domingo, 24 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*

As eleições de 2018 transcorreram num contexto inusitado. Diferentemente do que se passara nos tempos da redemocratização e se prolongou durante os governos de FHC, Lula e Dilma ao menos até 2013, a política deixou de ser ativada por partidos políticos ou movimentos organizados. PMDB, PT e PSDB foram tragados por novas dinâmicas, marcadas por inflexões “anárquicas” e muito espontaneísmo, tudo devidamente turbinado pelas redes. O quadro de fragmentação e polarização política contribuiu tanto para esfacelar o campo democrático quanto para impossibilitar que a sociedade discutisse com cuidado os principais problemas do País e as propostas dos candidatos, que acabaram assim por se perder.

Bolsonaro venceu graças a um desejo de mudança que ficou sem opção com a desagregação dos grandes partidos e com a incapacidade das forças democráticas de oferecer propostas e candidaturas sedutoras aos eleitores.

*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp. ”Combustão interna”, O Estado de S. Paulo, 23/2/2019.

Ascânio Seleme: Carnaval azul e rosa

- O Globo

O primeiro carnaval da era Bolsonaro vai desafiar a pauta de costumes conservadora do novo governo. Não resta dúvida de que a bagunça organizada prevalecerá nos milhares de blocos que vão entupir as ruas das cidades. E nela, nem sempre meninos vão usar azul e meninas tampouco vestirão apenas rosa. Vai ser o de sempre, mas um pouco mais abusado, até como forma de responder à nova ordem.

No Rio, 509 blocos vão sair ao longo desta e da próxima semana. Em São Paulo, serão 516 blocos. O PIB do carnaval paulista será de R$ 1,9 bilhão contra R$ 2,1 bilhões do Rio. Quer dizer, ninguém fará economia na folia, embora no Rio a prefeitura do bispo Crivella se afaste cada vez mais dos foliões. Dá para antecipar que a irreverência não vai poupar Bolsonaro, Witzel, Doria ou quem quer que seja. Vai sobrar para todo mundo.

Essa é a grandeza do Brasil. Não importa quem está no comando, o país segue seu destino com seu jeito debochado. Foi assim sob FH, Lula, Dilma e Temer. Foi assim durante a ditadura. Seguirá assim com Bolsonaro. O Brasil é muito grande, é difícil encontrar um buraco que o engula. E, quando dá, faz pouco caso de quem acha que pode tudo. No carnaval é sempre assim.

E aí, muita gente aproveita a onda para tirar uma casquinha, posicionando-se contra o conservadorismo da nova turma. A campanha publicitária de carnaval da rede de fast-food Burger King é muito eficiente na comunicação, embora use argumentos que devem escandalizar a ministra Damares. Na peça que está no ar e é chamada de “Poliamor”, a menina Bá come dois sanduíches ao lado de seus dois namorados, Gui e Vini. E pergunta por que escolher um se ela pode ficar com os dois.

Há também quem credite ao novo governo o resultado comercial positivo do carnaval deste ano. Para o inventor do Camarote Número 1, o empresário José Victor Oliva, que está investindo R$ 10 milhões na Sapucaí este ano, a mudança do clima político no Brasil e no Rio vai ajudar o carnaval.

Para Oliva, o sucesso é maior ou menor se o Rio e o Brasil estiverem mais confiantes. “A receita do camarote vem a reboque do que acontece na cidade e no país, e este ano já dá para ver que está muito melhor”. Do ponto de vista de Oliva, que aposta em Bolsonaro, o Brasil estava “muito largado; perdemos muito tempo com besteira e bobagem, com o politicamente correto, enquanto a bandidagem ria e agia”.

Merval Pereira: Ação compartilhada

- O Globo

Um confronto na Venezuela que saísse da retórica seria uma situação desastrosa geopoliticamente para o Brasil

“As posições de todos os integrantes (da reunião) foram colocadas na mesa. Nem sempre congruentes, mas ao final a decisão tomada foi compartilhada”. Assim o porta-voz do Palácio do Planalto, general Rêgo Barros, me confirmou a informação, publicada na coluna “Painel” da “Folha de S.Paulo”, de que o presidente Jair Bolsonaro consultou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e do Supremo Tribunal Federal, Dias Tofolli, antes de confirmar a participação do Brasil no envio de ajuda humanitária à fronteira com a Venezuela.

O melhor é que as opiniões “nem sempre foram congruentes”, o que indica que o voluntarismo não teve lugar nessa discussão. O grande temor era de que Bolsonaro, tendo entrado em confronto pessoal e público com o ditador Nicolás Maduro, inclusive com ofensas de lado a lado, pudesse se deixar dominar pela paixão. Ao contrário, tomou uma decisão debatida amplamente.

O deputado Rodrigo Maia e os generais Santos Cruz, da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), temiam que uma participação do Brasil em tal tipo de “ação humanitária” pudesse ser interpretada como se o país estivesse endossando uma ação dos Estados Unidos no conflito venezuelano. A participação brasileira teve o apoio apenas de um dos ministros militares, o da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, mas também dos presidentes do Supremo e do Senado, além do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O presidente Bolsonaro tratou de tranquilizar os que estavam contra a medida, garantindo que tropas brasileiras não entrariam em território venezuelano para entregar os mantimentos, e nem as dos Estados Unidos seriam autorizadas por ele a entrar na Venezuela pela fronteira brasileira, caso eventualmente o conflito se agrave.

