quinta-feira, 4 de abril de 2019

Ricardo Noblat: A solidão de Paulo Guedes

- Blog do Noblat / Veja

Reforma meia boca

Esqueceram de avisar a Paulo Guedes que a ida de um ministro à Câmara para debater matérias de interesse do governo é antes de tudo um espetáculo, e não necessariamente uma oportunidade de convencer os deputados sobre qualquer coisa.

Como tal, todo cuidado é pouco com as provocações dos mais enfezados e com as pegadinhas dos mais espertos. Cabe ao expositor defender suas ideias, mas sem estridência. Não cair na tentação de ser irônico. E ser afável até com os mais duros oponentes.

Essa seria tarefa para uma Madre Teresa de Calcutá? Nem tanto. De resto, na intimidade, Teresa de Calcutá era impaciente. Mas Antonio Palocci, quando ministro da Fazenda do governo Lula, saiu-se bem em quase todas as batalhas que travou na Câmara e no Senado.

Falta a Guedes experiência no trato com políticos. Sobra inteligência que o torna arrogante. De resto, deve estar se sentindo cada vez mais só na luta para que o Congresso aprove a reforma da Previdência. Daí o que ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Dizer, por exemplo, que Lula fez por merecer governar duas vezes pode ter sido um ato de justiça, mas não angariou um único voto para o que Guedes deseja, e irritou não só o presidente Jair Bolsonaro como seus devotos mais desvairados.

Sugerir ou desafiar os deputados a rejeitar o modelo proposto de reforma da Previdência para os militares soou mal entre os que vestem ou que vestiram farda, esses em número que não para de crescer na ocupação de cargos em todos os escalões do governo.

Reconhecer que caberá aos deputados e senadores aprovar ou não a reforma, além de redundante, deixa a impressão de que para ele, Guedes, não fará grande diferença, porque hoje ele é ministro, mas amanhã poderá não ser, e só quem perderá de verdade será o país.

Um dos garotos do capitão, Flávio Bolsonaro, viajou com o pai a Israel. O outro, Carlos, é vereador no Rio, e por lá estava ontem. O deputado federal Eduardo Bolsonaro poderia ter comparecido à sessão da Comissão para dar uma força a Guedes. Não o fez.

De que adianta o PSL de Bolsonaro ser dono da segunda maior bancada da Câmara (a primeira é do PT) se não é capaz de dar cobertura ao principal ministro do governo na hora em que ele mais precisa? Mas não deu. Largou-o às feras.

De Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil e um dos articuladores políticos do governo, Guedes ganhou um abraço à chegada, e foi só. O outro articulador, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, não é de frequentar o Congresso.

Se não mudar de ideia, se não preferir ir ao cinema com a mulher, ou à reza com amigos, Bolsonaro deverá a partir de hoje reunir-se com líderes de partidos para conversar sobre a reforma. Os líderes irão ao seu encontro para ouvir o que ele tem a dizer.

Não lhe darão a chance de se queixar mais tarde de que ouviu pedidos de empregos ou de outras sinecuras. Não lhe prometerão os votos dos seus partidos para aprovar a reforma. Não confiam nele, nem em sua eventual disposição para compartilhar o poder.

Se Bolsonaro, que carece de votos para aprovar a reforma, hoje procede tão mal com os partidos, por que procederá melhor mais tarde quando já não mais precisar deles? A reforma da Previdência possível de ser aprovada ficará muito aquém do que a imaginada.

Deverá ser suficiente para que o país atravesse sem maiores convulsões os próximos trepidantes anos do governo do capitão, e só. Tudo recomeçará depois da eleição de 2022.

Ladeira a baixo

Bolsonaro não liga
Os primeiros números de pesquisas que ainda não foram fechadas chegaram ao conhecimento de algumas cabeças coroadas da República, e eles não são nada bons para o capitão e o governo.

Bolsonaro já foi informado a respeito, mas não deu bola. Disse que não confia em pesquisas e, que se confiasse, não teria sido eleito. Confia no seu taco – e na resposta das redes sociais.

