quinta-feira, 2 de maio de 2019

Opinião do dia: Yascha Mounk*

É crucial que os políticos da oposição evitem a armadilha de deixar o Bolsonaro determinar a agenda política, concentrando-se exclusivamente em suas falhas pessoais e políticas. Em vez de denunciar as palavras afrontosas que estão sempre saindo dos lábios dos populistas, eles deveriam tentar uma estratégia própria. Pois somente quando os cidadãos se sentem mais esperançosos do que fatalista – apenas quando recuperam a confiança de que políticos mais moderados lutarão e trabalharão por eles – eles mudam seu voto. Para resgatar o país, os defensores da democracia liberal precisam provar para seus concidadãos não só que Bolsonaro é ruim para a nação, como também que eles podem fazer um trabalho melhor."

*Yascha Mounk, cientista político, professor da Universidade Johns Hopkins. “O povo contra a democracia – por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”, prefácio à edição brasileira, p. 13. Companhia das Letras, 2019.

Maria Cristina Fernandes: O capitão está em guerra desde a posse

- Valor Econômico

Além da verdade, a democracia é a segunda vítima

A ausência do Brasil em conflitos armados de países vizinhos encontra guarida em dezenas de documentos, a começar da Constituição da República que, no parágrafo 4, prevê que as relações internacionais do país serão geridas pela autodeterminação dos povos, pela não intervenção, pela defesa da paz e pela solução pacífica dos conflitos.

O presidente da República poderia ter recorrido à Carta para justificar sua estimativa "próxima de zero" para o envolvimento do Brasil num conflito bélico com a Venezuela. Na entrevista que deu ao jornalista José Luiz Datena no dia em que teve início a intentona de Juan Guaidó, Jair Bolsonaro preferiu dizer que o Brasil "não pode fazer frente a ninguém" porque "não estamos bem de armamento". Por isso, afirmou, a maior preocupação do Brasil não é invadir país algum, mas a de ser invadido.

É bem possível que o presidente esteja sendo sincero quando fala do sucateamento das Forças Armadas, mas exposto assim, no momento em que um vizinho está à beira de uma guerra civil e a região ameaça se transformar em novo campo de batalha mundial, o argumento revela o grau de despreparo do capitão para o embate em curso.

Não foi o único tiro n'água. Ao recorrer às redes sociais para se posicionar sobre o conflito, Bolsonaro disse que qualquer hipótese será decidida "exclusivamente" pelo presidente da República, "ouvindo o Conselho de Defesa Nacional". Mais uma vez, deixou o livrinho de lado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também pelo Twitter, lembrou-lhe que a Constituição, em pelo menos três artigos, explicita que a decretação de guerra não prescinde de autorização legislativa.

Naquele dia, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já tuitava de Pacaraima, cidade fronteiriça de Roraima, onde desembarcara na véspera do levante de Guaidó. Um dos poucos brasileiros a não ter sido pego de surpresa pelo movimento, o deputado já estava posicionado quando o presidente decretou a Medida Provisória 880 destinando R$ 223,8 milhões para os refugiados em Roraima. É pela ajuda humanitária que Guaidó e seus aliados americanos têm se valido para legitimar a participação brasileira no conflito.

Na véspera da intentona, o chanceler Ernesto Araújo, outro homem certo no lugar certo, desembarcava em Washington para audiências com os dois principais conselheiros de Donald Trump em política externa, o secretário de Estado, Mike Pompeo, e o Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton.

Ribamar Oliveira: Trabalhador fará empréstimo compulsório

- Valor Econômico

Uma parte do dinheiro poupado ficará com o Tesouro

O sistema de capitalização previsto na proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo, PEC 06/2019, estabelece que cada trabalhador depositará mensalmente em sua conta individual um percentual de seu salário, ainda não definido. No entanto, uma parcela dos recursos poupados, também a ser definida em lei complementar, será apropriada pelo Tesouro Nacional, sob a forma de um "empréstimo compulsório". Ou, dito de uma outra forma, o trabalhador fará uma aplicação compulsória em título público.

O Valor conversou com técnicos do governo que participaram diretamente da elaboração da proposta. Eles explicaram que se um trabalhador depositar R$ 100 reais em sua conta, R$ 70, por hipótese, irão para o Tesouro. Isso será considerado uma forma de empréstimo do trabalhador ao Tesouro. O trabalhador terá um crédito contra o Tesouro, que será devidamente contabilizado em uma conta individual.

É como se o Tesouro ficasse encarregado de aplicar os recursos. Por isso, obviamente, esta parcela dos recursos poupados pelo trabalhador será aplicada em títulos públicos e não no mercado. Assim, em tese, estará garantido, pois não correrá os riscos inerentes às aplicações em mercado. A remuneração dessa parcela da poupança será definida pela lei complementar que irá instituir e regulamentar o sistema de capitalização. É a este mecanismo que se dá o nome de conta nocional ou capitalização nocional.

A capitalização nocional não é uma jabuticaba. É um modelo criado na década de 1990 e foi adotado por vários países, como Suécia, Noruega, Itália e Polônia, quando fizeram suas reformas previdenciárias. São dois os objetivos do modelo. O primeiro é reduzir o risco da aplicação dos recursos do trabalhador, pois a poupança que ele está fazendo é para sua aposentadoria.

O segundo objetivo é ajudar o governo a bancar o custo de transição entre o atual sistema previdenciário de repartição simples para o sistema de capitalização. Atualmente, os trabalhadores que estão na ativa financiam as aposentadorias daqueles que estão aposentados. Com o novo sistema, cada trabalhador irá depositar, mensalmente, uma quantia em sua conta individual que poderá ser capitalizada também por contribuição patronal. Ou seja, as contribuições não serão usadas para custear as atuais aposentadorias e aquelas que ainda irão ocorrer pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

*Mario Mesquita: Por que a economia não cresce

- Valor Econômico

Dificilmente haverá uma política econômica isolada que vá tirar a economia da estagnação. Não há bala de prata

A divulgação de dados sobre atividade econômica no Brasil tem ensejado uma nova e deprimente rodada de revisões baixistas nas projeções de crescimento. O consenso do mercado, compilado pelo Banco Central, para o crescimento do PIB em 2019 apontava para 2,6% ao final do ano passado, e está próximo a 1,7% atualmente (o Itaú espera 1,3%). Esperamos uma leve queda do PIB no primeiro trimestre, contra o anterior, número que deve ser divulgado no final de maio. Caso nossa projeção seja confirmada, a economia precisaria acelerar para 0,6% ao trimestre (cerca de 2,4% em termos anualizados), para atingir a projeção de 1,3%. É verdade que as perspectivas para a economia mundial também pioraram, a julgar pelas projeções do FMI, de 3,5% para 3,3%, mas a redução foi menor do que a observada para o Brasil.

Há várias possíveis explicações, não necessariamente excludentes, tanto conjunturais quanto estruturais, para esse desapontamento com a evolução da atividade. Uma delas é que estaríamos basicamente sentindo os efeitos defasados dos choques de 2018: a paralisação no setor de transportes, a recessão argentina e, principalmente, o aperto das condições financeiras observado no período de maior incerteza eleitoral. Como os efeitos da elevação das taxas de juros de mercado demoram a impactar plenamente a atividade econômica, essa explicação ainda é plausível, mas vai deixar de ser caso a estagnação econômica se prolongue muito. Há também fatores climáticos que podem estar prejudicando o setor agropecuário e a geração de energia, mas seus efeitos tendem a ser limitados.

Outra vertente de explicações está associada à crise fiscal brasileira. No âmbito federal, a incerteza sobre o progresso das reformas, em especial a crítica reforma da Previdência, ajuda a travar os investimentos e os gastos de consumo de valor elevado. Em escala subnacional, o ajuste fiscal forçado que se observa em certos Estados e municípios, com atrasos seletivos no pagamento de aposentados, funcionários e fornecedores, tem impacto direto sobre a atividade. E há também o reposicionamento dos bancos públicos, que é parcialmente compensado pela intensificação da atividade no mercado de capitais local - ainda que existam também sinais de fraca demanda por crédito.

William Waack: Insurreição e mito

- O Estado de S.Paulo

Fatores abrangentes tornam difícil a ação comandada pelos EUA para derrubar Maduro

Qualquer que seja o resultado do que está acontecendo na Venezuela, o “golpe de mão” (como se dizia antigamente) contra a ditadura chavista lançado na terça-feira por Guaidó inicialmente carecia de todos os elementos clássicos de ações semelhantes bem-sucedidas, a saber: surpresa, força e velocidade.

A oposição e governos que a apoiam diretamente (como Estados Unidos e Brasil, mas não só) vem “telegrafando” há semanas que pretendem explorar dissidências dentro do aparato militar para derrubar o tirano Nicolás Maduro. Para uma quartelada dar certo esse esforço talvez devesse ter sido mais discreto.

“Golpe de mão” tentado a pedaços desanda em situações de impasse nas quais o controle da hierarquia militar aliado a grupos paramilitares ganha tempo para o ditador a ser desalojado – seria um bom retrato do que acontecia até o 1.º de Maio nas ruas de Caracas. O que leva à questão no fundo essencial, a da força entendida na acepção primordial.

A oposição até aqui não dispõe de tropas para enfrentar tropas. Onde a oposição (e os governos diretamente envolvidos em apoiá-la) julga ter encontrado “força” para um assalto frontal ao regime bem entrincheirado, como aconteceu no dia 30 de abril?

As evidências sugerem que é na convicção da viabilidade de uma insurreição popular alimentada pela miséria e penúria impostas a milhões de pessoas pelo regime chavista, e deflagrada pela “faísca” acendida por lideranças políticas com uma mensagem de esperança no futuro. Ironicamente, isso parece a leitura de panfletos marxistas sobre a Revolução de Outubro, que propagaram durante décadas o triunfo de uma insurreição que nunca ocorreu. Pelo jeito, o mito do grande levante popular é irresistível.

Mitos desse tipo talvez passem longe do staff de gente como Mike Pompeo, o secretário de Estado americano que é egresso de West Point e dirigiu a CIA – cujo mais recente triunfo em manipular personagens empenhados na derrubada de um regime nacionalista-populista num país grande data de 1953 no Irã (o golpe contra Mossadegh). Supõe-se também “frieza” na conduta de um diplomata profissional como John Bolton, assessor de segurança nacional de Trump e especialista em batalhas verbais na ONU e debates na TV.

Zeina Latif: O que será o amanhã?

- O Estado de S. Paulo

Traçar cenários no Brasil é complexo. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo

Empresários e investidores perguntam se o Brasil vai dar certo. Como responder a essa pergunta se não sabemos sequer como será 2020?

Vamos assumir que o Brasil dar certo significa ao menos crescer em linha com o mundo, pouco acima de 3%. Seria um belo resultado, em termos per capita, acima de 2%, dado que a população cresce menos de 1%. Bem maior que a média observada desde o Plano Real, que foi pouco mais de 1%.

Como discutido adiante, esse parece um cenário improvável para os próximos anos. O crescimento será provavelmente mais modesto. Mas quanto? E este tanto será suficiente para promover um ambiente estável? O motivo dessa indagação é que o baixo crescimento tende a deixar o país fica mais vulnerável a acidentes de percurso, que também se tornam mais difíceis de serem superados. O cenário “meio do caminho” também guarda muitas incertezas.

Traçar cenários no Brasil é tarefa complexa. O cuidado técnico é essencial, mas não é tudo. A instabilidade da economia e a escassez de séries históricas longas são entrave. No passado recente, o intervencionismo estatal e a manipulação dos números fiscais do governo Dilma comprometeram a eficiência dos modelos de projeção.

Nos últimos anos, o quadro político ganhou protagonismo na construção de cenários econômicos. Isso porque, para voltar a crescer, o Brasil necessita urgentemente de reformas estruturais que dependem de aprovação no Congresso. Não fosse o quadro econômico tão frágil, não faria tanta diferença ter ou não um governo reformista, aqui entendido pela agenda proposta e a capacidade de execução.

Fernando Schüler*: A grande síntese brasileira

- Folha de S. Paulo

Fosso entre a tradição liberal e a boa social-democracia é muito menor do que já se imaginou

Virou hábito chamar o atual governo de conservador. Eu mesmo utilizei esta expressão, algumas vezes. Gosto da ideia de que uma boa democracia é aquela capaz de dar expressão à multiplicidade de visões, na sociedade, e este foi um ganho das últimas eleições. Elas deram voz a um pensamento conservador há muito presente, e quem sabe hoje hegemônico, na sociedade brasileira.

Dito isto, há muitas coisas diferentes sob o rótulo do conservadorismo. Na expressão clássica de Oakeshott, ser um conservador “é preferir o familiar ao desconhecido, o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o real ao possível... o conveniente ao perfeito”. Vai aí um sentido profundo da grande tradição conservadora: não a defesa pura e simples da tradição, mas a ideia de caminhar à frente com prudência.

Não pelo culto do passado, mas o respeito ao futuro. Daí a aversão ao voluntarismo, do sujeito que se põe a regular a vida dos outros com base em um punhado de ideias abstratas que, por acaso, ele tem na cabeça.

É curioso observar, no atual governo, que é precisamente no Ministério da Educação, usualmente associado ao conservadorismo, que se vê crescer uma certa lógica voluntarista.

A ideia de reduzir recursos para universidades federais em função de “badernas” no campus, a noção de que o governo possa arbitrar a utilidade social das diferentes profissões, ou a imprudente sugestão de que alunos devam filmar professores, em sala de aula.

Quando escutei isto, não acreditei. A ideia seria criar uma legião de pequenos torquemadas digitais caçando professores-bruxos no ambiente altamente racional e ponderado das redes sociais?

Acho que não é isso que o ministério deseja, e é por isso que se trata do avesso da atitude conservadora. É a ação feita de improviso, feita ao sabor da guerra cultural e sua lógica de curto prazo, sem muita preocupação com as consequências adversas daquilo que propõe.

Penso que o Brasil deveria andar por outro caminho, e a inspiração poderia vir exatamente da tradição conservadora. O caminho é buscar o que melhor fizemos em nossa experiência democrática, e encontrar novas bases de consenso, em um país fraturado.

Este é o primeiro aprendizado conservador: o que vale a pena preservar de nossos erros e acertos? A responsabilidade fiscal, por exemplo. Estados que a levaram a sério pagam hoje salários em dia, enquanto a pobreza cresceu 33%, no Brasil, com a aventura irresponsável que levou à crise de 2014-2016.

Mariliz Pereira Jorge: Perseguição e vingança

- Folha de S. Paulo

Marca do ódio contra tudo e todos fica cada vez mais visível

Jair Bolsonaro tem um problema ainda maior do que o despreparo. O compromisso de fazer uma boa administração vem bem depois daquele que assumiu em campanha, que é o de governar movido a vingança, usando para isso métodos, ora toscos ora profissionais, de perseguição.

Não sabemos ainda qual será o saldo destes quatro anos, mas a marca do ódio contra tudo e todos fica cada vez mais visível. E nem dá para dizer que ele não tenha avisado. Durante a eleição, ameaçou: “A faxina agora será muito mais ampla, se essa turma quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou pra cadeia”.

A declaração foi direcionada aos petistas, mas percebe-se que qualquer pessoa ou instituição que critique, confronte ou se oponha ao governo entra na mira do presidente e de seus apoiadores, que não se furtam a instigar linchamentos virtuais, perseguir e ameaçar seus alvos.

Bolsonaro vai passar os próximos anos governando nesse clima de revanche e, por isso, cerca-se de gente que compartilha da mesma visão limítrofe de mundo e que alimenta a guerra ideológica iniciada nos governos petistas.

Decisões são tomadas sem estudo técnico, sem debate, apenas baseadas nesse binarismo ridículo e suicida de esquerda e direita. Cultura? Coisa de esquerdista. Corta a grana. Universidade pública? Antro de esquerdista. Reduz o orçamento. Meio ambiente? Esquerdista, é claro. Passa a serra elétrica. Radar em rodovia, turismo gay, índio, propaganda inclusiva? Esquerdistas!

Bruno Boghossian: Quanto custa a reeleição

- Folha de S. Paulo

Reforma pode impulsionar economia, mas está longe de assegurar segundo mandato

O deputado Paulinho da Força (SD) disse algo está na cabeça de outros parlamentares. Em ato do 1º de maio, ele afirmou que o Congresso quer desidratar a reforma da Previdência porque acha que a aprovação de um texto potente vai encher o cofre do governo e “garantir de cara” a reeleição de Bolsonaro.

Líderes partidários foram a público para dizer que a ideia era mentira, doidice, loucura. “Acho que o Paulinho se entusiasmou”, declarou Wellington Roberto (PR).

Não existe nenhum acordo formal nesse sentido, mas alguns deputados acreditam, sim, que a reforma dará ao presidente um cheque em branco que se traduzirá em força política. Apertar o torniquete seria uma maneira de restringir a bolada que cairia nas mãos de Bolsonaro.

No limite, a lógica se assemelha ao método de Eduardo Cunha, que liderou o centrão para aprovar uma pauta-bomba que sangraria o caixa já detonado do governo Dilma e desgastaria ainda mais a presidente.

A aprovação da reforma, contudo, estará longe de garantir a reeleição de Bolsonaro. Ao lançar o alerta, Paulinho disse que um projeto levemente enxugado colocaria R$ 80 bilhões por ano no caixa do governo até o fim de 2022, mas os dados do Ministério da Economia apontam que o alívio nas contas não chegaria a metade disso, nos primeiros anos.

Clóvis Rossi: A Venezuela, entre dois fracassos

- Folha de S. Paulo

Reação de Maduro mostra declínio dos EUA até no seu antigo quintal

Sejam quais forem as consequências da mobilização do 1º de Maio naVenezuela, dois fracassos ficaram claros na fracassada tentativa de levante do dia anterior: um fracasso já era notório há muito tempo, o do chamado socialismo do século 21, mais torpe ainda do que seu parente do século 20.

O outro fracasso é dos Estados Unidos ou, ao menos, da liderança americana. Paradoxalmente, os EUA, como líderes globais, passaram a declinar a partir do instante em que ganharam a Guerra Fria e sepultaram o comunismo sob os escombros do Muro de Berlim.

Os sinais do declínio vinham se acumulando desde a incapacidade de brecar a Rússia na Síria, o que permitiu a permanência de Bashar al-Assad, que Washington queria derrubar. A Rússia também adicionou a Crimeia a seu território e ainda abriu um conflito no leste da Ucrânia, até hoje não resolvido.

O fracassado levante na Venezuela é, no entanto, mais significativo, por se dar em uma área —a América Latina— que sempre foi oquintal americano.

Não me lembro de nenhuma conspiração patrocinada/financiada pelos EUA que não tenha sido bem sucedida em defenestrar governantes que contrariassem interesses americanos. A exceção, claro, é Cuba, certamente por ter sido sustentada a maior parte do tempo pela então União Soviética.

O resultado da intervenção americana sempre foi desastroso do ponto de vista da democracia que se alegava proteger. Desde a primeira delas, no pós-guerra, na Guatemala, em 1954.

A intervenção derrubou o presidente Jacobo Arbenz, democraticamente eleito, para proteger os interesses da United Fruit Company, a maior proprietária de terras na Guatemala.

Laura Carvalho*: Desemprego e desigualdade

- Folha de S. Paulo

Quem mais tem interesse no combate ao desemprego é quem menos tem poder

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua(Pnad) do IBGE, divulgados na terça-feira (30), reiteram a gravidade e a persistência do quadro de subutilização da força de trabalho e de precarização dos empregos que afligem o país.

Os números também deixam claro que a base da pirâmide continua sendo mais afetada pela crise do que a média da população, contribuindo para aprofundar ainda mais as nossas desigualdades.

Em setores relativamente intensivos em mão de obra menos escolarizada, como os de construção e de alojamento e alimentação, o salário médio sempre foi mais baixo do que para o conjunto dos trabalhadores.

Se considerarmos toda a série histórica da Pnad Contínua, os trabalhadores da construção e do setor de alojamento e alimentação, que inclui hotéis, restaurantes e bares, ganharam, em média, 23% e 43% a menos, respectivamente, do que o conjunto dos trabalhadores empregados na economia.

O problema é que essa diferença não ficou no mesmo patamar ao longo desse período.

Ao contrário do que ocorreu durante a fase de maior crescimento da economia e de aquecimento no mercado de trabalho dos anos 2000, as disparidades salariais vêm aumentando substancialmente desde o início da crise.

No primeiro trimestre de 2014, o rendimento médio recebido em todos os trabalhos era 17% maior do que na construção e 34% maior do que em alojamento e alimentação. No primeiro trimestre de 2019, essas disparidades saltaram para 33% e 61%, respectivamente.

Vinicius Torres Freire: A Argentina na eleição do arrocho

- Folha de S. Paulo

Vizinhos vão votar no governo da crise nova ou no governo da velha crise

Além dos capítulos finais da ruína da Venezuela, a notícia mais importante da política sul-americana de 2019 são as eleições argentinas.

Outra vez em ruína, os hermanos podem até recolocar os peronistas no poder, derrubar o "neoliberalismo" e mudar a temperatura ideológica do subcontinente. Ou não.

Sim, é uma perspectiva antolhada pela conversa brasileira, embora a eleição no vizinho deva mesmo ter algum efeito por aqui, político ou até econômico, caso o voto argentino tenha desdobramentos financeiros desastrosos.

É quase certo que o presidente Mauricio Macri tente a reeleição.

Ao final de seu governo, a economia terá encolhido uns 3%; os salários, ainda mais. A inflação dobrou, para os mais de 50% ao ano de agora. A queda do PIB deve ser menor neste ano (1,5%, ante a baixa de 2,5% de 2018), mas, na prática, o sentimento da crise será pior (a demanda doméstica vai cair mais).

Parte da esquerda brasileira se diverte com o fracasso do "neoliberal" Macri, eleito por uma coalizão de centro- direita e que se diz liberal.

Mas, seja lá o que ele estivesse fazendo entre fins de 2015 e 2017, ajuste econômico é que não era.

Macri optou por um conserto gradual das contas públicas e deu ênfase ao controle da inflação, com juros altos, e à volta da Argentina ao mercado financeiro internacional, depois de 15 anos de banimento, dado o calote monstro de 2001.

Míriam Leitão: Efeitos no Brasil da crise vizinha

- O Globo

Guaidó se manteve nas ruas, e Maduro ampliou a repressão. Governo brasileiro vê a crise se deteriorar rapidamente na Venezuela

No segundo dia da atual escalada de tensão na Venezuela, Juan Guaidó ainda permanecia nas ruas. Apesar da repressão, que se acentuou ontem, o líder oposicionista conseguiu realizar manifestação e prometeu continuar pressionando com protestos diários e a ameaça de uma greve geral. O ditador Nicolás Maduro convocou uma multidão de apoio a si mesmo, mas ontem a repressão baixou também sobre bairros pobres, que no auge do chavismo foram a sua grande força.

Guaidó não entregou o que prometeu no amanhecer do dia 30, mas está mantendo sua mobilização num país sem imprensa, com sinal de internet intermitente, e no qual o governo consegue silenciar por algum tempo até a mídia social. Sem falar na violenta repressão que já acumula um número alto de feridos. Maduro voltou ontem à TV, disse que derrotou “um complô” e propôs uma “jornada de diálogo” com o povo. A verdade é que ele está dependurado nos generais e reprimindo a população.

No governo brasileiro, o assunto é acompanhado com o máximo de atenção pelos inúmeros impactos no país. O informe da Operação Acolhida —para a qual foram enviados 500 soldados do Exército, que saíram de São Paulo para Pacaraima dois dias antes desse acirramento — é de que triplicou o número de venezuelanos que vêm para o Brasil todos os dias. Um dos efeitos óbvios é continuar pressionando a parca estrutura do estado de Roraima.

Ao sair da reunião de emergência ontem, no Ministério da Defesa, o presidente Jair Bolsonaro falou que a crise pode elevar o preço dos combustíveis no Brasil. Na verdade, a Venezuela está há tanto tempo em declínio de produção que sua ausência já foi colocada nos cálculos do mercado. Ontem a cotação subiu de US$ 71 para US$ 72, mas na semana passada estava em US$ 74. Em 28 de dezembro estava em US$ 53, portanto, este ano já teve uma alta forte. Esse sempre será um mercado instável. Quando Bolsonaro diz que se preocupa que haja “um problema sério aqui dentro como efeito colateral do que acontece lá”, ele se refere ao preço do diesel e ao movimento dos caminhoneiros.

Bernardo Mello Franco: O ministro e as senhoras de 1964

- O Globo

O ministro da Educação quer banir Paulo Freire e reprimir estudantes. O discurso não é novo. Já estava na boca das senhoras católicas que apoiaram o golpe de 1964

O novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, quer banir os livros de Paulo Freire e reprimir a “balbúrdia” nas universidades. O discurso não é exatamente novo. Já estava na boca das senhoras católicas que bradavam contra o comunismo em 1964.

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o ministro olavete descreveu as universidades como locais de “bagunça” e “arruaça”. Ele também protestou contra a suposta presença de “gente pelada”, como se os campi fossem praias de nudismo.

A imaginação de Weintraub parece ser fértil. A das ativistas católicas também era. A exemplo do ministro, elas acreditavam que os comunistas estavam em toda parte. Atrás da banca de jornal, no ponto de ônibus, debaixo da cama ou dentro do guarda-roupa, como ironizava o cronista Stanislaw Ponte Preta.

Em Belo Horizonte, as senhoras se uniram na Liga da Mulher Democrata (Limde). De rosário em punho, promoveram passeatas a favor do golpe militar e elegeram a Universidade Federal de Minas Gerais como alvo número um. Suas peripécias estão no livro “Campus UFMG”, que a historiadora Heloisa Starling lança no dia 11 pela editora Conceito.

Em abril de 1964, a Limde intimou o Ministério da Educação a intervir na UFMG para garantir “o afastamento definitivo de professores, livros e funcionários comunistas do convívio com os estudantes”.

Merval Pereira: BID colabora com o Censo

- O Globo

A presidente do IBGE, Susana Guerra, pretende aproveitar a oportunidade para fazer a transição do censo tradicional para um modelo misto

Diante da necessidade de adaptar o Censo de 2020 às restrições financeiras do país, a nova direção do IBGE está em conversas iniciais com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para uma assistência técnica no Censo de 2020, que visa a potencializar o trabalho da equipe do IBGE, de qualidade reconhecida internacionalmente.

Tentando fazer do limão uma limonada, a presidente do IBGE, economista Susana Cordeiro Guerra, pretende aproveitar a oportunidade para fazer a transição do censo tradicional para um modelo de Censo Misto, cada vez mais utilizado no mundo, devido a avanços tecnológicos e melhora em registros administrativos.

O Censo Misto coleta as informações básicas através da operação tradicional, e as complementa com outras pesquisas e registros administrativos. A direção do IBGE garante que não haverá perda de informação, pois há outros meios de conseguir a mesma informação ao longo do tempo, através da otimização de pesquisas existentes e avanços tecnológicos.

Luiz Carlos Azedo: Os militares e Maduro

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

”A experiência dos nossos generais e a doutrina de defesa das Forças Armadas brasileiras impediram que Bolsonaro desse um passo maior do que as pernas”

A chave para uma saída negociada para a crise venezuelana é uma retirada em ordem dos militares do poder, restabelecendo as regras do jogo democrático e mantendo a unidade e disciplina das Forças Armadas da Venezuela. A melhor e mais bem-sucedida experiência de uma operação dessa natureza foi a longa transição brasileira, na qual os militares voltaram para os quartéis e somente recuperaram o poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, depois de passarem 34 anos fora da política.

Os generais que cercam o presidente da República, principalmente os três mais poderosos — o vice-presidente Hamilton Mourão; o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo —, viveram esse processo na caserna. A “distensão lenta, gradual e segura” do presidente Ernesto Geisel, iniciada nas eleições de 1974 (logo seguida de prisões em massa de oposicionistas, após a derrota eleitoral de novembro daquele ano), somente foi encerrada com eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, no fim do governo de João Figueiredo.