Míriam Leitão: A reforma em terreno minado

- O Globo

Aprovar a reforma é fortalecer a espinha dorsal da economia, mas o projeto tramitará em terreno político minado pelos erros iniciais do governo

Três ministros do governo são do DEM, mas o DEM não se sente governo. Os dois presidentes do Congresso são desse mesmo partido e vão crescer na articulação política, principalmente o experiente Rodrigo Maia, até porque não existe espaço vazio em política. O ministro Onyx Lorenzoni tem dificuldades de diálogo com Maia, mas é o articulador civil que sobrou no Palácio. Gustavo Bebianno tinha mais canais com o confuso PSL. Esse é o quadro que analistas do próprio governo desenham como parte da complicação de tramitação da reforma da Previdência.

Esse é um governo que já foi atingido por denúncias de irregularidades. Mesmo assim ele quer parecer diferente de todas as outras administrações na relação com o Congresso. O problema é não saber diferenciar, com precisão, o que são os recursos políticos usados numa articulação no Congresso e quais são os mal feitos que deve rejeitar. Um exemplo dado por um político foi o seguinte: o presidente Jair Bolsonaro escolheu Luiz Mandetta para ser ministro da Saúde. Se ele, antes de convidar formalmente, tivesse ligado para o presidente do DEM, ACM Neto, e avisado, conseguiria fazê-lo sentir-se parte da decisão. Mas Bolsonaro acha que isso é a velha articulação com os partidos que ele condena.

Bernardo Mello Franco: Pra que oposição?

- O Globo

As crises que assombram o novo governo têm um traço peculiar: não precisam da ajuda da oposição. Todas têm origem no campo bolsonarista

As crises que assombram o governo Bolsonaro têm uma característica peculiar: não precisam da ajuda da oposição.

No discurso de posse, o presidente indicou que manteria o clima de confronto com a esquerda. No entanto, seus adversários na eleição nem lhe fizeram cócegas até aqui.

Todos os fantasmas que rondam o Planalto surgiram no campo governista. A maior parte foi fabricada pelos filhos e pelo partido de Bolsonaro. O resto deve a existência ao próprio presidente, que demonstra dificuldade para se adaptar ao novo papel.

Os herdeiros lideram o ranking das trapalhadas. Mesmo sem cargos no governo, Zero Um, Zero Dois e Zero Três têm criado múltiplos embaraços para a gestão do pai.

Flávio, o primogênito, envolveu o nome da família numa investigação ruidosa no Rio. É suspeito de embolsar salários de assessores e cultivar relações com chefes de milícia.

Carlos, o filho do meio, foi pivô da queda de um ministro com 48 dias de governo. Sua ofensiva contra Gustavo Bebianno ainda pode deixar sequelas. Demitido, ele levou para casa os arquivos da campanha e uma coleção de áudios gravados pelo ex-chefe.

Eduardo, o caçula do trio, começou a fazer barulho antes da posse. Além de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal com “um soldado e um cabo”, semeou discórdia no PSL ao descrever colegas como “favelados”. Na sexta-feira, usou as redes sociais para criticar o Exército, que tem atuado como fiador do novo regime.

Elio Gaspari: Os ‘çábios’ uniram os marajás aos miseráveis

-O Globo / Folha de S. Paulo

Não deu outra. Os “çábios” que conceberam o projeto de reforma da Previdência descobriram um jeito de entregar aos marajás a bandeira da defesa dos miseráveis. Fizeram isso ao propor a tunga do Benefício de Prestação Continuada, que dá um salário mínimo (R$ 998) aos miseráveis que têm mais de 65 anos. O projeto é engenhoso. Dá R$ 400 ao miserável a partir dos 60 anos, o que é um alívio para quem recebe, no máximo, R$ 371 pelo Bolsa Família. Com a outra mão querem tomar pelo menos R$ 598 mensais dos miseráveis que têm mais de 65 anos. Eles só terão direito aos R$ 998 se, e quando, chegarem aos 70 anos.

Se o conserto do rombo da Previdência precisa tungar um benefício pago aos miseráveis que têm entre 65 e 70 anos, então é melhor devolver o Brasil a Portugal. O ministro Paulo Guedes produziu um projeto racional e conseguiu apresentá-lo de forma competente. Na essência, podou privilégios. Essas virtudes levam à estupefação diante da tunga de sexagenários miseráveis. Ela só serve para soldar uma aliança maligna e hipócrita. O marajá que acumula privilégios ganha o direito de combater as reformas apresentando-se como defensor dos pobres e dos oprimidos.

Está entendido que o capitão reconheceu que errou ao combater a reforma proposta por Michel Temer, mas se as pessoas podem mudar de opinião, não podem mudar os fatos. Quando ele estava do outro lado da trincheira, lembrava que a expectativa de vida no Piauí “estava na casa dos 69 anos, quando você bota 65, você convida a oposição a fazer sua proposta e melar esse projeto”. Bingo. Os “çábios” fizeram isso, pois tomando-se a expectativa de vida do Piauí, seus miseráveis, que hoje recebem R$ 998, perderão o benefício aos 65 e irão para o outro mundo antes de terem direito a receber o que recebem hoje.