Merval Pereira: Votar ou não votar

- O Globo

STF teme que ganhe a posição contrária à prisão em segunda instância, o que levaria Lula a ser solto

Mais do que uma solenidade autoelogiativa, o que aconteceu ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) foi uma demonstração do estado de ânimo que domina seus membros, e também os políticos, diante da divisão do plenário que joga a opinião pública ora para um lado, ora para o outro, sempre com críticas agressivas, quando não criminosas.

Acontece também com os políticos, especialmente aqueles que têm cargo de liderança nas duas Casas do Congresso. O ambiente no Congresso é tão ebuliente que a promessa dos bolsonaristas de apresentar uma proposta de emenda constitucional (PEC) revogando a que aumentou para 75 anos a idade compulsória dos ministros pode provocar a reação de ampliá-la para 80 anos.

Isso porque a redução da idade permitiria ao presidente Bolsonaro nomear quatro ministros imediatamente. Como está, ele escolherá no final do próximo ano substitutos para os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello. Ao contrário, a ampliação da idade para 80 anos impediria que nomeasse ministros durante sua gestão.

A continuar esse ambiente de confrontação, é provável que as sabatinas dos futuros ministros no Senado sejam mais rigorosas do que o costume, e aumenta a chance de um indicado pelo Palácio do Planalto ser rejeitado. Tudo para evitar que o plenário do Supremo seja formado majoritariamente por ministros que criminalizem a política, como veem a ação do presidente Bolsonaro.

O caso acontecido na semana passada na Sala São Paulo, durante um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado (Osesp), é exemplar dessa radicalização. Um homem parou a música aos gritos, criticando o Supremo, nomeadamente os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Os relatos são de que o presidente do Supremo está abalado com os ataques.

Ascânio Seleme: A Terra é plana

- O Globo

Eles são milhares, alguns dizem que são centenas de milhares, eles afirmam ser milhões. Os terraplanistas estão em todos os lugares, mas nasceram e cresceram nos Estados Unidos. Eles acreditam franca e abertamente que a Terra é plana e que o mundo inteiro é enganado por interesses escusos de governos e instituições multinacionais que sustentam que o planeta é redondo, circula em torno do sol e gravita numa galáxia também em permanente movimento. Dizem que também satanistas, maçons, judeus e o Vaticano patrocinam a ideia errada de que a Terra é redonda.

Para os terraplanistas, o mundo é um disco, uma espécie de pizza coberta por uma cúpula de vidro, onde o sol e as estrelas são imagens criadas e exibidas numa espécie de display gigantesco acoplado à cúpula. E está parado. Onde? Não sabem dizer. Existe inclusive uma associação que congrega essas pessoas, a Flat Earth Society (Sociedade da Terra Plana), que organizou, em 2017, a Primeira Conferência Internacional da Terra Plana, realizada em Raleigh, na Carolina do Norte.

Há ainda centenas de sites e blogs de terraplanistas que espalham nas redes sociais a sua certeza. Eles dizem que as imagens feitas do espaço e que mostram a Terra como uma imensa bola de gude azul são falsas. Garantem que a Terra é plana sem oferecer qualquer evidência nesse sentido e reclamam quando são chamados de lunáticos. Por isso, talvez, existam até mesmo sites de encontros românticos de terraplanistas. Para agregar pessoas consideradas no mínimo esquisitas e que podem ser rejeitadas pelas demais.

Luis Fernando Verissimo: Golpes

- O Globo / O Estado de S. Paulo

A História do Brasil vai depender de qual definição de ‘golpe’ prevalecerá

Discute-se o real significado da palavra “golpe”. Quando é que um golpe deixa de ser um golpe e passa a ser outra coisa, com outro sentido — ou outro sentido com o nome errado? Não se trata apenas de uma especulação semântica. A História do Brasil, nos próximos anos, vai depender de qual definição de “golpe” prevalecerá. Os militares já escolheram a deles, a mais simples e prática. O que houve no país, em 1964, segundo eles, foi nada. O que veio depois de 64 não foi uma ditadura de 20 anos, foi nada.

Mas talvez os militares tenham razão em querer fingir que nada aconteceu, e vamos tocar pra frente. Neste caso, o mais caridoso seria lembra-los da diferença entre o real e o desejado, e saber distinguir o simples e o prático do truculento. Poderíamos começar descrevendo o golpe clássico: insurreição armada contra o governo constitucional. O golpe clássico tem variações. Lembro a vez em que uma tropa entrou no Parlamento em Madri ameaçando todos com sua arma e chegando a atirar para o teto. Em meio à confusão, com deputadas e deputados estirados no chão, o tenente limpou a garganta e disse com uma voz fina: —Buenas tardes.