Politicamente, foi uma operação bem-sucedida; militarmente, coincidiu com a maior profissionalização e aperfeiçoamento da formação dos militares e o reforço da disciplina e do respeito à hierarquia. A mesma geração de militares que se beneficiou dessa mudança qualitativa no comportamento das Forças Armadas, viu frustrada as ambições de ascensão social e política por meio da carreira militar, em razão do desprestígio causado pelas violações dos direitos humanos e do fracasso do modelo de capitalismo de estado implantado pelo regime militar.

Nada disso se compara, porém, à experiência dos militares de outros países quando foram apeados do poder: muitos foram presos, julgados e condenados por causa da tortura, como na Argentina. Mesmo os militares chilenos, muito bem-sucedidos na economia com seu modelo neoliberal, foram atropelados pela vitória do “No” no plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet. A “anistia recíproca” negociada com o Congresso, com Figueiredo no poder, em 1979, foi o nó que amarrou a transição. Depois da redemocratização, mesmo nos governos do PT, o pacto que garantiu o sucesso da transição foi mantido.

Vejamos os últimos acontecimentos na Venezuela. Mesmo enfraquecido na sociedade, Nicolas Maduro permanece no poder, graças ao apoio dos militares venezuelanos. Ontem, o líder da oposição Juan Guaidó, em Caracas, voltou a pedir o apoio dos militares, 24 horas depois do fracassado “levante” militar que havia anunciado. Maduro tem o apoio da cúpula das Forças Armadas de seu país, de Cuba, da Rússia e da China. Os acontecimentos de ontem, quando a Guarda Nacional Venezuelana reprimiu violentamente os manifestantes, mostram que a situação é crítica, mas o governo não perdeu o sabre que contém os protestos.

Martin Wolf*: Política da esperança x política do medo

- Financial Times / Valor Econômico

O certo é uma política baseada na esperança e no realismo. Este é o único tipo de política democrática que vale a pena praticar. Ela será bem-sucedida no mundo de hoje? Possivelmente não. Mas fazer a coisa certa é a única maneira de dar ao mundo uma melhor chance

Políticos carismáticos levam pessoas desiludidas a lhes dar apoio. Alguns desses políticos são aspirantes a déspotas. Outros são salafrários. Mesmo assim seu canto de sereia é sedutor. Então, como os políticos de centro-direita e centro-esquerda e aqueles que os apoiam deveriam responder?

Eles precisam reconhecer que estão numa batalha gigantesca. Uma crise financeira gravíssima, com um gosto residual amargo, minou a confiança em quase todas as elites. Além disso, conforme escreveu Jonathan Swift, "a falsidade voa e a verdade vem claudicando atrás dela". O que Swift teria dito sobre a nossa mídia?

Mesmo assim, a democracia liberal sobreviveu aos grandes desafios dos anos entre as duas grandes guerras e à guerra fria. Conforme argumentam Torben Iversen e David Soskice em "Democracy and Prosperity", o estabilizador é a prosperidade amplamente distribuída. Sem isso, tudo está perdido, especialmente quando a crença na democracia diminui.

Então, como renovar as esperanças?

Em primeiro lugar, a liderança é importante. Política democrática não diz respeito apenas a comprar votos, Trata-se de convencer as pessoas. Donald Trump pode ser um político inexperiente. Também pode ser uma pessoa muito detestada. Mas sabe como motivar seus apoiadores porque sabe contar uma boa história. Um político sem uma boa história sairá perdendo. Grandes políticos são sempre contadores de histórias, de Péricles de Atenas a Franklin D. Roosevelt.

Em segundo lugar, a competência é importante. Ela é bem menos importante, pelo menos no curto prazo, para os demagogos da direita e da esquerda. A política deles é a de oposição, mesmo quando eles estão no poder. Não se exige tanta competência. Mas os políticos de centro precisam saber o que estão fazendo - e mostrar que sabem disso. Isso é especialmente importante logo depois que líderes dessa estirpe cometem grandes erros, sendo o mais importante a crença de que os mercados financeiros estão estáveis e aqueles envolvidos com ele sabem o que estão fazendo. Tais erros já se mostraram desastrosos.

Ditador no labirinto: Editorial / Folha de S. Paulo

Maduro e Putin não têm solução para a crise humanitária que assola o país

Regimes autoritários não são incompatíveis com a estabilidade política. Desde que a oligarquia no poder distribua com regularidade o bônus econômico entre os grupos cruciais para a sua sustentação, podem atravessar gerações sem enfrentar crises ameaçadoras.

O chavismo, que há 20 anos domina a Venezuela, já cruzou a fronteira para a turbulência. Não consegue agraciar a camarilha que o apoia sem dilapidar a fonte da riqueza nacional. O país empobrece, fome e epidemias flagelam a população, faltam luz e abastecimento nas cidades, milhares de desalentados fogem para nações vizinhas.

O ditador Nicolás Maduro é instado a aumentar a dose do arbítrio. Persegue, prende e proscreve dissidentes. Promove reviravoltas nas regras de acesso ao poder político para proteger-se da derrota.

Como a insatisfação social cresce, adversários se aproveitam dos flancos abertos. Juan Guaidó, o deputado que lidera a oposição como presidente interino autodeclarado, pela segunda vez tentou arregimentar apoio estratégico para depor Maduro. Falhou de novo.

Não se concretizou a costura, crucial para destituir o ditador, com o comando das Forças Armadas. Como na tentativa de levar ajuda humanitária estrangeira à Venezuela, em fevereiro, os generais que são os fiadores do regime não mudaram de lado, o que denota no mínimo precipitação opositora.