Tosa
O repórter Ancelmo Gois revelou que, num fim de semana, o ministro Paulo Guedes andou pelo Leblon e cortou o cabelo no salão Care, em Ipanema. Esses salões são os únicos lugares onde a turma do andar de cima paga para ganhar cortes. No Care uma tosa custa de R$ 130 a R$ 250. Não é o mais caro, pois há salão que cobra R$ 320.

Para a turma do regime geral da Previdência, um corte de cabelo vai de uns R$ 15 a R$ 30.

ESTÃO CORROMPENDO A MORALIDADE
Duas operações de combate à corrupção produziram episódios que corrompem a luta pela moralidade. Num, a turma da Lava-Jato do Paraná recorreu a uma gambiarra destinada a contornar a propensão libertadora do ministro Gilmar Mendes e prendeu o notório Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto da caixinha do PSDB paulista. No outro, prenderam e soltaram o presidente da Confederação Nacional da Indústria por causa de espetáculos teatrais mal explicados. O doutor Paulo Preto já foi preso duas vezes. Ameaçou os cúmplices com a possibilidade de romper seu silêncio, e documentos suíços mostram que amealhou milhões de dólares.

Para quem olha o caso de fora, ele não deveria estar solto, mas está.

Com barulho coreografado, o Ministério Público revelou que Paulo Preto tinha um bunker onde guardava R$ 100 milhões. Nas palavras do procurador Roberson Pozzobon, “talvez o bunker de Paulo Preto tivesse o dobro do dinheiro do bunker do Geddel”: “Isso é um escárnio”.

Para quem gosta de espetáculo, seria uma prisão exemplar, investigação primorosa. Teve milhões, bunker ,e até dinheiro no varal para não mofar. Era prato enfeitado, porém requentado.

A acusação veio da delação do doleiro Adir Assad e é de 2017. A cifra de R$ 100 milhões também é de 2017. E o bunker? “Talvez”, pois os endereços dados por Assad há dois anos não foram investigados.

São muitos os escárnios que acompanham o caso de Paulo Preto. Seria ótimo se o Ministério Público encarcerador brigasse publicamente com os magistrados libertadores, mas é péssimo que se faça isso com espetáculos de manipulação do distinto público.

Em outro episódio prenderam Robson Andrade, presidente da CNI, porque acharam o que parece ser uma roubalheira em contratos de eventos teatrais em Pernambuco. Se investigação de malfeitorias praticadas com dinheiro do Sistema S pretende girar em torno de festivais de bonecos é melhor economizar o dinheiro dessas operações espetaculares.

Janio de Freitas: Os donos dos tesouros

- Folha de S. Paulo

Como R$ 50 mi da corrupção valem mais do que uma corrupção de R$ 100 mi

Cem milhões de reais em dinheiro vivo e enfurnado domesticamente são o dobro do encontrado na caverna de Geddel Vieira Lima, mas não tiveram nem a metade, longe disso, do tratamento dispensado aos R$ 51 milhões. Das notas achadas na Bahia, a Polícia Federal distribuiu fotos de frente e de perfil, endereço e histórico da caverna, nomes e papéis dos colecionadores.

Com perceptível contrariedade, e só para não perder um momento de autopromoção, a PF só conseguiu dizer que uns R$ 100 milhões eram escondidos por Paulo Preto, menos conhecido como Paulo Vieira de Souza, em São Paulo. Mas a questão não é geográfica.

A distinção está entre o que uma polícia honrada não pode ser, nem fazer, o que outras se permitem. E ainda entre o que um Ministério Público, com seus procuradores e promotores, tem que fazer por sua altivez e respeitabilidade, e o que outros fazem em exibicionismos e facciosismo.

E se trata, também, da diferença entre altos magistrados e conselheiros de Justiça sem conexões espúrias e sem temor, e, de outra parte, os não juízes.

Em tradução simplificada dessas distinções, para aplicação aos dois tesouros achados e respectivos tratamentos, basta relembrar que Geddel Vieira Lima e família são do MDB, ao passo que Paulo Vieira de Souza é gente de confiança no PSDB que a Polícia Federal —já por tradição notória— acoita desde o início do governo Fernando Henrique.

Não seria bom, porém, que nestes tempos de tantas e grandes inovações, com milicianos enfim prestigiados, dinheiro público do fundo eleitoral em bolsos sem fundo, filhos fazendo e desfazendo ministros, faltasse inovação na PF. Até demais.

Parte relevante do sistema que distinguiu o PSDB, Sergio Moro é nada menos do que o ministro da Polícia Federal.

União perfeita, portanto, de tradições e de futuros esperáveis. Tão cuidadosa, que Sergio Moro tratou logo de entregar a chefia do "combate ao crime organizado" a Igor Romário de Paula. Delegado e apoiador de primeira hora do então candidato do PSDB, Aécio Neves, dele fez propaganda nas redes de internet em ostensivo desacato ao regulamento da PF e do funcionalismo público --mas seguro da impunidade.

Está entendido, assim, como R$ 50 milhões da corrupção valem mais do que uma corrupção de R$ 100 milhões.