O levante do “buenas tardes” não deu certo.

A não ser quando há sangue e tragédia, claro, ou quando o drama shakespeariano acaba com as três primeiras filas da plateia agonizantes, todos os golpes têm um certo tom de farsa. Inclusive os que vitimam civis e não envolvem petardos e bandeiras. Fiquemos, então, com o combinado. Não se glorifique o que é mais prático esquecer, mas não venham com essa de que 64 foi golpe e depois foi ditadura.

Carlos Alberto Sardenberg: Mito da presunção de inocência

- O Globo

Há uma clara campanha nos meios políticos e jurídicos — inclusive nos dois tribunais superiores, o STJ e o STF — para barrar a Lava-Jato

O Supremo Tribunal Federal está dividido entre os ministros que sustentam a constitucionalidade da prisão em segunda instância e os que a consideram inconstitucional. Como são todos juízes de alta sabedoria, se presume, ao menos, pode-se dizer que as duas teses, embora contrárias, são defensáveis.

Logo, essa questão, que está na pauta do STF para a próxima semana, não depende mais de uma estrita argumentação jurídica. Vai além, devendo levar em conta o momento por que passa o país. E neste caso, está claro que o STF deveria confirmar a prisão em segunda instância.

Está em curso no país um forte processo de combate à corrupção, desfechado pela Lava-Jato há apenas cinco anos. Está longe de ter terminado.

Mas há uma clara campanha nos meios políticos e jurídicos — inclusive nos dois tribunais superiores, o STJ e o STF —para barrar a Lava-Jato.

A campanha trata de livrar a cara de muita gente, mas há dois personagens principais. O primeiro, sem dúvida, é o ex-presidente Lula, preso há um ano em Curitiba, depois de ter sido condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. O segundo é outro ex-presidente, Temer, cujos processos estão no início. Mas o pessoal da campanha achou um absurdo a prisão temporária de Temer. E entendeu que era hora de atacar.

Míriam Leitão: Risco de enterrar mais uma reforma

- O Globo

Paulo Guedes enfrentou dois problemas: o temperamento e a fraqueza da base. A oposição repetiu as demagogias de sempre

Eram cinco da tarde quando o ministro Paulo Guedes recebeu perguntas de deputados do PSL. Até então ele havia enfrentado apenas os 50 tons —e decibéis —de crítica ao projeto da Previdência. Isso é apenas uma amostra da falta de organização da base. O centrão, que já defendeu outros governos, e outras reformas, não jogou a favor. Guedes cometeu erros ao falar ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O principal foi cair em tantas provocações, o que acabou levando ao encerramento antecipado da sessão após bate-boca com um deputado. Mas Guedes está absolutamente certo no seu diagnóstico: o sistema de repartição está falido, a Previdência precisa mudar por ser deficitária e criadora de desigualdades.

A oposição não tem uma ideia nova, uma proposta. Não consegue explicar as próprias contradições. O PT fez também uma reforma da Previdência e se o fez é porque havia déficit. Agora nega o rombo, apesar de tê-lo aprofundado com suas desonerações. Mas é um equívoco o ministro achar que se um deputado grita ele deve gritar de volta. Esse estilo faz parte do show deles, mas nunca de um ministro da economia. Quem garante a palavra ao convidado é o presidente da Comissão e não a sua repetição de “eu tenho o direito de falar, pessoal?” A sorte de Paulo Guedes é Jair Bolsonaro não ser mais deputado. Ele era bem mais histriônico e agressivo do que os deputados que enfrentou ontem.

William Waack: Vivendo no risco

- O Estado de S.Paulo

Parece que Bolsonaro não se importa com o risco, inclusive o do ridículo

Três meses depois de assumir, Jair Bolsonaro demonstra que gosta de viver na beiradinha do risco. O principal deles no momento é arriscar um capital político – aquele que conquistou nas eleições – numa perigosa aposta contra o tempo. A comparação com o que acontece em economia é elucidativa: até agora ele investiu esse capital em quê?

