terça-feira, 2 de abril de 2019

Michelangelo Bovero*: Observar a democracia com as lentes de Bobbio

A tradição de pensamento que alguns estudiosos quiseram chamar de “escola de Turim” tem, entre seus temas principais de reflexão, e não apenas de preocupação intelectual, mas também de compromisso civil, o problema da democracia. Trata-se na realidade de um problema complexo, ou de um nó de problemas particularmente intricado, que deve ser enfrentado, sobretudo, com os instrumentos teóricos da análise conceitual.

A teoria analítica da democracia elaborada dentro da escola de Turim, acima de tudo e eminentemente na obra de Norberto Bobbio, é em primeiro lugar uma teoria jurídica, distinta das teorias políticas, como, por exemplo, as de Giovanni Sartori ou Robert A. Dahl, e das teorias economicistas como as de Anthony Downs, e também de Joseph Schumpeter. A teoria de Bobbio é geralmente considerada a versão mais pontual e madura da chamada “concepção processual” da democracia, que, ao longo do século 20, para superar as ambiguidades e os equívocos das concepções “substanciais”, concentrou a atenção sobre as “regras do jogo”. Nos últimos tempos voltou-se a refletir sobre este núcleo interno da concepção bobbiana, a teoria das regras constitutivas da democracia, na tentativa de reconstruí-la, reformulá-la e empregá-la como instrumento de diagnóstico para medir o grau de democracia dos regimes políticos contemporâneos.

A tabela bobbiana das regras democráticas
1 – Todos os cidadãos que alcançaram a maioridade, sem distinção de raça, religião, condição econômica e sexo, devem desfrutar dos direitos políticos, ou seja, todos têm o direito de expressar sua própria opinião ou de escolher quem a exprima por eles;
2 – O voto de todos os cidadãos deve ter o mesmo peso;
3 – Todas as pessoas que desfrutam de direitos políticos devem ser livres para poder votar de acordo com sua própria opinião, formada com a maior liberdade possível por meio de uma concorrência livre entre grupos políticos organizados competindo entre si;
4 – Devem ser livres também no sentido de ter condição de escolher entre soluções diferentes, ou seja, entre partidos que têm programas diferentes e alternativos;
5 – Seja por eleições, seja por decisão coletiva, deve valer a regra da maioria numérica, no sentido de considerar eleito o candidato ou considerar válida a decisão obtida pelo maior número de votos;
6 – Nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, particularmente o direito de se tornar por sua vez maioria em igualdade de condições.

Essas seis regras são chamadas de “procedimentos universais”, ou seja, as normas que estabelecem, de acordo com as fórmulas simples e iluminadoras de Bobbio, o “quem” e o “como” da decisão política – e que se encontram em todos os regimes geralmente chamados democráticos.

Todas as regras enumeradas por Bobbio dizem respeito, direta ou indiretamente, à instituição que caracteriza a democracia representativa: as eleições. Hoje, e não sem bons argumentos, tende-se a não considerar indissolúvel o nexo entre eleições e democracia. Que as eleições são um indicador insuficiente da democracia de um sistema político é algo evidente, até mesmo banal. Mas isso não deve levar à atribuição de uma importância secundária à instituição das eleições, nem mesmo a negligenciá-la ou desacreditá-la, como às vezes tendem a fazer alguns promotores da (assim chamada) “teoria deliberativa da democracia” atualmente em voga. Um leitor de Bobbio poderia se limitar a confirmar outra obviedade banal: em uma coletividade de grandes dimensões, a autodeterminação democrática não pode se realizar a não ser sob a forma da democracia representativa, e esta não pode sobreviver sem as eleições. Há quem pense que as eleições podem ser abolidas e substituídas pelas formas difusas de “deliberação” (seja lá o que isso signifique). É verdade que uma democracia “apenas” eleitoral pode ser uma democracia aparente, mas também é verdade que, abolidas as eleições, não se teria mais nenhuma democracia, nem aparente nem real.

Critérios de democratização
A tabela bobbiana das seis regras não é a tradução sintética em normas, ou em princípios inspiradores de normas, da concepção processual da democracia. Assim, as seis regras são apenas a explicitação articulada de sua definição mínima “segundo a qual por regime democrático se entende principalmente um conjunto de regras de procedimento para a formação das decisões coletivas, nas quais é prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados”. Também com o propósito de testar a validade e a fertilidade da teoria bobbiana, eu sugeri que esse “conjunto de regras” pode ser adotado e utilizado como um verdadeiro e apropriado critério de democratização, simplificado, mas eficaz, ou seja, como parâmetro essencial de um juízo que estabelece se este ou aquele regime político realmente merece o nome de democracia. Na perspectiva de Bobbio, na realidade, as “regras do jogo” valem como condições da democracia. Aplicando de um modo elementar e intuitivo a gramática do conceito de “condição”, pode-se dizer que, se essas regras encontrarem eco e aplicação real na vida política de uma coletividade, então essa coletividade pode se reconhecer e autodenominar democrática.

No capítulo da Teoria geral da política que assumi como texto de referência, Bobbio nos convida a considerar as seis regras como condições separadamente necessárias e apenas conjuntamente suficientes: “Não tenho dúvidas do fato de que basta a não observância de uma destas regras para que um governo não seja democrático”. Em outro texto, Bobbio parece muito mais flexível: “Nenhum regime histórico jamais observou completamente o conteúdo de todas estas regras; e por isso é lícito falar de regimes mais ou menos democráticos”.

