domingo, 28 de abril de 2019

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*

“Quanto mais tempo levarem os democratas para romper a letargia que os tem paralisado, pior ficará. Eles estão obrigados a cavar fundo, reconhecer erros, compreender os efeitos políticos e culturais da globalização, da revolução tecnológica e da conversão “líquida” da vida. Devem trocar a retórica combativa, militante, indignada, mas romântica e ingênua, pelo duro amassar de barro da política realista. Precisam de coragem para ir além da terra conhecida, partindo dela para abrir novos horizontes e resgatar os náufragos da vida.

A obra da redemocratização está sendo dilapidada. Chegamos a um ponto em que nos falta o fundamental: unidade política, consensos democráticos, responsabilidade cívica e boas estruturas de ação (partidos).

Não é um problema só de excesso de autoritarismo, despreparo e reacionarismo grosseiro, essas pragas que corroem a sociedade. Também estamos sendo vitimados pela escassez de coordenação democrática.”

*Professor titular de Teoria Política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp. ‘O oposicionismo retórico e os democratas’, O Estado de S. Paulo, 27/4/2016.

*Marcos Guterman: O poder da ideologia do ressentimento

- O Estado de S.Paulo

A mesma que originou o nazismo e parece estar na base de movimentos reacionários posteriores

O problema da ideologia voltou com vigor ao centro dos debates, em especial por força da ascensão, em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, de populistas que se dizem combatentes da ideologia de esquerda. Para esses líderes, o esquerdismo, em suas diversas manifestações, teria dominado o pensamento nacional e convertido especialmente a juventude, por meio de lavagem cerebral, em instrumento de seus desígnios deletérios, contrários aos valores tradicionais da família e da religião. Além disso, segundo esses neopopulistas, a esquerda submeteu os países que comandou a interesses estranhos aos da pátria, teleguiados por ideólogos do comunismo internacional, vistos como essencialmente corruptos e imorais.

Conforme esse discurso, toda e qualquer ameaça à paz, à prosperidade e aos bons costumes só pode ser de esquerda – razão pela qual até mesmo o nazismo, símbolo do mal absoluto, foi recentemente classificado como “de esquerda” pelo presidente Jair Bolsonaro, um desses novos líderes populistas.

É ocioso discutir se o nazismo era de “esquerda” ou de “direita”, porque há farta documentação a comprovar que de “esquerda” o nazismo definitivamente não tinha nada. O relevante, no caso, é a facilidade com que o presidente da República e seus seguidores mais radicais desconsideram evidências históricas em favor de suas crenças pessoais, com vista a conferir sentido ao discurso segundo o qual onde está o “mal” só pode estar a esquerda. É uma narrativa duplamente confortável: fornece lógica em meio ao caos de informações e atribui a responsabilidade por todos os males e padecimentos sempre ao “outro” – no caso brasileiro, o “comunista” ou o “petista”; em outras partes do mundo, os imigrantes e os muçulmanos; no passado (e ainda no presente), os judeus.

Esse mecanismo mental, guardadas as distinções geográficas e históricas, está na essência da ideologia que desembocou no nazismo, e talvez seja útil revisitar aquele sistema de pensamento se quisermos ter algumas pistas para entender o momento atual.

O historiador alemão Fritz Stern, o principal estudioso da ideologia germânica que está na origem do nazismo, definiu ideologia política como algo que desperta a “febre da paixão” e o “senso de pertencimento afetivo” em relação ao sistema de ideias a partir do qual seus integrantes leem o mundo (The Politics of Cultural Despair: a Study in the Rise of Germany Ideology, 1961). A verdadeira ideologia, afirma Stern, é “uma força espiritual, um impulso”, que expressa “aquilo pelo que vale a pena viver”. Nesse sentido, o historiador destaca a validade do conceito do filósofo francês Alfred Fouillée sobre as “ideias-força”, aquelas que unem “a imaginação à vontade” e “a visão antecipada das coisas com sua execução”.

Em outras palavras, a ideologia, na sua feição radical, é o elo de comunidades cujos membros acreditam de forma inabalável em sua visão de mundo – de tal maneira que hostilizam violentamente o contraditório, tratado como ameaça a essa visão – e se consideram autorizados pela História a executar o plano que julgam capaz de antecipar o futuro glorioso projetado pela ideologia. Todo aquele que se interpuser no caminho dessa realização é considerado inimigo mortal.

*Rolf Kuntz: Bolsonaro, trapalhão com bilhões e xerife sem noção

- O Estado de S.Paulo

O presidente continua sem entender sua função e o significado da palavra ‘governar’

Trezentos ou quatrocentos bilhões de reais – quem se importa com isso? Em mais uma trapalhada bilionária, o presidente Jair Bolsonaro abriu uma espécie de liquidação de outono-inverno e antecipou o desconto para a negociação da reforma da Previdência. Na mesma ocasião, um café com a imprensa, ele rejeitou a ideia – jamais proposta – de se transformar o Brasil num país de turismo gay. Poderá ficar à vontade, acrescentou, quem “quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher”. Estará pensando em alguma nova regulamentação federal para motéis? Ainda no café, ele tentou disfarçar a relação complicada com o vice-presidente, Hamilton Mourão, frequentemente atacado por seus filhos. Não convenceu, obviamente, até porque nunca aceitou a ideia de enquadrar seus herdeiros e mandá-los deixar de se meter nos assuntos do Palácio do Planalto.

A trapalhada com maior repercussão foi a referência ao efeito fiscal da reforma. O ministro da Economia, segundo o presidente Bolsonaro, aceitará um ganho de apenas R$ 800 bilhões em dez anos, mas nada abaixo disso. Não precisava e muito menos devia fazer essa declaração. A negociação mal começou e a comissão especial ainda vai iniciar seu trabalho. Mas o presidente já disse até onde os parlamentares poderão desidratar o projeto – até R$ 400 bilhões, se for tomada como ponto inicial a meta de US$ 1,2 trilhão recém-anunciada pela equipe econômica.

No mesmo dia o presidente ganhou destaque por mais uma façanha incomum: mandou o Banco do Brasil suspender uma campanha publicitária e demitir do posto o diretor de Marketing. Foi uma nova intervenção numa estatal de capital aberto. Desta vez, a intromissão foi obviamente motivada por preconceito e por sua bem conhecida homofobia, sem a mínima fundamentação técnica. A campanha, centrada na diversidade, era parte de uma estratégia de aproximação do público jovem. Publicidade é assunto profissional, mas um presidente iluminado por Deus e empenhado na defesa da moralidade e no combate ao marxismo cultural está acima dessas ninharias. A propósito, ainda no café com a imprensa ele se declarou, novamente, aliado do presidente Trump. Poderia ter dito “alinhado”.

Antes de intervir no Banco do Brasil, o presidente Bolsonaro já se havia intrometido na administração da Petrobrás, e por motivação mais prosaica: atender a exigências de caminhoneiros, aqueles mesmos apoiados por ele, ainda candidato, quando bloquearam estradas, cometeram violências e impuseram enorme perda a empresas e consumidores.