Hélio Schwartsman: Democracia X capitalismo

- Folha de S. Paulo

Você acredita que a globalização, afinal, é nossa aliada ou nossa inimiga?

A globalização, afinal, é nossa aliada ou nossa inimiga? As respostas variam, e de forma às vezes surpreendente. Os primeiros a cerrar fileiras contra a globalização foram sindicatos e partidos de esquerda. A eles se somariam Donald Trump, movimentos xenófobos e, mais recentemente, nosso novo chanceler, Ernesto Araújo.

Robert Kuttner, autor de “Can Democracy Survive Global Capitalism?” (a democracia sobreviverá ao capitalismo global?), também integra esse time. Mas Kuttner pelo menos apresenta argumentos racionais para defender sua posição.

“Can Democracy...” pode ser descrito como uma mistura de manifesto político e história econômica. A parte historiográfica é melhor do que a política. Kuttner discorre com propriedade sobre temas árduos como finanças, tributação, movimento sindical e consegue a proeza de nos manter interessados.

Penso que ele monta um bom caso em favor de uma regulação mais rígida de alguns produtos financeiros e nos convence da importância de ter sindicatos fortes e governos que proporcionem algum tipo de colchão social a seus cidadãos. Mostra como, no passado, as ansiedades econômicas de grandes contingentes de trabalhadores levaram a experimentos antidemocráticos.

Vinicius Torres Freire: Luta feia pelos restos do país

- Folha de S. Paulo

Brasil está na situação de optar entre a guerra por fundos públicos e o suicídio

Os servidores federais vão à luta para não pagar o aumento de contribuições previdenciárias previsto na reforma Bolsonaro-Guedes. É uma batalha da guerra civil por outros meios que está por vir caso o país decida de fato redistribuir de modo decente o gasto público. A Previdência é o aspecto maior desse drama, mas apenas um.

Parte do que se chama de reforma da Previdência é mesmo um projeto de reduzir o valor de salários, aposentadorias e pensões de servidores. O governo não tem mais como pagar essa conta do tamanho em que está. Menos ainda tem como bancar a Previdência dos trabalhadores do setor privado, o RGPS, problema ainda maior e mais explosivo.

Qual é o caso então com os servidores, além de salários fora da realidade? Em termos absolutos, o déficit do sistema de Previdência dos funcionários federais é menor que o do setor privado, embora proporcionalmente maior, em relação ao tamanho da sua despesa. E, sim, há privilégios.

Pelos mais recentes dados públicos disponíveis, a média do valor das aposentadorias do Executivo era 53% maior que a do teto do INSS. No Judiciário, 2,3 vezes o teto. No Ministério Público, 1,6 vez. No Legislativo, “os políticos”, 3,8 vezes.

“Ah, pau nos políticos!”. Suponha-se que o Congresso seja extinto e arrasado; que sua terra seja salgada, e sua gente, declarada infame até a décima geração; que deputados, senadores, funcionários e seus aposentados, viúvos e órfãos evaporem no espaço sideral. Tal economia lunática pagaria cerca de 1,6% da despesa da Previdência do “setor privado”.

Sim, qualquer dinheiro é relevante neste país em que gente cata o que comer no lixo. O que se pretende mostrar é que não está fácil de arrumar um culpado para ficar com a conta.

Ruy Castro: Yes, nós temos laranja

- Folha de S. Paulo

O risco de fazer malabarismo eleitoral com laranjas bichadas

Plantar laranjas sempre foi bom negócio. É verdade que um pé de laranja plantado hoje pode levar até 15 anos para produzir a primeira laranja. Tempo demais. Há pés com apenas um ano de idade, germinados em viveiros e enxertados com sementes de pés de laranja mais velhos, que chegam lá em muito menos tempo. Um jeito ainda mais rápido é contratar pessoas —“laranjas”— que se façam passar por candidatos a vereador, deputado e até senador, injetar-lhes dinheiro público para suas “campanhas” e embolsar de volta esse dinheiro, já que os ditos não estão ali para disputar de verdade.

Um litro de suco de laranja puro leva 30 laranjas. Mas quem sabe a diferença entre um suco puro e um que leve água? Com meio litro de água e 15 laranjas, faz-se um litro de suco do mesmo jeito e reservam-se as outras 15 para fazer outro litro. As transações financeiras entre a família Bolsonaro e seu ex-motorista Fabrício Queiroz seguem o mesmo princípio. Só que, em lugar de laranjas, Queiroz compra e vende carros usados, transferindo parte dos lucros para um ou outro Bolsonaro e reservando o resto para comprar mais laranjas.

Bruno Boghossian: O lado mais complicado

- Folha de S. Paulo

Generais delimitam envolvimento brasileiro, mas chanceler faz jogo político perigoso

Quando a crise na Venezuela começava a transbordar, o general Hamilton Mourão se apressou para empurrar as inquietações para outras fronteiras. “Do lado mais complicado, que é o lado colombiano, acho que vai ficar nessa situação de impasse”, afirmou o vice à BBC.

Enquanto isso, do lado mais complicado, o chanceler Ernesto Araújo resolveu posar sorridente com o autoproclamado presidente interino, Juan Guaidó. O ministro decidiu confraternizar com o opositor de Nicolás Maduro justamente na hora em que os venezuelanos chegavam a uma encruzilhada.