Começo observando que Bobbio considera “graus diferentes de aproximação do modelo ideal”. Devemos esclarecer que o “modelo ideal” que ele menciona não é a soma das promessas e ilusões que a doutrina democrática moderna, de Rousseau em diante, associou à prefiguração da comunidade política ideal. Nesse sentido, Bobbio dizia que o distanciamento da prefiguração doutrinária e idealizada da sociedade democrática, verificada em todas as experiências concretas de “realização” da democracia, não foi a “de ‘transformar’ um regime democrático em um regime autocrático”. A fronteira entre os dois tipos de regime está no fato de que, e na medida em que, as regras do jogo democrático sejam respeitadas de alguma maneira e até certo grau.

Entrevista: Fernando Henrique/ ex-presidente

Após postar, na semana passada, que presidente que não entende o Congresso cai, ele diz que Jair Bolsonaro precisa repartir o poder para governar

“Ao rejeitar essa gente (Congresso) ele (Bolsonaro) está rejeitando o Brasil”

“Não é o estilo dele (Bolsonaro) ter uma estratégia. É muito elaborado. Não creio que seja essa a ideia de jogar o povo contra o Congresso”

“Não estou vendo ninguém se opor a nada. Cadê os candidatos que disputaram com Bolsonaro? Por que não falam? Porque não há projeto”

“Tem gente com pulso autoritário? Tem. Mas é muito diferente de 1964”

‘Negociar com o Congresso não é fazer o mensalão’

Silvia Amorim e Flávio Freire / O Globo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o poder de persuasão de um presidente é fundamental para a aprovação de medidas no Congresso. Por isso, o governo Jair Bolsonaro precisa entender que negociar com deputados e senadores não deve ser confundido com falcatruas.

No domingo retrasado, FH já havia mandado um recado para Bolsonaro: presidente que não entende a força do Congresso pode cair. Por isso, o tucano defende a adoção de uma política de repartição do poder. Sem isso, não há como governar.

Apesar de considerar que os militares compõem um setor mais sensato dentro do governo, FH pondera que são muitas as posições ocupadas pelos integrantes das Forças Armadas.

• Na semana passada o senhor escreveu que presidente que não entende o Congresso cai. Por que decidiu entrar na polêmica entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia?

Vi queda de muitos presidentes. Queria falar com o governo que do jeito que as coisas vão, (o país) está à deriva. Será que ele escutou? Não sei. O Brasil vai precisar fazer alguma reforma e o governo precisa entender que negociar com o Congresso não é fazer o mensalão. Ou tem um projeto e chama aqueles que vão decidir para participar ou fica sozinho. Não pode olhar a representação parlamentar, fechar o nariz e dizer: essa gente não tem nível.

• Bolsonaro está passando essa mensagem ao resistir em fazer articulação política pela Previdência e acusar o Congresso de insistir na “velha política"?

Ao rejeitar essa gente ele está rejeitando o Brasil. Não pode. Não tem como desprezar a maioria. Chega uma hora , ela vai dizer: 'Estou aqui e você não é nada'.

Eliane Cantanhêde: São decisões dele...

- O Estado de S.Paulo

Quem, afinal, vai reagir aos ataques do guru do bolsonarismo aos generais?

Depois de apoiar a reeleição de Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro agora apoia, com gestos, mais do que palavras, a reeleição de Binyamin Netanyahu, com quem rezou ontem no Muro das Lamentações, em Israel. Nada disso é trivial em diplomacia e política externa. Bolsonaro, porém, é Bolsonaro.

Ele toma decisões e age porque dá na telha, não exatamente por embasamento teórico, científico, histórico. Para ele, Trump e os EUA são o máximo, dane-se o resto. Netanyahu e Israel são fantásticos, os palestinos e o mundo árabe a gente vê depois.

Com esse voluntarismo, o mesmo presidente que mandou desconvidar Ilona Szabó de uma mera suplência de um mero conselho não consegue demitir o ministro que transformou o MEC num vexame. A ideologia derrubou Szabó. A ideologia mantém Vélez.

É assim também que Bolsonaro assiste impassível à avalanche de impropérios e palavrões proferidos pelo guru dos seus filhos, de Vélez e do chanceler Ernesto Araújo contra os generais que ocupam os principais cargos e têm sido um contraponto de bom senso aos excessos e aos erros do governo e do próprio presidente.

Premiado com um lugar de honra à mesa de um jantar para Bolsonaro nos EUA, Olavo de Carvalho já disse que os militares são uns... Desculpem, mas não consigo repetir. E ele chamou o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva, de “idiota”, “imbecil”, “vergonha para as Forças Armadas” e “charlatão desprezível”.

Ele, o guru, também já provocou o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, pelo fato de ele dar entrevistas para a mídia e conversar com jornalistas: “Você não tem vergonha, Heleno?”

Míriam Leitão: Riscos e erros da política externa

- O Globo

Bolsonaro improvisa na política externa, área em que todos os passos precisam ser muito bem calculados

O governo Bolsonaro não tem uma política externa. Não a formulou ainda. O filho do presidente faz sombra ao chanceler, que se ocupa com revisões delirantes da História. Nesse contexto, Bolsonaro vai viajando e improvisando pelo caminho numa área sensível e com ligação direta com a economia. Os militares e a ministra da Agricultura têm atuado como moderadores para evitar o pior, enquanto o ministro das Relações Exteriores se comporta como se estivesse numa cruzada mística na luta entre o bem e o mal.

Tomar decisões de política externa com base em ideologia, qualquer que ela seja, é o caminho mais curto para errar. Fiz esse mesmo tipo de crítica ao governo Lula em inúmeras colunas. Quando ele foi a Trípoli, em 2003, visitar o ditador Muamar Kadafi, eu escrevi neste espaço que era uma viagem sem propósito, pé e cabeça. O tempo provou que foi um equívoco. Os erros foram vários e aqui sempre criticados. Em alguns casos, deixaram contas para serem pagas pelo país. Agora o que se vê no governo Bolsonaro é a mesma insistência em fazer uma diplomacia ideológica.