Vera Magalhães: Quero ser grande

- O Estado de S.Paulo

Maturidade em política independe da idade, mas é requisito fundamental

Na polarização extremada e muitas vezes irracional que tomou conta da política brasileira há várias virtudes em falta no mercado, do bom senso à tolerância, mas talvez uma das mais escassas seja a maturidade. Na mesma velocidade com que se radicalizou, o debate ganhou contornos infantis que tornam constrangedora a tarefa de analisar alguns acontecimentos.

Eleita aos 25 anos com 264 mil votos, a sexta maior votação de São Paulo, a deputada federal Tabata Amaral (PDT) foi execrada nas redes sociais por ter se encontrado com o governador do Estado, João Doria Jr., e aceitado – vejam só que heresia! – tirar uma foto, ainda por cima sorrindo, ao seu lado.

Os ataques vieram tanto da esquerda presa ao mantra do “Lula Livre” como de setores da nova direita incomodados pelo fato de o perfil moderado da deputada encontrar adesão em parte do público que apoiou os movimentos de rua pró-impeachment de Dilma Rousseff.

E eis o grande pecado de Tabata, uma jovem pobre que se formou em Harvard e, mesmo estando em um partido de centro-esquerda, dialoga e recebe apoio de movimentos como RenovaBR e Acredito: ela é difícil de rotular dentro das etiquetas reducionistas em voga no momento atual da política brasileira.

Eliane Cantanhêde: O simples e o simplório

- O Estado de S.Paulo

É grave a 'simplicidade' ameaçar a visão de mundo e os avanços da sociedade

Pergunte-se a generais, ministros, assessores e até a jornalistas com acesso ao gabinete presidencial qual a impressão que têm do presidente Jair Bolsonaro e, após alguns segundos de reflexão, a resposta será, invariavelmente, a mesma: “O presidente é uma pessoa muito simples”. Parece bom, mas pode ser ruim.

A simplicidade é um valor, uma grande qualidade, quando revela uma pessoa de bem com a vida, de bom trato com superiores e subordinados, capaz de ouvir e ceder e com hábitos despojados no falar, no trajar, no proceder. Ponto positivo. Mas, no caso de um presidente da República, essa qualificação é dúbia, pode confundir o simples com o simplório.

Uma pessoa simples, ainda mais se rica, poderosa e sofisticada intelectualmente, é o máximo. Um líder simples, que tem pouca informação, é ingênuo nas relações com as pessoas e tem baixa compreensão de questões complexas é “simplesmente” preocupante. Fica ao sabor de miudezas e intrigas internas, sem entender o todo ao seu redor.

A marca de Bolsonaro é a ideologia, que seus filhos carregam para sua guerrilha diária pelas redes sociais. Assim, ele nomeia o ministro da Educação e das Relações Exteriores porque um guru, astrólogo ou sei lá o que da Virgínia mandou. Mas vive alardeando que indicações políticas, válidas em todas as democracias do mundo, só servem para roubalheira.

Ao admitir uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos com a reforma da Previdência, quando a área econômica traçou a meta de mais de R$ 1,2 trilhão, Bolsonaro ajuda ou atrapalha? É uma fala simples ou um erro espantoso?

Janio de Freitas: O circo

- Folha de S. Paulo

No governo de Bolsonaro, tudo está combinado, como nos picadeiros

A aparência intempestiva das atitudes dos Bolsonaros é farsante. Estamos diante de uma trupe como são tantas famílias circenses. Grosserias, desobediências, postagem nas redes e logo a retirada, os alvos e temas escolhidos, nada disso é espontâneo. Tudo está combinado, como nos picadeiros. Com funções distribuídas entre os diferentes estilos entre os protagonistas. E para uma plateia aparvalhada.

O pai desobedecido e, no entanto, incentivador de novas sandices do filho tido como o mais destrambelhado, seria bastante para se duvidar de condutas divergentes. Bolsonaro pai, afinal de contas, se sujeita aos desgastes de uma situação ridícula e, em país com algum autorrespeito, desmoralizante. O próprio Bolsonaro pai, porém, dá indicações explícitas de que o jogo de acusações e o divisionismo pelo insulto são combinados. E articulados com objetivos ocultos, capazes de justificar o alto custo político e pessoal para seus persistentes praticantes.

No começo da semana passada, Bolsonaro soltou pequena nota para dizer que "as recentes declarações" (só as recentes, pois) de um dos seus guias, Olavo de Carvalho, não contribuíam para "a unicidade de esforços" do governo. A notinha foi propagada como crítica. Quem difundira dois dias antes, sábado à noite, "as declarações" de virulência ensandecida, contra as escolas militares e "os milicos" em geral, foi o próprio Bolsonaro, no YouTube. Para maior difusão, replicado pelo filho Carlos.

Apesar de possíveis dificuldades, Bolsonaro por certo entendeu "as recentes declarações" e tornou-as públicas por vontade sua. Não foi ingenuidade. Assim como havia um propósito na remessa, houve no passo seguinte de Bolsonaro e do filho. O desagrado de Carlos com a retirada da postagem de Bolsonaro, consta que por pressão, não foi mais do que outra ceninha. Seus ataques não cessaram.

Bruno Boghossian: Os autos e as urnas

- Folha de S. Paulo

Para preservar capital político na prisão, ex-presidente mistura defesa e palanque

Lula disse que sua prisão é uma “farsa montada” por Sergio Moro e por Deltan Dallagnol. O discurso não é novo e o caso já foi julgado por outros tribunais, mas o ex-presidente afirmou à Folha e ao jornal El País que sua obsessão é “desmascarar” o ex-juiz e o procurador.

Apesar de repisar essa cruzada, o petista substitui a disputa jurídica por um esforço estritamente político. Lula faz acenos ao STF em busca da revisão de sua sentença, mas se mostra mais interessado em um embate com o governo Jair Bolsonaro.

Na entrevista, a jornalista Mônica Bergamo destacou que houve corrupção comprovada envolvendo o PT e perguntou se o ex-presidente errou ao usar o sítio de Atibaia, reformado por empreiteiras. Lula se disse disposto a discutir “a questão ética” em torno do assunto, mas logo migrou para sua zona de conforto.

“Qual é o meu incômodo? Se eu estivesse aqui preso e o salário mínimo tivesse dobrado, [pensariam:] ‘o Lula realmente é um desgraçado, prendeu e melhorou’. Mas não. Acabaram agora com o aumento real do salário mínimo”, declarou.

Vinicius Torres Freire: Os subversivos do Brasil de 2019

- Folha de S. Paulo

Ataques irritam generais; sem oposição, elite no poder causa sururu autodestrutivo

O general bebe guaraná e diz que a comida estava muito boa, mas “a gente come qualquer coisa, cobra e farinha, se for o caso”.

“Cobra e farinha” talvez seja citação da frase heroica de Jerônimo de Albuquerque, capitão-mor da conquista do Maranhão, que combateu os franceses no século 17 (“somos homens que um punhado de farinha e um pedaço de cobra quando o há nos sustenta”, dizia, segundo a história de Capistrano de Abreu).

