carros, que funciona há quase um ano no local.

Funcionários da oficina disseram na ocasião que correspondências com nome da gráfica costumam ser entregues nesse imóvel.

O telefone informado na nota fiscal não existe.

Governar não é tuitar: Editorial | O Estado

A Constituição, em seu artigo 79, estabelece que o vice-presidente da República tem apenas uma função relevante: substituir temporariamente o presidente, se este se encontrar doente ou em viagem, ou suceder-lhe, se o cargo ficar vago. No caso de doença, por exemplo, a função presidencial obviamente deve ser exercida pelo vice enquanto o presidente não estiver restabelecido a ponto de conseguir retornar ao trabalho. Há uma razão comezinha para ser dessa forma: a administração do País e a tomada de decisões do governo não podem depender da plena recuperação da saúde do presidente, que pode demorar dias ou até meses.

É preciso que haja alguém com autoridade constitucionalmente reconhecida no exercício do cargo para deliberar sobre os assuntos do governo e orientar os ministros. Do contrário, haverá indesejável paralisia administrativa - como a que o País assiste agora em razão da prolongada internação do presidente Jair Bolsonaro.

Inexplicavelmente, Bolsonaro reassumiu seu cargo apenas 48 horas depois de uma cirurgia de sete horas de duração, realizada no dia 28 de janeiro, para a reconstituição do intestino, atingido no atentado à faca que sofreu ainda na campanha eleitoral, em setembro do ano passado. Conforme os boletins médicos, a operação foi bem-sucedida, e a equipe que o atendeu estabeleceu inicialmente um prazo de dez dias para a recuperação do presidente, mas mesmo esse prazo se mostrou otimista demais. Jair Bolsonaro continuava internado duas semanas depois da cirurgia, período em que o presidente apresentou quadro de pneumonia e febre.

Igreja e Estado: Editorial | O Estado de S. Paulo

É compreensível - e justa - a atenção que o governo federal tem dado ao Sínodo sobre a Amazônia, encontro global de cerca de 250 bispos da Igreja Católica que ocorrerá entre os dias 6 e 29 de outubro, no Vaticano, para discutir questões indígenas, condições dos povos ribeirinhos, políticas de desenvolvimento para aquela região e questões envolvendo meio ambiente e mudanças climáticas. Tudo o que diz respeito à Amazônia e o que lá se faz, obviamente, exige a monitoração do governo brasileiro, afinal se trata de uma área de 5 milhões de km², o equivalente a 59% do território nacional. É ingênuo achar que seria diferente, quem quer que fosse o chefe do Poder Executivo.

Dito isso, há de ser feita uma clara delimitação do espaço de atuação do governo, ou mesmo de acompanhamento, em um evento como o Sínodo, para que não paire sobre órgãos do Estado qualquer suspeita de desinformação, no melhor cenário, ou de arbítrio, no pior.

O governo do presidente Jair Bolsonaro extrapola esse limite quando, por exemplo, diz que irá recorrer aos bons ofícios da Itália - que passa por um bom momento com o Brasil desde a extradição do terrorista Cesare Battisti - para que interceda junto à Santa Sé a fim de evitar “ataques diretos à política ambiental e social do governo brasileiro” durante o Sínodo e para permitir a presença de representantes do governo brasileiro no evento.

O Brasil não precisa recorrer à Itália para advogar por seus interesses junto à Santa Sé. Por força do Decreto n.º 7.107/2010, o País reconhece a “personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras” (art. 3.º). O Brasil tem embaixada no Vaticano. E aqui recebe o Núncio Apostólico. É por este canal diplomático que haverá de encaminhar seus pleitos.

O governo enxerga a Igreja Católica como “potencial opositora” em virtude da atuação de alas “progressistas” do clero que estariam ocupando o espaço aberto por uma oposição fragmentada. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno Ribeiro, disse que “há uma preocupação do Planalto com as reuniões e os encontros preparatórios (para o Sínodo sobre a Amazônia) que ocorrem nos Estados”. Heleno e o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, hoje assessor do GSI, foram comandantes militares em Manaus e conhecem profundamente a região amazônica.