Equívocos superiores: Editorial / Folha de S. Paulo

Diagnósticos e medidas ensaiadas têm mostrado preconceito e desconhecimento

Não resta dúvida de que o modelo brasileiro de ensino superior público mereça ajustes vigorosos. Nas universidades, o corporativismo criou estruturas inchadas, resistentes a avaliações externas e avessas ao necessário debate sobre a participação de recursos privados em seu financiamento.

Tampouco é segredo que parte considerável do comando dessas instituições se mostre vulnerável ao aparelhamento por forças partidárias, em geral à esquerda.

Não espanta, pois, que o governo Jair Bolsonaro (PSL) tenha escolhido o setor como um de seus alvos preferenciais. Entretanto, como tem ocorrido nas áreas mais ideologizadas da administração, os diagnósticos e medidas ensaiadas só têm mostrado preconceito e desconhecimento da realidade.

A série recente de despautérios teve início em abril, quando Bolsonaro afirmou que quase não há pesquisa científica no Brasil, e a produção de conhecimento estaria concentrada nas entidades privadas.

De grande repercussão, as declarações se deram no mesmo dia em que chegava à chefia do MEC o economista Abraham Weintraub. Não muito depois, ministro e presidente disseram que cursos de sociologia e filosofia receberiam menos recursos porque não trariam impacto social mais palpável.

Conversa de botequim: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro insiste em discursar como se estivesse numa descontraída troca de comentários ligeiros, dando palpites de ocasião e falando de assuntos fora de seu conhecimento. De forma desastrada, já interferiu na Petrobrás e no Banco do Brasil (BB) e polemizou com técnicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas parece ter dificuldade para entender seu papel e suas limitações. Voltou a criticar os juros na terça-feira passada, num evento no Palácio do Planalto, um dia depois de ter pedido a redução da taxa ao presidente do BB, Rubem Novaes, numa cerimônia em Ribeirão Preto. No evento em Brasília, o comentário sobre o custo do dinheiro envolveu também o presidente da Caixa, Pedro Guimarães.

Dessa vez, o presidente Bolsonaro fez uma ressalva. Negou a intenção de interferir nos bancos e qualificou seus palpites como “sugestões”: como conselhos, cada um cumpre se quiser. Fez a ressalva, obviamente, depois da reação negativa no mercado de capitais e das críticas na imprensa, mas terá mesmo reconhecido seu limite?

Tentando explicar-se, na terça-feira passada, a respeito do escorregão cometido em Ribeirão Preto, abusou novamente das palavras: “Ontem, eu apelei para o presidente do Banco do Brasil, para seu espírito patriótico, conservador, cristão, que atenda os ruralistas no tocante à taxa de juros”. Para começar, um ponto muito importante foi esquecido. Formular política agrícola é papel do primeiro escalão do Executivo. Isso envolve a responsabilidade pelo custo de qualquer subsídio. A conta cabe ao Tesouro. Não é função do BB formular e custear políticas setoriais.

Além de esquecer esses detalhes da formulação e da execução de políticas, o presidente Bolsonaro manifestou, mais uma vez, sua visão muito particular dos atributos de um bom gestor. Afinal, por que apelar ao espírito “conservador e cristão” de um presidente do BB? Conservadorismo e cristianismo são qualificações necessárias ao cargo? Constam da descrição de função? Presidentes do BB sem algum desses atributos terão sido incompetentes e, além disso, insensíveis às demandas de seus clientes? Nem todos são cristãos no primeiro escalão do Executivo, mas o presidente, quando se manifesta de forma espontânea, revela curiosas limitações de sua visão do mundo e das pessoas.

Incerteza na Venezuela: Editorial / O Estado de S. Paulo

O levante deflagrado na terça-feira passada pelo presidente constitucional da Venezuela, Juan Guaidó, para tentar depor o ditador Nicolás Maduro lançou o país na incerteza. Em meio a informações desencontradas sobre os desdobramentos do movimento liderado por Guaidó e sobre a reação de Maduro, a oposição recebeu firme respaldo do Grupo de Lima, formado por Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Canadá. Em nota, os membros da organização “rechaçam que tal processo seja qualificado como golpe de Estado” – ou seja, enxergam legitimidade no levante.

O Grupo de Lima fez um chamamento às Forças Armadas da Venezuela “para que manifestem sua lealdade ao presidente encarregado, Juan Guaidó, na função constitucional de seu comandante em chefe”, e que “cessem de servir como instrumentos do regime ilegítimo para a opressão do povo venezuelano e a violação sistemática de seus direitos humanos”. Exigiu também que Nicolás Maduro “cesse a usurpação” do poder para que haja transição para a democracia e responsabiliza diretamente o ditador “pelo uso indiscriminado da violência” contra os opositores. Por fim, oferece “apoio político e diplomático às legítimas aspirações do povo venezuelano de voltar a viver em democracia e liberdade, sem a opressão do regime ilegítimo e ditatorial de Nicolás Maduro”.

Em 23 de janeiro, Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional, proclamou-se presidente interino da República invocando o artigo da Constituição que lhe dava autoridade para declarar vaga a Presidência da República em caso de ruptura constitucional – Maduro havia sido declarado “usurpador” pela Assembleia Nacional após tomar posse, duas semanas antes, para exercer um novo mandato, obtido numa eleição escandalosamente fraudada. Sua ilegitimidade como presidente foi reconhecida pelo Grupo de Lima, pela Organização dos Estados Americanos e pela União Europeia, que respaldaram Guaidó como responsável por conduzir a Venezuela a novas eleições.