No caso da viagem a Israel, Bolsonaro está conseguindo desagradar todos os lados e ainda entrar na disputa eleitoral, sendo usado pelo primeiro-ministro Bibi Netanyahu. Qual o sentido de uma viagem nove dias antes de uma disputa eleitoral? Se o premier israelense vencer, teria sido melhor ir depois. Se perder, Bolsonaro terá feito o mesmo que fez nos Estados Unidos, escolher um lado na política interna do país visitado. No caso dos Estados Unidos, é um erro com graves repercussões no cenário de um governo democrata em 2020.

José Casado: O governo, visto por Guedes

- O Globo

Acaba de completar três meses no centro do poder em Brasília um sonho de antigo militante do liberalismo. “Eu sou de Marte, cheguei agora, estou olhando”, disse a meia centena de senadores, semana passada. Tentava amenizar as relações com o Congresso — onde o esporte predileto sempre é falar mal do governo.

Paulo Guedes, ministro da Economia, enriqueceu com o Plano Real, e guarda eterna gratidão aos formuladores: “Foi o plano monetarista mais brilhante que já vi: juros na lua... Foi muito generoso comigo. Eu tinha o meu banco... Foi muito generoso.”

Eis o panorama, visto da sua janela: “Lá fora (do país) perguntam: ‘A democracia está em risco?’ Eu: ‘De jeito nenhum, mudou o polo de gravidade, para o outro lado’... Apesar de ser alguém que estava com vocês aí (parlamentares) há 30 anos, era considerado como um antiestablishment.”

“Foi uma aliança em torno de valores” —acrescenta —, “e mais uma aliança com liberais. Virou uma espécie de aliança de centro-direita. No combate da eleição, se definiu: ou é esquerda ou é centro-direita, o que é uma simplificação. No fundo, a gente sabe que não é isso. No fundo, a gente sabe que um social-democrata bem centrado está muito próximo de um liberal-democrata. E eles estão muito longe dos extremos. Seja da extrema direita ou da extrema esquerda.”

Acabara de tomar um susto com a aprovação de emenda constitucional na Câmara — em dois turnos e em uma hora —, tornando obrigatórias mais despesas orçamentárias. “Foi uma exibição de poder político.” Outro sobressalto ocorreu ao suspeitar que seria tratado como adversário pelos próprios aliados do PSL de Bolsonaro ao explicar-lhes a reforma da Previdência. “É um choque de acomodação”, contemporiza.

Talvez. Batalha maior, permanente, acontece dentro do governo. De um lado está um presidente crédulo nas virtudes da concentração de poder. De outro, há um ministro da Economia empenhado “em tentar formar uma liberal-democracia”. Por ironia das urnas, são prisioneiros das próprias convicções.

Merval Pereira: Dificuldades na reforma

- O Globo

Caiu de 68,8% para 55,96% o percentual dos deputados que afirmam ser favoráveis à PEC da Previdência

Duas pesquisas divulgadas ontem sobre a receptividade na Câmara da reforma da Previdência mostram um ambiente volátil, em que a ênfase é uma posição ambígua dos parlamentares quando se trata de apoiar a reforma: a maioria apóia em tese, mas há muitos questionamentos que precisam ser dirimidos pelo governo, até mesmo sobre a idade mínima.

A pesquisa da consultoria Arko Advice, feita com 109 deputados federais de 25 partidos políticos entre os dias 26 e 28 de março, mostra uma piora na avaliação do governo. Aumentou 50% o número de deputados que consideram o governo de Jair Bolsonaro ruim ou péssimo, de 22,95% em fevereiro para 33,95% dos entrevistados hoje.

Para se ter uma idéia da relação conturbada entre Executivo e Legislativo, nada menos que 60,55% a classificam como ruim ou péssima, um aumento considerável de três vezes e meia em relação à última pesquisa, quando esse índice estava em 17,4%.

Embora a reforma da Previdência continue tendo o apoio da maioria, caiu de 68,8% para 55,96% o percentual dos deputados que afirmam ser favoráveis a ela. Aumentou também de 39,5% para 52,29% de fevereiro para março o percentual contrário à idade mínima de aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens.

Luiz Carlos Azedo: Uma casca de banana

- Nas entrelinhas/ Correio Braziliense

“O Brasil sempre teve uma presença equilibrada no Oriente Médio, devido ao papel do chanceler Osvaldo Aranha na criação de Israel e às boas relações com os países árabes”

O presidente Jair Bolsonaro visitou ontem o Muro das Lamentações, em Jerusalém, ao lado do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. No local sagrado, orou e depositou um pedido entre as pedras, um ritual de muito simbolismo para os judeus. O que mais irritou os palestinos e os países árabes, porém, não foi o gesto religioso, mas o anúncio da instalação de um escritório comercial em Jerusalém, que muda a política externa brasileira no Oriente Médio.

A reação foi imediata: o embaixador da Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben, classificou o anúncio como um “passo desnecessário” e revelou que, há 10 dias, todos os embaixadores de países árabes solicitaram uma audiência com Bolsonaro, mas até hoje não obtiveram resposta. O Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina, em nota, anunciou que “entrará em contato com o embaixador da Palestina no Brasil para consultas, a fim de tomar as decisões apropriadas para enfrentar tal situação”, ou seja, convocou seu embaixador, o que é uma forma de protesto.

No antigo Mughrabi Quarter (Quarteirão Marroquino), após a ocupação israelense, 135 famílias árabes foram removidas para a abertura da esplanada do Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus, por ser o último pedaço do antigo Templo de Herodes, que foi destruído pelos romanos. Do outro lado do Muro, fica a Mesquita de Al-Aqsar, na parte sul do Haram al-Sharif (o “Nobre Santuário”), terceiro local mais sagrado para o Islã depois de Meca e Medina. A maior mesquita de Jerusalém tem capacidade para receber cerca de cinco mil fiéis. O status diplomático de Jerusalém é um assunto muito controverso na ONU.

O Brasil sempre teve uma presença equilibrada no Oriente Médio, devido ao papel do chanceler Osvaldo Aranha na criação de Israel e às boas relações com os países árabes. Desde 2006, por exemplo, com 250 homens, a Marinha brasileira é responsável pelo navio capitânia da Força-Tarefa Marítima da ONU no Líbano (FTM-UNIFIL), criada pelo Conselho de Segurança, para evitar contrabando de armas e treinar a Marinha libanesa. No mês passado, a fragata “União” substituiu a fragata “Liberal”, que regressou ao Brasil após 22 patrulhas em 89 dias na costa libanesa. A força é formada por navios da Alemanha, Bangladesh, Brasil, Grécia, Indonésia e Turquia, além de dois helicópteros, sob comando do contra-almirante brasileiro Eduardo Augusto Wieland.

Bolsonaro acredita que a abertura do escritório em Jerusalém é uma saída para o impasse criado com os países árabes, após ter manifestado publicamente, após ser eleito, a intenção de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, a exemplo do que fez o presidente norte-americano Donald Trump. Ao contrário, sinaliza o futuro reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, e também a intenção de transferir a embaixada. Os ministros da Fazenda, Paulo Guedes, e da Agricultura, Tereza Cristina, com apoio dos generais que assessoram Bolsonaro, conseguiram convencer Bolsonaro a adiar a transferência da embaixada, temendo retaliações comerciais dos países árabes, grandes consumidores de carne bovina e de frango.

Fernando Exman: Golpes, revoluções e impeachment

- Valor Econômico

Grupo de senadores articula blindagem ao Judiciário

A "rememoração" da tomada do poder pelos militares em 1964 não saiu como o esperado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas a iniciativa foi observada com atenção no Congresso Nacional. A oposição fez o que se poderia esperar dos partidos de esquerda, que alimentaram as redes sociais com notas de repúdio e articularam manifestações contrárias ao golpe. Com isso, também voltou-se para o passado, entrando na disputa pela narrativa histórica dos fatos que levaram o país a uma ditadura que durou 21 anos. Houve, porém, quem preocupou-se com o presente e o futuro.

O debate sobre o episódio ganhou corpo na semana passada, justamente quando a crise na articulação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional chegava ao seu ápice. O ministro da Economia, Paulo Guedes, adiava sua ida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para debater a reforma da Previdência.

Deputados aprovavam em dois turnos, com inusual rapidez, uma emenda à Constituição para reduzir a já restrita margem do governo federal para manejar o Orçamento. A atitude foi vista como uma demonstração de força, depois de um intenso embate verborrágico entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Não bastasse, atritos entre militares e a chamada ala ideológica do governo alimentavam o desgaste do ministro da Educação. Diante de rumores de que demitiria Ricardo Vélez Rodríguez, Bolsonaro foi às redes sociais na quarta-feira e alertou seus seguidores: "Sofro fake news diárias como esse caso da 'demissão' do ministro Vélez. A mídia cria narrativas de que não governo, sou atrapalhado, etc. Você sabe quem quer nos desgastar para se criar uma ação definitiva contra meu mandato no futuro. Nosso compromisso é com você, com o Brasil".

O risco de um presidente que pratica estelionato eleitoral e se recusa a conversar com líderes partidários não terminar o mandato é conhecido pelos brasileiros. Esse cenário extremo já vinha sendo citado por políticos experientes, que lembravam inclusive que a prerrogativa de abertura de um processo de impeachment é justamente do presidente da Câmara dos Deputados. O que surpreendeu os agentes políticos, no entanto, foi o fato de o próprio presidente da República escancarar sua preocupação com apenas 85 dias de mandato.

Coincidentemente ou não, Bolsonaro postou a mensagem poucas horas depois de a "Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964" ser divulgada pelo Ministério da Defesa.

Hélio Schwartsman: Golpe de mestre

- Folha de S. Paulo

Em Israel, Jair Bolsonaro consegue a façanha de ficar mal com todas as partes

Na novela da transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, Jair Bolsonaro conseguiu a façanha de ficar mal com todas as partes.

A bancada evangélica, os grupos mais ideológicos de seu governo, além, é claro, do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, ficaram frustrados com o fato de o presidente ter recuado da promessa de campanha. Em vez de anunciar a mudança da embaixada durante sua visita ao Estado judeu, Bolsonaro limitou-se a dizer que abrirá um escritório comercial na cidade.

O problema é que mesmo esse pequeno prêmio de consolação basta para indispor o Brasil com os árabes. A Autoridade Palestina condenou a decisão e convocou seu embaixador para consultas. Há o receio de que outros países árabes e islâmicos adotem alguma represália comercial contra o Brasil. O alvo óbvio são as exportações de carne “halal” para o Oriente Médio, o que é motivo de preocupação para a bancada ruralista.

Fábio Fabrini: Governo virou usina de factoides

- Folha de S. Paulo

Às vésperas dos cem dias, presidente e equipe dão mais resultado na geração de polêmicas vazias

Jair Bolsonaro está perto de completar cem dias de governo sem alcançar metas para o período.

Na saúde, prometeu ampliar a cobertura de cinco vacinas, mas as campanhas de imunização não ocorreram.

Medidas econômicas para facilitar o comércio internacional empacaram por falta de ambiente tributário.

O Itamaraty compromete-se a baixar tarifas do Mercosul. Ainda falta, porém, combinar o jogo com argentinos, paraguaios e uruguaios.

Se falta ao presidente e seus ministros eficiência para essas e outras missões administrativas, eles têm mostrado talento de sobra para fabricar polêmicas baseadas em premissas falsas ou fatos inexistentes.

Quase que semanalmente Bolsonaro e sua equipe elegem um cavalo de batalha sem vínculo com as prioridades do país e dele se ocupam.

Já se lançou suspeita sobre o valor pago pelo Ibama no aluguel de carros. Descobriu-se que o contrato gerou economia e tinha OK do TCU.

Na Educação, o que o ministro Ricardo Vélez produziu de mais expressivo foi uma Lava Jato de estimação, que mira desvios em programas.

Bolsonaro defendeu a iniciativa. Semana passada, Vélez admitiu que não há fato concreto a ser apurado.

Pablo Ortellado: O novo normal

- Folha de S. Paulo

Declarações do presidente e sua base não têm respaldo na história e na ciência política

Todo dia o bolsonarismo difunde teses delirantes como a de que não houve ditadura no Brasil ou a de que o nazismo era de esquerda. Ninguém fora do círculo de fanáticos parece levar essas bobagens a sério, mas a situação pode mudar, já que as afirmações estão inseridas em uma ambiciosa estratégia de redefinir o normal.

O que as teses têm em comum não é apenas a divergência com o discernimento profissional de historiadores, filósofos e politólogos, mas o projeto de desbancar o juízo esclarecido, colocando-se como o novo senso comum.

Em entrevista na TV, na última quarta-feira (27), Bolsonaro afirmouque, como houve entrega pacífica do poder dos militares para os civis, não teria havido uma ditadura no Brasil a partir de 1964.

A tese não tem o menor respaldo na historiografia ou na ciência política, já que a cassação de políticos, a supressão de eleições, a censura e a perseguição a dissidentes são justamente os traços que caracterizam uma ditadura.

Num tuíte no começo de março, Olavo de Carvalho disse que em todo o Brasil não existe nenhum professor universitário qualificado para debater com ele.

Joel Pinheiro da Fonseca: Brasil paralelo

- Folha de S. Paulo

Vale a regra geral: tudo que é bom é de direita; tudo que é mau, de esquerda

Na Idade das Trevas em que o Brasil ficou sob a hegemonia do comunismo (período que vai de 1500 a 2018), a verdade era sufocada e a inteligência corrompida. Verdades elementares, como a de que o nazismo foi um movimento de esquerda, ficavam restritas a fóruns anônimos e blogs clandestinos.

Mas com a nova era que se inicia, a opinião dissidente de rede social foi promovida a posição oficial do governo. Podemos finalmente reconhecer: sim, o nazismo é de esquerda. Com a palavra, a lógica impecável do blog do chanceler Ernesto Araújo: "O nazismo era anticapitalista, antirreligioso, coletivista, contrário à liberdade individual, promovia a censura e o controle do pensamento pela propaganda e lavagem cerebral, era contrário às estruturas tradicionais da sociedade. Tudo isso o caracteriza como um movimento de esquerda."

O argumento é referendado por autoridades intelectuais do quilate de um Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). É, portanto, coisa séria. Por coerência, devemos aplicar a mesma lógica a outros movimentos e regimes da época. A Itália de Mussolini era muito similar ao nazismo. Logo, o fascismo era de esquerda. O Japão Imperial, a Espanha de Francisco Franco, tinham várias das características citadas por Araújo. Foram todos, portanto, esquerdistas, por mais que a esquerda busque esconder essa verdade inconveniente.

Ricardo Noblat: Em busca do passado perfeito

- Blog do Noblat / Veja

O medo do futuro
O que a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel tem em comum com a celebração do aniversário do golpe militar de 64 que ele insiste em dizer que não foi um golpe, mas uma revolução?

Uma palavra responde: retropia. Que significa uma volta ao passado mistificado. A utopia é um lugar inexistente, perfeito. A retropia é um passado perfeito ou quase, e que jamais existiu.

Zygmunt Bauman, filósofo polonês, filho de pais judeus, que viveu os horrores da 2ª Guerra Mundial, destacou-se pelo estudo da retropia e de suas causas. Ele a explica assim:

“O futuro, outrora a aposta segura para o investimento de esperanças, tem cada vez mais sabor de perigos indescritíveis. Então, a esperança, desprovida de futuro, procura abrigo num passado outrora ridicularizado e condenado, morada de equívocos e superstições”.

Bolsonaro foi a Israel para agradar os evangélicos que o apoiam. Parte deles acredita no mito de que cristãos e judeus se unirão um dia. Quando isso acontecer, Jesus voltará para salvar os convertidos.

Uma revolução democrática ao invés de um golpe que deu origem a uma ditadura que torturou e matou, é também um mito que agrada os militares, aliados de Bolsonaro, e a ele mesmo.

É retorno a um passado que se quer reescrever e idealizar para se contrapor a um presente indesejável e a um futuro que se teme. Não se lava dinheiro? Lava-se também o passado.

Daí porque menino deve vestir azul, e menina rosa. Cabe à mulher ser bonita, limpinha e cuidar da casa e dos filhos, e ao homem prover o sustento da família. Salário igual para os dois? Não.