O núcleo militar do governo tem reagido com cautela à escalada de tensões na região, mas a ala ideológica do bolsonarismo insiste numjogo político perigoso.

Generais do Planalto trabalharam nos últimos dias para delimitar claramente o envolvimento brasileiro na crise venezuelana. Embora não tenha se recusado a enviar ajuda humanitária ao país, o grupo conseguiu reduzir a marcha dessa ação.

Além de circunscrever a participação de tropas brasileiras, os militares também barraram a presença de soldados americanos em território nacional —ideia que havia sido alimentada pelo Itamaraty em conversas com autoridades dos EUA.

Araújo mergulhou numa guerra de provocações que, agora, interessa somente a Maduro, aos colombianos e a Donald Trump. Enquanto os militares tentavam baixar a temperatura para evitar uma matança, o chanceler brincava de fazer diplomacia.

Vera Magalhães: Exorcismo político

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro terá de fazer outro ‘mea-culpa’: o de que a política não é coisa do diabo

Mais que o gesto de ir pessoalmente à Câmara para levar a reforma da Previdência ou o pronunciamento que fez em rede de rádio e TV para defender a proposta, Jair Bolsonaro acertou ao admitir, sem meias-palavras, que errou quando votou contra a reforma da Previdência no passado.

A frase tem o mesmo peso e sentido parecido a uma declaração de Lula, coincidentemente também depois de dois meses de mandato, em 2003, quando disse que “quando a gente é de oposição, pode fazer bravata porque não vai ter de executar nada mesmo; agora, quando você é governo, tem de fazer, tem que ser responsável, e aí não cabe a bravata”.

É disso que se trata. Vale para a responsabilidade fiscal e para a política, o próximo assunto a que Bolsonaro terá de se dedicar para ter sucesso na reforma, e no qual também não escapará, cedo ou tarde, da necessidade de dar um cavalo de pau no que vendeu publicamente.

Casos como o laranjal do PSL, o gabinete-rachadinha de Flávio Bolsonaro, a interferência da família no mandato e a demissão escandalosa de um ministro palaciano com 50 dias de governo já trataram de tisnar aquela aura de “diferentões” da política com que Bolsonaro e companhia venceram as eleições. Nada mais velha política do que esse coquetel servido graciosamente pelo entorno do presidente, sem que a oposição tivesse movido um dedo mindinho sequer.

Eliane Cantanhêde: Venezuela é uma fria

- O Estado de S.Paulo

Impasse: o Brasil não pode lavar as mãos nem vai usar a força militar, mas qual a alternativa?

Direto e realista, como sempre, o vice-presidente Hamilton Mourão admite que “um dos cenários na Venezuela é de guerra civil, o que pode respingar para todo lado”. Ele ressalva que, mesmo assim, trata-se de uma questão interna do país vizinho e cabe à ONU interferir, não ao Brasil.

“Enquanto eles continuarem matando uns aos outros, a gente não pode fazer nada”, disse Mourão, que viaja ainda neste domingo para Bogotá, na Colômbia, para a reunião, amanhã, em que o Grupo de Lima discutirá a situação de emergência na Venezuela.

Uma das grandes preocupações do governo brasileiro é com o grau de beligerância entre Venezuela e Colômbia. Segundo Mourão, que é general de exército, “80% do dispositivo militar venezuelano é voltado para a fronteira com a Colômbia. Na fronteira com o Brasil, tudo o que Maduro tem é uma brigada de engenharia de selva muito capenga”.

O Grupo de Lima foi criado justamente por causa da dramática crise venezuelana e, dos seus 14 países, só um, o México, se manteve aliado ao inacreditável Nicolás Maduro e se recusou a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Além de Mourão, a reunião contará também com a presença de presidentes da região e do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence. Os dois vices discursarão.

Maduro pode ser louco, irresponsável e patético, deu um xeque-mate na comunidade internacional e jogou a Venezuela no centro de uma delicada questão geopolítica. Ilhado, rejeitado por meia centena de países, ele contrapôs EUA, de um lado, e China e Rússia, de outro. E o Brasil, como a Colômbia, foi arregimentado por Washington para agir.

Lourival Sant'Anna: Bolsonaro e a Venezuela

- O Estado de S.Paulo

Presidente envolveu País como não se via desde a 2.ª Guerra em assuntos de outra nação

Escrevo de Caracas, onde a disputa de poder entre oposição e o regime de Nicolás Maduro atinge o clímax desde a tentativa de golpe contra o então presidente Hugo Chávez em abril de 2002, que me trouxe à Venezuela pela primeira de incontáveis vezes.

A rejeição do novo mandato de Maduro e o reconhecimento do governo interino do presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, no mês passado, coincidiram com o início do governo de Jair Bolsonaro, que prometeu grandes mudanças na política externa brasileira.

O Brasil agora está envolvido como talvez nunca tenha estado nos assuntos de outro país desde o envio dos “pracinhas” à Itália na 2.ª Guerra. O governo brasileiro está apoiando a tentativa da oposição de forçar a entrada de produtos de primeira necessidade em território venezuelano, atropelando a recusa de Maduro. A montagem da estrutura de armazenamento da ajuda humanitária em Roraima é a materialização de uma nova postura do Brasil em relação aos dramas internos de outro país. Na prática, trata-se da participação em uma estratégia de mudança de regime.

Embora a nova política externa brasileira se alinhe, em quase tudo o que é relevante, à americana, o governo de Donald Trump parece descontente com o alcance do engajamento de seu novo parceiro. Segundo fontes em Washington ouvidas pela reportagem do Estado, o governo americano pressiona para que o Brasil garanta a entrada da ajuda pela sua fronteira.

Os militares brasileiros, no entanto, resistem a abrir caminho para um confronto direto com os venezuelanos — que seria desencadeado pela invasão do território vizinho para a derrubada do cerco erguido por ordem de Caracas. Entretanto, apesar de todos os ultimatos impostos pelas autoridades americanas, também não houve até aqui nenhuma movimentação por parte dos Estados Unidos nesse sentido.

Ricardo Noblat: Vexame na fronteira

- Blog do Noblat | Veja

Segue o baile

Em nota divulgada, ontem, no início da noite, a Presidência da República classificou como “exitosa” a “participação do governo brasileiro” em “reunir e transportar as doações” de alimentos “até o destino de distribuição” aos venezuelanos famintos em luta contra o governo do ditador Nicolás Maduro.

Sem mais detalhes, a nota informa que se inicia “uma segunda fase da operação com os últimos preparativos de logística para a entrega dos produtos que se encontram armazenados na capital do Estado, Boa Vista.” Como comunicado oficial, a nota é primorosa na ocultação dos fatos e na manipulação do que o mundo todo viu.

Pela televisão, viu-se a chegada à fronteira entre os dois países de dois caminhões pequenos com uma fração de duzentas toneladas de alimentos. O pneu de um dos caminhões furou. Uma vez lá, e diante da decisão do governo Maduro de impedir sua entrada no país, os caminhões recuaram para um local seguro.

Foi só isso o que aconteceu e que o governo celebrou como “êxito”. Repórteres de O Estado de S. Paulo, que estavam lá escreveram que os caminhões “ficaram apenas na linha de fronteira: uma rua com uma bandeira do Brasil e outra da Venezuela”. A linha fica a 800 metros das barreiras militares venezuelanas.

O chefe da operação de ajuda, coronel José Jacaúna, queixou-se dos efeitos sobre o território brasileiro do que se passou a pouca distância dele no lado venezuelano: “Recebemos uma chuva de gás lacrimogêneo vindo do território venezuelano e esperamos que isso não fique assim”. E concluiu exaltado:

– Quem vai dizer que foi uma agressão ao País é o presidente (Jair Bolsonaro), nosso comandante. Não reconhecemos o governo Maduro. A diplomacia já disse isso e é quem deve se manifestar.

Não poderia ter havido desfecho mais à altura de episódio tão canhestro. Dele participou também o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que voou à Colômbia só para ser fotografado ao lado do autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó e de um diplomata americano de terceiro escalão.

E assim o governo do capitão fez sua estreia ruidosa no campo das relações internacionais. Desprezou a opinião dos generais que emprega, contrários a que o Brasil se metesse na crise venezuelana e ainda mais a reboque dos Estados Unidos. Desprezou tudo o que nossa diplomacia havia construído até agora.

Luiz Carlos Azedo: Eu ganho, tu perdes

- Correio Braziliense

“Os mais pobres, principalmente idosos e deficientes, perderão mais; os trabalhadores do setor privado em geral. Entretanto, os privilégios serão reduzidos no setor público”

Com a Nova Previdência, a perda das gerações futuras será geral. A proposta apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro é ampla e dura. Isso significa que a reforma é um erro? Não, Sem ela, o país entrará novamente em colapso e, aí sim, haverá inexoravelmente a perda de direitos adquiridos dos aposentados e pensionistas. Como não mexe no passado nem no presente, tem chances de ser aprovada. Quem pagará a conta dos privilégios e do rombo fiscal são as gerações futuras. Os privilégios, historicamente, aqui no Brasil, fazem parte dos “direitos adquiridos”. Mas essa é a última oportunidade de uma reforma da previdência que não mexa nesses direitos. Se não for feita agora, a solução será à grega ou à lusitana.

Estamos transferindo essa conta aos nossos filhos e netos. Todo mundo perderá igual? Não, perderão mais os trabalhadores do setor privado, que estão sujeitos ao regime geral; porém, a reforma reduz bastante os privilégios dos servidores públicos da União, estados e municípios. Militares manterão a aposentadoria pelo último salário e os inativos, os aumentos da ativa, mas também perderão: terão que servir por mais tempo e as pensionistas passarão a pagar contribuição, da qual eram isentas. Professores vão se aposentar com 60 anos. Policiais civis, federais e agentes penitenciários terão idade mínima de 55 anos, com tempo de contribuição de 30 e 25 anos. Anistiados da ditadura militar terão que pagar a Previdência, além de terem suas pensões revistas.

O servidor que ingressou no serviço público antes de 2013 e não fez opção pela aposentadoria complementar paga 11% sobre o salário. Com a reforma, as alíquotas serão diferentes para cada faixa de remuneração, como o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Além da alíquotas progressivas, a reforma permite à União, aos Estados e aos municípios criarem contribuições extraordinárias para enfrentarem o rombo nas contas estaduais e municipais.

A contribuição ordinária passará a ser de 14%, mas será qualificada de acordo com a faixa de salários. Será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo; para a faixa de um salário mínimo a R$ 2 mil, em cinco pontos percentuais (9%); de R$ 2 mil a R$ 3 mil, dois pontos percentuais (12%); de R$ 3 mil a R$ 5.839,45, não haverá redução. Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será aumentada em 0,5 ponto percentual (14,5%); de R$ 10 mil até R$ 20 mil, em 2,5 pontos percentuais (16,5%); de R$ 20 mil a R$ 39 mil, 5 pontos percentuais (19%). Acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de 8 pontos percentuais ( 22%).

Quem ganha mais continuará ganhando: os servidores públicos; já no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do setor privado, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição; com a incidência progressiva, variarão de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. O teto continuará muito abaixo da aposentadoria média dos servidores. A reforma busca reduzir essas desigualdades, mas elas sobreviverão. A prioridade do governo não é nivelar por baixo, é garantir uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos e de R$ 173,5 bilhões, em dez anos.

O espectro do populismo: Editorial | O Estado de S. Paulo

O “bolsonarismo” é, por enquanto, apenas uma caricatura mal-ajambrada de movimento populista, desses que de tempos em tempos assombram o Brasil, mas isso não significa que o País possa tranquilizar-se. Ao contrário: a esclerose precoce do governo de Jair Bolsonaro parece ter despertado no presidente o demagogo que ele sempre foi e que se encontrava apenas anestesiado em razão de conveniências políticas. Caso isso se confirme, a recuperação do País, repleta de obstáculos, será seriamente prejudicada, com consequências graves para a solvência do Estado e para a retomada do desenvolvimento. Nem é preciso enfatizar o perigo que um cenário desses representa para a estabilidade do País e mesmo para a ordem social.

São cada vez mais evidentes os sinais de que Bolsonaro, como governante, toma suas decisões não por razões de Estado ou como parte de alguma estratégia política de longo prazo, e sim estimulado pela perspectiva do aplauso fácil e imediato, este que brota de suas fanáticas hostes nas redes sociais – meio de comunicação caótico e irresponsável que Bolsonaro escolheu para se dirigir à sociedade, a título de estabelecer uma “relação direta entre o eleitor e seus representantes”, como disse em seu discurso ao ser diplomado como presidente. Desse modo, Bolsonaro equipara os atos de governo a tuítes tolos e a “memes” engraçadinhos. Nem é preciso mencionar os riscos institucionais que essa prática acarreta – basta lembrar a recente confusão criada pelo presidente e por um de seus filhos no Twitter a respeito de um dos ministros de Bolsonaro, demitido como consequência do imbróglio.

Aos pedaços: Editorial | Folha de S. Paulo

Fatiar pacote anticrime pode diluir seu impacto, mas também abre caminho para aprimorá-lo

Ao submeter seu pacote anticrime ao Congresso na última terça (19), o ministro Sergio Moro colheu as primeiras amostras da dificuldade que encontrará para contornar as resistências às suas propostas.

Em vez de apresentar um só projeto de lei como era sua intenção original, ele apresentou três, na esperança de que assim as medidas postuladas pelo Ministério da Justiça se tornarão mais palatáveis.

O principal reúne a maioria das ideias lançadas pelo ex-juiz federal no início do mês. Seu objetivo é endurecer a legislação penal, em especial o tratamento da corrupção e dos crimes mais violentos.

A medida mais controversa está preservada —a perigosa ampliação do conceito de legítima defesa e das hipóteses em que policiais podem atirar sem medo de sofrer punição quando matarem alguém.

Um segundo texto estipula novas regras para definir competências da Justiça Eleitoral em casos que envolvam também crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.

O terceiro, por fim, separa a proposta de criminalização do caixa dois eleitoral, delito tratado com brandura pela legislação atual e que Moro havia definido como um dos alvos prioritários do seu pacote.

Ao justificar a escolha, o ministro disse que atendeu a reclamações de políticos, para os quais não faria sentido misturar a discussão sobre o caixa dois com a de atrocidades cometidas por facções criminosas.

Na prática, a separação do tema abre caminho para que a proposta seja simplesmente engavetada numa comissão qualquer, sem que os congressistas avessos à iniciativa se exponham manifestando sua opinião a respeito em voz alta.

Laranjal de candidatas não é golpe exclusivo: Editorial | O Globo

Uso de cota eleitoral no desvio de dinheiro de campanha destrói tese da lisura do financiamento público

A infindável criatividade de certos políticos em encontrar maneiras de se infiltrar no Tesouro Nacional em busca de vantagens desenvolveu a figura da candidata laranja, aproveitando-se da cota de 30% dos candidatos reservada para mulheres, instituída pela legislação eleitoral.

Este tipo de inventividade aplicada na vida pública é conhecido há tempos, por meio de escândalos como o mensalão e petrolão. Nestes, tomou-se ciência de sofisticados esquemas de lavagem de dinheiro, com o uso da rede mundial de computadores e a consequente facilidade na circulação de altas cifras entre bancos no exterior.