Aposta otimista na atração do investidor estrangeiro: Editorial | Valor Econômico

O Banco Central (BC) prevê a entrada de US$ 90 bilhões em investimentos diretos no país neste ano. Se o número se confirmar, representará ligeira elevação em comparação com os US$ 88,3 bilhões de 2018 e o maior volume desde 2012, quando US$ 93 bilhões foram investidos por estrangeiros no país. O Brasil já chegou a receber mais de US$ 100 bilhões em capital de longo prazo num único ano, 2011. Mas os investidores se retraíram nos últimos anos, com o agravamento da crise fiscal e, mais recentemente, com as turbulências políticas. Em 2015, entraram apenas US$ 60,3 bilhões. Em 2016, foram US$ 73 bilhões.

O investimento direto registrado em 2018, 25,4% acima do ano anterior, superou as expectativas do BC. Contribuíram para isso recursos atraídos pelas privatizações e concessões, mas também projetos privados, nos setores de petróleo, papel e celulose, telecomunicações, extração mineral e eletricidade e gás. Entram na conta os empréstimos intercompanhias, em particular de filiais no exterior para matrizes no Brasil, que somaram US$ 32,3 bilhões.

Privilégios de advogados públicos e peritos: Editorial | O Globo

Entre vantagens na máquina estatal, há adicionais para que o serviço seja prestado ao governo

A proporção descomunal não é apenas uma das características do Estado brasileiro. Conseguir gastar todos os cerca de 35% do PIB arrecadados em impostos e ainda precisar se endividar no mercado —tanto que a dívida interna continua a subir rumo a elevadíssimos 80% do PIB —é uma façanha.

Outro aspecto, que explica esta característica, são as dimensões da máquina burocrática, tripulada, só no governo federal, por 1 milhão de servidores ativos. E, tanto quanto isso, as regras próprias, algumas delas irracionais, que regulam este funcionalismo, um mundo à parte.

Um caso é o dos peritos do INSS, que recebem bônus de aproximadamente R$ 60 por perícia feita no necessário programa de revisão de milhares de benefícios previdenciários. Ora, não faz sentido alguém ganhar algo a mais para fazer aquilo para o qual foi contratado.

Pode-se argumentar que existem peritos conveniados, e que, como tal, não poderiam ser obrigados a rever pensões ou auxílios de cuja legalidade se desconfia.

Mas não deixa de ser uma dessas esquisitices que povoam a burocracia estatal brasileira —e, como sempre, contra os interesses do contribuinte.

Vexame laranja: Editorial | Folha de S. Paulo

Novo caso de candidatura de fachada repercute no comando nacional do PSL e no Planalto

Chegaram a um novo patamar de gravidade as evidências de que o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, utilizou candidatas de fachada para manipular dinheiro público destinado ao financiamento das eleições do ano passado.

Já era mais que constrangedor, para a legenda e para o governo federal, o caso revelado por esta Folha no dia 4 de fevereiro, envolvendo o hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

No comando do PSL em Minas Gerais, ele patrocinou o repasse de R$ 279 mil a quatro supostas postulantes a cadeiras na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do estado —supostas, porque seu empenho na disputa lhes rendeu, em conjunto, pouco mais de pífios 2.000 votos.

Dos recursos transferidos, ao menos R$ 85 mil foram gastos para contratar serviços, também supostos, de quatro empresas ligadas de alguma maneira ao ministro ou a auxiliares de seu gabinete.

No domingo (10), este jornal noticiou outro episódio do gênero, de escala maior. Uma única candidata a deputada federal por Pernambuco recebeu R$ 400 mil para sua campanha. Ainda assim, não conseguiu mais que 274 votos —provavelmente porque a dinheirama só chegou a suas mãos em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição.

Fernando Pessoa: Começa a haver

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro andar...
Não oiço já passos no segundo andar...
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...
Vai tudo dormir...

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me...
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me...

Vai tudo dormir...
Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa.