terça-feira, 12 de março de 2019

Míriam Leitão: Ataque à imprensa e o autoritarismo

- O Globo

Há diversas formas de ameaçar a liberdade de imprensa. O governo Bolsonaro está estimulando ataques a jornalistas

Há várias formas de ameaçar a liberdade de imprensa. O governo Bolsonaro tenta um novo tipo, que é expor na rede os jornalistas como forma de tolher, ameaçar, intimidar pessoas que estão no exercício da profissão. Já fez isso várias vezes usando a rede de sites, perfis e bots que controla desde a campanha. Neste caso que atingiu uma repórter do “Estadão”, ele usou o cargo de presidente para divulgar uma mentira, e isso é um crime duplo porque a Presidência tem poderes que não podem ser usados com essa leviandade.

O presidente Jair Bolsonaro não gosta dos jornais e jornalistas que não lhe seguem cegamente e de forma acrítica. Acha que pode, através das redes sociais, substituir entrevistas por lives do Facebook, trocar os anúncios oficiais da Presidência por disparos no Twitter, e que ele e seus filhos podem promover falsos jornalistas e perseguir os profissionais dos quais eles não gostam. Não dará certo, como outras investidas autoritárias também fracassaram.

Eu escrevi em 2004 várias colunas criticando duramente as investidas contra a imprensa pelo governo Lula, em seu início. Elas estão publicadas no meu primeiro livro, “Convém Sonhar”. O então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu propôs a criação de duas agências para controlar os jornalistas. Na exposição de motivos para o Congresso, argumentou que sua iniciativa se devia ao fato de não haver uma instituição capaz de “fiscalizar e punir as condutas inadequadas dos jornalistas”.

Merval Pereira: Julgamento decisivo

- O Globo

STJ vinha entendendo que, com conexão entre o crime federal e o eleitoral, processos seriam separados

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decide amanhã uma discórdia fundamental para o combate à corrupção no Brasil. Trata-se de decidir, num inquérito sobre o deputado federal Pedro Paulo, do MDB do Rio, se as suspeitas de caixa 2, corrupção e evasão de divisas em 2012, na campanha que elegeu Eduardo Paes prefeito do Rio de Janeiro, devem ser julgadas pela Justiça Eleitoral.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha entendendo há tempos que, havendo conexão entre crime federal e crime eleitoral, os processos deveriam ser separados, ficando com a Justiça Eleitoral apenas o crime eleitoral. O crime de corrupção, por exemplo, continuaria com a Justiça Federal.

A Segunda Turma do STF, formada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Edson Fachin, passou a decidir que tudo fica com a Justiça Eleitoral, o que, no entender dos procuradores de Curitiba e do próprio ministro Sergio Moro, prejudica o combate à corrupção, pois a Justiça Eleitoral não teria estrutura para julgar crimes complexos como, por exemplo, os descobertos na Lava-Jato.

Alegam que a Justiça Eleitoral não tem especialização nesse tipo de investigação; tem juízes e promotores que rodam a cada dois anos, mal daria para conhecer os processos complexos da Lava-Jato, fora a insegurança jurídica da mudança de juiz ou promotor; tem juízes que são advogados, não revestidos das mesmas garantias; tem de dar prioridade para feitos eleitorais por força de lei, especialmente em ano de eleições, o que poderia deixar casos de corrupção de lado.

Bernardo Mello Franco: O governo é refém de um lunático

- O Globo

O autodeclarado filósofo Olavo de Carvalho indicou dois ministros e promoveu uma cruzada contra o vice-presidente. Agora quer liderar um expurgo nos quadros do governo

Antes que os bolsonaristas mais aguerridos peguem em armas, um esclarecimento. O lunático do título não é quem vocês estão pensando. Refiro-me a Olavo de Carvalho, o guru que faz a cabeça do presidente.

O autoproclamado filósofo emplacou dois pupilos como ministros: o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. As presepadas dos discípulos não saciaram o mestre. De seu escritório em Richmond, ele se dedica a semear intrigas e provocar novas crises em Brasília.

No fim de janeiro, Olavo se lançou numa cruzada contra o vice-presidente Hamilton Mourão. Chamou o general de “maluco”, “covarde”, “psicopata”, “charlatão desprezível” e “vergonha para as Forças Armadas”.

Como o vice não pode ser demitido, o ideólogo escolheu outros alvos. Na semana passada, o embaixador Paulo Roberto de Almeida o culpou por sua exoneração do Ipri, o instituto de pesquisas do Itamaraty. O diplomata havia chamado Olavo de “sofista” e “debiloide”.

Na sexta-feira, o guru da ultradireita surpreendeu ao pedir que seus alunos no governo, “umas poucas dezenas”, entregassem os cargos imediatamente. “O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, dramatizou.

Ricardo Noblat: O capitão mente

- Blog do Noblat / Veja

Primeiro para se eleger. Agora para governar

Que Jair Messias Bolsonaro sempre foi irresponsável já se sabia. Basta ter acompanhado seus 33 anos como deputado federal – ou seu comportamento no ano passado como candidato a presidente.

Uma vez eleito, o que agora se sabe é que ele passou à condição de leviano. Quando nada porque comanda diretamente ou por meio dos filhos uma rede de sites de aluguel destinada a disseminar mentiras.

A última delas (a última, não, a mais recente) foi o ataque à honra da repórter Constança Rezende, do jornal O Estado de São Paulo. E, por tabela, à imagem do centenário jornal.

A fraude avalizada por Bolsonaro ruiu por completo com o reconhecimento do site francês Mediapart de que eram falsas as informações postadas por um leitor em um dos seus blogs.

O blog é aberto aos leitores do site que podem escrever o que quiser sem que o Mediapart se responsabilize pelo conteúdo. Ali, um tal de Jawad Rhalib escreveu o que Bolsonaro passou adiante.

Rhalib escreveu que Constança teria declarado em conversa gravada por um estudante que sua intenção era a de arruinar a vida do senador eleito Flávio Bolsonaro e provocar o impeachment do pai dele.

O texto de Rhalib, que se apresentou como “documentarista”, foi reproduzido pelo jornal sensacionalista de direita americano Washington Times, famoso por seu viés racista.

E finalmente aqui saiu em um blog de apoiadores de Bolsonaro que mais de uma vez já foi recomendado por ele e seus filhos. Foi o que bastou para que Bolsonaro o endossasse.

O texto no blog Terça Livre foi assinado pela jornalista Fernanda Salles Andrade. Que vem a ser… O quê mesmo? Assessora do deputado estadual mineiro Bruno Engler, do PSL de Bolsonaro.

Pego mentindo, Bolsonaro não passou recebido. Preferiu escrever no Twitter que o “ambiente acadêmico vem sendo massacrado pela ideologia de esquerda que divide para conquistar”.

E advertiu a quem interessar possa, e com a maior cara de pau: “Neste contexto a formação dos cidadãos é esquecida e prioriza-se a conquista dos militantes políticos”.

A formação “dos cidadãos” é posta em grave risco quando um candidato a presidente da República se vale de notícias falsas para se eleger – e uma vez eleito, para governar.

Lula está preso, seus babacas!

Como agem o capitão e seus devotos nas redes sociais
Tão logo o jornal Folha de S. Paulo, ontem à tarde, publicou em seu site que o coronel Dadio Pereira Campos havia sido nomeado para cuidar das redes sociais do governo, o presidente Bolsonaro correu a escrever no Twitter: “É fake!”.

Então o jornal informou que nomeação assinada pelo próprio Bolsonaro saíra em uma edição extra do Diário Oficial da União. O que fez o capitão outra vez flagrado mentindo? Socorreu-se do Twitter para decretar: “É fake do fake”.