Todo o mal deve ser atribuído aos que pensam e procedem de maneira inversa. O nazismo foi um mal? O nazismo, portanto, foi um movimento de esquerda, e a esquerda deve ser dizimada.

Globalismo tem a ver com comunismo. Resgate-se, pois, a ideia de Estados fortes. A imprensa é coisa do demônio, que é vermelho. As redes sociais são o paraíso e, ali, se travará o bom combate.

Brasil acima de tudo. Deus acima de todos – e estamos conversados.

General corrige o capitão

Paulo Hartung*: Vocação para o protagonismo ambiental

- O Estado de S.Paulo

Sem partidarismos e sem preconceitos, é hora de trabalharmos pelas futuras gerações

Durante toda a minha vida valorizei o diálogo e as discussões sustentadas em questões atuais, sempre com olhar para o futuro, vislumbrando as oportunidades que dali podem surgir. E o Brasil é um País recheado de potencialidades, com capacidade para ser referência mundial numa série quesitos. Aqui não estou exagerando, pois ando o Brasil inteiro e percebo a vontade da sociedade aliada à diversidade que o nosso território nos oferece.

Hoje, diante do grave desafio das mudanças climáticas, temos uma grande oportunidade, por exemplo. Já somos reconhecidos mundialmente pelo nosso compromisso e pelos nossos avanços. Mas podemos mais. Devemos contribuir para o debate, assumir o protagonismo e tornar o Brasil líder nesse tema tão sensível e urgente, que ameaça as futuras gerações de todo o planeta. E precisamo-nos movimentar agora.

Temos um caso concreto no setor de árvores plantadas para fins industriais, que ano após ano apresenta excelentes resultados e uma contribuição sem precedentes para o meio ambiente. Caso o leitor ainda não tenha ouvido falar, vem das florestas plantadas, comumente eucalipto, pinus e teca, a madeira para produção de celulose, papel, painéis de madeira, pisos laminados e carvão vegetal, entre milhares de outros produtos e subprodutos. Exatamente pelo pensamento estratégico, aliado à sustentabilidade, essas florestas são cultivadas em áreas antes degradadas por outras atividades ou em locais onde o solo apresenta baixa fertilidade. E aí se desencadeia um longo e cuidadoso processo para que cada etapa, do campo à indústria, seja o correto.

Hoje essa indústria possui 7,8 milhões de hectares de árvores plantadas, com 1,7 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2) estocado. Os produtos originados nessas florestas cumprem também a função de armazenamento de carbono, mitigando a liberação de gases de efeito estufa para a atmosfera.

Ana Carla Abrão*: Gente humilde

- O Estado de S.Paulo

Há uma agenda necessária e urgente que precisa caminhar e não tem nada a ver com as inúteis discussões ideológicas ou a cruzada em defesa de uma civilização cristã em perigo

Um país que agoniza. Esse é o Brasil de 13 milhões de desempregados e 1,76 milhão de jovens desalentados, num retrato de uma nação sem presente e sem futuro. Os dados foram divulgados pelo IBGE e compilados pela LCA Consultores. São números que escancaram uma realidade cruel e se juntam a outros igualmente alarmantes que vêm sendo publicados desde o início do ano passado. São todos reflexos dos efeitos sociais devastadores de anos de recessão e baixo crescimento.

A Síntese de Indicadores Econômicos, também publicada pelo IBGE com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua, mostra que temos quase 55 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza. Nesse conjunto estão nada menos do que 43% das nossas crianças de 0 a 14 anos. Há ainda os que vivem em extrema pobreza, com renda mensal inferior a R$ 140. Esses já eram mais de 15 milhões de pessoas em 2017, quase 1 milhão a mais do que no ano anterior.

Somos o País com a 3ª maior desigualdade do mundo, segundo o Banco Mundial, que também mostra que no Brasil há 29,5 homicídios por 100 mil habitantes. Número que nos coloca entre os 10 países mais violentos do mundo. Dados do Instituto Trata Brasil mostram que 48,1% da nossa população, ou mais de 100 milhões de brasileiros, não têm acesso a coleta de esgoto. A qualidade da nossa educação, medida pelo Pisa - Programa para Avaliação Internacional de Estudantes, atingiu 395 pontos em 2015, abaixo da média da América Latina e dos demais emergentes e muito distante dos países membros da OCDE (apesar de gastarmos mais do que eles).

Infelizmente as evidências negativas não param por aí. Brasileiros morrem nas filas dos hospitais públicos por ausência de médicos, carência de leitos e falta de remédios. Milhões de trabalhadores se espremem diariamente em sistemas de mobilidade urbana ultrapassados e com infraestrutura e serviços precários enquanto o mundo se move aproveitando novas tecnologias. Nossos jovens pobres são cooptados pelo crime que domina as comunidades carentes em que milhões de brasileiros se amontoam em aglomerados urbanos ignorados pelo Estado. Ali moram sem coleta de lixo, sem escolas, sem postos de saúde, sem lazer ou segurança.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: Ernesto Araújo e o nazismo

- Valor Econômico

O nazismo não realizou a estatização da economia e da sociedade, mas sim a privatização do Estado

O chanceler Ernesto Araújo afirma e reafirma que o nazismo é de esquerda. Diante da insistência, o governo alemão, historiadores, cientistas políticos e economistas entregaram-se ao labor de ridicularizar e massacrar tais afirmações e reafirmações.

Nosso chanceler Araújo padece de um vício intelectual que compromete gravemente a compreensão dos processos sociais, o vício do nominalismo. Resumidamente, trata-se do expediente primário de resolver controvérsias atribuindo nome às coisas: "comunista"!, "nazista"! Os conceitos naufragam nas banalidades da primeira infância: nenê viu a uva.