O laranjal semeado por partidos para receberem dinheiro público do Fundo Eleitoral, a ser desviado para destinos obscuros, começou a ser detectado por reportagem da “Folha de S.Paulo” sobre a candidata Maria de Lourdes Paixão, secretária-administrativa do PSL de Pernambuco, que recebeu R$ 400 mil para a campanha e conseguiu apenas 273 votos.

Pouco antes da eleição, a candidata obteve o dinheiro e declarou na prestação de contas que destinara R$ 380 mil a uma gráfica de fachada. Fechou-se o circuito.

O caso deflagrou a crise no PSL, partido do presidente Bolsonaro, que levou à exoneração do ministro Gustavo Bebianno, responsabilizado no núcleo familiar presidencial pela transferência dos recursos à candidata pernambucana. Bebianno, presidente do partido, se defendeu, justificando que a distribuição do dinheiro dos fundos públicos partidários nos estados cabe ao diretório local. Mas não adiantou.

Saída de Bebianno muda relação do governo Bolsonaro com o Congresso

Parlamentares veem com reserva elevado número de militares no Planalto; Onyx é o único civil no primeiro escalão

Talita Fernandes | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA: A saída de Gustavo Bebianno do comando da Secretaria-Geral da Presidência trouxe impactos diretos na relação do Palácio do Planalto com o Congresso.

Logo que foi anunciada a exoneração de Bebianno, o governo confirmou para seu lugar o general Floriano Peixoto, terceiro ministro militar no Palácio do Planalto, isolando o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, como o único civil do prédio a ocupar um posto do primeiro escalão.

A demissão do advogado em meio à crise das candidaturas de laranjas do PSL, caso revelado pela Folha, exigirá ajustes finos na relação entre Executivo e Legislativo.

A fritura pública à qual Bebianno foi exposto por cinco dias antes de ter sua demissão confirmada estremeceu a confiança de parlamentares no governo. Embora Bebianno não tivesse formalmente o papel de articulador político, era o único dos quatro ministros palacianos com bom trânsito com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Parlamentares veem com reserva o elevado número de militares no Planalto, por considerarem que eles pertencem a um universo muito diferente da classe política.

Um exemplo é o próprio horário de trabalho. Votações importantes na Câmara e no Senado costumam entrar pela madrugada, enquanto militares têm o hábito de começar cedo e encerrarem o trabalho nas primeiras horas da noite.

Capitão reformado do Exército, Bolsonaro tem oito ministros militares, estando três deles alocados no Planalto: Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), Floriano Peixoto (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). São todos generais reformados do Exército, assim como o vice-presidente, Hamilton Mourão. Além deles, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, é general da ativa do Exército.

O principal ajuste que deverá ser feito na articulação política é a interlocução do Planalto com Maia.

Embora ambos sejam do DEM, Onyx e Maia não têm boa relação. O ministro trabalhou de forma contrária à reeleição do deputado para o comando da Câmara. Parlamentares ouvidos pela Folha em condição de anonimato dizem que Maia poderá falar diretamente com Bolsonaro, esvaziando a função de Onyx.

Em busca de 227 votos

Com Verba e promessa Planalto corteja parlamentares

Para aprovar reforma na Câmara, presidente Jair Bolsonaro precisa de 308 votos, mas conta até agora com apoio de 54 correligionários do PSL e provável chancela de 27 do DEM

Amanda Almeida, Bruno Góes e Natália Portinari | O Globo

BRASÍLIA - Antes mesmo de se eleger, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não faria alianças com lideranças partidárias para formar uma coalizão — mesmo que isso lhe rendesse menos verba de campanha e um tempo insignificante de propaganda na TV. Cumpriu a promessa. Após a vitória, e determinado a fazer com que o Congresso aprove areforma da Previdência , o presidente percebeu que terá de recorrer ao expediente comum de negociar com partidos em troca de votos.

Bolsonaro tem o apoio de seu partido, o PSL, com 54 cadeiras na Câmara, e a provável chancela do DEM, com 27. Como precisa de 308 votos para conseguir passar a reforma desenhada pela equipe de Paulo Guedes, o presidente abriu a temporada de negociações em busca do número mágico de pelo menos 227 votos para chegar aos 308 e aprovar a Previdência. É bem-vinda aos parlamentares uma rodada de emendas liberadas aos congressistas no valor de R$ 1,8 bilhão que têm sido travadas nos últimos anos.

Na tentativa de conter as reclamações pela falta de diálogo, o governo determinou que secretários e ministros adotem novos hábitos na Esplanada. Em reunião no fim da semana passado, a equipe do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi categórica com secretários executivos dos ministérios: as portas têm de estar abertas para deputados e senadores.

Os assessores do ministro da Casa Civil apelaram para que todas as pastas mantenham as agendas disponíveis aos parlamentares, que nunca deixem de atender a pedidos deles para encontros com prefeitos e governadores. E que todos posem sorrindo para fotos.

Manuel Bandeira: Louvação a cidade do Rio de Janeiro

Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.

Louvo o santo padroeiro
- Bravo São Sebastião -
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.

Louvo a Cidade nascida
No morro Cara de Cão.
Logo depois transferida
Para o Castelo, e de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores
Grande Rio de Janeiro!

Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros...
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá.)

Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.