Agora são outros os capitães e os franceses.

A conversa fica um pouco mais aberta no fim do almoço. “E se essa gente uma hora for procurar os jovens oficiais, se essa gente for atrás dos capitães?”, pergunta o general, da ativa. Essa gente?

O assunto eram os “apoiadores radicais” de Jair Bolsonaro e seus ataques aos militares. O jornalista os chamou de “ala antiestablishment” do governismo; o general, de “os seguidores desse homem”, o influenciador digital Olavo de Carvalho, ideólogo de inspiração do bolsonarismo puro.

Entrincheirado, o militar se recusou a rebater os insultos do influenciador digital e a analisar a atitude do presidente em relação a Carvalho. Disse apenas que o país tem mais com o que se preocupar do que marcar passo com fofoca.

Quanto ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, primeiro alvo do ideólogo de Carvalho, o general disse que uma “voz ponderada [como seria a de Mourão] ajuda”, mas é preciso ser “econômico, prudente e leal nas manifestações, muito de vez em quando, na maioria das vezes em conversa particular”.

Marco Rodrigo Almeida: Curto-circuito na Democracia liberal

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Em entrevista, o cientista político Yascha Mounk afirma que a ligação entre democracia e liberalismo vem sofrendo processo de corrosão, provocado em parte por setores que buscam justamente uma democratização mais multiétnica e igualitária.

Após a derrocada da União Soviética, a democracia liberal parecia destinada a um triunfo absoluto. Na ausência de alternativas viáveis, acreditava-se que aderir a ela traria como recompensa estabilidade política e prosperidade econômica para sempre. Mas, como alerta o ditado, alguma coisa é infalível até que deixa de funcionar.

Nos últimos anos, cientistas políticos do mundo todo passaram a apontar indícios de algo que parecia inimaginável: a democracia liberal começava a ruir até mesmo nos países em que suas bases estavam mais consolidadas.

Uma onda de populismo autoritário ameaça o planeta, dizem os pesquisadores. O caso mais simbólico foi a eleição de Donald Trump nos EUA, mas as manifestações da crise incluem exemplos de natureza e efeitos variados, como a vitória do brexit no Reino Unido, de Viktor Orbán na Hungria, de Recep Tayyip Erdogan na Turquia e mesmo a de Jair Bolsonaro no Brasil.

Uma singularidade do fenômeno é que essas decisões foram tomadas pelo eleitor de forma livre e espontânea. Vem daí o provocativo título que o cientista político Yascha Mounk deu a seu livro, “O Povo contra a Democracia”, publicado agora no Brasil pela Companhia das Letras.

Doutor por Harvard (EUA), Mounk se insere no recente filão de livros de análise política com mensagem alarmante: a democracia vai de mal a pior e nossa liberdade corre perigo. No ano passado, uma obra semelhante, “Como as Democracias Morrem” (Zahar), dos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, entrou na lista dos mais vendidos de vários países, inclusive no Brasil.

Ainda é cedo para avaliar se os prognósticos pessimistas estão corretos ou não, mas o interesse despertado por esses títulos comprova que de alguma forma souberam capturar preocupações reais do leitor. Na semana passada, Mounk participou de uma série de palestras no Brasil.

Embora não descarte a possibilidade de estar equivocado, Mounk percebe muitos indícios de um futuro tenebroso. “Creio que a democracia enfrenta agora seu maior desafio. As pessoas estão perdendo a fé no sistema. Passaram a eleger líderes autoritários que atacam a ordem institucional, com a desculpa de que representam a vontade popular. Então o risco é muito mais complexo e sutil, pois resulta de demandas da sociedade.”

A principal contribuição de Mounk ao debate é apontar uma crise no próprio conceito de democracia liberal. Liberalismo e democracia, diz ele à Folha, permaneceram colados por muito tempo, mistura que garantiu tanto a proteção dos direitos individuais como a tradução da opinião popular em políticas públicas, através do voto. O sucesso do modelo conferiu a feição política do Ocidente, dando-nos a impressão de que os dois termos formavam um só ente imutável.

Mas a cola que os unia está rapidamente perdendo aderência, alerta o cientista político. O sistema vem se desvirtuando em duas novas formas de regime. De um lado há um liberalismo antidemocrático, ou direitos sem democracia, em que, a despeito de eleições regulares e competitivas, a população é excluída da tomada de decisões fundamentais, em benefício das elites.

A revolta dos cidadãos com esse quadro contribuiu para levar ao outro lado da moeda: a democracia iliberal, ou democracia sem direitos, na qual a maioria opta por um governante antiestablishment que promete restituir sua participação política, mesmo que aos custos de subjugar as instituições independentes e restringir direitos das minorias.

*Elio Gaspari: De Floriano@mil para Mourão@pol

- Folha de S. Paulo / O Globo

Vosmicê é vice porque o capitão Bolsonaro foi eleito, e não o contrário

Senhor general,

De vez em quando, nós, os vice-presidentes brasileiros, jantamos na fazenda do João Goulart. Ontem conversamos sobre vosmicê e quero dizer-lhe que sua conduta está mal vista. Por estranho que pareça, está mal vista porque o Café Filho, que em 1954 se dissociou de Getúlio Vargas, comparou vossa conduta à minha. Repetiu a ideia de que o marechal Floriano Peixoto salvou a República.

Eu não gosto do Café, um espertalhão medroso. Achei a ideia despropositada.

Vice-presidente não é contraponto. Eu fui eleito em 1891 naquele processo abstruso pelo qual o titular podia vir de uma chapa e o vice, de outra. Felizmente acabou-se com isso. Vosmicê é vice porque o capitão Bolsonaro foi eleito, e não o contrário. O senhor falava em autogolpe e as vivandeiras do século 21 asseguraram que vossa presença na chapa simbolizava um respaldo militar. Como soldados, sabemos que essa é uma meia verdade. Metade pode ser respaldo, mas a outra metade chama-se anarquia, e vice fazendo contraponto ao presidente só serve para estimulá-la.

O Jango é amigo de um sujeito chamado Sérgio Porto que se apelida de Stanislaw Ponte Preta. Ele diz que vice acorda mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada. Não vou a esse ponto, mas o vice deve ter cuidado ao expor diferenças.

Sempre falei pouco. Chamavam-me de "Esfinge". Eu era vice do marechal Deodoro da Fonseca, um bom homem, doente e inepto, que tentou um golpe, fracassou e renunciou.

As vivandeiras festejaram a queda do Deodoro porque ele ameaçava as instituições republicanas. Puseram-me na cadeira. O que conseguiram? Uma ditadura, da qual não me arrependo. Manietei o Congresso, decretei o estado de sítio, intimidei a imprensa, desterrei monarquistas, mandei fuzilar um marechal, humilhei o Supremo Tribunal e derrotei revoluções. Consolidei a República e voltei para meu sítio. Só tivemos rebeliões militares décadas depois.

Passou-se mais de um século e o Brasil é outro. Tivemos disciplina nos quartéis por mais de 20 anos. O governo de que o senhor faz parte reacendeu a chama da presença de militares no poder (quase todos da reserva, inclusive vosmicê). Pode ser boa ideia, desde que não surjam os "generais do povo" ou sabe-se lá do quê. Militar só fala pela tropa quando está no quartel. Fora dele é paisano.

Sei que o senhor supunha que teria grandes atribuições no governo e vossa sala continuou fora do prédio do Planalto. Sei também que o senhor vive sob o fogo da família real e de um Antônio Conselheiro envernizado. Lamento que isso esteja acontecendo, mas nunca servi publicamente de contraponto ao Deodoro, nem quando ele deu a um compadre a concessão superfaturada do porto de Torres, no Rio Grande do Sul. O bom general procura escolher o local e a hora da batalha.

Os dissabores não justificam a construção de contrapontos. Não é coisa de vice, muito menos de militar. Concordo com quase todas as suas opiniões, mas não aprovo a manobra. E nisso estão comigo os dois vice-presidentes militares da ditadura. Aureliano Chaves, o vice civil do general João Figueiredo, disse-me que só se afastou dele quando achou que o general tinha perdido o juízo. Lembremos que ele pensou até em meter-lhe a mão.

O senhor não precisa ser uma esfinge, basta virar a página, saindo da vitrine.

Do seu camarada de armas

Floriano Peixoto

A FIOCRUZ PEDE SOCORRO
A sacrossanta Fiocruz sangra. Seu quadro de servidores está encolhendo. Em 2013, contando-se os terceirizados eram 12.379; ao final de 2018 estavam em 11.899. Metade deles tem mais de 50 anos e os ventos da reforma da Previdência dobraram os pedidos de aposentadoria nos últimos dois anos.

Instituição centenária, a Fiocruz é um dos maiores centros de pesquisa do país e mostra seus serviços vigiando a saúde ou produzindo vacinas. Há três anos ela comprovou sua competência quando o país passou pelo surto de zika, associando o vírus a casos de microcefalia de bebês. Salvo um escandaloso convênio assinado em 2011 com uma empresa de Portugal, ela resistiu a tudo, inclusive ao comissariado petista. Depois de uma sucessão de lorotas, o negócio foi cancelado.

O dreno do quadro da instituição pode ser contido se forem recrutados alguns dos profissionais que prestaram os quatro concursos realizados nos últimos dez anos. Sem festa, basta seguir a colocação dos certames, antes que eles caduquem, o que acontecerá até junho do ano que vem.

Não se trata de nomear companheiros ou sobrinhos, mas de repor as perdas com profissionais de competência verificada.

FICÇÕES DO MP
Nos lances que se seguiram à prisão de Michel Temer, o Ministério Público disparou contra ele uma sucessão de denúncias espetaculares.

A saber:
1) Temer teria mandado uma mensagem para o ex-ministro Moreira Franco à 1h25 do dia em que ambos seriam presos. Isso indicaria que ele sabia da próxima ação da Polícia Federal e, no meio da madrugada, estaria alertando o amigo. Falso. A hora mencionada pelos procuradores era a de Greenwich. No Brasil eram 21h25 e o assunto era banal.

2) Temer poderia fugir do país. Junto com esse receio apareceu a informação de que ele tem nacionalidade libanesa. Ele não a tem.

3) Uma pessoa tentou depositar R$ 20 milhões em dinheiro vivo em contas do coronel João Baptista Lima, o que indicaria que "a organização criminosa continua atuando". A tentativa de depósito em espécie era fantasia. Tratava-se de uma transferência eletrônica de uma agência do Bradesco para o Santander.

Se os procuradores aprenderem a pedir desculpas, os aspectos sólidos de suas acusações ganham força. Soltando fogos de artifício, enfraquecem-se.

Luiz Carlos Azedo: Mora na filosofia

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A mais recente polêmica protagonizada pelo presidente Bolsonaro é sobre o ensino de Humanas nas universidades, segundo ele, um desperdício de recursos”

Devido ao suicídio de Getúlio Vargas no ano anterior, um presidente de enorme prestígio popular, o carnaval de 1955 era esperado com muito baixo-astral, mas o que aconteceu foi exatamente o contrário. O povo foi pra rua se divertir e a festa pegou fogo, com muitos sambas e marchinhas de sucesso. Foi o caso de Mora na filosofia, de autoria de Monsueto Menezes com Arnaldo Passos (parceiro de Geraldo Pereira), na voz de Marlene.

Regravado na década de 1970, no LP Transa, por Caetano Veloso, com um arranjo espetacular de Jards Macalé, é ainda hoje considerado um dos mais belos sambas da história da nossa música popular: “Eu vou lhe dar a decisão / Botei na balança/ Você não pesou/ Botei na peneira / Você não passou / Mora na filosofia / Pra que rimar/Amor e dor”. Aquele carnaval foi uma lição de que “a arte existe porque a vida não basta”, como diria mais tarde o poeta Ferreira Gullar.

Judeu de origem sefardita, o antropólogo, sociólogo e filósofo Edgar Morin, cujo verdadeiro sobrenome era Nahoum, foi um herói da Resistência francesa durante a II Guerra Mundial, o que lhe valeu as tarefas de adido ao Estado-maior do Primeiro Exército francês na Alemanha ocupada, em 1945. Sua principal obra são os seis volumes de O método, no qual questiona o fechamento ideológico e paradigmático das ciências. Diante dos problemas complexos que as sociedades contemporâneas enfrentam, dizia, em meados da década de 1970, apenas estudos de caráter interpolitransdisciplinar poderiam resultar em análises satisfatórias de tais complexidades. “Somos complexos”, dizia.

Para Morin, o conhecimento complexo não está limitado à ciência, pois há na literatura, na poesia, nas artes, um profundo conhecimento. Todas as grandes obras de arte possuem um profundo pensamento sobre a vida. Segundo o próprio Morin, devemos romper com a noção de ter as artes de um lado e o pensamento científico do outro. Certo estava Paulo Vanzolini, o dublê de cientista e sambista, autor de Ronda, o hino na noite paulista, entre outras canções antológicas: “De noite eu rondo a cidade / A lhe procurar sem encontrar / No meio de olhares espio / Em todos os bares você não está / Volto pra casa abatida / Desencantada da vida / O sonho alegria me dá / Nele você está”.

Compositor de Volta por cima e Na boca da noite, Vanzolini era zoólogo e foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Com seu trabalho, a USP aumentou a coleção de répteis do seu Museu de Zoologia de cerca de 1,2 mil para 230 mil exemplares. Com o geógrafo Aziz Ab’Saber e com o norte-americano Ernest Williams, desenvolveu a Teoria do Refúgio em suas expedições pela Amazônia.