Eliane Cantanhêde: O inimigo mora ao lado

- O Estado de S.Paulo

Se até o vice é ‘vermelho’, a intenção é criar inimigos para viver guerreando nas redes

A melhor frase de todos os dias carnavalescos e de todas essas inacreditáveis confusões que o governo cria contra ele mesmo partiu do cada vez mais bem-humorado vice Hamilton Mourão: “O Olavo de Carvalho agora acha que sou comunista. Paciência...”.

O poder dos “olavetes” vem exatamente daí, da criação de inimigos imaginários: comunistas, esquerdopatas, vermelhos, petistas e lulistas. Quanto mais inimigos, mais eles justificam sua influência no governo de Jair Bolsonaro e mais atiçam suas tropas nas redes sociais.

Assim, somos todos vermelhos, o vice-presidente, os oito ministros militares, as TVs, os rádios, os jornais, as revistas e os jornalistas. Não conseguimos sequer entender o governo cutucando a China para agradar a Donald Trump e o chanceler Ernesto Araújo voltando no tempo para atacar a “China Maoista” que ameaça o Ocidente.

O mais incrível, porém, é como essa besteirada consome a energia e o tempo do presidente da República, tendo de arbitrar ora em favor de Olavo de Carvalho e seus seguidores, que vivem criando tumultos desnecessários e falsas crises, ora em favor de Mourão e os ministros militares, que não criam confusão e ainda têm de consertar o tempo todo as confusões geradas pelos “olavetes” e pelo próprio Bolsonaro.

Luiz Carlos Azedo: Para ir se acostumando

- Correio Braziliense

“O governo precisa desmobilizar suas tropas de assalto e tratar com mais competência da ocupação do poder”

Na boa teoria política, a democracia como “autogoverno do povo” não passa de um mito, mesmo nas revoluções clássicas (Revolução Inglesa, Revolução Francesa, Independência dos Estados Unidos e Revolução Russa). O protagonismo popular somente é absoluto no momento do voto, embora nunca antes a participação da sociedade no processo político tenha sido tão ampliada como agora, por causa das redes sociais. Ocorre que a internet também é um instrumento de manipulação da opinião pública e um terreno de disputa no mundo da comunicação, no qual a verdade muitas vezes é a primeira vítima, como no caso da tuitada de Bolsonaro contra a repórter Constança Rezende, do Estadão. Não vamos nem falar de robôs e fake news.

Quem governa — no sentido de tomar as decisões que se impõem a todos — é sempre uma minoria ou alguns grupos minoritários em concorrência entre si. As minorias organizadas e resolutas acabam controlando o poder e suas decisões. É por isso que o jurista italiano Norberto Bobbio recomendava o estudo de como essas “minorias emergem, governam e caem”. Segundo ele, as classes políticas se dividem entre as que “se impõem” e as que “se propõem”. O poder conferido a uma minoria dirigente nas eleições não é irrevogável, mas concedido sempre a título provisório. O perigo de deixar o poder subir à cabeça é perder essa perspectiva de transitoriedade, até porque mandatos são o recurso mais escasso de um governo, um tesouro cuja medida é o tempo, ou seja, que se esvai a cada dia.

Andrea Jubé: O paraquedista

- Valor Econômico

Reforma exige a visão estratégica do paraquedista

O esforço de compreensão dos gestos e ações do presidente Jair Bolsonaro, e do que se espera dele nos próximos meses de governo - a aprovação da reforma da Previdência, principalmente - nos remete ao seu passado militar: à imagem dos intrépidos soldados com os velames abertos, portando as cobiçadas botinas marrons, lançados de aviões a 1,2 mil pés de altura, a velocidades de 200 km/h, com mochilas de 50 quilos, repletas de mantimentos, remédios e fuzis ParaFAL.

"Tem uma mística muito grande porque é uma atividade de risco, nem todos completam o curso, o brevê é conquistado com sangue, suor e sofrimento", diz o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Paraquedista como Bolsonaro, Heleno tem 44 saltos no currículo: o último deles foi aos 60 anos. O episódio se deu em 2008, num encontro de saltadores na base militar americana de Fort Benning.

Bolsonaro tem apreço por essa formação. Mencionou-a no encontro com o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, em Foz do Iguaçu: "Falamos da nossa formação de paraquedistas, fizemos a saudação". A saudação da brigada paraquedista do Exército, desde os anos 70, é "Brasil acima de tudo!" - o bordão de sua campanha eleitoral.

O general Heleno, conselheiro mais próximo do presidente, afirma que a vivência como paraquedista rendeu atributos políticos a Bolsonaro, como liderança, gestão de situações de risco, aptidão para tomar decisões rápidas. O presidente já deu declarações neste sentido. Em 2017, a um ano do pleito, foi questionado se trocaria o PSC pelo Patriotas. "Sei que ele [o partido] tem problemas. Se não solucionar, como sou paraquedista, já tenho outro em vista", afirmou após evento com empresários em Uberlândia (MG). Depois do Patriotas, quase veio o PRB. Mas ele acabou no PSL.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: O Demônio Monetário

- Valor Econômico

O dinheiro é a forma mais autêntica e desesperada de preservação da propriedade

Homenagem crítica a André Lara Rezende.Da infância smithiana à maturidade caquética das expectativas racionais, os conflitos de concepção e de método assolam a trajetória intelectual da Economia Política. As querelas terminam, quase sempre, na reafirmação do quarteto naturalismo, individualismo, racionalismo e equilíbrio.

Na aurora da Idade Moderna, a expansão do comércio nos poros da ordem feudal, a ciência experimental de Bacon, o "cogito" de Descartes estimularam o projeto do controle da natureza e do destino humano pela razão. Desde então, disse Hegel, "o pensamento deve partir do pensamento mesmo".

Na ousada peregrinação pelos ásperos caminhos da libertação dos indivíduos do jugo da Ordem Revelada, vou saltar o incômodo Thomas Hobbes e me valer de John Locke.

Locke desafiou a visão da sociedade medieval hierárquica, orgânica e aristocrática amparada no direito divino. Os homens são iguais: as relações entre eles e as coisas são relações de apropriação justificadas pelo trabalho, a ação racional do homem na transformação da natureza. O trabalho justifica o direito de apropriação dos bens e das fontes de riqueza. A propriedade é o fundamento da liberdade.

Na Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith dispõe-se a "provar que,... é através da razão que descobrimos as regras gerais de justiça que regulam nossas ações". Na Riquezas das Nações, esse caráter natural e "espontâneo" do indivíduo é transportado para o intercâmbio de mercadorias regulado pelo valor-trabalho.

Nesse mundo habitado por indivíduos racionais, proprietários de mercadorias e dos fatores de produção, a moeda só é necessária formalmente como moeda de conta. A moeda é "neutra" e determina o nível geral de preços sem qualquer efeito de longo prazo sobre a economia.

David Hume assumiu a completa naturalidade do sistema monetário apoiado na base metálica. Essa base natural garantia as regras de ajustamento automático entre a moeda, as flutuações de preços internacionais que determinavam a entrada e saída de ouro do país, o Price-Specie-Flow Mechanism. Adam Smith investigou as relações entre o ouro, base natural e internacional da circulação monetária, e a emissão de papel-moeda "nacional" pelos bancos. Cauteloso, Smith recomendava restrições à liberdade para a operação dos bancos, "que podem colocar em perigo a segurança de toda a sociedade e, por isso, devem ser disciplinados pelas leis dos governos, desde os mais livres aos mais despóticos".

John Stuart Mill condenou a expansão da moeda bancária como "uma forma de roubo", se desrespeitadas as regras da conversibilidade. Esse "roubo" é o poder de emitir moeda para se apropriar de recursos reais.

Morto em 1823, David Ricardo inspirou o Banking Act de 1844 que criou os dois departamentos no Banco da Inglaterra: o departamento de emissão e o departamento de desconto de títulos e valores, ou seja, de crédito. O ato impôs regras de conversibilidade para a emissão de moeda bancária.