Vou começar com Karl Polanyi. Em sua obra-prima, "A Grande Transformação", Polanyi arriscou a pele na aventura de investigar os fundamentos sociais e econômicos do coletivismo que assolou o planeta nas três décadas inaugurais do século passado.

Na esteira das instabilidades do primeiro pós-guerra e da Grande Depressão, diz Polanyi, o instinto de autoproteção da sociedade suscitou reações que visavam conter os danos humanitários gerados pela operação dos mercados desatinados.

Na visão dos economistas liberais de hoje e de sempre, o mau funcionamento da economia ou a eclosão das crises devem ser tributadas às tentativas de interferir nas leis que governam o livre mercado. Polanyi inverte o argumento: é a utopia do mercado autorregulado que desencadeia as reações de autoproteção da sociedade, contra o desemprego, o desamparo, a falência, a bancarrota, enfim, contra a exclusão dos circuitos mercantis, o que significa, na prática, a impossibilidade de acesso aos meios necessários à sobrevivência humana.

Essas reações são essencialmente políticas: envolvem a tentativa de submeter os processos impessoais e automáticos da economia ao controle consciente da sociedade. Nos anos 30, Polanyi viveu um momento da história em que a revolta contra o desemparo e a insegurança revelou-se tão brutal quanto os males que a economia destravada impôs à sociedade. Ao estudar o avanço do coletivismo nessa quadra, Karl Polanyi concluiu que não se tratava de uma patologia ou de uma conspiração irracional de classes ou grupos, mas sim de movimentos nascidos das entranhas do mercado autorregulado.

Bernardo Mello Franco: O faroeste do doutor Witzel

- O Globo

A Constituição proíbe a pena de morte, mas Witzel resolveu institucionalizar as execuções sumárias. Em sua cartilha, o policial acumula as funções de promotor, juiz e carrasco

Wilson Witzel nem disfarça. O governador do Rio se empertigou todo para posar com o próprio retrato oficial. Na foto emoldurada, ele ostenta a faixa azul e branca que mandou confeccionar para a posse. O clique de Marcos Ramos expõe a imagem de um político deslumbrado, que mal assumiu o cargo e já sonha com a Presidência. Mas a vaidade parece ser o menor dos pecados no Palácio Guanabara.

Em entrevista ao GLOBO, Witzel indicou que se vê acima da lei. É o que transparece no anúncio de que a polícia passou a usar atiradores de elite “de forma sigilosa”. Segundo o governador, a ordem para “mirar na cabecinha” já virou política de estado. “Só não há divulgação”, declarou.

A Constituição proíbe a pena de morte, mas Witzel resolveu institucionalizar as execuções sumárias no Rio. Em sua cartilha, o policial acumula as funções de promotor, juiz e carrasco. Identifica o suspeito, decide se ele deve morrer e puxa o gatilho.

Aloy Jupiara*: Hora de investigar milícia, bicho e tráfico

- O Globo

Aprofundar investigação que apure ligações de Ronnie Lessa e milicianos com a contravenção é extremamente importante

A polícia e o Ministério Público apontam indícios do envolvimento do sargento PM Ronnie Lessa — acusado do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes — com o bicheiro Rogério Andrade, o que expõe um nó que trava avanços na política de segurança no Rio: relações entre milícia, jogo do bicho e tráfico de drogas, estruturas centrais do crime organizado. Lessa, segundo investigadores, foi segurança de Rogério Andrade, sobrinho do capo Castor de Andrade, patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel. A ascensão do PM na contravenção se deu em plena disputa sanguinária de Rogério com Fernando Iggnácio de Miranda pelos territórios de Castor, falecido em 1997. Em 2010, uma bomba explodiu sob o carro de Rogério, matando o seu filho, Diogo, de 17 anos, o que teria levado Lessa a cair em desgraça.

É fundamental que a polícia e o MP cheguem ao mandante do assassinato de Marielle. Mas não devem parar aí. Porque, se pararem, o crime organizado continuará a corromper, intimidar, matar e guerrear.

Nesse sentido, aprofundar uma investigação que apure as ligações de Lessa e milicianos com a contravenção, entendendo como se dá a divisão territorial do Rio entre esses grupos, é extremamente importante. Ao contrário do que se pode pensar, esses grupos não estão necessariamente em lados opostos. Há inter-relações evidentes que mostram que as fronteiras do crime são porosas. É difícil acreditar que máquinas de caça-níquel sob domínio de bicheiros funcionem em áreas controladas pela milícia ou pelo tráfico sem que haja um acordo de convivência e conveniência. Quando essas linhas de comunicação serão desvendadas e desbaratadas?

Combate às milícias demanda ações integradas com o governo federal: Editorial / O Globo

Grupos paramilitares já atuam em 14 municípios do estado e em 26 bairros da capital fluminense

O poder das milícias está cada vez mais presente no dia a dia de cariocas e fluminenses. Como mostrou reportagem do GLOBO publicada domingo, esses grupos paramilitares já atuam em pelo menos 14 cidades de diferentes regiões do estado, como Angra dos Reis, na Costa Verde, e Cabo Frio, na Região dos Lagos. Na capital, se espalham por 26 bairros, o que representa uma população de 2,2 milhões de pessoas. Embora ainda predominem na Zona Oeste, esses bandidos expandem seus negócios para outras áreas, como a Zona Norte.