Merval Pereira: Em busca de luz

- O Globo

Os políticos entenderam que a gordura fiscal a ser tirada na Comissão Especial pode vir a ser capitalizada, tornando a reforma “mais justa”

Há um amplo espectro de negociação política, que tem como um dos protagonistas o governador de São Paulo João Dória, na nomeação do deputado do PSDB de São Paulo Samuel Moreira para presidir a Comissão Especial da reforma da Previdência. E o mais interessante é que esse jogo tem como premissa que o sucesso da reforma dará aos partidos que se posicionarem favoravelmente desde o início vantagens eleitorais em 2020, já nas eleições municipais. Uma luz dos holofotes políticos num tema polêmico, mas que parece inevitável.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, sempre trabalhou com a hipótese de que o relator da Comissão teria que ter sinergia com o ministro da Economia Paulo Guedes mas, principalmente, com Rogério Marinho, Secretário Nacional de Previdência, que é do PSDB. Por isso, os nomes mais cotados eram daquele partido, que logo no inicio das negociações avisou que queria o cargo.

O DEM, partido de Rodrigo Maia, corria por fora, tendo como postulantes ao cargo os deputados Pedro Paulo e Artur Maia. Um cargo que pode vir a ser tóxico para quem vive de votos, estava sendo disputado por partidos que têm um eleitorado de classes média e alta perdido para o fenômeno Jair Bolsonaro na eleição presidencial.

Maia achou que o poder ficaria muito concentrado no DEM, e optou pelo tucanos. Mas é claro que Dória sempre teve interesse em que o PSDB de São Paulo entrasse no processo e, nas últimas 48 horas trabalhou fortemente para isso, por diversos motivos, o principal deles a convicção de que, ao contrário do senso comum, existe capital político na reforma, e em assumir posição clara na vida pública.

Assim como o presidente da Câmara acha que defender a reforma trará benefícios de médio e longo prazos para os deputados, melhorando suas imagens diante do cidadão, também Dória já defendia pessoalmente essa visão, e também deseja essa marca para o PSDB, como um primeiro reencontro com o eleitor tucano sob seu comando, ou refundação do partido, como gosta de definir a atual situação, depois que tomou conta da legenda ao se tornar o político mais vitorioso do PSDB nas últimas eleições.

Míriam Leitão: Educação: sempre é preciso sonhar

- O Globo

No Dia da Educação, é preciso não perder a perspectiva e a esperança: o futuro nos trará de volta do descaminho no qual o país entrou

Hoje é o Dia da Educação e eu fiquei comparando dois mundos. Os economistas, quando querem falar de riscos, procuram uma palavra neutra para ficar na zona de conforto e, assim, dizem que o cenário é desafiador. Mas palavras confortáveis não servem quando se quer falar do futuro da educação. Tudo tem mudado tanto que é preciso achar termos que inquietam. O futuro é revolucionário. A interação com as novas tecnologias, a mudança na relação entre as pessoas, o imperativo da diversidade transformam radicalmente a educação.

Alguém pode dizer que o Brasil tem problemas mais básicos: ter boas escolas e elevar o nível de aprendizagem. Mas essa sempre foi a missão da educação. Contudo, a terra se move. O ponto tem que ser como atingir esses mesmos objetivos, neste momento e dentro da realidade do país. Um estudo divulgado no início do ano pela KnowledgeWorks traça o panorama das mudanças já em curso. O futuro está aqui. Ferramentas da nova comunicação estão na palma da mão. Vi no estado do Amazonas, na comunidade ribeirinha do Tumbira, no Rio Negro, a escola conectada com Manaus. Três mil pontos na imensidão amazônica recebem aula por satélite, e com interação entre professor e aluno.

Bernardo Mello Franco: A marcha do obscurantismo

- O Globo

Com palavras e atos, Bolsonaro radicaliza na agenda ideológica. Mesmo quando é alertado para os efeitos negativos na economia e na reputação do país

Num intervalo de dois dias, Jair Bolsonaro censurou uma campanha publicitária, fez novas declarações homofóbicas e ameaçou cortar vagas em cursos de ciências humanas. As três ações mostram que o presidente está determinado a radicalizar na agenda ideológica. Mesmo quando é alertado para os efeitos negativos na economia e na imagem do país no exterior.

Bolsonaro interferiu no Banco do Brasil para vetar uma propaganda com foco da diversidade. A campanha proibida não tinha conteúdo político. O que incomodou o presidente foi a presença de jovens tatuados, rapazes de cabelo comprido e uma atriz transexual. Tipos comuns nas ruas do país, que o BB e seus concorrentes privados desejam atrair como correntistas.

O vídeo custou R$ 17 milhões e estava no ar havia duas semanas. Além de jogar o trabalho no lixo e derrubar um diretor do banco, Bolsonaro determinou a censura prévia a toda a publicidade do governo, informou o repórter Gabriel Mascarenhas na coluna de Lauro Jardim. O próximo passo pode ser a recriação do DIP, o finado Departamento de Imprensa e Propaganda.

Em café com jornalistas, o presidente renovou seu estoque de declarações preconceituosas. Referindo-se ao turismo internacional, disse: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”.

Dorrit Harazim: Tudo ou nada

- O Globo

No Brasil, o foco da semana esteve em Hamilton Mourão. Ou melhor, nas intrigas e embates explícitos, quase psiquiátricos, que sua recente encarnação como ‘poder moderador’, ou ‘traidor’, tem gerado

Apesar de ainda não ter edição no Brasil, recomenda-se a Hamilton Mourão, ao quarteto Bolsonaro e às vivandeiras políticas nacionais um livro de cabeceira de utilidade imediata: “First in Line: Presidents, Vice-Presidents and the Pursuit of Power” (Primeiros da Fila: Presidentes, Vices e a Busca do Poder), da jornalista americana Kate Andersen Brower. A obra analisa a trajetória malabarista dos 13 homens que ocuparam a vice-presidência dos Estados Unidos entre 1953 até hoje. Ela destrincha a natureza do cargo cujo primeiro ocupante, John Adams, definiu-se nos seguintes termos ainda no século 18: “Sou vice-presidente. E assim sendo, não sou nada. Mas posso ser tudo”.

A definição é mais atual do que nunca, tanto lá como cá. Nos Estados Unidos, pelo lançamento esta semana da candidatura democrata de Joe Biden, que pela terceira vez tenta chegar à Casa Branca — agora com o currículo acrescido de oito anos como vice de Barack Obama. A atenção geral também está voltada ao desempenho do atual ocupante do cargo, Mike Pence, devido à governança ciclotímica do presidente Donald Trump.

No Brasil, o foco da semana esteve em Hamilton Mourão. Ou melhor, nas intrigas e embates explícitos, quase psiquiátricos, que sua recente encarnação como “poder moderador”, ou “traidor”, tem gerado. Má notícia para quem avalia que as desconfianças intestinas haverão de serenar com o tempo. O livro citado demonstra que à exceção de um caso, em todos os governos dos EUA desde 1953 (Dwight Eisenhower/ Richard Nixon), as relações entre presidente e vice tendem a se deteriorar com o passar dos anos. O titular vive no presente, o vice opera com o futuro, e analisa o quanto as políticas do chefe afetarão suas chances de algum dia ocupar o cargo. Neste exercício contínuo de equilibrismo, todo vice-presidente traz à mente do presidente a sua mortalidade política. Ou a sua mortalidade física mesmo.

Como comentou George W.H. Bush (vice de Ronald Reagan) em tom semiácido ao ser informado do falecimento de um chefe de Estado estrangeiro, “You die, I fly”( você morre, eu levanto vôo). Referia-se à função do vice de assistir a funerais oficiais de segunda classe.

A exceção à regra foi o duo Obama/Biden, cuja relação tanto pessoal como de confiança institucional cimentou-se com o tempo. Quase não se conheciam ao assumirem os cargos, e como Biden fora um dos concorrentes derrotados para a indicação democrata, o entrosamento inicial não foi suave. Segundo relato de Ron Klain, chefe de gabinete de Biden, Obama definiu o papel de cada um na Casa Branca nos seguintes termos: “Esta é a minha casa, Joe, e estas são as minhas coisas. Tenho grande interesse em seus pontos de vista, gosto de seus argumentos e quero que se sinta feliz aqui. Mas você é um hóspede na minha casa”. O grande diferencial neste caso foi a confiança mútua de lealdade, habitual centro nevrálgico de crises entre titular e suplente.

Ricardo Noblat: Fica combinado assim, taokey?

- Blog do Noblat / Veja

Marcha soldado, cabeça de papel...
Um vídeo de 30 segundos, que estimula o público jovem a abrir contas no Banco do Brasil, serviu para que o presidente Jair Bolsonaro emitisse mais uma ordem do dia dirigida aos que lhe prestam serviço no governo – do funcionário mais graduado ao bagrinho lá da base do topo da pirâmide.

– Olha, por exemplo, meus ministros, eu tinha uma linha, armamento. Eu não sou armamentista? Então ministro meu ou é armamentista ou fica em silêncio. É a regra do jogo.

Do tradutor de Bolsonaro: quem no governo pensar diferente dele deve calar-se. É a regra a ser respeitada sob a pena de demissão. O capitão fechou a porta a eventuais opiniões contrárias às suas. E esqueceu-se de dizer se haverá espaço para que elas se manifestem pelo menos em conversas reservadas com ele.

Mas que conteúdo tão explosivo foi esse do comercial do banco proibido por Bolsonaro de ser levado ao ar? A propaganda era estrelada por 14 atores e atrizes jovens, a maioria negra, alguns tatuados, que faziam selfs e dançavam. Explorava o tema da diversidade. Nada mais do que isso.

A censura ao comercial provocou a demissão do diretor de marketing do banco ordenada pelo próprio Bolsonaro. Em seguida, uma portaria enviada a todas as empresas estatais informou que doravante qualquer campanha teria de ser submetida ao crivo da Secretaria de Comunicação da presidência da República.

Para contrariedade de Bolsonaro, a portaria foi revogada em menos de 24 horas simplesmente porque feria a Lei das Estatais. Então o que ele fez? Avisou aos interessados por meio da imprensa:

– Quem indica e nomeia presidente do Banco do Brasil não sou eu? Não preciso falar mais nada então. A linha mudou, a massa quer respeito à família, ninguém quer perseguir minoria nenhuma. E nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira. Não é a minha linha. Vocês sabem que não é minha linha.

Coube ao presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, que deve o cargo ao ministro Paulo Guedes, da Economia, lustrar a explicação tosca de Bolsonaro para a censura ao comercial. Ela deve ser vista, segundo Novaes, “em um contexto mais amplo em que se discute a questão da diversidade no país”.

Em seguida, criticou a esquerda e os meios de comunicação que teriam tentado nas últimas décadas “empoderar as minorias” e caracterizar o “cidadão normal como exceção”. Disso resultou, disse Novaes, a “guerra cultural” que confronta “pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e homens, homo e heterossexuais”. Entendeu?

Resumo da ópera: o comercial do banco era uma perigosa peça a serviço da esquerda interessada em dividir os brasileiros. Para quê? Certamente para implantar o comunismo. Como guardião da família, das tradições nativas e da pátria, Bolsonaro se viu obrigado a vetá-lo. Foi apenas isso o que aconteceu. Taokey?

O fator Congresso: Editorial / Folha de S. Paulo

Só com muito esforço o governo Bolsonaro pode superar sua inapetência para lidar com o Legislativo

Sustentar bases parlamentares relativamente extensas e coesas, ensinou a experiência brasileira ao longo dos últimos 34 anos, tornou-se condição necessária para a viabilidade do presidente da República e de seu programa de governo.

Quem desafiou essa escrita —por ignorância, incapacidade ou vontade— terminou pessimamente.

O primeiro grande teste da administração Jair Bolsonaro (PSL) com o Congresso não prognostica boa evolução nesse terreno. A passagem do projeto de reforma previdenciária, a prioridade das prioridades de seu mandato, pela protocolar CCJ da Câmara dos Deputados tomou exagerados 62 dias.

Tanta demora está imediatamente associada à bagunça e à inépcia da articulação parlamentar do Planalto.

Já as suas causas profundas se assentam na maneira pela qual o presidente e parte de seus aliados enxergam a política representativa e no modo como são preenchidos os postos de alta responsabilidade na máquina federal.

A tediosa série de provocações de filhos de Bolsonaro ao vice-presidente, Hamilton Mourão, e a oficiais militares no governo e na caserna é recebida quase com benevolência pelo pai chefe de Estado. A candura da reação equivale a um sinal verde para que continuem os ataques, que chegaram a ser veiculados até mesmo por um canal pessoal do presidente da República.

Próximos passos após a reforma da Previdência: Editorial / O Globo

É natural que o tema concentre as atenções, mas existe uma agenda econômica robusta para depois

A ênfase dada à reforma da Previdência é diretamente proporcional ao tamanho do problema fiscal do país. Vai-se para o sexto ano seguido de déficit primário nas contas públicas — excluindo juros da dívida interna —, fator que corrói o equilíbrio do sistema, contaminando de forma tóxica as expectativas dos agentes econômicos.

E o déficit previdenciário é a locomotiva que puxa o desbalanceamento das contas públicas. Um buraco que cresce sem controle, provocado por regras que só podem ser alteradas por emenda constitucional. Daí o nó político e econômico em que o Brasil se encontra.

Mas isso não significa que esta reforma remova todos os obstáculo à frente do país. É condição necessária para a entrada em um ciclo de crescimento sustentável — o que não acontece desde pelo menos o final do primeiro governo Lula —, mas não suficiente.

A inovação de R$ 50 bilhões: Editorial / O Estado de S. Paulo

Na quinta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) inovou uma vez mais. Por 6 votos a 4, o plenário da Suprema Corte criou um benefício tributário que, segundo os cálculos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), terá um impacto negativo nos cofres da União de pelo menos R$ 49,7 bilhões ao longo dos próximos cinco anos. Além da perniciosa consequência fiscal da decisão, o STF assumiu um papel que não lhe cabe, recorrendo a meios que não são de sua alçada. A Suprema Corte não tem competência para determinar política fiscal e tampouco para inovar em matéria tributária.

Ao julgar dois recursos da União, o STF determinou que empresas de fora da Zona Franca de Manaus (ZFM), ao comprarem insumos produzidos na região e, portanto, isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), terão direito a contabilizar como crédito tributário o valor do IPI, como se o imposto tivesse sido pago. O poder público não apenas não cobrará o imposto, como devolverá, em crédito, o valor que em tese teria sido cobrado. Essa tese é de fato inovadora: devolve-se o que nunca foi pago.