Alguns sinais de erosão desse capital são bem evidentes e só não enxerga quem não quer. Não são as pesquisas de opinião (na qual bolsonaristas, a risco próprio, não acreditam mesmo). Essa deterioração é perceptível em repetidas manifestações de impaciência com o ritmo (ou falta dele) que o governo imprimiu às reformas. Traduzidas em frases desse tipo, que se ouvem por toda parte: “Acredito e AINDA acho que vai”.

É interessante observar o que está acontecendo em setores nos quais se formou, muito antes da eleição, a onda que empurrou Bolsonaro até o Planalto. São pequenos empreendedores, profissionais liberais, nutridas camadas médias de cidades do interior. Que viram em Bolsonaro uma resposta a problemas imediatos como insegurança (real ou percebida, não importa), burocracia, impostos, regulação, insegurança jurídica (em especial questões fundiárias para o agronegócio) – além do clamor anticorrupção.

Zeina Latif*: Perda de foco ou desinteresse?

- O Estado de S.Paulo

Não seria exagero afirmar que, com a crise prolongada, temos uma geração perdida

O presidente Bolsonaro perde o foco com facilidade. Em vez de discutir políticas públicas para promover o crescimento e atacar o desemprego elevado, ele voltou a criticar o IBGE pela metodologia de apuração da taxa de desemprego. Ele afirma que seria feita para “enganar a população”, sugerindo que o quadro é melhor do que o indicado.

Qualquer que seja o patamar “verdadeiro” do desemprego, o fato é que a sociedade sente na pele as dores de uma economia que pouco cresce. O medo do desemprego é elevado e os consumidores se mantêm pessimistas neste início de ano.

A taxa de desemprego é apenas uma métrica, e que atende às recomendações e aos padrões internacionais. Não se trata de ser verdadeira ou falsa. Como qualquer métrica, tem suas limitações. De fato, ela não permite uma visão completa do que ocorre no mercado de trabalho. Por isso especialistas analisam o desemprego sob vários ângulos. O time econômico certamente o faz. E o retrato não é nada bom.

A taxa de desemprego é a razão entre pessoas sem trabalho e procurando emprego em relação à força de trabalho. Se a pessoa não está trabalhando, mas também não está procurando trabalho, ela não entra na estatística.

Maria Cristina Fernandes: 100 dias de inoperância

- Valor Econômico

Das 35 metas anunciadas, governo cumpriu sete

O governo Jair Bolsonaro completa 100 dias em 10 de abril. Com o jogo em curso, já no dia 23 de janeiro, divulgou um conjunto de medidas denominado "Metas Nacionais Prioritárias - Agenda de 100 dias de Governo". Neste documento, listou as 35 ações que a gestão reputa prioritárias. Antes de deixar Jerusalém, o presidente da República disse que cumprirá 90% das metas, ainda que, para isso, esteja envelhecendo precocemente.

Dois experientes consultores de Brasília, Luiz Alberto dos Santos e Antonio Augusto de Queiroz, debruçaram-se sobre as metas, acompanharam decretos, portarias e projetos de lei desde a posse, e têm uma má notícia para o presidente. Se Bolsonaro envelhece mais rapidamente do que gostaria é mais pelo que deixa de fazer do que pelo que cumpriu até aqui. Das 35 metas, apenas sete foram integralmente cumpridas, dez estão em curso, uma foi parcialmente atingida e 17 estão pendentes. O cumprimento, radiografado pela Diálogo Institucional e Análise de Políticas Públicas, empresa dos consultores, é de 20%.

Não é um balanço tirado da cartola. O escopo e a atribuição de cada medida foram analisados separadamente, bem como os meios oferecidos para seu cumprimento. Nem o padrão Chicago implantado na Economia se mostrou eficiente. Das cinco medidas anunciadas no escopo do superministério, apenas uma foi cumprida, aquela que torna mais rígidas as condições para a autorização de novos concursos. Paradoxalmente, o decreto que condiciona os concursos à caneta do Ministério da Economia, isenta Polícia Federal, Advocacia-Geral da União, Itamaraty e universidades federais do aval.

Ribamar Oliveira: A irrelevância da meta fiscal para 2020

- Valor Econômico

Trajetória depende da aprovação das reformas

Até o próximo dia 15 de abril, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá que encaminhar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o próximo ano, com a meta fiscal a ser perseguida pelo governo. Com as atuais incertezas, Guedes não tem como fixar uma meta de resultado primário para 2020 que seja minimamente crível ou que possa indicar o tamanho real do esforço fiscal a ser realizado pelo setor público.

As variáveis que ajudariam Guedes a determinar uma trajetória fiscal mais consistente para 2020 ainda dependem da aprovação pelo Congresso de medidas que ele mesmo já propôs, como a reforma da Previdência Social. Outras, como a revisão e redução dos subsídios e desonerações tributárias, também serão submetidas neste ano ao Congresso, de acordo com o ministro.

Todas as medidas, se aprovadas, tenderão a reduzir as despesas e a elevar as receitas da União, ou seja, terão impacto sobre o resultado primário. Mas o PLDO, a ser enviado pelo ministro da Economia em abril, não poderá levar em consideração o efeito fiscal das propostas, simplesmente porque elas ainda não foram aprovadas.

Qual será, por exemplo, a redução de despesas a ser obtida com a reforma dos sistemas previdenciário e assistencial em 2020, se ela for aprovada nos termos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 6/2019, do Executivo? Guedes ainda não revelou a informação.

Bruno Boghossian: Sem rede de proteção

- Folha de Paulo

Caso 'tchutchuca' evidencia falta de uma coalizão comprometida com Bolsonaro

Em sua primeira visita ao Congresso, na semana passada, Paulo Guedes reclamou dos aliados do governo. Atacado até pelo PSL, o ministro parecia se sentir traído. “A gente anda dez metros e, de repente, vê que levou um balaço de gente que é nossa mesmo”, desabafou.

O chefe da equipe econômica voltou a encontrar o mundo políticonesta quarta (3) para discutir a reforma da Previdência. Na Câmara, o partido de Jair Bolsonaro não disparou, mas deixou Guedes sozinho por horas na linha de tiro.

A proposta do governo perambula como um filho feio sem pai. Parlamentares de centro e da oposição fazem críticas pesadas, enquanto poucos governistas se arriscam a apoiar uma medida impopular.

Matias Spektor: Itamaraty enfraquecido é estratégia de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente abriu mão de construir um consenso tecnocrático e dele se valer

Quando Lula e FHC chegaram ao poder, ambos correram para ajustar o Itamaraty às suas promessas de campanha.

Nos dois casos, houve ocupação da máquina com embaixadores simpatizantes, e o Planalto operou para garantir que as ideias do presidente criassem raiz institucional forte o suficiente para atravessar as vicissitudes de um mandato.

Petista e tucano apostaram no fortalecimento da burocracia, utilizando-a como instrumento para aumentar o prestígio do mandatário no país e no exterior. O Itamaraty empoderado era uma ferramenta formidável na mão de um presidente ambicioso e cheio de ideias.

Não é assim com Bolsonaro. O presidente abriu mão de construir um consenso tecnocrático e dele se valer. Em vez disso, o grupo que está no poder operou, desde o início, para impedir que a máquina impusesse limites às ideias revisionistas prometidas na campanha.

O governo ataca o Itamaraty porque, agora, um ministério forte poderia conter e barrar as propostas exóticas que circulam no Planalto.

Janio de Freitas: Tudo pela morte

- Folha de S. Paulo

Extinguir a vigilância eletrônica que reprime acidentes é agir contra a vida

As asnices oficiais, a um só tempo tristes e anedóticas, juntam-se ao blá-blá-blá sobre a Previdência e formam uma névoa que encobre certos atos de irresponsabilidade ou de má-fé no governo. Até mesmo com grande potencial de ameaça à vida.

Embora em Israel, Jair Bolsonaro propalou um exemplo desses atos, cuja alucinação é comprovável em números captados por meio eletrônico. Pela internet, interrompeu a participação na campanha eleitoral da direita radical israelense e comunicou o fim, à medida que acabem os contratos, da vigilância eletrônica das velocidades em rodovias federais —as lombadas eletrônicas ou radares fixos.

Não teve cerimônia em expor seu raciocínio: "É quase impossível você viajar sem receber uma multa". Culpa dos radares. Não lhe ocorreu que multas respondem ao abuso de quem dirige, e não do radar. Do próprio Bolsonaro, pois, nas idas dos fins de semana em Angra dos Reis. Onde, por sinal, o ímpeto desordeiro submeteu-o a outro tipo de multa, por invadir estação ecológica vedada à presença humana, por uso de motor de popa e pesca proibida na área. O fiscal do Ibama que o multou foi demitido há dias.

Vinicius Torres Freire: Falta dinheiro, vai faltar paciência

- Folha de S. Paulo

Sem recursos, sem PIB, sem coordenação política, governo ainda incentiva raiva

O sururu entre os deputados e Paulo Guedes não vai dar em nada: é sintoma, não motivo. A fibrilação dos preços no mercado, que o pessoal da finança atribuiu ao arranca-rabo na audiência do ministro, também foi nada.

O ministro da Economia foi nesta quarta-feira (3) à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara falar sobre Previdência, na CCJ em que a reforma vai começar a tramitar. Guedes e deputados bateram boca e daí para baixo.

Juros e dólar subiram, a Bolsa caiu, “business as usual”.

Teria sido um desastre se a turumbamba fosse imprevista, se não fosse apenas um sintoma óbvio.

O circo estava armado para Guedes apanhar pelo motivo sabido: desgoverno, um governo sem tropas no Congresso e ânimos nacionais acirrados.

De resto, o ministro não é um mestre na arte de fazer amigos e influenciar pessoas, por assim dizer. Enfim, é conversa mole dizer que a audiência “evidenciou” as dificuldades que o governo terá para aprovar a reforma.

Clóvis Rossi: Eleições israelenses viram plebiscito sobre Netanyahu

- Folha de S. Paulo

Pela primeira vez em 70 anos que a questão palestina não estará no topo da agenda eleitoral

A eleição do dia 9 será a primeira, nos 70 anos do Estado de Israel, em que a questão palestina não estará no topo da agenda.

Até agora, em todas as campanhas, discutia-se quem seria o candidato mais conveniente para chegar a um acordo com os palestinos ou, inversamente, qual o que mais endureceria com os vizinhos.

Agora, não. Constata, por exemplo, The Times of Israel, excelente diário digital: “Em uma campanha eleitoral tensa, que tem sido farta de insultos e curta em substância, o conflito de Israel com os palestinos está notavelmente ausente dos discursos”.

Na prática, a eleição da próxima terça-feira virou uma espécie de plebiscito sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, há 10 anos no cargo. Se vencer, tornar-se-á o governante que ficará mais tempo no poder.

Superará até Ben Gurion, o estadista que conduziu o país durante a Guerra da Independência e,
como tal, é tido como uma espécie de patriarca de Israel. (Atenção, Bolsonaros e bolsonaristas fanáticos, Ben Gurion era socialista.)

Paulo Paiva*: A reforma entre o espaço e o tempo

- O Estado de S.Paulo

O governo, que já perdeu o ótimo, precisa garantir, ao menos, o bom

O desempenho da economia brasileira no horizonte do mandato de Bolsonaro está diretamente ligado ao destino da PEC da Previdência, que, por sua vez, depende de decisões políticas.

O mercado reagiu à transição do governo com duas tendências. Por meio do aumento da volatilidade na Bovespa e nas taxas de câmbio, que têm alta propensão à especulação, e com cautela nas expectativas de crescimento, conforme se pode deduzir da estabilidade na evolução das estimativas das taxas de crescimento do PIB no Relatório Focus, do Banco Central.

Do final de junho até o resultado da eleição no ano passado, a mediana para o PIB em 2019 ficou congelada em 2,50%, sem reagir aos eventos políticos do segundo semestre. Elevou-se no final de novembro, encerrando o ano em 2,55%, provavelmente com a certeza da derrota do PT e com o início de um ciclo liberal.

No começo do ano o ambiente favorável à reforma da Previdência estimulou o governo a colocar seu capital político numa proposta robusta, mas com maior risco do que se, ao contrário, optasse por apoiar a PEC que já estava em fase final para votação, cuja tramitação seria mais célere e o resultado positivo, seguro, embora modesto. Escolheu encaminhar uma proposta sua mais ampla, em vez de ganhar tempo na aprovação de outra mais simples.