As milícias surgiram na Favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, no início dos anos 90. Formadas inicialmente por ex-policiais e ex-bombeiros, chegaram com o discurso de que estavam ali para impedir que o tráfico se estabelecesse. Mas o tempo mostrou que não havia mocinhos na história. Usando os mesmos métodos do tráfico para impor a hegemonia, passaram a controlar serviços essenciais para os moradores, como segurança, transportes, distribuição de gás, sinal clandestino de TV e internet, entre outros. Posteriormente, diversificaram as atividades. Hoje, o faturamento desses grupos criminosos se apoia também em grilagem de terras, extração de areia, agiotagem, contrabando de cigarros e até extorsão a pescadores na Baía de Guanabara.

Devastação da confiança: Editorial / O Estado de S. Paulo

A confiança derrete e caem as expectativas de crescimento, enquanto o governo tropeça e o presidente se distancia das negociações com o Congresso. O Índice de Confiança Empresarial da Fundação Getúlio Vargas (FGV) caiu em março de 96,7 para 94 pontos, o nível mais baixo desde outubro, mês das eleições.

No mercado já se fala em expansão econômica abaixo de 2% neste ano, e a tendência das projeções é convergir para 1,5%, segundo o consultor e ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. Na batalha pela reforma da Previdência, o objetivo mais urgente, o governo é representado principalmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, fechou questão a favor do projeto de mudança previdenciária, mas o grande aliado de Guedes no Parlamento, por enquanto, é o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, filiado ao DEM.

Enquanto o chefe de governo dava prioridade a uma visita a Israel, sua terceira viagem ao exterior em três meses de mandato, empresários e analistas baixavam suas apostas em relação ao desempenho dos negócios.

Melhor o recuo: Editorial / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro decide que Jerusalém receberá só um escritório brasileiro

Dada a enrascada em que Jair Bolsonaro (PSL) meteu seu governo com a promessa de transferir para Jerusalém a embaixada brasileira em Israel, pode-se dizer que o presidente minimizou danos com a saída intermediária encontrada.

Ele decepcionou, decerto, os eleitores que esperavam uma anunciada reviravolta na política externa para o Oriente Médio. Já para os setores preocupados com a solidez da diplomacia nacional, o que se viu foi um sinal de sensatez quando o mandatário anunciou que abrirá apenas um escritório comercial na disputada cidade santa.

Em alguma medida, decerto, a providência desagradará a todos os lados. Israelenses e a base de apoio ideológico-religiosa do mandatário esperavam que a sede da representação passasse de Tel Aviv para Jerusalém, o que na prática significaria o reconhecimento da segunda como capital do Estado judeu.

Visita a Israel atesta política externa ideológica: Editorial / O Globo

Abrir escritório comercial em Jerusalém, em vez de mudar a embaixada, tem seus custos

A inapropriada viagem a Israel confirma que, de fato, o núcleo ideológico do governo Bolsonaro passa a alterar apolítica externado país, que deveria ser conduzida com coerência, considerando os interesses permanentes da nação. Diplomacia precisa ser atividade de Estado, não de governo. Não é o que demonstra esta viagem. Este fenômeno negativo já acontecera no lulopetismo, em prejuízo do país. Isso ficou evidente no alinhamento, por simpatia ideológica, de Lula/Dilma a Néstor e Cristina Kirchner (Argentina), e a José Mujica (Uruguai), todos guiados pelo nacional-populismo bolivariano de Hugo Chávez (Venezuela ). Contribuíram para fechar o Mercosul e impedir mais comércio comores todo mundo.

A visita a Israel também pode gerar prejuízos ao comércio internacional, além de arranhara característica predominante d apolítica externa brasileira, que é o pragmatismo. A intenção de transferira embaixada brasileira em Israel de Te lA viv para Jerusalém, cidade sob litígio, seguindo os Estados Unidos de Trump, seria, e é, uma afronta aos palestinos e aos países árabes em geral, com os quais o Brasil tem forte relacionamento comercial.

Instabilidade põe em dúvida meta otimista para o crédito: Editorial / Valor Econômico

O Banco Central (BC) acaba de revisar para cima a expansão do crédito neste ano. Agora espera aumento de 7,2%, acima dos 6% anteriormente estimados. A projeção parece bastante otimista. Depois de ter encolhido 3,5% em 2016 e mais 0,5% em 2017, o crédito mostrou alguma reação em 2018, crescendo 5% para R$ 3,257,7 trilhões. Pela primeira vez desde 2014, o saldo das operações de crédito superou a inflação, em 1,7%. Se for considerado que o estoque inclui a apropriação dos juros pagos pelos empréstimos, o desempenho não é tão positivo assim. Chamou a atenção o crescimento do crédito livre, com taxas de mercado, que cresceu 11,2% nas operações com empresas e 11,3%; nas pessoas físicas.

Mas a estirada não foi o suficiente para ocupar o espaço deixado pela retração dos bancos públicos, cuja alavancagem estava comprometida pela intensa atividade dos últimos anos do governo de Dilma Rousseff, e pela redução dos empréstimos direcionados, lastreados em fundos muitas vezes subsidiados, que se esgotaram com a crise fiscal. Houve impacto negativo também da retração da demanda das empresas, causada pelas incertezas por conta das eleições e pela elevada ociosidade, que reduziu os investimentos.

João Cabral de Melo Neto: O fim do mundo

No fim de um mundo melancólico
os homens lêem jornais.
Homens indiferentes a comer laranjas
que ardem como o sol.

Me deram uma maçã para lembrar
a morte. Sei que cidades telegrafam
pedindo querosene. O véu que olhei voar
caiu no deserto.

O poema final ninguém escreverá
desse mundo particular de doze horas.
Em vez de juízo final a mim preocupa
o sonho final.