Na crise de 1857, devido a uma má colheita, a Inglaterra foi constrangida a recorrer à importação de alimentos e perdeu uma fração importante de suas reservas-ouro. No fragor da recessão, regra da conversibilidade impediu uma resposta à demanda crescente de meios de pagamento. A taxa de desconto foi elevada para conter a saída de reservas-ouro. Isso agravou a crise. A falência devastou os negócios de comerciantes e industriais. O Banco da Inglaterra decretou a inconversibilidade. Traquinagens do Demônio Monetário.

As decisões de produção envolvem inexoravelmente a antecipação de dinheiro agora para receber mais depois. A mobilização de recursos reais, bens de capital, terra e trabalhadores depende de adiantamento de liquidez e assunção de dívidas.

Pablo Ortellado*: Miragem conservadora produz 'gramscismo de direita'

- Folha de S. Paulo

Fantasma do 'marxismo cultural' autoriza aparelhamento, perseguições e doutrinação de direita

Bolsonaro resolveu retomar o papel de agitador das mídias sociais. Nos últimos dias criticou excessos no Carnaval, atacou jornalistas e acusou a universidade de fazer proselitismo político. A agitação faz parte de uma estratégia de mobilização permanente, que não deixa seus apoiadores pararem para refletir, submetendo-os a um fluxo constante de propaganda.

O que há de comum na estratégia contra a comunidade LGBT no Carnaval, os jornalistas que apuram corrupção no seu governo e os acadêmicos que lecionam na universidade é que, para o bolsonarismo, todos são extremistas em relação aos quais seu conservadorismo seria um centro sensato e equilibrado.

Há uma estratégia dupla de exorbitar e sobrerrepresentar o viés de adversário, enquanto minimiza ou simplesmente faz desaparecer o próprio viés.

O que para a liderança é estratégia má intencionada para gerar alvoroço e confusão, para a base se torna uma espécie de psicose coletiva na qual o consumo excessivo de propaganda faz com que as representações se descolem do real.

Luiz Weber: As bitcoins de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente parece investir seu capital político em seu público mais radical

Bolsonaro continua com o quepe de capitão. Fala para sua pequena tropa. No Exército, os capitães comandam companhias —entre 60 e 250 militares subalternos. Se progridem na carreira, passam a liderar mais gente. Dia desses, o presidente comemorou com um sinal de OK no Twitter a chegada a 3,4 milhões de seguidores.

No universo das celebridades digitais, esse estoque pode render almoço grátis em churrascaria ou ingresso para show sertanejo. Na política, no mundo real, os efeitos dessa popularidade são duvidosos. Dilma tem 6,1 milhões de seguidores e, fora uma ou outra curtida, vive no ostracismo.

Bolsonaro teve quase 58 milhões de votos, pessoas de carne e osso que enxergaram nele uma alternativa ao status quo anterior, mas ainda se comporta como líder de uma pequena companhia de quartel. Quando usa sua rede social, fala para um grupo muito restrito. Às vezes, pior: faz eco à desordem e ao sectarismo.

Nesta segunda-feira (11), Olavo de Carvalho, o ideólogo do clã Bolsonaro, a quem se atribuem várias nomeações para o governo, escreveu em sua conta pessoal no Twitter (seguida pelo presidente) linhas que são um clássico latino-americano: "Se o povo não sair às ruas para defender o seu voto, o resultado das eleições será facilmente invertido pela elite". Chamar o povo diante do primeiro revés político é coisa que está na página 1 do livro dos autocratas.

Hélio Schwartsman: Anistia esvaziada

- Folha de S. Paulo

É importante que tiranos que torturam e assassinam respondam por seus crimes

Não há futuro para o regime bolivariano na Venezuela. Mesmo que Nicolás Maduro consiga a façanha de agarrar-se ao poder, as condições econômicas do país vão continuar a deteriorar-se, como se vê pelos apagões e pela falta de gasolina. Mais cedo ou mais tarde, virá a derrocada final do chavismo. Os militares venezuelanos sabem disso. Por que, então, ainda não desertaram para a banda do líder oposicionista Juan Guaidó?

Cynthia Arnson, diretora do programa de América Latina do Wilson Center, ouvida numa reportagem de Sylvia Colombo, levantou uma hipótese interessante. Além de a cúpula militar faturar bastante apoiando Maduro, tanto em negócios lícitos como ilícitos, a anistia oferecida pela oposição não é das mais críveis.

Já se foram os tempos em que tiranos depostos e seus principais colaboradores podiam gozar de aposentadorias tranquilas, como foi o caso do paraguaio Alfredo Stroessner e do haitiano Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc.

Joel Pinheiro da Fonseca*: A Terra não é plana, mas...

- Folha de S. Paulo

A energia dos terraplanistas não está no debate científico, mas na política

O documentário "A Terra é Plana" ("Behind the Curve", Daniel J. Clark, 2018), disponível no Netflix, não apenas sacia nossa curiosidade mórbida por um movimento de crenças bizarras (no caso, de que nosso planeta não é uma esfera e sim um disco). Ele nos mostra a dimensão política da crença humana e o quão pouco somos guiados pela razão.

No Brasil, ainda podemos considerar a esfericidade da Terra como uma verdade óbvia. Podemos buscar entender os terraplanistas, portanto, sem levar a sério o mérito de suas teses. Se eles crescem e se organizam, não é pela racionalidade dos argumentos. A explicação tem que estar em algum outro mecanismo psicológico, que guardará lições sobre muitos outros movimentos.

Primeiro ponto notável: as redes sociais foram condição necessáriapara o terraplanismo florescer. Nelas, pessoas comuns podem gerar seu conteúdo e chegar a milhões de outras sem passar por nenhum crivo da ciência institucional. Comunidades se formam e se retroalimentam, fortalecendo o sentido de uma causa comum e convertendo pessoas que, não fosse pelas redes, jamais questionariam o formato da Terra.

Segundo ponto: os terraplanistas falam a língua do homem comum, enquanto a linguagem dos cientistas lhe é inacessível. "Science just throws math at us", diz um dos expoentes do movimento, contando vantagem. E ele está certo. Alguns dos cientistas ouvidos pelo documentário, por sua vez, lutam para não transparecer o óbvio desprezo que sentem pelo terraplanismo; o que só fortalece nos membros o sentimento de que o sistema os persegue.

A missão do ‘Estado’: Editorial / O Estado de S. Paulo

Os jornalistas do Estado se pautam pelo compromisso inarredável com os valores democráticos e com o regime da lei, que estão na essência da identidade do jornal desde sua fundação, em 1875. A defesa da liberdade contra todo tipo de tirania, a começar por aquelas que se creem chanceladas pelas urnas, marca a atuação desta publicação e de seus profissionais ao longo de 144 anos de história.

Esse compromisso se encontra mais vivo do que nunca, em especial diante de ameaças que partem do próprio presidente da República, o sr. Jair Bolsonaro. Esses arreganhos só fazem confirmar a relevância do exercício do jornalismo livre, que tem no Estado um centenário patrono.

Este jornal se comprometeu, desde seu primeiro número, a ser totalmente apartidário e independente, infenso às injunções do poder. A imparcialidade necessária para o exercício dessa liberdade não significa, contudo, que o jornal silencie ou deixe de defender o que acredita ser o certo diante do malfeito e do arbítrio. É papel desta publicação funcionar como a consciência crítica de seu tempo.

Foi com esse espírito que o Estado defendeu o fim da escravidão e o advento da República, que consagra a liberdade - e a responsabilidade - do indivíduo. Essa é a razão pela qual este jornal se tornou atuante tribuna dos defensores da democracia, quando esta palavra expressava apenas um desejo da sociedade. É assim há tanto tempo que tal característica se tornou a própria natureza do Estado perante seus leitores e a sociedade.

Avanço do investimento e da poupança está longe do ideal: Editorial / Valor Econômico

Os dados das contas nacionais de 2018 trouxeram algumas melhoras. Depois de quatro anos em queda, a taxa de investimentos subiu, sustentada por um aumento da poupança. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 4,1%, passando de 15% para 15,8% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2017 e 2018, e a poupança passou de 14,3% para 14,5% do PIB no mesmo espaço de tempo. Mas, esses números embutem artificialidades contábeis e estão longe do desejável para assegurar um crescimento sustentável da economia.

Foi o segundo ano consecutivo de expansão da poupança depois de ter despencado para 13,4% do PIB em 2016, o menor nível da série iniciada em 2000. Apesar do aumento, a taxa está distante dos 19,3% do PIB de 2007. Em comparação com outros países do grupo dos Brics, o Brasil está mal colocado. A poupança atingiu 45% do PIB na China, 28,5% na Índia e 27% na Rússia. Até nossos vizinhos exibem taxas superiores, com 20,5% no Chile, 19% na Colômbia e 21% no México.

A redução dos gastos das empresas e do setor público com os juros sustentou o ligeiro aumento da poupança, avaliou o coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, Armando Castelar (Valor 6/3). O déficit nominal, que inclui os gastos com juros, diminuiu 0,7% do PIB no ano passado, passando de 7,8% para 7,1% do PIB. As empresas se beneficiaram pelo mesmo motivo. Já as famílias tiveram ganhos menores em suas aplicações, além de terem consumido mais, e pouco pouparam. O consumo das famílias cresceu 1,9% em 2018, depois do aumento de 1,4% em 2017.

Guedes se corrige e dá verdadeiro peso ao ‘Plano B’: Editorial / O Globo

Proposta de desindexação e desvinculação é parte do ajuste, ao lado da reforma da Previdência

O ministro da Economia, Paulo Guedes, ao tomar posse no cargo, anunciou um “Plano B” para caso de o “A”, a reforma da Previdência, não ser aprovado com um mínimo de consistência necessária para reverter o percurso do Estado brasileiro rumo à insolvência.

O tal plano alternativo tem lógica, mas o tom do ministro, de ameaça ao Congresso, governadores e prefeitos, foi inadequado, um erro. Guedes adotara o mesmo estilo à beira da arrogância quando, pouco antes da posse, defendeu uma “prensa” no Legislativo, para ele carimbar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) das mudanças previdenciárias. Não é assim que as coisas funcionam, e o ministro parece ter entendido depois.

O “Plano B”, na verdade, é parte intrínseca do ajuste fiscal de que o país precisa, e isso afinal ficou claro na entrevista concedida por Paulo Guedes ao jornal “O Estado de S.Paulo”, publicada domingo. O ministro afastou da proposta qualquer sentido de chantagem como Congresso e a classe política em geral, chamando o projeto de “PEC do pacto federativo”.

A intenção é desindexar e desvincular o Orçamento, extensivos a estados e municípios, cuja crise fiscal, por peculiaridades —só a União pode emitir títulos de dívida, por exemplo —, se agrava numa velocidade superior à do governo federal.

Marcha a ré: Editorial / Folha de S. Paulo

Ao criar incentivos para a indústria automobilística, Doria repete receita custosa e pouco eficaz

Vai em má direção o governador João Doria (PSDB) ao lançar um bilionário pacote de incentivos para a indústria automobilística em São Paulo, o IncentivAuto.

O programa prevê descontos de até 25% no ICMS para empresas que investirem no mínimo R$ 1 bilhão, em fábricas novas ou existentes e no desenvolvimento de produtos, e gerarem pelo menos 400 empregos em São Paulo. A redução máxima do imposto valerá para aportes de R$ 10 bilhões ou mais.

Também está prevista a concessão de financiamento por meio de um fundo estadual, inclusive com a possibilidade de generosos descontos de até 25% no pagamento do saldo devedor, sob alguns critérios.

Numa curiosa transmutação doutrinária, o ex-ministro e hoje secretário da Fazenda paulista, Henrique Meirelles, argumentou que mais produção gerará mais arrecadação, o que permitirá o desconto de 25%. Ora, se tal façanha está ao alcance de um governo, por que não generalizar a prática?