PT não quer abrir a caixa-preta dos partidos: Editorial / O Globo

É imperativa a fiscalização do uso dos recursos públicos que sustentam as legendas

O Partido dos Trabalhadores tenta impedir regras mais rígidas de fiscalização das contas dos partidos políticos. No fim de março, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou, em caráter terminativo, um projeto (PLS 429/ 2017) que obriga os partidos a cumprirem normas de transparência com objetivo de reduzir o espaço para crimes de corrupção.

O texto prevê que, obrigatoriamente, devem ser adotados mecanismos “de integridade, controle, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades”, além de “códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes, inclusive estendidas a terceiros”, para prevenir desvios e fraudes. Dirigentes seriam responsáveis pela governança do caixa partidário, quase integralmente abastecido por recursos públicos. As punições foram reforçadas.

A cúpula do PT, porém, não gostou e resolveu se insurgir. Manobrou com alguns outros partidos e conseguiu reiniciar a tramitação do projeto na comissão do Senado, onde já havia sido aprovado por unanimidade. Impediu sua remessa à Câmara e apresentou substitutivo, desidratando o texto original. Tenta suprimir até punição em casos de desvio de dinheiro público repassado aos partidos.

As mudanças na matriz de financiamento partidário levaram a um aumento exponencial (364%) no volume de dinheiro transferido do orçamento para o caixa dos partidos. Em 2014, foram repassados R$ 560 milhões. No ano passado as transferências ultrapassaram R$ 2,6 bilhões. Desse total, R$ 1,7 bilhão foram classificados como fundo de campanha—criação do PT em combinação com o MDB.

Mudança da Lei Rouanet se baseia em diagnóstico antigo e errado: Editorial / O Globo

Governo imagina que acabar com incentivos a grandes produções ajudará apoio às pequenas

O ainda recém-eleito Jair Bolsonaro desfechou críticas à Lei Rouanet, de incentivo à produção cultural, por supostamente beneficiar “famosos” e obras de temáticas imorais e de ideologias reprováveis, no entender dele. Pressupunha-se que alterações seriam feitas no seu governo.

Que acabam de ser anunciadas. Por curiosidade, reparos feitos pela direita repetem na sua essência alguns que partiram da esquerda com o lulopetismo no poder — deve ser devido a raízes autoritárias comuns. Ambos querem alegadamente ajudar as pequenas produções e reduzir a preponderância do Sudeste-Sul na distribuição dos incentivos. Mesmo sendo grande ilusão achar que a distribuição de incentivos, e não só à cultura, pode deixar de reproduzir a distribuição do PIB pelas regiões.

O ministro da Cidadania, Osmar Terra — que herdou esta área na reforma administrativa de Bolsonaro —anunciou que o teto de R$ 60 milhões de incentivos por projeto desabou para R$ 1 milhão, para que seja alcançado o objetivo multi-ideológico de ajudar as obras de custo mais baixo.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro citou os espetáculos do Cirque du Soleil como exemplo do que não faz cabimento ser apoiado pela lei — que perde o nome de batismo do secretário de Cultura do governo Collor, Sergio Paulo Rouanet, seu idealizador, e passa a se chamar Lei de Incentivo à Cultura. Em contraposição, no entender do ministro, aumenta o volume de recursos à “Literatura de Cordel do Nordeste, ao Centro de Tradições Gaúchas e ao Carimbó”. Pelo menos é esta a ideia.

Radicalismo tende a afastar o Congresso do presidente: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro e os ministros mais alinhados ideologicamente a ele aceleraram seu programa de ação, contra políticas que, durante um bom tempo, receberam o aval do Congresso e da Justiça. Bolsonaro se elegeu com uma plataforma conservadora, sem, explicitá-la, com exceção de alguns planos para a área econômica. Sua eleição, porém, não lhe dá carta branca para fazer o que quiser. O aparato legal e o Legislativo tendem a constrangê-lo e daí surgirão confrontos normais em uma democracia, cujos resultados podem lhe ser bastante desfavoráveis. A ofensiva contra o ambiente, desarmamento e a educação, entre outros, põe em risco suas principais metas na economia, a começar da reforma da previdência, embora o presidente e seus acólitos acreditem que não.

Bolsonaro age como se tivesse apoio maciço no Congresso, quando a verdade é o contrário: nem seu partido sustenta integralmente suas propostas. A rejeição ao jogo parlamentar impede a formação de uma base governista firme, o que deveria torná-lo mais prudente, mas não é o que está acontecendo. O presidente, na companhia de seus filhos, tornou-se foco de instabilidade no próprio governo - não se sabe se e quando isso será revertido. As pesquisas indicam que os eleitores que lhe deram o benefício da dúvida e/ou o sufragaram para se livrar de mais uma administração petista o estão abandonando. Bolsonaro parece confundir a admiração da franja radical de seguidores nas redes sociais com a sociedade em geral. Seu estilo agressivo agrada só a seus fãs, entre os quais muitos não defendem a democracia.

Após levar a Petrobras a perder R$ 32 bilhões de seu valor, o presidente voltou suas atenções para o Banco do Brasil. Primeiro, fez o que não podia, ao pedir o cancelamento de propaganda do banco que ressaltava a diversidade e a demissão do diretor de marketing. O novo secretário da Secom, Fabio Wajngarten, que conta com a simpatia de filhos do presidente, moveu seus peões para que toda a publicidade oficial, daí para frente, incluindo a das estatais, passasse pelo crivo da Presidência. Foi lembrado pelo ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, de que isso fere a lei. O Ministério Público em seguida pediu ao TCU que avaliasse a atitude de Bolsonaro. O lembrete de Santos Cruz de que existem leis a serem cumpridas bastou para que emergisse "nova guerra" entre os protegidos de Carlos Bolsonaro e os militares.

Manuel Bandeira: Os Sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
— “Meu pai foi à guerra!”
— “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”.

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — “Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”