O governo subestimou as dificuldades e incertezas em tempos de mudanças que surgiram, não das visões sobre a economia – se mais liberal ou mais intervencionista –, mas das tensões institucionais em curso.

Luiz Carlos Azedo: Guedes e seu trilhão

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Enquanto Guedes tenta aprovar a reforma ideal, o presidente da República fala em reforma possível, sinalizando para a própria base do governo que lava as mãos em relação às mudanças que forem feitas no Congresso”

A atribulada audiência do ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, ontem, revelou que ele está só na busca de economizar R$ 1 trilhão em 10 anos com as mudanças. Guedes foi muito atacado pelos petistas, mas deu seu recado de que não é possível o país continuar gastando R$ 700 bilhões com a Previdência e apenas R$ 70 bilhões com a Educação. Entretanto, deixou no ar falta de apoio na base do governo ao projeto integral, e também revelou certo desconforto com o fato de a própria base querer modificar a proposta. O presidente Jair Bolsonaro tem emitido sinais de que o problema da aprovação da reforma é do Congresso, e não do governo.

Guedes insistiu muito na tese de que uma reforma meia boca custará mais caro no futuro. No entrevero com os petistas, rechaçou cobranças ao atual governo, acusando a oposição de desperdiçar a oportunidade de ajustar a Previdência à realidade atuarial por um custo muito menor nos 18 anos que esteve no poder. Para o ministro, “faltou coragem”. Segundo ele, o aspecto fiscal da reforma é imperativo: “A principal componente de alta dos gastos foi com pessoal e, dentro disso, o elemento do deficit galopante tem sido a Previdência”, disse.

O ministro da Economia afirmou que o Brasil tem despesas previdenciárias muito elevadas, mesmo tendo uma população bastante jovem. Comparou a situação do Brasil com a de outros países: “Existem sistemas que quebraram, a Grécia, e estamos vendo o exemplo de Portugal. Imaginamos como não deve estar o problema previdenciário na Venezuela hoje”. Na sua avaliação, a economia de R$ 1 trilhão que pleiteia é essencial para que se possa fazer uma transição do sistema de repartição para o de capitalização, que, na sua opinião, é a solução definitiva para o problema previdenciário.

Governo passa a dialogar com o Congresso e reforma anda: Editorial /Valor Econômico

Depois das escaramuças gratuitas do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia - e antes das próximas - a reforma da previdência começou a andar. Algumas definições dos deputados começaram a se decantar, ratificando os principais comentários informais dos partidos a respeito das propostas do governo. As mudanças nos benefícios de prestação continuada e na aposentadoria rural, como estão, não deverão ser aprovadas, segundo Maia - mas elas podem mudar. A capitalização, que vem ganhando ênfase maior e prematura nos discursos do ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda que seus detalhes não sejam conhecidos, também parece em princípio que pode não passar no funil do que os partidos consideram aceitável. Mas tudo está por ser negociado.

Para a negociação agora avançar contribui a disposição do presidente de se reunir com os líderes dos partidos no Congresso, a começar pelas legendas do centrão, como PRB, PP, PR e PSD. Bolsonaro já deu antecipadamente, e mais do que o necessárias, indicações do que pode ser negociado. Suas declarações de que reforma da previdência boa é a que é aprovada é ambígua e pode ser entendida como a aceitação de qualquer resultado. Falta uma defesa enfática de que, ainda que caiba ao Congresso "aperfeiçoar" a proposta do governo, ela é a melhor que sua administração pode oferecer e deveria ser ratificada, com correções secundárias.