A posição que prevaleceu no plenário do STF contou com o apoio do Estado do Amazonas, bem como de políticos e empresários que defendem os benefícios fiscais da ZFM. No entanto, a decisão pode ser prejudicial à Zona Franca, já que, ao estender um benefício que antes estava restrito às empresas da ZFM, a Corte diminuiu indiretamente as vantagens da empresa que lá se instalar.

Separatismo catalão contamina debate nas eleições gerais da Espanha

Questão regional sufoca outros temas; no poder, socialistas devem vencer, mas sem levar maioria

Lucas Neves / Folha de S. Paulo

MADRI E BARCELONA - Se o brexit parasita a política britânica há três anos, a vida pública na Espanha também tem, há praticamente um ano, um monotema para chamar de seu: a relação a estabelecer com o movimento separatista da Catalunha.

Durante a campanha para as eleições parlamentares deste domingo (28), as terceiras em menos de quatro anos, caminhos distintos convergiram para um só “entroncamento”.

A direita dizia que era preciso sufocar o independentismo, enquanto a esquerda defendia o diálogo, cuidando para não soar afável demais —“não é não”, repetia nos últimos dias o premiê Pedro Sánchez (PSOE, socialista), fechando a porta à possibilidade de uma consulta popular sobre um secessionismo que polariza inclusive na sociedade catalã.

O quase monopólio da questão territorial sobre o debate espanhol teve seus primeiros lances em junho de 2018, quando o governo conservador de Mariano Rajoy, caiu após a aprovação, no Legislativo, de uma moção de censura.

O gatilho foi a condenação do PP (Partido Popular), sigla de Rajoy, por um esquema de propina em contratos públicos que funcionou por três décadas, segundo a Justiça. Para derrubar o líder direitista, os votos dos partidos separatistas da Catalunha mostraram-se essenciais.

Por isso, quando Sánchez tomou o lugar do rival na chefia de governo e reabriu os canais de diálogo com os nacionalistas regionais, a agora oposição conservadora tinha a deixa para atacá-lo: o socialista estaria “pagando” o apoio à moção contra Rajoy com afagos à causa independentista. Daí para os epítetos de traidor da pátria e entreguista foi um pulo.

No começo de 2019, porém, o premiê deixou claro aos aliados catalães de ocasião que não encamparia a principal reivindicação deles: a realização de um plebiscito sobre o adeus da região à Espanha.

A resposta veio rápido: em fevereiro, os partidos locais se juntaram a PP e Cidadãos (centro) para rejeitar a proposta de orçamento anual de Sánchez, que, de mãos atadas, viu-se obrigado a convocar eleições antecipadas —o calendário só previa nova votação em 2020, ao fim da legislatura que assumiu quatro anos antes.

O revés serviu ao menos para que o socialista alardeasse suposta isenção diante da causa catalã. Mas não abrandou o ímpeto da direita em retratá-lo como artífice do dilaceramento espanhol, partidário de uma “nação de nações”.

Não que o próprio Sánchez não tenha também adotado o discurso do medo. Ciente de que a ênfase na agenda social (reajuste do salário mínimo, indexação das aposentadorias pela inflação, aumento das bolsas universitárias...) trouxe de volta à órbita do PSOE eleitores desiludidos com gestões anteriores, o premiê brandiu o espantalho da ditadura de Francisco Franco (1936-75) — cujos restos mortais, aliás, ele mandou exumar de um mausoléu construído por quem o déspota perseguiu.

Para Sánchez, um governo tripartite com PP, Cidadãos e o novato Vox (este, o único radicalmente de direita na coalizão hipotética) despertaria os fantasmas ditatoriais.

Sérgio Augusto: Baixo nível

- O Estado de S. Paulo

A história porém nos ensina que a cultura é mais forte e resiliente que qualquer governo.

Quando ouve falar em cultura, Bolsonaro não ameaça puxar o revólver, no máximo aponta aquelas bisonhas pistolas imaginárias, que se tornaram a marca – a marca, não, a mácula registrada de sua campanha.

Bolsonaro não é Goebbels, longe disso, muito longe, por sinal. Pois, apesar de tudo, inclusive por nem sequer ser o autor original da frase “quando me falam em cultura, eu puxo o revólver”, Goebbels tomou duas ambiciosas providências ao tornar-se o uber-ministro de Hitler: convidou Fritz Lang para comandar a indústria cinematográfica da Alemanha e fez da exuberante Leni Riefenstahl a cineasta número um do 3.º Reich.

Ao contrário de Riefenstahl, que optou pelo opróbrio de ficar e dirigir os dois mais reputados filmes de propaganda nazista, Lang fugiu do país horas depois do convite, para só voltar 30 anos mais tarde.

Por essa e outras, sempre vi com desconfiança as hiperbólicas comparações que, no calor da campanha eleitoral, fizeram entre Bolsonaro e Hitler, Bolsonaro e o fascismo, Bolsonaro e Mussolini. O Reich nazista ao menos se esforçou para cooptar Lang e Riefenstahl. E Mussolini construiu os estúdios de Cinecittà.

Bolsonaro podia ter feito de José Padilha a nossa Leni Riefenstahl. (Nossa, não, a sua, dele.) Mas dormiu no ponto, preferiu ficar fazendo ameaças (extinguir o Ministério da Cultura, acabar com a “desgraçada” Lei Rouanet, promover expurgos no sistema educacional, tirar o emprego de todos os “comunistas” ao alcance do seu mando, etc.), selecionando a dedo os piores auxiliares disponíveis, fomentando o ódio, brigando com seu vice e os filhos, quando não disparando disparates no Twitter, a prova cabal de que seu avatar nunca foi Hitler, nem Mussolini, mas Trump.

O testamento de Zygmunt Bauman

Sociólogo polonês afirmou que a ideia de que 'não existe alternativa' faz com que as pessoas aceitem as piores barbaridades

Dirce Waltrick do Amarante* / Aliás / O Estado de S.Paulo

Interessante observar que Zygmunt Bauman (1925-2017) é considerado um pensador bastante prolixo, a ponto de “falar” até mesmo depois de morto. De fato, ele escreveu muito, falou muito, mas parece que não lhe demos a devida atenção, caso contrário não estaríamos vivendo hoje uma situação tão caótica, no plano moral e político. Talvez se possa citar uma declaração paradoxal feita por um escritor desconhecido em 23 de agosto de 1939, mencionada por Elias Canetti, e reproduzida nesse último livro: “Acabou. Fosse eu realmente um escritor, teria sido capaz de evitar a guerra.”

Bauman e Donskis, como muitos outros escritores, poetas e pensadores, parecem representar a profetisa Cassandra, que previu a Guerra de Troia, mas foi considerada louca, ou uma “voz irritante”, termo usado pelo jornalista e escritor Arthur Koestler, citado por Bauman, para se referir aos propagandistas que tentaram anunciar o que se passava no então “jovem Terceiro Reich”, sem, contudo, terem conseguido nem advertir nem abalar seu povo.