Roberto Freire considera grave ataque de Bolsonaro contra a imprensa na rede social

- Portal do PPS

O presidente do PPS, Roberto Freire (SP), criticou, nesta segunda-feira (11), os ataques feitos pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, e aliados por meio de redes sociais contra o jornal “O Estado de S. Paulo” e outros veículos de comunicação. Para o dirigente, os órgãos de representação da imprensa deveriam tomar uma posição repudiando a postura do chefe do Executivo brasileiro.

“O presidente Bolsonaro tenta imitar [Donald] Trump usando o twitter como uma comunicação paraoficial e, nesse último episódio, querer agredir a imprensa. Agredir, inclusive, com ações que estão sendo contestadas como se fosse uma grande armação. Acho que os órgãos de representação dos jornalistas e da imprensa como um todo deveriam tomar uma posição”, cobrou.

Liberdade de imprensa
Freire destacou que o PPS sempre se posicionará pela liberdade de imprensa por ser fundamental a qualquer democracia. Ele lembrou que o partido foi contrário(veja aqui) a tentativa do governo Lula de expulsar o jornalista Larry Rohter , do “New York Times”, por publicar matéria critica ao lulopetismo.

“Essa nossa posição não é porque é o Bolsonaro. É na defesa da liberdade de imprensa, fundamental numa democracia. Da mesma forma que fizemos, com nota oficial, contra o absurdo que era a tentativa de Lula em expulsar alguém por não ter gostado de uma matéria critica”, lembrou.

“Mimetismo”
Roberto Freire afirmou que o País precisa estar atento aos seus interesses e criticou o “mimetismo” que Bolsonaro tem em relação ao presidente dos EUA, Donald Trump.

“O mimetismo que o presidente Bolsonaro tem em relação a Trump o leva, até mesmo por sua capacitação pessoal, a comentar vários despautérios. Os EUA é uma potência mundial e Trump pode enfrentar o que bem entender em termos de política externa. Até de forma descabida e absurda com intervenções militares. Mas o Brasil não. O Brasil tem que estar muito atento àquilo que é de seu interesse. Não pode imaginar que tem papel internacional no mesmo quilate dos EUA e demais potencias. Tem que entender o interesse nacional nesse mundo que aí está. Infelizmente isso não está existindo devido esse mimetismo”, afirmou.

Reação
O presidente do PPS disse que o País precisa reagir as situações causadas por Bolsonaro em comentários feitos em redes sociais e criticou novamente o confronto do presidente contra a imprensa brasileira.

“O País tem que reagir. Não pode aceitar isso. Tem um general da guarda pretoriana do presidente que diz que não pode deixar o Bolsonaro sozinho com seu twitter, porque a qualquer momento é surpreendido com coisas desse tipo. Mal saiu do epicentro de uma grande polêmica por conta do vídeo obsceno e pornográfico (veja aqui), que foi uma insensatez e um despautério completo, e já entra em outra com maior gravidade. Até porque é uma briga deliberada contra a imprensa. Uma busca deliberada de querer desmoralizar e confrontar a imprensa”, disse.

Nova polêmica
A nova polêmica surgiu após Jair Bolsonaro atacar, por meio do Twitter, o jornal “O Estado de S. Paulo” (veja aqui) e demais veículos de imprensa devido a uma notícia publicada por site conservador que teria acusado uma jornalista do periódico de ter a intenção de arruinar Flávio Bolsonaro e o governo. Segundo o jornal, a suposta declaração foi publicada fora do contexto e surgiu de uma entrevista da profissional para um estudante estrangeiro.

Ferreira Gullar: Arte poética

Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz
e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
- ainda que nascido da morte -
some-se aos outros fogos do dia
aos barulhos da casa e da avenida
no presente veloz
Nada que se pareça
a pássaro empalhado, múmia
de flor
dentro do livro
e o que da noite volte
volte em chamas
ou em chaga
vertiginosamente como o jasmim
que num lampejo só
ilumina a cidade inteira