Um pacote útil, mas limitado: Editorial / O Estado de S. Paulo

Fazer negócios no Brasil poderá ficar mais fácil e mais barato com o pacote de simplificação prometido pelo governo, mas serão necessárias medidas de outro tipo para desemperrar a economia no curto prazo e criar empregos. Para evitar enganos, decepções e perda de tempo, é bom distinguir os problemas e separá-los em pelo menos dois grupos. O mais urgente é movimentar a economia e tentar fazê-la crescer pelo menos na faixa de 2% a 2,5% neste ano. Isso poderá ocorrer mesmo sem grandes mudanças de caráter institucional. O outro grupo inclui os vários entraves associados à organização dos mercados, à operação do governo e à estrutura legal. Burocracia demais, impostos complicados e insegurança jurídica são exemplos desses entraves. Prejudicam a economia em qualquer fase, com crescimento de 5% ou 1,1% ao ano, taxa verificada em 2017 e 2018. Remover esse entulho tornará a atividade empresarial mais ágil e mais competitiva no médio e no longo prazos, mas o desafio imediato é de outra ordem.

Mesmo com todos aqueles problemas institucionais, a economia brasileira já foi muito mais dinâmica, avançou mais velozmente e foi mais ágil na criação de empregos. Consumidores e empresários tinham alguma segurança para suas decisões e a produção respondia à demanda – interna e externa. A ação do governo contribuía para a elevação da capacidade produtiva e ajudava a movimentar os negócios com os investimentos públicos. A má administração, a irresponsabilidade fiscal e a corrupção forçaram a interrupção desse papel e o início de uma fase de ajuste complexo, penoso e ainda incompleto.

Teoria do vácuo: Editorial / Folha de S. Paulo

Sinais de desgaste episódico de Bolsonaro estimulam a concorrência política

A espécie de corredor polonês em que se meteu, por seus próprios atos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas últimas semanas redespertou um truísmo da sabedoria política: não existe vácuo no poder.

Quem não o exerce com a mínima eficácia logo atrai outros atores sequiosos por praticá-lo em seu lugar. Nesse sentido, a percepção de enfraquecimento episódico do presidente ensejou demonstrações de força do Congresso.

Elas ocorreram seja na votação surpreendente da proposta que engessa mais o Orçamento, seja em conversas menos explícitas sobre manejo autônomo da pauta de votações pelos parlamentares ou sobre reformas profundas para subtrair prerrogativas do Executivo.

O líder que vacila também estimula a concorrência direta. Figuras que cogitam disputar a Presidência da República em 2022 buscam contrastar-se com o incumbente.

Partidos de esquerda esboçam uma união, embora nada tenham dito de novo ou alvissareiro em suas manifestações. Quem esteve mais próximo da corrente que atropelou lideranças tradicionais em 2018 também percebe a oportunidade de dar seus vagidos emancipatórios em relação a Bolsonaro.

Este parece ser o caso do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que correu a declarar apoio entusiasmado ao postulante do PSL tão logo se definiu o segundo turno presidencial. Agora, em entrevista à Folha, dá a impressão de que começa a tomar certa distância do bolsonarismo governista.

Doria criticou a decisão de determinar a comemoração do golpe de 1964, bem como as tentativas de reescrever a história baseadas no infantilismo ideológico de um núcleo que influencia o Planalto. Também mitigou mensagens belicosas sobre emprego da força policial que difundiu na campanha.

Conjunto da obra é que ameaça Crivella: Editorial / O Globo

Processo de impeachment tem força nas ruas, devido ao abandono em que está a cidade

A aprovação da abertura do processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella, algo inédito no Rio desde o fim da ditadura militar, há 34 anos, é mais um fato que reforça a ideia de degradação exposta pela política praticada na cidade e no estado.

Inquéritos, julgamentos e prisões têm sido frequentes, como nunca no passado na democracia. Algo salutar, porque significa que as instituições reagem, mas não deixa de ser reflexo do baixo padrão ético da administração pública.

O processo foi instaurado por 35 votos a 14, quórum de cassação, com base em denúncias de que o prefeito prorrogou indevidamente um contrato de exploração do mobiliário urbano por empresa privada. A incorreção está capitulada na legislação e pode ser punida com a perda de mandato.

Fernando Pessoa: Análogo começo

Análogo começo.
Uníssono me peço.
Gaia ciência o assomo —
Falha no último tomo.

Onde prolixo ameaço
Paralelo transpasso
O entreaberto haver
Diagonal a ser.

E interlúdio vernal,
Conquista do fatal,
Onde, veludo, afaga
A última que alaga.

Timbre do vespertino.
Ali, carícia, o hino O
utonou entre preces,
Antes que, água, comeces.