Ouvidos moucos permitem, por exemplo, que as mineradoras continuem atuando no mundo, mesmo que Lewis Mumford tenha alertado, lá nos anos 1950, sobre o “destrutivo” processo de mineração: “Seu produto imediato é desorganizado e inorgânico; e aquilo que é uma vez retirado da pedreira ou da boca da mina não pode ser reposto.”

Qualquer voz dissonante não é bem-vista, pois, concluiu Donskis, acreditamos viver “num mundo sem alternativas. É um mundo que propõe uma realidade única e que rotula de lunáticos todos aqueles que acreditam na existência de uma alternativa para tudo”. Esse mundo “inundado de crenças fatalistas e deterministas como hoje” é alimentado pelo medo generalizado, que sustenta o mal líquido, disfarçado de neutralidade e imparcialidade diante da impossibilidade de fazer melhor, ou disfarçado de “bondade e amor”, oferecendo alternativas absurdas como única forma de salvação.

Os “heróis” do mal líquido tentam privar “a humanidade de seus sonhos, projetos alternativos e poderes de dissensão. Ao fazê-lo, agem como protagonistas das contrarrevoluções, da obediência e da submissão”, segundo Bauman. Além disso, o mal líquido traz à luz políticos amorais e oportunistas, “apresentando-se sob o disfarce de mártires e dissidentes para os quais o fascismo, o nacionalismo radical e qualquer outra forma de desprezo à liberdade e à dignidade humana parecem simplesmente uma oportunidade de épater la bourgeoisie”.

O Capital pelo avesso

Imaginando mecanismos inovadores, 'Mercados Radicais', de Glen Weyl e Eric Posner foge das respostas tradicionais de esquerda, direita e centro

Guilherme Evelin / O Estado de S.Paulo

Uma temporada no Rio de Janeiro ajudou a iluminar as ideias de um dos livros mais ambiciosos da safra recente de obras sobre a crise da democracia liberal, a estagnação econômica pós-2008, a ascensão das desigualdades e de líderes populistas e autoritários. Coautor de Mercados Radicais, recém-lançado no Brasil, o economista norte-americano Glen Weyl passou alguns meses do verão de 2007 na zona sul carioca. Aluno do economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, seu orientador na universidade Princeton, nos Estados Unidos, Weyl veio ao Rio para acompanhar a mulher Alisha Holland, especialista em políticas urbanas na América Latina, num trabalho de pesquisa.

Como havia muita alegria e diversão, o trabalho não foi muito produtivo, disse Weyl ao Estado, numa manhã de uma sexta-feira recente em que esteve em São Paulo para o lançamento do livro. Mas a observação das incríveis belezas naturais do Rio, do contraste da concentração de riquezas no Leblon com a miséria nos morros atulhados de favelas, da violência e do desperdício de recursos (“há mais lojas de colchões em Copacabana do que em toda a Nova York”) rendeu. As férias ajudaram Weyl a ver o Rio como um espelho de problemas globais e a pensar num sistema social que seja “ao mesmo tempo mais socialista e mais livre mercado do que Karl Marx e Milton Friedman jamais imaginaram”. A proposta para uma sociedade menos desigual, mais democrática e com maior crescimento econômico defendida em Mercados Radicais, como diz o título do livro, é radical. Ela foge das respostas tradicionais de esquerda, direita e centro que, segundo Weyl e seu colega Eric Posner, coautor e professor de Direito da Universidade de Chicago, perderam total substância para responder aos desafios do mundo de hoje.

Para superar o atual quadro de “estagdesigualdade” – como chamam a fase atual do capitalismo, de crescimento econômico mais lento com desigualdades crescentes – Weyl e Posner defendem uma “radicalização dos mercados”– “ainda a melhor maneira de organizar a sociedade”, dizem os autores. Eles se dissociam, porém, dos “fundamentalistas do mercado”, os defensores das políticas neoliberais que predominaram a partir dos anos 1980 e levaram à concentração dos mercados e à diminuição da competição. Para “radicalizar os mercados”, defendem um sistema em que a propriedade deixa de ser privada e passa a ser percebida como um bem comum da coletividade.

O filósofo francês Pierre Joseph-Proudhon, pai do anarquismo, dizia no século 19 que a propriedade privada é um roubo. Weyl e Posner caracterizam a propriedade privada como um “monopólio”. Por ser um monopólio, dizem os autores, gera desigualdades e atrapalha o desenvolvimento econômico.

Eles imaginam um sistema em que todos os indivíduos mantêm um registro público dos seus bens, com o valor livremente fixado pelos proprietários. Há, porém, duas importantes condições. Sobre o valor total dos bens, é cobrado um imposto, uma espécie de IPTU. Mais importante: o proprietário deve estar pronto para vender obrigatoriamente seus bens caso apareça algum comprador que ofereça um valor maior do que o registrado por ele. Nesse sistema de “leilão perpétuo”, segundo argumentam Weyl e Posner, os indivíduos são incentivados a declarar seus bens pelo seu real valor para não perdê-los.

João Cabral de Melo Nelo: Pescadores pernambucanos

A Rubem Braga

Onde o Goitá vai mais parado
e onde nunca passa nada;
onde o Goitá vai tão parado
que nem mesmo ele rio passa,

um pescador, numa redoma
dessas em que sempre se instalam,
espera um peixe: e tão parado
que nem sequer roça a vidraça.

Mas não está parado
por estar na emboscada:
não é ele quem pesca,
a despeito da vara:

mais bem, é ele a pesca,
e a pose represada
é para não fugir
de algum peixe em que caia.
----------
No mangue lama ou lama mangue,
difícil dizer-se o que é,
entre a espessura nada casta
que se entreabre morna, mulher,

pé ante pé, persegue um peixe
um pescador de jereré,
mergulhando o jereré, sempre,
quando já o que era não é.

Contudo, continua
sem se deter sequer:
fazer e refazer
fazem um só mister;

e ele se refaz, sempre,
a perseguir, até
que tudo haja fugido
ao passo de seu pé.
----------
Qualquer pescador de tarrafa
arremessando a rede langue
dá a sensação que vai pescar
o mundo inteiro nesse lance;

e o vôo espalmado da rede,
planando lento sobre o mangue,
senão o mundo, os alagados,
dá a sensação mesmo que abrange.

Depois, pouco se vê:
como, ao chumbo tirante,
se transforma em profundo
o que era extenso, antes;

vê-se é como o profundo
dá pouco, de relance:
se muito, uma traíra
do imenso circunstante.
----------
Aproveitando-se da noite
(não é bem um pescador, este)
coloca o covo e vai embora:
que sozinho se pesque o peixe;

coloca o covo na gamboa
e se vai, enxuto e terrestre:
mais tarde virá levantá-lo,
quando o bacurau o desperte.

Não é um pescador
aquele que não preze
o fino instante exato
em que o peixe se pesque;

este abandona o covo
e vai, sem interesse:
nem de fazer a pesca
nem de vê-la fazer-se.